segunda-feira, 28 de setembro de 2015

'Até agora nada compromete Dilma' (Luiz Werneck Vianna/entrevista)


Na semana em que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), irá decidir sobre pedidos de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff, Luiz Werneck Vianna, um dos mais importantes cientistas sociais do Brasil, alerta: um dos perigos da atual crise política no país é o impacto que seus desdobramentos estão tendo na sociedade, com acirramento de posições, divergências e falta de confiança das pessoas.

O professor da PUC-RJ crê que a sociedade sofre, pois está “cercada de incertezas no grande pântano que se tornou o país”. Ele considera possível o debate sobre a saída da presidenta, mas diz que até agora “não apareceu nada que a comprometa”.

O DIA: O presidente Eduardo Cunha deve decidir nesta semana acerca dos pedidos de impeachment protolocados na Câmara. É uma saída possível para crise do país?

Werneck Vianna: A gente está em um momento cheio de névoa na nossa frente, é difícil enxergar a política. Mas precisa ver se a Câmara vai aceitar o impeachment, se o Eduardo Cunha vai levar isso adiante. Até agora não apareceu nada que efetivamente comprometa o mandato da Dilma. Tem o julgamento das contas no Tribunal de Contas da União (TCU), o julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por exemplo, mas até agora não tem nada.

Então é golpe?

Não é golpe. Impeachment está previsto na nossa Constituição. É algo perfeitamente assimilável pelas nossas instituições, elas estão maduras. Mas não sei se a nossa sociedade está; faz muito pouco tempo que vivemos um processo assim. O problema vai ser o dia após o impeachment, precisamos olhar por esse lado, para além da formalidade e da legalidade, porque o país, dividido como está, pode cair numa guerra de extremos. Se a sociedade se desequilibra, perdem tanto os que puxam mais para esquerda, tanto os mais para a direita.

Como essa crise na política, com sucessivos escândalos, somadas aos nítidos problemas econômicos, afeta a sociedade?

Vivemos em um pântano. Há um sofrimento grande de não sabermos o que vem por aí, como será o dia de amanhã. Isso leva a cólera, à desesperança, de não ter um caminho válido. Desde as eleições, vivemos entre extremos e, repito, isso é ruim para todo mundo. Há um clima generalizado de desconfiança na sociedade, nas relações entre as pessoas. É necessário uma coalização do que é saudável.

Qual o papel da presidenta Dilma nesse começo de mandato em crise?

Ela é uma figura muito errática. A cada dia ela escolhe um caminho, e o pior, sempre sem convicção. Ela não está certa, por exemplo, vide suas declarações, do ajuste fiscal anunciado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Um presidente da República precisa ter mais desenvoltura, mais poder de persuasão, firmeza. Ela tem muita dificuldade para reconstruir alianças, e tudo somado leva ao desastre que está sendo esse primeiro ano de mandato dela.

E o ex-presidente Lula? Ele ainda teria algo a contribuir para ajudar a presidenta?

O Lula não está ajudando em nada, e tem imagem suficiente para poder fazer algo. Mas não, fica estimulando movimentos para combater o ajuste que o governo do partido dele quer fazer. E diz que possui um outro caminho, que é necessário outra estratégia, mas não diz qual é a rota certa para o partido, não diz o que deve ser feito.

Em certo sentido, a crise política passa também pelo Judiciário. Há um certo protagonismo deste poder neste momento?

O impeachment não sairá do TCU ou do TSE. O pretexto para desencadear o processo pode sair dos tribunais, mas o encaminhamento é político. O Judiciário tem que atuar expurgando padrões que não são adequados, não são corretos.

