Fim de férias! Tou de volta com os meus rabiscos para divertir e chatear uns e outros. Então vamos lá.
Apesar de todo o avanço da ciência, creio que ainda não foi possível comprovar que os animais, obviamente com exceção do homem, possam sonhar.
E o sonho é algo indispensável à plenitude da vida humana. Com ele somos capazes de restabelecermos o equilíbrio diante da realidade por meio do intangível. A mente precisa desse contraponto que lhe permite enxergar coisas no escuro, encontrar novos caminhos mesmo se nenhum deles leve a algum destino.
Charles Darwin demonstrou que todos os animais evoluem a partir de um processo de seleção natural dos espécimes mais fortes, e sua teoria não exclui o homem desse desenrolar histórico. No entanto, ao poder sonhar, o homem foi capaz de dar um salto muito além dos demais seres vivos. Como na famosa cena de 2001, Uma odisséia no espaço de Stanley Kubrick, baseado no livro de Arthur C. Clarke, quando um ancestral humano vendo um osso, o pega com a mão e o utiliza como uma ferramenta, como um bastão que lhe permitiu sobrepujar seu oponente.
Sonhar é imaginar, ou seja, ver uma imagem aonde não havia nada, “ver no escuro”, pensar em outras possibilidades além daquelas consagradas por instinto, que é o que fazem os animais incapazes de sonhar.
Kubrick identificou no osso letal o salto a partir do qual o homem sonhador, imaginador, pôde chegar ao futuro, ao espaço, a criar uma nova entidade capaz de sonhar como ele. E por trás, quer dizer paralelo a tudo, a música!** Não poderia ser diferente, afinal a música é o que melhor expressa a capacidade sonhadora do homem. Podemos “ver” beleza num canto de um pássaro, mas ele o faz por instinto, sempre tocando a mesma música, ao contrário de um ser humano, que no silêncio consegue sonhar uma nova melodia. Daí, em posse de um instrumento, ele verá como a harmonia e o ritmo, guiados pela imaginação, proporcionarão a transformação da realidade pois algo novo acaba de surgir para dar um outro sentido ao real.
Se no início sonhamos dormindo, logo aprendemos a sonhar acordados, e felizes são aqueles que conseguem acordar do sonho que se faz acordado.
Há também o risco de, ao entrarmos no mundo dos sonhos, não sermos capazes de sair de lá deliberadamente. A realidade passa então a ser guiada arbitrariamente, pois Morfeu passa a dominar a totalidade das nossas ações. Deixando de ser um agente criativo que consultamos eventualmente, o príncipe dos sonhos inverte os papéis, aprisionando-nos num mundo fantástico tanto quanto irreal.
Em tese, isso ocorre muito mais por descuido, dado o fascínio que Morfeu nos exerce. O sonho em vez de ser um ambiente para descansarmos da realidade ao mesmo tempo em que nos alimenta de ideias para enfrentá-la, passa a ser fuga, um destino desejado do qual não queremos mais regressar. E há quem de lá não retorna nunca mais.
* Esse é o título do samba do carnaval da Unidos de Vila Isabel em 1980, composto por Martinho da Vila, Rodolpho e Graúna.
** Kubrick usou eloquentemente na trilha sonora composições de Johann e Richard Strauss.
*** Não deu pra falar da tragédia das chuvas, daí resolvi fazer um desenho que remetesse o desastre com o tema do primeiro rabisco do ano.
É curiosa esta análise do sonho e de Morpheu, porque na revista Sandman, de Neil Gaiman, há um personagem do Sonhar que foge para a realidade, Fidller's Green, travestido em um escritor inglês do século passado.
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