sexta-feira, 28 de outubro de 2016

PT se transformou em partido de direita (José de Souza Martins/entrevista)

Apesar das críticas contundentes ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o sociólogo José de Souza Martins, 78, contestou as acusações contra o petista e acredita que até agora não há prova de crime para que ele seja condenado.
"Querer botar na cadeia por botar na cadeia é uma besteira, porque desgasta o processo de que o Brasil precisa, que é uma depuração do que o empresariado faz", afirmou.
Para o professor titular aposentado da USP, o PT é um partido de direita e o crescimento do segmento evangélico nas urnas "é preocupante".
• Folha - Qual é a sua interpretação do encolhimento do PT nas urnas?
José Martins - O encolhimento nas urnas foi o episódio final de um encolhimento que começou na campanha eleitoral do Lula em 2002, quando o partido faz acordos políticos para chegar ao poder que implicaram em renunciar a tudo que era o compromisso político e ético do partido com as chamadas bases populares. Com isso, foi descartando as lideranças mais representativas do ideário original.
• Isso reduziu sua identificação com a esquerda?
Três grandes facções dizem o que o PT é. Uma a sindical, representada pelo Lula. Apesar de se falar em novo sindicalismo, não mais tutelado pelo Estado, a estrutura do sindicato continuava sendo de direita, autoritária, corporativa, etc. Não dá para falar em esquerda aí. A segunda facção era a da Igreja Católica e a terceira, grupos de esquerda antistalinistas, mais intelectual. São de esquerda, mas residual, não orgânica ou doutrinária.
• Para onde foi a esquerda doutrinária brasileira?
Hoje é o PPS, que se transformou em partido social-democrata.
• Mas o PPS é tido como partido de centro-direita por analistas de esquerda.
Não é, isso é maldade dos petistas. O PT bota carimbo de direita em todo mundo. eles nem sabem o que é direita. Na verdade, eles são a direita hoje, porque se tornaram o partido do poder, não o partido de uma causa, da superação dos problemas políticos e sociais do país.
• Ser do poder qualifica um partido como de direita?
Se é do poder pelo poder e não para fazer superação das contradições, ele tem funções de direita e eu acho que o PT caiu nessa. Desde pelo menos 2002.
• Quem então representa a esquerda, a direita e o centro no Brasil?
Somos um povo partidarizado, mas não politizado. Não temos partido de esquerda que doutrina o processo histórico. É muito o poder pelo poder. Você tem facções, o PSOL, que é residual de qualquer modo. Não vejo potencial. Em compensação, cresce o partido evangélico. O PRB fez muitas prefeituras e provavelmente vai fazer no Rio de Janeiro também. Isso é direita. Aqui o partido quer chegar ao poder e depois faz exatamente o que todos fizeram.
• O PSDB também?
PSDB também, não é diferente. Muda o estilo, não essencialmente. O PSDB é uma vítima do sistema como qualquer outro.
• Vítima?
Sim, porque você não pode governar se não transige com partidos de orientação oligárquica. PMDB e esses que representam as regiões politicamente atrasadas, partidos familistas, aquele monte de assessor, cargo de confiança etc.
• O PT também é uma vítima desse sistema?
É uma vítima que gostou de ser vítima. Esse é o erro do PT, acho que era um bom negócio fazer um tratado com essa gente em nome do poder.
• E o PMDB?
O PMDB é um partido oligárquico, representa o Brasil arcaico. Aproximou-se do governo Fernando Henrique, que era centro-esquerda, e se aproximou do PT, que era um pouco mais de esquerda, e agora está com Temer, que você não vai dizer que é de esquerda ou centro-esquerda.
O localismo é muito importante na política brasileira, desde o século 19, e não tem ideologia doutrinária. Ele é a sua própria ideologia no exercício do poder, de distribuir cargos para os amigos, uma coisa que o Lula tentou fazer e se enganou porque deixou de ouvir os discordantes.
• Voltando ao PSDB, Alckmin e Doria também representam o centro-esquerda?
De jeito nenhum. Eu não diria que Alckmin é direita, é centro. O centro é muito difuso, cabe tudo. É que nem biquíni, mostra o supérfluo e esconde o principal. O Doria eu acho que não vai para a esquerda de jeito nenhum.
• Mas vai para a direita?
Acho que não. A direita é a direita violenta, o regime militar, que justifica toda a violência possível contra as pessoas e as práticas iníquas que você pode imaginar.
• Mas o PRB representa isso?
É um partido de enquadramento moral de todo mundo. Se o PRB ganhar, você se cuide. Vai ter de se enquadrar.
• O PT oferece o mesmo risco?
É um partido de centro-direita, corporativo, de tradição conservadora, com uma visão da sociedade de enquadramento, tanto que se você não for petista você não conversa com petista.
• Por isso o senhor critica o congresso da Anpocs?
Sim, o PT esteve no poder 13 anos e a Anpocs nunca fez um debate sobre os problemas do PT, que eram óbvios. O Fernando Henrique Cardoso, que é um grande sociólogo, reconhecido internacionalmente, um teórico, inclusive, nunca foi convidado. Tem um monte de exceções aqui dentro, mas tem esse viés corporativo de não querer abrir um flanco com o PT. Foi um erro não ter aberto debate crítico, da Anpocs e das universidades.
• Como recebe as denúncias contra Lula?
O Lula é o aluno que eu queria ter tido na universidade. Ele não toma nota, ouve –coisa que os alunos não fazem mais–, aprende, compreende e toma as decisões dele. Não segue assessor. Se provarem que ele recebeu pessoalmente dinheiro, não terá alternativa senão ir para a cadeia. Agora, precisa provar e não estou vendo nada por aí. E querer botar na cadeia por botar na cadeia é uma besteira, porque desgasta o processo de que o Brasil precisa, que é uma depuração do que o empresariado faz.
Quando Lula vai para a cadeia? Provavelmente não vai, porque sabia quais eram os limites do presidente da República. Os assessores que achavam que sabiam demais e estão aí agora.
• Palocci, Mantega?
Ah, sim, e Dirceu. Esse pessoal sempre achou que ia mandar no Lula. Se o Lula se implicou [nos casos de corrupção], é muito mais esperto do que os outros. No começo do ano, eu achava que ele tinha chance em 2018. Era o candidato mais provável.
• Continua achando?
Não acho tanto mais. Porque os grupos de apoio se afastaram e um decisivo é o da igreja. Ele deveria deixar de se candidato e se colocar como espécie de mentor espiritual, como o FHC. Se fizer isso, o PT recupera o poder. Mas ele dá sinais de que não compreendeu isso.
Thais Bilenky - enviada especial a CAXAMBU (MG) – Folha de S. Paulo
( 27/10/16)

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

A centro-direita não tem pressa (Marcos Nobre)