Fonte: (Leandro Resende/O Dia)

A chuva é para todos (Michael Sandel/entrevista)



O filósofo americano Michael Sandel acredita que os camarotes, as áreas VIPs e os setores exclusivos, privilegiados, simbolizam perfeitamente um mundo em que os desníveis de oportunidades só fazem crescer, em que o abismo entre ricos e pobres é cada vez mais visível, em que a ruína do poder argumentativo dos cidadãos faz com que a democracia deixe de ser vista como um projeto comum de partes diferentes. Com essas ideias em mente, Sandel afirma: é preciso trabalhar com um “tipo de educação cidadã que ajude a cultivar cidadãos democratas”.

Por mais de duas décadas, foi exatamente o que ele fez ao lecionar, na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, o curso Justiça, que nos últimos anos passou a ser transmitido também pela internet e já atraiu mais de 15 mil alunos no mundo. Nas aulas, ele aborda situações e temas do cotidiano para discutir conceitos de ética, moral e justiça à luz do pensamento de filósofos como Aristóteles, John Locke, Immanuel Kant, John Stuart Mill e John Rawls.

Agora, Sandel traz suas aulas para o Brasil, em uma parceria entre Harvard, Insper, o Estado e edX (site de cursos online das maiores universidades do mundo). Com duração de 12 semanas, o curso foi especificamente pensando para questões e realidades vividas no cotidiano brasileiro e será transmitido em plataforma online e interativa, com legendas em português (inscreva-se aqui). De passagem por São Paulo, o filósofo concedeu esta entrevista ao Aliás.

O senhor acredita que acabar com a desigualdade é uma questão de justiça?

Sim. Hoje, um dos principais desafios para se ter uma sociedade mais justa é aprender a lidar com o abismo entre ricos e pobres. Isso porque, nos últimos anos, a desigualdade só aumentou na maior parte dos países. No Brasil, vocês tiveram sucesso em reduzir a pobreza, mas é importante distinguir desigualdade de pobreza. Ou almejamos uma sociedade menos desigual ou teremos uma comunidade injusta. E existem inúmeras políticas que podem reduzir a desigualdade. Uma delas, que tem sido usada por aqui, são as ações afirmativas do governo na educação. Existem duas razões para ajudar pessoas que vêm de extratos desfavorecidos da sociedade. A primeira é dar oportunidades iguais para quem está em patamares de desvantagem socioeconômica. A segunda é criar um ambiente educacional melhor para todos. Ter estudantes de diferentes origens étnicas, econômicas e sociais em uma mesma sala de aula cria um ambiente de aprendizagem que ajuda a todos. Isso porque uma parte do que deveríamos estar ensinando em nossas universidades é um tipo de educação cidadã que ajude a cultivar cidadãos democratas capazes de entender, ouvir e discutir com os outros. As ações afirmativas são um belo exemplo de como se reduz a desigualdade, mas, é bom lembrar, sozinhas, elas não são capazes de mudar a sociedade.

Em meio a crise econômica e política do Brasil, o que vemos nas ruas muitas vezes é muita discussão e pouco debate de ideias.

Esse é um momento crítico para o Brasil, mas eu acredito que toda crise também apresenta uma oportunidade de aprofundar a democracia. Eu acho que o ativismo, expresso em protestos, é saudável. Este é um caminho para expressar sua voz. Outro é no dia da eleição. Mas acima desses dois existe o exercício cotidiano da democracia. Ela necessita que os cidadãos debatam através da mídia, de organizações civis, mas que a conversa não vire uma gritaria, uma discussão sem respeito mútuo. Na democracia, devemos nos engajar com o outro, mesmo quando não concordamos com ele, porque só assim é possível tentar encontrar o princípio fundamental de onde está o desentendimento, tenha ele nascido a partir de uma questão sobre transporte urbano, saúde ou taxação de renda. Só assim é possível deixar as coisas claras e evoluir.

Encontrar esse ponto de equilíbrio pode ser difícil quando algumas questões, como a corrupção, muitas vezes são vistas como uma primazia de determinados grupos. O que fazer?

