domingo, 20 de março de 2011

Letras góticas na parede (Yoani Sánchez)

Quando os filhos chegam a essa idade difícil que são os 17 anos, nós mães já estamos um tanto esgotadas pelas transformações de sua longa adolescência. Começam então a se cumprir, ou a frustrar-se, os sonhos de estudos superiores que, juntos, acalentamos. Aqueles que passaram pelo pré-vestibular faltando às aulas e com o caderno dobrado no bolso veem refletir-se o resultado de suas andanças na incapacidade de entrar na universidade. Todavia, para quem esteve maior tempo junto aos livros, nem sempre o desenlace corresponde a suas expectativas profissionais. A imprensa oficial cubana acaba de anunciar que haverá este ano uma importante redução das vagas para o ensino superior.

Durante várias décadas em Cuba, os jovens passavam automaticamente do ensino médio ao superior, sem vestibular. Eram os anos do escoramento do regime pelo Kremlin e existia a ideia de que todos devíamos obter um diploma de graduação em algo. Os trabalhos manuais foram subestimados e tarefas como semear a terra, varrer um parque ou reparar um eletrodoméstico eram muito pouco valorizadas socialmente. A profissão mais desejada pela maioria dos pais - os filhos em geral se deixavam levar pelo desejo dos progenitores - era a de médico. Daí que milhares e milhares de futuros doutores desfilaram pelas congestionadas aulas das faculdades de medicina.

Nas salas das casas podiam ver-se, emoldurados em dourado, títulos tão incríveis como "Engenheiro em reações nucleares" pela Universidade de Moscou ou "Especialista em exploração hidrelétrica" graduado em Leipzig, antiga Alemanha Oriental. As famílias competiam entre si em relação à especialidade a que se dedicariam seus rebentos, enquanto obrigavam os menores a entrar nas aulas do ensino superior. O pior desengano para um pai era escutar que seu jovem filho somente queria ser enfermeiro ou taxista. As ruas se encheram de gente com os mais altos estudos, mas faltavam braços para fazer as tarefas manuais de cada dia. A pirâmide profissional se inverteu e chegaram, então, novos problemas.

Ao nos cair em cima a crise econômica dos anos 90, todo esse desespero para obter um diploma foi por água abaixo. Passou a ser comum ver-se como motorista de um ônibus turístico o aplicado neurocirurgião que até há pouco salvava vidas numa sala de cirurgia. Salários ínfimos desestimularam professores, engenheiros e acadêmicos a seguir exibindo, com orgulho, o fruto de seus longos estudos. Ante as limitações legais para sair do país, os graduados em centros de altos estudos se viram em desvantagem diante de técnicos e operários que podiam viajar com mais liberdade.

Outro tanto ocorreu com os sonhos paternos em relação ao futuro profissional de seus filhos. Em muitos lares, deixou-se de estimular os adolescentes a entrar na universidade, para indicar-lhes o caminho curto de um emprego manual pelo qual obteriam melhor remuneração. Voltou-se a dizer, com orgulho, "meu filho é mecânico" ou "a menina quer ser cabelereira", pois em trabalhos como esses podia-se ganhar, num dia, o que um sacrificado médico obtinha num mês. Alguns até advertiam claramente os filhos de que o diploma já não era um fetiche para mostrar aos amigos, mas um forte grilhão que os ataria ao trabalho estatal.

Minhas amigas preferem que seus filhos vendam pizzas ou façam trabalhos de costura, numa sociedade repleta de profissionais que não encontram emprego de acordo com seus conhecimentos. Jogam-lhes na cara se preferem passar cinco anos estudando para depois receber um salário menor que o do vizinho, que preferiu trabalhar por conta própria.

Os papéis se inverteram e agora as avós alardeiam que um neto se tornou cozinheiro de um hotel, de onde traz todos os dias alguma carne e leite. Os diplomas de antanho seguem nas salas das famílias, embora hoje gerem mais interrogações do que poses de orgulho. Uma boa parte dos profissionais, ao ver as letras góticas que confirmam sua alta capacitação, somente atinam a se perguntar se valeu a pena, se tão longo sacrifício foi para isto.

YOANI SÁNCHEZ é filóloga. Blog: www.desdecuba.com/generaciony.
Fonte: O Globo

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