Até 2014, parecia que tinha se tornado parte da paisagem política a polarização entre uma candidatura de centro-direita e outra de centro-esquerda. A partir da eleição de 1994, o PT conseguiu se firmar como líder inconteste da esquerda, o que se confirmou na eleição seguinte, em 1998, com a chapa Lula-Brizola. Em 2002, o PT estendeu sua hegemonia para o campo da centro-esquerda, o que foi simbolizado pela chapa Lula-José Alencar.
As eleições municipais ainda em curso já mostraram que essa polarização deixou de ser uma evidência. Apesar de muitas cidades terem segundos turnos com a presença de candidaturas de esquerda e de centro-esquerda, essa presença não mais se confunde com o PT, direta ou indiretamente. Dominam os cenários em que mesmo candidaturas competitivas de esquerda e de centro-esquerda podem não conseguir lugar em um segundo turno (como aconteceu em Porto Alegre). Mesmo quando conseguem o segundo lugar na votação, podem ser derrotadas em primeiro turno (como aconteceu em São Paulo).
Essa situação explica em boa medida o que está acontecendo hoje no campo da centro-direita. Em 1989, a grande quantidade de candidaturas competitivas fez com que a concentração de forças nos dois polos que foram ao segundo turno ocorresse a uma ou duas semanas da eleição. A concentração de votos em Fernando Collor na reta final lhe deu os 28% necessários para terminar em primeiro lugar. Lula garantiu sua vaga no segundo turno com 16% dos votos, coisa de 0,5% a mais do que o terceiro colocado, Leonel Brizola.
Em 1994, o esforço concentrado do campo da centro-direita na candidatura de FHC se deu bem cedo, ainda no período de implantação do Plano Real. Isso aconteceu em grande medida porque Lula era favorito destacado para vencer a eleição. Foi a constituição do polo de esquerda que garantiu as condições para a formação da aliança entre PSDB-PFL que elegeu FHC. Nada une mais um campo político do que um adversário com musculatura eleitoral no outro campo.
A atual ausência de coesão à esquerda permite que a centro-direita deixe para 2018 a definição sobre seu real polo aglutinador. Não há por que decidir a disputa entre os pretendentes desde já, o que seria um imperativo se um polo competitivo de esquerda ou de centro-esquerda já tivesse se constituído. O novo quadro posto pelo impeachment e pelos resultados das eleições municipais tornou realista um cenário de segundo turno em 2018 com duas candidaturas de centro-direita. Ou mesmo, como no caso da eleição peruana recente, um segundo turno disputado entre uma candidatura de centro-direita e outra de extrema direita.
A partir do momento em que o impeachment foi aceito, em dezembro de 2015, o PT lançou mão uma vez mais do recurso de forçar a identificação do partido com o campo da centro-esquerda. Buscou fazer com que a defesa do mandato de Dilma Rousseff fosse identificada a uma defesa do PT e do legado de 13 anos de governo. A identificação só funcionou de fato para os adversários e inimigos. Para grande parte de quem foi à rua para se opor ao impeachment de Dilma Rousseff não se tratava de defender seu governo, mas de defender o próprio campo da esquerda e da centro-esquerda contra o que se entendia ser uma ofensiva de aniquilação por parte do campo da direita e da centro-direita. E essa defesa já não aceitava nem pressupunha a identificação desse campo com o PT.
Foi dessa maneira um tanto paradoxal que o PT perdeu a posição de líder inconteste do campo da esquerda e da centro-esquerda. Do lado da esquerda, o PSOL já mostrou que pretende essa posição. Do lado do centro, o PDT não se cansa de dizer que agora é a vez dele de liderar o campo da centro-esquerda. De todos os lados, forças de esquerda e de centro-esquerda já deixaram claro que qualquer ação em defesa de Lula não significará aceitar a identificação entre Lula e o campo político a que pertencem. Qualquer ação nesse sentido só poderá contar com todas as forças envolvidas se tiver o mesmo caráter do movimento em defesa do mandato de Dilma Rousseff. Defesa de um campo e não de um governo ou de uma liderança, muito menos defesa do PT.
No campo da esquerda e da centro-esquerda, sequer se formou uma efetiva frente de oposição ao governo. Na ausência de um polo eleitoral definido desde já na centro-direita (definição prematura, que não interessa a esse campo no momento), uma frente oposicionista seria um primeiro passo para a reaglutinação de forças no campo de esquerda e de centro-esquerda. Mas mesmo essa unidade negativa parece hoje frágil, apesar dos sucessivos tiros no próprio pé do governo Temer. No campo da esquerda e da centro-esquerda vigora uma trégua tensa que se encerrará com o segundo turno das eleições municipais. Depois disso, a tendência é hoje de rachas internos aos partidos e de lutas entre os partidos pela hegemonia do campo.
Também porque hegemonia não se mede apenas em termos de quantidade de votos, cargos ou tempo de propaganda na TV. A liderança do PT da esquerda e da centro-esquerda foi construída ao longo de mais de 30 anos de redemocratização. Tem gente no campo da esquerda disposta a tentar repetir o longo caminho do PT, respirar fundo e topar um novo desafio de três décadas. Tem gente no mesmo campo que diz que é ilusão perigosa pensar que se voltou aos anos 1980 quando tanta água política já rolou embaixo da ponte de Temer.
Quem está mais ao centro do campo considera risível a espera. Pretende apenas recolher o espólio que puder dos escombros e partir para uma candidatura com potencial de chegar ao segundo turno em 2018, com o objetivo de pelo menos se firmar como um dos polos aglutinadores para as eleições seguintes. À sua maneira, também essa tática pretende repetir o PT, mas unicamente do ponto de vista eleitoral. Aposta que, chegando ao segundo turno da eleição em 2018, uma força de centro-esquerda vai se estabelecer como polo das eleições subsequentes, obrigando o restante das forças políticas do campo a se aglutinarem em torno dela ou se colocarem fora do jogo eleitoral.
(*) Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.
Fonte: Valor Econômico (24/10/16)

domingo, 23 de outubro de 2016

Os podres da República e a sorte de Moro (Marco Aurélio Nogueira)