No caso da corrupção, por exemplo, é necessário enxergá-la não apenas como uma questão legal, mas como um tema de ética e cultura democrática. Nós costumamos dizer que a corrupção é sempre o problema de outra pessoa, outro partido político ou de pessoas em cargos altos da Petrobrás, mas ela está na nossa vida cotidiana. Nesse momento, eu respeito e admiro a independência do sistema Judiciário brasileiro, que está fazendo algo sério sobre esse tema. Aliás, a liberdade com que o Judiciário tem trabalhado também revela a maturidade da democracia brasileira. Agora é importante valorizar isso, mas sem deixar de trabalhar com a noção de que a corrupção é algo a ser resolvido em longo termo, algo que depende de uma nova educação cidadã, só encontrável na convivência diária com o outro, com o diferente. Este é o caminho para a corrupção se transformar, gradualmente, em integridade.

O Supremo Tribunal Federal proibiu doações de empresas a partidos e políticos. O senhor acredita que essa é uma boa forma de se combater a corrupção política?

Eu acredito que esse dinheiro distorce a democracia, porque dá muito poder aos mais ricos e faz com que os cidadãos comuns acreditem que é impossível ter suas vozes minimamente representadas na vida democrática. Muitas democracias vivem esse dilema quando o assunto são as doações em campanhas eleitorais. Os EUA vivem uma versão extrema disso, em que empresas e pessoas muito ricas influenciam campanhas diretamente. É importante que haja uma limitação da quantidade de dinheiro que pode ser doado. Nós tínhamos algumas restrições modestas, mas, infelizmente, nossa Suprema Corte, ao contrário do que está acontecendo no Brasil, as derrubou. Idealmente, deveria existir alguma combinação entre um fundo de dinheiro público para campanhas e pequenas contribuições de pessoas físicas. Isso acabaria com essa distorção que, muitas vezes, também é fonte de corrupção.

O senhor fala bastante de resolver a desigualdade por meio de uma “nova educação cidadã”, na qual a convivência com o diferente é fundamental. É possível imaginar uma comunidade saudável em que não há convivência em espaços públicos, em que tudo se dá no âmbito privado, do carro para o trabalho, do trabalho para o carro?

Essa é uma questão fundamental, porque é impossível ter uma democracia sadia sem espaços públicos, onde cidadãos, de todas as origens, possam interagir. Parques, bibliotecas, museus. Tudo isso é necessário para que haja uma cultura democrática forte. Se as pessoas viverem seus cotidianos apenas em espaços privados, elas terão poucas oportunidades de encontrar quem é diferente delas. Uma das consequências mais terríveis da desigualdade, do abismo entre ricos e pobres, é que as pessoas vivem separadas, distantes. Desse modo, corre-se o risco de que as pessoas deixem de enxergar a democracia como um projeto comum, que visa ao bem comum. Só convivendo com pessoas de diferentes origens étnicas, sociais e econômicas é possível apender a cultivar a democracia.

O senhor disse que a desigualdade aumentou no mundo. Essa separação, essa falta de convivência, também aumentou?

Sem dúvida. E quem perde com isso é a democracia. Eu tenho um conceito que expressa bem essa separação. Eu chamo isso de “camarotização” da vida. Quando jovem, antes de existirem setores VIP, eu era um fã de beisebol e ia em todos os jogos torcer pelo time local. Nessa época, existiam alguns assentos mais caros, mas não existia uma diferença grande entre preços. Por isso, ir a um estádio era uma experiência de mistura cívica, era um exercício de cidadania, onde rico e pobre sentavam lado a lado, onde, para ir ao banheiro, todo mundo usava a mesma fila. Sem privilégios. Se chovia, todo mundo ficava molhado. Acredito que algo semelhante à “camarotização” tenha acontecido nas novas arenas de futebol que substituíram os antigos estádios brasileiros, como o Maracanã. No caso americano, isso ocorreu durante os anos 1980 e 1990. O camarote é o símbolo máximo da mudança pela qual nossa sociedade passou e está passando. E, talvez, por ser tão simbólico, esse seja um dos principais desafios das nossas modernas democracias: criar espaços em que as pessoas possam conviver sem privilégios.

