terça-feira, 22 de março de 2011

Devemos celebrar o Dia Mundial da Água? (Henrique M. Leite Chaves*)

Apesar de óbvia, a resposta a essa pergunta não é unânime, pois a percepção das pessoas sobre a água, mundialmente comemorada em 22 de março, é bastante distinta. Todos sabem, entretanto, que a água é base de sustentação da vida, sendo um recurso finito, além de escasso em muitas regiões do Brasil e do mundo. Infelizmente, muitos consideram a água como recurso garantido, gratuito e eterno, mesmo com as crescentes ameaças à sua quantidade e qualidade.

Levantamento atual das Nações Unidas indica que mais de 1 bilhão de pessoas não têm acesso a fontes seguras de água no mundo, fato que as torna extremamente vulneráveis sob o ponto de vista sanitário, econômico e social. Por seu lado, alguns países privilegiam o abastecimento humano em detrimento do meio ambiente, o que gerará alto custo ambiental no futuro.

Além dos impactos das diversas atividades humanas sobre os mananciais, há o agravante das mudanças climáticas, que tendem a aumentar a vulnerabilidade das populações e do meio ambiente, requerendo medidas de adaptação adequadas, para fazer frente às iminentes ameaças.

No caso do Brasil, apesar da temática da água ter recebido certa atenção de gestores e governantes nos últimos anos, falta uma agenda mais efetiva e participativa em relação à gestão dos recursos hídricos. As leis e as instituições criadas para esse fim, razoavelmente avançadas, não são suficientes para garantir a sustentabilidade hídrica no país, requerendo uma participação de toda a sociedade no processo, da dona de casa ao gerente da indústria. Os comitês de bacias hidrográficas, legalmente estabelecidos como fóruns de discussão e solução dos problemas hídricos regionais, têm, com raras exceções, papel ainda tímido no processo descentralizado de gestão da água.

Além disso, faltam planejamento e vontade política sobre o tema no país. Como pode o Brasil almejar lugar de destaque entre as nações desenvolvidas se 80% do esgoto coletado em suas cidades são ainda lançados nos rios sem tratamento? Será que os contribuintes sabem que para cada real investido no saneamento outros quatro são economizados na saúde pública? Não é surpresa que o maior orçamento governamental é o da saúde e não o da educação, como esperado.

No Distrito Federal, apesar da ameaça iminente de escassez hídrica e do prognóstico pouco confortável no futuro próximo, a gestão dos recursos hídricos ainda é incipiente. A demanda de água representa atualmente 97% da oferta disponível, o que torna a capital extremamente vulnerável a racionamentos. Considerando que, mundialmente, a demanda por água quadruplica cada vez que a população é duplicada, o que acontecerá com o abastecimento de água do DF nos próximos 20 anos? Terminaremos captando água reciclada do Lago Paranoá, em vez de água mineral do Parque Nacional?

O que então deve ser feito? Muitos têm receitas prontas (e muitas vezes erradas) para o problema. Entretanto, para garantir a sustentabilidade hídrica das futuras gerações, são necessárias ações simples, tais como o monitoramento adequado dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos, a racionalização do uso da água e a adoção efetiva de instrumentos efetivos e transparentes de planejamento e gestão dos recursos hídricos, a proteção dos mananciais e, last but not least, a pesquisa continuada sobre o tema. Não é apenas o governo o único responsável por essas tarefas, mas toda a população, incluindo os setores usuários.

Para tanto, incentivos econômicos são instrumentos de gestão mais efetivos que as simples ações punitivas, pois os primeiros têm efeito multiplicativo e reforçam a adoção de boas práticas por parte de usuários e “produtores” de água. Esses incentivos são, por sua vez, recuperados rapidamente por meio de ganhos econômicos, sociais e ambientais.

Além disso, a gestão dos recursos hídricos deve ser integrada àquela de outros recursos ambientais, tais como o solo e a vegetação, e não compartimentalizada, como ocorre atualmente. Entretanto, para que esses objetivos sejam atingidos, um elemento é fundamental: a educação. Com ela, as pessoas não apenas responderiam afirmativamente ao título desse artigo, mas teriam as ferramentas e a disposição para enfrentar os grandes desafios hídricos.

Há, entretanto, um alento. Como disse John Kennedy, “aquele que solucionar o problema da água merece não um, mas dois Prêmios Nobel: o da Ciência e o da Paz”.

*Professor de Manejo de Bacias Hidrográficas - UnB
Fonte: Correio Braziliense)

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