Bastou a prisão de Eduardo Cunha para que as nuvens ficassem mais carregadas e os dilemas da República se agigantassem.
Já se sabia de tudo, mas a prisão trouxe à tona uma trajetória que chama atenção pela longevidade, pela desfaçatez e pelo tamanho das ilicitudes. Cunha tem peso próprio, não é um qualquer quando se trata de exploração das brechas existentes na legalidade e na cultura político-administrativa do Estado brasileiro. É um profissional. As acusações contra ele abrangem um leque impressionante de fraudes, negócios escusos, abusos e irregularidades. Vêm lá de trás, mais ou menos do final dos anos 1980. Como foi possível sobreviver durante tanto tempo e seguir uma carreira ascendente que poderia tê-lo levado à Presidência da República? O sistema assistiu impassível à performance, que teria continuado se não houvesse a Lava Jato.
No mínimo por isso, o juiz Sergio Moro merece aplausos. Ele está a desnudar os podres de nossa vida estatal, valendo-se de uma obstinação que o tem ajudado a resistir a intempéries mil, ainda que o levando em certos momentos ao limite da temperança e da moderação.
As vozes mais sensatas e certeiras da República afirmam que a pressão sobre Moro aumentará terrivelmente. A prisão de Cunha fará um tsunami desabar sobre o juiz, impulsionado tanto pelos ventos que sopram do lado dos que não desejam o prosseguimento da Lava Jato, quanto pelos vagalhões produzidos por aqueles que não gostam do estilo de Moro e o veem como autoritário. No governo Temer, no Congresso e na oposição, quem tem o rabo preso está suando frio. A lógica das coisas aponta na direção deles. Decaído o chefe, é de esperar que o restante dos dominós caia também, ou seja ao menos ameaçado. Sobretudo se Cunha der com a língua nos dentes, contar o que sabe, com quem tramou, por que o fez, quanto ganhou e quanto distribuiu. Nitroglicerina pura, que será por ele usada com inteligência estratégica e instinto de sobrevivência, atributos que não lhe faltam.
No day after da prisão, não faltou quem fizesse a ilação apressada: Cunha derrubará Temer ou lhe roubará as bases de apoio a ponto de levar seu governo à asfixia. Setores da direita e sebastianistas de esquerda deram-se as mãos, desavergonhadamente, para atacar as detenções preventivas decretadas por Moro. Alegaram que elas ferem o Estado de Direito, que a prisão de Cunha não passaria de pretexto para prender Lula, que a Lava Jato teria criado a imagem da “corrupção sistêmica” só para justificar o arbítrio da república de Curitiba e “criminalizar o PT”. Cunha seria mais uma vítima desse procedimento judicial que fere a justiça, abusa da autoridade e desrespeita direitos.
Moro respondeu quase de imediato. Em palestra feita em Curitiba para desembargadores e juízes do Paraná, reiterou que a “aplicação vigorosa da lei” é o único meio de conter casos de “corrupção sistêmica”. As detenções cautelares seriam indispensáveis, até para deixar estabelecido que “processos não podem ser um faz de conta”. E explicou: “Jamais e em qualquer momento se defendeu qualquer solução extravagante da lei na decretação das prisões preventivas”. Seria preciso manter viva a “fé das pessoas para que a democracia funcione”, ou seja, impedir que se perca a “fé maior, de que a lei vale para todos”.
Evidenciou-se assim que o juiz sabe que a pressão sobre ele continuará a crescer. A coisa toda, no fundo, pode ser vista de forma mais simples.
Quando gente de direita e de esquerda se une para atacar um juiz, é porque há algo de muito errado no xadrez político. A causa, no mínimo, torna-se suspeita de antemão, especialmente quando estruturada para proteger pessoas que estão a ser investigadas há tempo, com provas que se superpõem e se acumulam.
Um juiz tende a ter atrás de si todo o sistema da Justiça: outros juízes, promotores, procuradores, tribunais, leis, jurisprudências, ritos consagrados, policiais federais. Moro não é, evidentemente, uma unanimidade entre seus pares e há muito conflito entre os órgãos e os aparatos de investigação e penalização. Mas, de algum modo, atacar hoje um juiz como ele pode significar um ataque ao conjunto do sistema.
Afinal, tudo parece indicar que a “corrupção sistêmica” está aí e atingiu níveis graves, que precisam ser contidos não só por uma questão de justiça, mas também por uma questão operacional: o sistema enfartará se não for “purificado” e esvaziado de trambiques e sujeira. Se é assim, em maior ou menor grau, Moro tem razão quando fala que “a condição necessária para superar a corrupção sistêmica é o funcionamento da Justiça”. Não haveria por que propor alguma espécie de “solução autoritária”, mas é preciso que se tenha vontade para que os processos cheguem a bom termo.
Ações judiciais na esfera política são acompanhadas com interesse pela sociedade, especialmente numa época de informações intensivas e protagonismo das opiniões. O cidadão assiste àquilo como parte de uma “limpeza” que ele gostaria de ver realizada. Muitas vezes joga o bebê fora junto com a água do banho: condena todos os políticos sem se esforçar para perceber que há diferenças entre eles, raciocina com o fígado e bate em todos como se fossem farinha do mesmo saco.
Se uma sociedade rejeita a corrupção sistêmica, o enriquecimento ilícito e os políticos “sujos”, com seus empresários a tiracolo, então não será o ataque a um juiz que vai convencê-la do contrário. Tal ataque, porém, se bem-sucedido, poderá fazer com que ela não se mobilize.
Até prova em contrário, se a sociedade assim quiser e souber se manifestar, Moro seguirá em frente, contra o sistema político que deseja seu silêncio, contra o governo e a oposição, contra o histrionismo da direita e as lágrimas de crocodilo da esquerda.
22/10/16

A tormenta não irá parar em 2018 (César Felício)

O signo da Lava-Jato não se restringe ao ciclo de hegemonia de um partido político, como tornaram evidente os acontecimentos no último mês. As ações contra Guido Mantega e Antonio Palocci apertaram o laço sobre o PT, Cunha nas mãos da força-tarefa ensombrece o destino do PMDB e as delações de Marcelo Odebrecht e suas dezenas de executivos trazem em si o potencial de atingir de forma generalizada o cardinalato do PSDB.
Quem quer que seja eleito dentro de dois anos estará sob investigação, ou alicerçado em partidos ou estruturas na mira da polícia. A eleição de 2018 não será uma nota de corte em relação ao processo atual.
Não por acaso o contágio democrático, universal e amplo das denúncias impulsiona o veio reformista do Congresso. Trata-se da elite política procurando ordenar uma tendência que parece inexorável: a do fim do sistema partidário como ora é conhecido. Na grande maioria dos países em que uma crise política aguda se instalou, encontrando-se em geral com uma crise econômica, este sistema se dissolveu. Estão aí os exemplos da Venezuela, Itália e do Peru nos anos 90, a Argentina do corralito, e, mais recentemente, Grécia e Espanha.
Proibir coligações, estabelecer cláusula de barreira e rever as regras da eleição proporcional, se prosperarem, serão tentativas de dirigir este processo de mudança. Não se aposta na eleição de um presidente que reorganize um núcleo de poder, nem mesmo com o início de conversas mais concretas entre o PMDB e o PSDB sobre o que virá.
A eleição de João Doria em São Paulo, que é a única que verdadeiramente conta para a eleição presidencial, colocou Geraldo Alckmin no primeiro plano da vitrine do que há disponível para 2018. O governador paulista provou com sua vitória na capital que tem densidade para bancar uma guerra interna no partido pela candidatura presidencial.
Sua personalidade reúne várias virtudes que podem impulsioná-lo em 2018: é um conservador distante dos extremos, o que lhe confere a compostura necessária para agregar o eleitor antipetista, e com um provincianismo que transmite simplicidade e sinceridade nos modos. Mas terá que atravessar muitos rios caudalosos.
Seu ponto mais vulnerável é sua gestão em São Paulo. O peso dos anos se faz sentir e os tucanos já estão no fim do 21º ano de governo, dez dos quais sob o mando de Alckmin. As fragilidades das realizações administrativas se tornam claras. Os fatos falam sozinhos sobre o êxito do governo estadual em disputar o controle dos presídios com o crime organizado, sua capacidade de diálogo com professores e estudantes para reorganizar o ensino e tino para tocar obras de transporte no prazo e sem soluções de continuidade.
Alckmin tem o desafio da desconexão entre sua imagem pessoal, que é boa, e a de seu governo, regular na melhor das hipóteses, e pode ser puxado para baixo pelo que a base tucana fez em verões passados. Uma candidatura presidencial sua não muda o sinal que a eleição de 2018 deverá trazer.
A renovação que procurou construir com a eleição de João Doria terá dificuldade de servir de anteparo ao dano que os acordos dos empreiteiros com os investigadores poderá trazer ao PSDB, sobretudo em relação a casos de "caixa 2". É um rumor que cresce mesmo entre aliados paulistas de Alckmin, impressionados com os primeiros dados revelados pelas planilhas do "setor de operações estruturadas", que vieram à luz no fim de março deste ano.
Ainda que nada exista no horizonte envolvendo diretamente o governador com algum malfeito, ele corre o risco de se misturar com o desgaste que pode crescer sobre o PSDB de São Paulo.
O governador paulista ainda pode ser condicionado pela complexidade da aliança que terá que armar. O vice-governador, Márcio França, não é tucano. Pode abrir caminho para Alckmin dentro do PSB, mas dificilmente abrirá mão de concorrer à reeleição, se assumir o cargo de governador no caso de desincompatibilização.
França não tem densidade para concorrer ao governo, mas, em pleno voo na aventura presidencial e frente ao desgaste de sua administração, Alckmin não terá como patrocinar um novo João Doria para disputar o Palácio dos Bandeirantes. Alternativas como Alexandre Moraes, Floriano Pesaro e do próprio Doria são, cada uma, inviáveis à sua maneira.
A depender do arranjo que se faça para a sucessão presidencial, Alckmin pode atar o seu destino ao do PMDB, o que abriria caminho para uma candidatura ao governo de Paulo Skaf. Mas a coligação tucano-pemedebista a este nível pode ampliar a exposição de uma candidatura presidencial nesta aliança ao ambiente corrosivo de denúncias.
O casamento entre PMDB e PSDB, ressalte-se, é um imperativo que tende a se concretizar independentemente dos rumos da Lava-Jato. Não os unirá o amor, e sim o espanto, como escreveu Borges em um poema. O PSDB depende do sucesso de uma política econômica, o PMDB precisa de lastro para fazer a travessia até 2018 e o furacão da Lava-Jato deve reforçar a necessidade mútua.
O apoio do PMDB a um tucano para a sucessão de Temer é uma hipótese muito mais provável que a de candidatura própria do partido. A credibilidade do presidente para angariar apoio ao seu duro plano de ajuste fiscal sempre depende das garantias que apresenta de não concorrer. Elas são exigidas não apenas pelo principal partido aliado, mas também pela elite empresarial. Interessa ao mercado que um governo desconectado de uma lógica eleitoral, ao menos no curto prazo, administre o país.
A marca da Lava-Jato em 2018 deverá se dar em algum momento do próximo ano, com a provável condenação de Lula em segunda instância. Retirado do cenário o líder nas pesquisas de intenção de voto, restará um cenário onde nenhum dos presidenciáveis ultrapassa hoje 19% das preferências. Não há espaço para o fato novo, o ser providencial.
Fonte: Valor Econômico (21/10/16)