Fonte: André de Oliveira (O Estado de São Paulo/Aliás)

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

A conjuntura política, hoje, no Brasil (Michel Zaidan Filho)





Os meus leitores pedem que se faça uma análise de conjuntura no Brasil, hoje. Pois bem: a primeira coisa é definir o que é uma “conjuntura”. Conjuntura é uma atualização da estrutura. Ou seja, o momento atual do estrutura, como a estrutura se apresenta num dado momento. A conjuntura não tem autonomia absoluta em relação à estrutura, que continua sendo determinante para se entender a lógica dos acontecimentos políticos e econômicos. A margem de manobra dos atores, na esfera da conjuntura, é relativa. Ou seja, ela determinada pelas limitações da estrutura. Achar que essa margem é ilimitada e que os atores podem fazer o quer quiser é incorrer numa espécie de voluntarismo e suas consequências práticas no campo social e político.

Como atualização da estrutura, a conjuntura apresenta sempre algo novo, diferente. Isto porque a correlação de forças e interesses no tabuleiro político varia. Quando a política de alianças sofre uma mudança, a sociedade experimenta uma sensação de turbulência, de insegurança ou crise. As conjunturas são determinadas, em primeira instância, pelas alianças políticas em jogo. No regime presidencialista a mudança, a variação dessas alianças tem um impacto imediato sobre as instituições políticas, que não gozam de nenhum sistema amortecedor ou para-choques, como no regime parlamentarista. Podemos dizer então que o nosso modelo político (presidencialista imperial) é um modelo altamente suscetível à crise. Basta haver uma mudança brusca do sistema de alianças, e o Poder Executivo se sentir isolado ou incapaz de aprovar no Congresso sua agenda legislativa. Ou o congresso se colocar contra a agenda do Poder Executivo.

O regime multipartidário que nós temos (32 legendas e outras tantas em formação) também não ajuda muito. A atual legislatura é composta de 28 partidos, com 75 parlamentares evangélicos, que obedecem à ordens de suas Igrejas, somando os parlamentares das bancadas do Boi (os ruralistas) e da Bala.(Indício de uma grave crise de representação parlamentar evidenciada pelos movimentodas ruas, em 2013). A presidência da República possui uma base instável e volátil que não chega a 200 votos na Câmara dos deputados (o que leva o detentor do cargo a empregar meios – não necessariamente republicanos - para assegurar o apoio de legendas e partidos fisiológicos – verbas, cargos e obras- para ter governabilidade) Três legendas Te, sido são particularmente infiéis ao governo: PTB, PROS, PP. Sendo que o PMDB é uma partido dividido e em vias de desembarque da coligação dominante, em função de seus próprios interesses políticos. E o PT tem apresentado muitas restrições aos pacotes de ajuste fiscal, aumento de impostos, corte ou redução de direitos dos trabalhadores e aposentados.

A Presidente Dilma, em razão das políticas anticíclicas do primeiro mandato, baseadas na redução de impostos, o crédito subsidiado, administração do preço das tarifas públicas, no endividamento do setor público, no estímulo à demanda interna, num ambiente de crise internacional e queda do preço das comodities, foi obrigada a adotar uma política contracionista (pró-cíclica) em relação à economia. Tendo que enfrentar um déficit nas contas públicas muito grande, que a impede de cumprir a meta do superávit primário, que ajude a pagar os juros da explosiva dívida pública (37% do PIB), que custa o serviço de 17% do orçamento da União e é remunerada por uma taxa de juros de 15% + taxa de indenização, foi obrigada a assumir uma agenda que não é a sua, nem da campanha eleitoral, nem do seu partido, nem da sua base. Corte nos gastos públicos, reforma da Previdência, congelamento de salários, aumento de impostos, redução de benefícios e direitos, esta agenda pertence aos adversários (do fundamentalismo fiscal), que produz desemprego, queda do salário real, queda da arrecadação, retração das atividades econômicas, altas taxas de juro, recessão e aumento de impostos. Onde os principais beneficiados são os agentes do mercado financeiro, sobretudo os portadores de títulos da dívida pública interna e os exportadores ligados ao agronegócio, por causa da desvalorização do real e o aumento do dólar.