Doria-Crivella, a armadilha (Demétrio Magnoli)

Geralmente, num sistema político polarizado, a derrota de um dos polos transfere a hegemonia temporária para o outro. A regra indicaria que, após a derrota histórica do PT, pontuada pelo impeachment e pelas imputações judiciais contra Lula, abre-se uma era de predomínio do PSDB. Uma análise convencional dos resultados das eleições municipais, nas quais os tucanos colecionam triunfos quantitativos e qualitativos, reforça a ideia de uma oscilação decisiva do pêndulo rumo ao partido de FHC. Contudo, acreditar nisso equivaleria a perder de vista o principal: a queda do lulopetismo assinala o encerramento da bipolaridade que vincou a política brasileira nas duas últimas décadas. Depois de Dilma, é o dilúvio.
O sistema político brasileiro nunca foi realmente bipolar. PSDB e PT revezaram-se no poder, mas jamais configuraram algo parecido com um sistema bipartidário. O PMDB, essa federação de partidos pragmáticos regionais, funcionou como elemento estabilizador, aliando-se ora com um, ora com o outro. A crise do sistema acarretou a multiplicação de partidos e as heterogêneas alianças parlamentares do lulopetismo. Isso que ficou conhecido como “presidencialismo de coalizão” prossegue, agonicamente, no governo transitório de Michel Temer. São os dobres de finados da “Nova República”.
As eleições municipais não devem ser interpretadas como uma vitória tucana, mas como um paradoxal triunfo da chamada “base de Temer”. A vitória eleitoral nada tem a ver com uma aprovação do governo federal, que é majoritariamente rejeitado. Nas urnas, os eleitores condenaram o lulopetismo, sufragando os candidatos antipetistas. Com raras exceções, como o Ceará controlado pelo clã dos Ferreira Gomes ou o Acre ainda sujeito à família Viana, os eleitos pertencem ao extenso arco da base governista. Ao lado das variadas circunstâncias locais, o antipetismo operou como força decisiva no ciclo eleitoral.
A crise manifesta-se nitidamente como derrocada do PT, mas atinge toda a elite política, vista como uma coleção quase indiferenciada de máfias consagradas à captura de riquezas públicas. Ao longo dos anos de oposição, o PSDB perdeu sua identidade e dividiu-se, irremediavelmente, entre três caciques hipnotizados por suas ambições pessoais. A principal conquista tucana, a eleição de João Doria, em São Paulo, não representa um triunfo do partido, mas uma vitória de Geraldo Alckmin no seu feudo interno com José Serra. Na campanha, cuja tônica foi o antipetismo, o candidato surfou na aversão pública à elite política, cobrindo-se com o manto ilusório da eficiência administrativa. O PSDB atual, repleto de figuras parlamentares ligadas às igrejas neopentecostais, pouca relação mantém com o partido de centroesquerda fundado por Franco Montoro, Mário Covas e FHC.
O horizonte de 2018 parece distante, além de sujeito às turbulências das investigações policiais e judiciais de corrupção, que tendem a derrubar nomes notórios do núcleo governista e de suas adjacências. Entretanto, na paisagem de ruínas, não é difícil identificar os vetores políticos da disputa pelo Planalto. A “esquerda” (aspas necessárias), um campo que vai do PDT de Ciro Gomes ao PSOL, passando pelo PT, não é alternativa real de poder e usará as eleições para tentar se reinventar, unida ou dividida, após o longo período de hegemonia lulopetista. De fato, em princípio, o poder será disputado entre a “base de Temer” e a possível candidatura de um “outsider”. Eis aí uma perspectiva duplamente assustadora.
A “base de Temer” é um vasto condomínio que reúne fragmentos saudáveis da elite política a incontáveis tons de atraso, inclusive os setores ultrafisiológicos do PMDB e do “Centrão”, os deploráveis cruzados das igrejas de negócios e uma direita nostálgica do regime militar. A sua continuidade, por meio de um candidato tucano ou de algum personagem de ocasião, representaria a tentativa de perenização do que há de mais anacrônico na política brasileira. Significaria, entre outras coisas, o enterro da oportunidade de erradicação da corrupção crônica que envenena a máquina da administração pública.
Ao contrário do que pensam os analistas vulgares, o resultado das eleições municipais não reduziu as chances de triunfo de um “outsider”. Marina Silva, a mais notória liderança com esse perfil, pode ter sucesso se optar por uma aventura baseada na rejeição generalizada aos partidos tradicionais. Porém, evidentemente, um hipotético governo nascido nesse berço, carente de estruturas partidárias sólidas, estaria condenado a extinguir-se em desastre. A difusão da antipolítica é um reflexo da crise terminal da “Nova República”, mas não uma solução para o desmoronamento do sistema político.
Dias atrás, encontraram-se Temer e FHC. O diálogo entre ambos tem algum sentido, se a meta for ajustar os ponteiros para a votação de medidas urgentes, como a PEC do teto dos gastos e a reforma previdenciária. Outra coisa é a soldagem de uma aliança estratégica, cujos sinais aparecem aqui e ali, como no apoio dos tucanos à candidatura de Marcelo Crivella. Seguindo essa rota, o PSDB confirmaria seu declínio, prendendo-se à armadilha do atraso.
Existe um amplo eleitorado órfão de representação política funcional. O Brasil sem voz defende a economia de mercado, redes adequadas de proteção social e forte prioridade para a qualificação da educação e da saúde públicas. Quer traçar uma fronteira intransponível entre a alta burocracia administrativa e as empresas estatais, de um lado, e os partidos políticos, de outro. Almeja um Estado efetivamente laico e cultiva os valores da liberdade individual e da tolerância à diversidade.
No horizonte de 2018, a emergência de uma plataforma desse tipo exige a cisão da “base de Temer” e uma profunda reunificação política de centro-esquerda. Nada disso se fará à sombra do paradigma Doria-Crivella.
Fonte: O Globo (20/10/16)

O que resta para a esquerda? (Alberto Aggio)

No início da década de 1990, Norberto Bobbio chamou a atenção para o fato de que, se era constatável a morte do comunismo, seria necessário admitir que as razões da sua existência permaneciam vivas, na medida em que se faziam presentes, ao redor do mundo, as marcas da desigualdade. Guardadas as situações e identidades diferenciadas, o argumento de Bobbio talvez possa ser útil na reflexão sobre a situação que se impôs depois do desastre eleitoral do PT. Os resultados eleitorais indicam, se não o fim do PT, ao menos o fim da era eleitoral de predomínio do petismo. Contudo as razões que marcaram a simbologia desse partido ainda se fazem presentes, além de outras que vão seguramente além do PT. Não à toa, voltou-se a falar em “refundação do PT”, em “nova esquerda” e mesmo numa “outra esquerda”.
Nascido na transição para a democracia, o PT contestou as instituições estatais da modernização autoritária, notadamente as que bloqueavam a livre ação sindical. Buscou um protagonismo exclusivo para demarcar sua identidade e virou as costas para os atores democráticos que lutaram contra a ditadura. Além disso, alicerçou-se na transformação societária que estimulou o consumismo de cima a baixo da sociedade, tornando homólogos interesses e direitos.
Seu grupo dirigente deriva de uma simbiose entre os derrotados da luta armada, católicos de base e sindicalistas que viam a lógica dos interesses econômicos como superior a qualquer outra. Cristalizou uma cultura política de rechaço, mesclando-a com a representação de interesses corporativos e setoriais. Ambas as operações serviram à lógica de conquista do poder. Foi assim que o PT se moveu nas disputas eleitorais sucessivas até conquistar a Presidência da República, em 2002.
Depois da conciliação inicial, o governo petista voltou a buscar sua identidade exclusivista por meio de um deslocamento regressivo notável: de um partido contestador do Estado e da sociedade, que se havia formado a partir da modernização autoritária, o PT retomou o programa nacional-desenvolvimentista, reafirmando a centralidade do Estado, para dar passagem a uma aliança instrumental com o grande empresariado, visando à sua inserção competitiva na economia globalizada. Essa estratégia reforçou o projeto de poder, que não poderia sofrer contestação, sob o argumento de que se tratava da defesa dos mais pobres e do interesse nacional.
Essa operação regressiva impactou a linguagem e as condutas da competição política, produzindo um efeito nefasto: a introdução da contraposição “nósversus eles”, que causou um efeito devastador para a convivência democrática. Em simultaneidade, os movimentos sociais foram perdendo a autonomia propositiva e de ação que tinham e, estatizados, passaram a servir ao projeto de poder do petismo. Com acerto, Luiz Werneck Vianna caracterizou essa regressão como “o Estado Novo do PT”.
A crise de 2008 e o aprofundamento da estratégia nacional-desenvolvimentista, redefinida como “nova matriz econômica”, jogou o País na maior crise econômica da sua História e a sociedade voltou a se defrontar com o flagelo da inflação, da recessão e do desemprego. Este cenário dramático e os processos de corrupção movidos pela Operação Lava Jato evidenciaram o vínculo entre o controle corrupto de estatais, como na Petrobrás, e o projeto de poder do petismo. O bumerangue não tardaria seu retorno, explodindo nas manifestações multitudinárias pelo impeachment até sua conclusão. O resultado eleitoral nada mais fez do que jogar uma pá de cal no projeto de poder do PT, sem remissão.
O que resta agora para a esquerda? Em primeiro lugar, é preciso ultrapassar o PT e superar o binarismo instituído na competição política e eleitoral. O raciocínio binário carrega consigo uma estupidez intrínseca, com suas oposições estanques e uma visão de futuro canhestra e inflexível. Depois do desastre eleitoral, o PT e a esquerda, que gira entorno dele, atualizaram esse binarismo com o diagnóstico de que sua derrota corresponde a um “avanço do conservadorismo”. Trata-se de um desdobramento mecânico da fábula do “golpe” e do “Fora Temer”.
Obviamente que há uma ascensão do conservadorismo na opinião pública. Isso é visível no plano cultural, mas ainda não atingiu com vigor a dimensão do político. Aliás, expressando-se por meio de lideranças de extrema direita, nessa dimensão, ele é francamente minoritário. É observável, contudo, que o conservadorismo ganha desenvoltura em confrontação com o binarismo petista, um modo de pensar apodrecido que não serve para nada.
De nada serve também advogar por uma “nova esquerda” buscando repor um passado que atribua a ela estratégias e o espírito de ação inspirado em Che Guevara ou no ativismo de maio de 1968. O mundo mudou substantivamente e isso já ficou para trás há muito tempo. Em paralelo a essa confusão há quem construa a utopia de uma “esquerda movimentista”, na qual a sociedade seja o “grande ator”, em substituição e de costas para os partidos. Os paradigmas seriam a Grécia insurgente do Syriza e a Espanha pré-Podemos: uma perspectiva de grandes ilusões e parcos resultados.
O mimetismo uruguaio é outro modelo reivindicado. Por ele se pensa a refundação do PT por meio de uma Frente Ampla de partidos e movimentos sociais. Essa operação visa a passar ao largo de uma autocrítica rigorosa e de inúmeras questões decisivas, tanto teóricas quanto políticas, deixando-se dominar inteiramente pelo cálculo eleitoral. Parece ser uma “solução” instrumental e retórica, nada mais do que isso.
Todas essas proposições estão fadadas ao fracasso. Elas não enfrentam seriamente o problema e não empreendem verdadeiramente uma ultrapassagem do PT. O tempo exige uma “outra esquerda”, plural, democrática e reformista que possa superar as visões finalistas e ingressar no século 21 com
(*) Historiador, é professor titular da UNESP
Fonte: O Estado de São Paulo (18/10/16)

O que as urnas revelaram sobre o PT no ABC paulista (José de Souza Martins)

Em face dos resultados das recentes eleições municipais, as oposições ao PT caíram na enganosa euforia de considerar que o partido foi aniquilado pelas centenas de prefeituras que perdeu no País inteiro. Do lado do PT, os equívocos não foram menores. O partido continuou a considerar o PSDB, mais que seu adversário, seu inimigo e grande responsável por sua derrota. Deixou de analisar o cenário político profundamente transformado desde a posse de Luiz Inácio na Presidência da República, em 2003.
Para compreender essas eleições, tomo como referência o ABC, que é o lugar emblemático do surgimento e afirmação do PT. Se examinarmos em detalhe a presença do Partido na governança dos sete municípios que o compõem, veremos que a região nunca foi propriamente petista. Chegou ao poder municipal não raro em disputas apertadas com outros partidos, como o PPS, o PV, o PSDB, o PTB, o PMDB, o PSB. Desde 2000, o eleitorado do ABC tende a dispersar-se em vez de concentrar-se em um ou dois partidos.
Ali, o declínio do PT se deve mais a fatores sociais, econômicos e geracionais do que a fatores ideológicos. Ao longo da ferrovia, uma sucessão de galpões industriais em ruínas e terrenos vazios de indústrias que foram demolidas documenta as transformações econômicas regionais. Em São Caetano e Santo André, imensos terrenos de grandes indústrias ou estão vazios ou foram ocupados por edifícios de apartamentos ou comerciais. A indústria se foi e os empregos industriais também. Em Santo André, o número de trabalhadores da indústria, desde 1970, caiu quase metade, reduzido a apenas um terço da população economicamente ativa. Em graus variáveis, isso ocorreu em todo o ABC, que se transformou numa região estritamente urbana, com significativa melhora nos índices de escolaridade, saúde e renda.
O ABC é hoje muito menos operário do que era na época das grandes assembleias do Estádio da Vila Euclides, onde Lula inflamava multidões nas greves de metalúrgicos de São Bernardo. Muitas indústrias se transferiram para outras regiões para lucrar com a elevação da renda da terra urbana e a venda de terrenos caros para compra de terrenos baratos em outros lugares. Produzir neles rendia menos do que especular com eles. Em boa parte, o PT foi derrotado pela renda da terra urbana. O decorrente deslocamento espacial da indústria, mas também a reestruturação produtiva das que ficaram na região, induzida pelo progresso tecnológico, foram fatores decisivos para o encolhimento do caráter operário do ABC e da base social do partido.
O ABC é hoje uma região de classe média afluente. Entre 2000 e 2010, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que mede o incremento na renda, na educação e na longevidade (e na saúde), permaneceu muito alto em São Caetano do Sul, passou de alto para muito alto em Santo André e São Bernardo, e passou para alto nos outros quatro municípios.
O discurso petista sobre os pobres e a pobreza perdeu eficácia no ABC. Unicamente Rio Grande da Serra tem 9% de pobres e muito pobres. Nos três municípios mais ricos e com maior eleitorado, caem para cerca de 5%, sendo que em São Caetano são pouco mais de meio por cento. Se o nível de vida de São Caetano, o mais alto IDH do Brasil, um município não petista, é um indicador da tendência pode-se prever que também nos outros municípios o comportamento político irá, como está indo, em sentido adverso ao PT.
Portanto, estas eleições apenas confirmaram o que é natural em casos assim: nova geração chega ao cenário político, baseada em nova realidade social e apoiada em nova e diferente compreensão dos fatos. O PT se tornou ali apenas um partido entre outros, que lhe estavam no encalço há 20 anos e que o venceram nas eleições de agora.
Se, por um lado, a derrota do PT na região do ABC não se explica pelos precários parâmetros de compreensão do processo político que o partido adota, tampouco explica o elenco de vitórias em pequenos municípios espalhados pelo Brasil. É o caso dos Estados do Sul, especialmente o Rio Grande, e é o caso de Estados do Nordeste, especialmente Piauí, Bahia e Ceará e, no Sudeste, o caso de Minas Gerais. Foi neles onde o PT, apesar da derrota geral, conseguiu um número não desprezível de vitórias.
Nessas localidades, a vitória eleitoral foi a derrota ideológica do partido. No conjunto, comparando os resultados do ABC com os dessas regiões, o que se pode concluir é que foi derrotado o PT da luta de classes. Em compensação, saiu de algum modo vitorioso o PT das concepções comunitárias, onde não se pode deixar de ver o efeito residual da ação pastoral da Igreja.
As eleições municipais apontam uma diversificação dos partidos propriamente nacionais, aqueles que têm eleitorado eficaz em todo o País. Além de partidos hegemônicos óbvios, como PMDB e PSDB, chama a atenção o crescimento da importância de partidos da faixa média dos resultados, como o PSB, o PPS, o PDS, o PRB, ligado a uma igreja evangélica. Venceu a pluralidade ideológica.
Fonte: O Estado de São Paulo (16/10/16)

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Proclamar a República (Marco Antonio Villa)

11 de outubro de 2016
O2 de outubro pode ser um divisor de águas na história política brasileira. O recado das urnas foi claro: um rotundo não ao projeto criminoso de poder liderado pelo PT. A fragorosa derrota petista não escolheu lugar. Ocorreu tanto em municípios que eram administrados há pouco tempo pelo partido, como também em outros onde esteve vinculado historicamente, como em São Bernardo do Campo. Lá o candidato petista ficou em terceiro lugar, e o filho do comandante máximo da organização criminosa, no dizer do procurador Deltan Dallagnol, Marcos Lula da Silva, que tentava permanecer na Câmara dos Vereadores, obteve apenas 1.500 votos. E mais, o domínio das áreas pobres da cidade de São Paulo pelo discurso rancoroso petista foi destroçado: das 58 zonas eleitorais, João Doria venceu em 56 e Marta Suplicy em duas. Não custa recordar que o PT tinha vencido três vezes a eleição para a prefeitura da capital paulista: 1988, 2000 e 2012 — e no resto do Estado de São Paulo, das 80 prefeituras restaram apenas sete. Tudo isso onde o partido nasceu e esteve ao longo da mais de 30 anos, com a seção mais bem organizada.
No restante do Brasil, o PT foi derrotado nos principais colégios eleitorais. Mais ainda naqueles onde Lula resolveu fazer campanha. Muitos ainda se iludiram com o potencial de votos que o chefe do petrolão poderia transferir. Mas, como um verdadeiro rei Midas às avessas, por onde passou deixou um território eleitoral devastado. Fortalecendo a análise de que Lula, hoje, nada representa na política brasileira. Que não passa de uma falácia sua candidatura em 2018. Lula para presidente, só se for para Presidente Bernardes, presídio de segurança máxima no interior paulista.
A derrota do projeto criminoso de poder e de seus asseclas abriu um novo momento na política brasileira. A contradição PT versus anti-PT é coisa do passado. Marcou este novo século, mas agora foi relegada a plano secundário. O PT luta para garantir seu registro partidário — isto enquanto a Justiça Eleitoral não colocar em prática a lei 9096/95, artigo 28, especialmente os incisos II e III — e para manter longe das grades suas principais lideranças, especialmente Lula. Neste sentido, o país deu um passo adiante. E que deverá ter um reflexo direto na qualidade do debate político-ideológico, que deve sair do noticiário policial para as editorias de política e economia.
Também no campo do Legislativo os resultados foram positivos. Não ocorreu uma ampla renovação, que seria inimaginável em tão curto espaço de tempo. Mas em várias câmaras municipais foram eleitas novas lideranças. Muitos dos tradicionais puxadores de votos não foram reconduzidos, e as sempre presentes celebridades eleitorais foram derrotadas. E o número de vereadoras eleitas chegou a dobrar, como em São Paulo. Tudo indica que os legislativos municipais poderão, finalmente, exercer suas atribuições constitucionais. E deixar de lado as tristes práticas antirrepu-blicanas, sendo meros chanceladores da vontade do Executivo. Também nesse caso não significa que será um processo geral, nacional, mas, nos principais colégios eleitorais, a prática política dos vereadores deve mudar.
O Poder Judiciário acabou sendo partícipe direto das eleições. A LavaJato foi uma das estrelas. Poucas vezes em um processo eleitoral municipal esteve tão presente temas nacionais. A figura de Sérgio Moro pairou sobre as eleições. E a derrota do PT nos principais colégios eleitorais teve uma ligação direta com as investigações e condenações da 13ª Vara Federal do Paraná. Isto pode ser comprovado comparando-se a eleição paulistana de 1992 com a de 2016. Na primeira, em meio ao processo de impeachment de Fernando Collor, quem venceu foi Paulo Maluf, notabilizado pela trato da coisa pública como coisa privada. Já em 2016, João Doria, o candidato vencedor, deixou bem claro sua oposição ao petismo e às suas práticas administrativas.
A questão que se coloca é se o resultado eleitoral, além da rejeição ao PT, representa uma mudança na política brasileira e na participação dos cidadãos. Ao que parece, pois ainda estamos em pleno calor dos acontecimentos, houve um salto de qualidade. Como estamos em um processo democrático e num país de transições políticas incompletas, não haverá profundas rupturas. O cenário é de alterações pontuais, graduais e de questionamentos das instituições. Há um sentimento de cobrança, de exigência cidadã para que o Estado funcione e trate todos de forma igualitária. Em outras palavras, é o desejo de que a República seja proclamada, pois só foi anunciada em 15 de novembro de 1889.
Para este novo tempo são necessárias novas lideranças ou, ao menos, que as atuais tenham sensibilidade e compromisso com as mudanças. É um desafio complexo, pois a elite está comprometida com a velha forma de fazer política. Este é o principal nó a ser desatado. A crise econômica, neste caso, é de menor importância. O cerne é ter dirigentes que ajam de forma republicana, sintonizados com os sentimentos que as ruas demonstraram neste histórico ano de 2016. As escolhas de bons caminhos para retirar o país da crise depende de bons políticos, daqueles comprometidos com o interesse nacional — e não de grupos que lesam sistematicamente o Erário.
Para que o amanhã não seja o hoje, caberá à sociedade civil — que teve papel central na derrubada do projeto criminoso de poder — continuar mobilizada. E este é um recado também para os dirigentes recém-eleitos. A sociedade amorfa está dando adeus. O Brasil mudou.
Fonte: O Globo (11/12/16)

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

“As pessoas sabem que a administração do Central Park é privada?” (Fernando Schüler/entrevista)

O cientista político e professor do Insper Fernando Schüler falou ao Estado da Arte sobre o resultado das eleições municipais de 2016. Mais do que avaliar o desempenho trágico do maior partido da esquerda brasileira, o PT, para Schüler, este é o momento de pensar na boa gestão que o setor público pode e deve oferecer à sociedade. Diante das críticas a propostas de modernização na administração municipal, Schüler questiona: “Será que as pessoas sabem que o Central Park, em Nova York, é gerido por uma organização privada? Que o mesmo acontece com o sistema de bibliotecas públicas da Big Apple, que funciona perfeitamente bem?”.
O PT sofreu uma derrota eleitoral acachapante neste domingo. Até o momento, no entanto, não houve sinal de autocrítica ou de mudança de estratégia política. O PT consegue se recuperar eleitoralmente sem mudar de discurso?
Não vejo sinais de que o PT mudará seu discurso, nem sua forma de agir. Esta semana mesmo seus deputados já estavam lá, com a habitual “estética da certeza”, dedo em riste, atacando a PEC 241, do controle do gasto público, no Congresso. É curioso ver como os argumentos de hoje são semelhantes aos que o partido usava para se opor à Lei da Responsabilidade Fiscal, em 2000. Depois se mostrou arrependido, mas agora faz tudo de novo. É um problema de DNA. Faria bem ao Brasil ter uma esquerda moderna, como teve o Chile, a Nova Zelândia e tantos países europeus. Infelizmente, não acho que será o caso do PT. O PT tem o vezo da velha esquerda latino-americana e sua incapacidade de entender uma economia moderna. Fazer o quê? Quanto ao sucesso eleitoral, tudo é possível. Mas intuo que o PT tende a se transformar em um partido de lideranças regionais, de menor porte, e dificilmente voltará a ser um partido com um projeto nacional. A sociedade virou esta página.
O cientista político e professor do Insper Fernando Schüler: "sociedade ainda confunde público com estatal". Foto: arquivo do autor.
O cientista político e professor do Insper Fernando Schüler: “sociedade ainda confunde público com estatal”.
Fernando Haddad (PT) foi identificado por uma parcela do eleitorado como um prefeito moderno, especialmente por suas pautas de mobilidade urbana. João Doria (PSDB) se elegeu prefeito da cidade no primeiro turno com um outro tipo de discurso moderno: o discurso do gestor, que assumiu a bandeira da privatização e das parcerias com a iniciativa privada. Para que projeto de modernização caminha São Paulo?
Confesso ter uma boa impressão de Fernando Haddad. Ele foi corajoso ao legalizar os aplicativos de transporte urbano, em São Paulo, e acertou no tema das ciclovias. Isto não quer dizer que fez uma ótima gestão. Ele falhou no tema da modernização da administração municipal. Exemplo disso foi o erro de regulação da OS, no Teatro Municipal. Acho que Haddad deveria aproveitar este período pós-prefeitura para ir ao exterior, fazer um período sabático, renovar as ideias. Ele tem uma contribuição grande a dar.
Quanto ao Doria, penso que ele é o primeiro grande político brasileiro a apresentar um discurso político claramente moderno, em termos de gestão. Falou de privatizações, sem medo, e assumiu sua condição de empresário empreendedor. É um político pós-ideológico, de tipo pragmático, que lembra muito o Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York. Ele é a expressão da São Paulo contemporânea, globalizada. Tem tudo para fazer uma ótima gestão.
O PSDB perdeu o medo das privatizações?
Penso que é a sociedade como um todo que está mais aberta a este tema. Mas é preciso considerar o seguinte: o Brasil não é São Paulo. São Paulo possui apenas 15% da mão de obra vinculada ao setor público. Há 15 capitais brasileiras com cerca de 30% ou mais de funcionários públicos na força de trabalho. Na minha cidade de origem, Porto Alegre, a venda de um terreno público, via leilão, ou a concessão do cais do Porto ou a construção de um presídio em PPP gera uma comoção pública. Parte da sociedade brasileira ainda confunde o “público” com o “estatal”. As corporações, no Brasil, têm sido muito hábeis em apresentar sua própria agenda como uma pauta da sociedade. Então o “ensino público” é compreendido como “ensino estatal”. E há gente que ainda acredita que estamos “entregando nosso petróleo” quando votamos um modelo de concessão da exploração do pré-sal no Congresso. Meu ponto é: ainda somos uma sociedade estamental, em boa medida, e o sistema partidário reflete essa cultura. Mas as coisas estão mudando. Quanto ao PSDB, vamos lembrar que foi o partido que conduziu o maior programa de privatizações do país, nos anos 90. E conduziu bem, diga-se de passagem. Intuo que em 2018 esse tema estará novamente no centro do debate eleitoral.
Que autonomia tem a administração municipal para fazer uma gestão diferente da máquina pública? É possível introduzir novos regimes de contratação ou de avaliação de desempenho no serviço público municipal?
Sem dúvida. Há muitas experiências exitosas de introdução de meritocracia, no setor público. As pessoas não se dão conta, mas em 2015 o Governo do Estado de São Paulo pagou R$ 1 bilhão em bônus por desempenho para mais de 230 mil professores. Estados como Espírito Santo e Pernambuco têm experiências exitosas, nesta direção. Não tenho dúvidas de que Doria irá por este caminho. E sugiro que ele comece rápido. Quanto à contratualização, é evidente que este é o caminho. Um exemplo: Doria acabou de anunciar que irá conceder a gestão do Parque do Ibirapuera à iniciativa privada. Teve gente que não gostou. Mas será que as pessoas sabem que o Central Park, em Nova York, é gerido por uma organização privada? Que o mesmo acontece com o sistema de bibliotecas públicas da Big Apple, que funciona perfeitamente bem? As pessoas sabem que, no Brasil, modelos de contratualização são adotados na OSESP, na Pinacoteca do Estado, no Hospital Sara Kubitschek, no IMPA, no Hospital do Câncer do Estado de São Paulo, com grande sucesso? Outra coisa: qual é o sentido de uma cidade como São Paulo administrar um autódromo? Ou um estádio de futebol? O Estado precisa escolher prioridades e focar sua atuação naquilo que ele realmente precisa fazer, e fazer bem feito. Criar ambiente atrativo para novos negócios, por exemplo. Reduzir a burocracia. Levar infraestrutura e segurança de modo a dinamizar a economia das regiões periféricas. Acho que a sociedade vem compreendendo isto cada vez mais.
Como secretário de justiça no Rio Grande do Sul, você criou uma legislação para as Organizações Sociais (OS’s). Na cidade de São Paulo, uma OS — a que administra o Teatro Municipal — está envolvida em um escândalo de corrupção grave. Qual é a eficácia desse modelo de gestão?
A corrupção não é um privilégio deste ou daquele modelo de gestão. Todos assistimos o que ocorreu com a Petrobrás, que é uma empresa estatal. Há um histórico de fraudes, no Brasil, da Lei 8.666, das licitações públicas. A vantagem do modelo OS é que o governo retoma o controle sobre o ente jurídico contratado. Pode fiscalizar, acompanhar o cumprimento de metas e – mais importante – descontratar quando o desempenho foi insatisfatório. Eu sempre pergunto: de que jeito o governo “descontrata” uma repartição pública, uma escola estatal, por exemplo, quando ela não apresenta bons resultados? A resposta é simples: não descontrata. Ela continua lá, e os estudantes é que pagam a conta. No caso do Teatro Municipal, houve um grave erro de regulação do sistema. O modelo OS, para funcionar, supõe seleção pública dos contratados e uma estrutura mínima e independente com força para acompanhar a execução das metas e a gestão orçamentária das organizações. Sem isso, é melhor nem começar. Gostei muito da proposta lançada por Doria de “mini agências reguladoras” do sistema OS, na prefeitura. É óbvio que tudo precisa ser bastante enxuto, mas com gente altamente especializada e com força para agir.
Tentativas de reformas no sistema de ensino estatal de educação geram sempre muita resistência. Em Goiás, o governo (PSDB) propôs o modelo das OS’s para a educação e enfrenta ainda hoje o desafio das corporações e dos sindicatos. Como conduzir essa debate com a sociedade?
Eu tive a oportunidade de conhecer o modelo das charter schools, em Nova York. São escolas privadas, de alta performance, totalmente gratuitas, voltadas ao público de menor renda, sob contrato de gestão com a prefeitura. Fiquei emocionado quando vi crianças pobres, imigrantes, 95% latinos e negros, em uma escola de alto padrão. Professores e alunos orgulhosos, resultados acima da média das escolas públicas tradicionais. Quando vejo a “resistência” de grupos estudantis a uma inovação como esta, em Goiás, fico me perguntando: será que eles sabem disso? Será que eles não deveriam avaliar com mais cuidado o novo modelo, com uma postura proativa, buscando eficiência, em vez de simplesmente reproduzir a pauta sindical? No mundo inteiro, corporações de professores públicos são avessos à modernização do ensino. Isso é lamentável, mas é a realidade. Os alunos mais pobres deveriam inverter a pauta: exigir o direito de estudar nas mesmas escolas que os filhos das famílias mais ricas. Deveriam ir na contramão do discurso corporativo, e imagino que só não o fazem por força da inculcação ideológica.
Entre os partidos que se apresentaram como novidade política, a Rede, de Marina Silva, ficou muito aquém do esperado. Já o Partido NOVO, com sua pauta liberal, teve um desempenho surpreendente — especialmente em São Paulo, onde fez mais votos que partidos tradicionais como PDT e PP. Há um avanço de uma pauta liberal?
No caso da Rede, é curioso perceber que Marina Silva anda à frente de seu próprio partido. No dia seguinte às eleições, li um manifesto de intelectuais, liderado por Luiz Eduardo Soares, cuja pauta me pareceu um retorno à órbita política do petismo. A velha demarcação “esquerda x direita”, a ideia tosca de que as reformas estruturais da previdência, da CLT e do gasto público são um “ataque” aos direitos dos trabalhadores. A retórica banal do “golpe” e coisas nesta linha. Marina me parece uma liderança arejada e com vontade de mudar. O candidato da Rede, em São Paulo, Ricardo Young, da mesma forma, me pareceu apresentar novas pautas e uma postura muito interessante. Mas este não é o perfil da Rede como um todo, infelizmente. Há ali ainda muita gente que simplesmente não consegue romper com a estrutura conceitual da esquerda tradicional. Daí não tem jeito. Quanto ao Partido Novo, penso que ele é mais um “movimento” e menos um partido com aspiração real de poder. O Brasil é um país quase único, no planeta, com a combinação perversa de carga tributária alta, renda média para baixo e forte desigualdade social. O Estado é grande e concentrador de renda. Transfere dinheiro de toda a sociedade para a burocracia do setor público e para setores empresariais que vivem à base de incentivos fiscais e dinheiro subsidiado. O caso da Zona Franca de Manaus é emblemático. O caso do FGTS é absurdo. A legislação trabalhista é um enorme atraso. O curioso é que tudo isto, que trava o País e penaliza os mais pobres, é visto como “progressista”. Tendemos a confundir a ideia de um Estado garantidor de direitos com a noção de um governo grande e frequentemente fraco. Nesse cenário, é evidente que um partido de corte liberal faz muito sentido. Penso que o Novo pode dar uma grande contribuição ao país.
- entrevista a Eduardo Wolf (07/10/16)