A crise externa ajuda a piorar este cenário. O Mercosul está em fogo morto, com crise em vários desses países. A china desacelerou sua economia e desvalorizou o yuan. E para piorar, o Banco central americano cogita aumentar as taxas de juros, provocando uma revoada dos investimentos para os títulos do tesouro americano.

É inegável que a crise política, com a desagregação da base de apoio ao governo aumenta o potencial de negatividade da crise econômica, levantando dúvidas nos agentes econômicos sobre a capacidade do governo honrar compromissos e pagar dívidas. Há um círculo vicioso entre a crise política e a crise econômica. Ambas se alimentam mutuamente. Há quem defenda que a Presidente deveria retomar no meio da crise as políticas anticíclicas de estimulo às atividades econômicas do país. Como se diz: se é para cair, tem de cair em pé, fazendo a política própria do partido, sem frustrar mais ainda suas bases. Outros, chantageiam. Embora não sejam apoiadores do governo, querem que ele se mantenha para fazer a política favorável aos seus interesses. E há aqueles que torcem abertamente pelo “quanto pior, pior”. Ou seja, querem o impedimento, a renúncia ou o afastamento da Presidenta. Mas não há unidade entre estes. Nem mesmo no maior partido da Oposição.

Esse cenário também se caracteriza pelo avanço da judicialização do Política, quando os juízes federais tomam a cena e se tornam os fiéis da balança; e os movimentos sociais se dividem entre a conspiração e o golpe, assumindo posições filofascista e os que emprestam um apoio crítico ao governo, mesmo discordando da agenda econômica da Presidenta.

Diferentemente das crises econômicas que são cíclicas: têm começo, meio e fim, a crise política depende do florescimento de um novo grupo, uma na hegemonia para passar. A sensação que se tem é que há um esgotamento de um ciclo econômico e um ciclo político no Brasil. Mas ainda não apareceram indícios da emergência ou formação de um novo ciclo.

(*) Michel Zaidan Filho é professor de UFPE
(Exposição apresentada na Aula Inaugural do Curso de Ciências Sociais, da UFRPE)

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Presidente se enrola nas próprias pernas (Raymundo Costa)




A fábula "O Cachorro e Sua Sombra", de Esopo, é sucesso de público e crítica entre os amigos próximos da presidente Dilma Rousseff. Diz que um cachorro, ao cruzar a ponte viu a própria imagem refletida nas águas do riacho, mas pensou que se tratava de um outro cachorro com um pedaço de carne maior que o seu e não teve dúvidas: largou o pedaço que levava preso nos dentes e se atirou sobre a imagem refletida. A moral da história é óbvia: quem desiste do certo em troca do duvidoso é um tolo e duas vezes imprudente.

Esse é o clima palaciano às vésperas de uma reforma ministerial difícil de compor e do anúncio das regras do jogo do impeachment, o que deve ser feito até quinta-feira pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Explica porque a presidente enviou a ministra Kátia Abreu (Agricultura) para dizer aos dirigentes do PMDB os termos com que pretende contemplar o partido na reforma. Erro crasso. Dilma pode até sentir alguma satisfação em espezinhar o vice Michel Temer, o "imprudente" da fábula, mas perde de vista o principal: os votos do PMDB. Temer já avisou que não vai indicar ministros. Os riscos de a reforma não dar certo são consideráveis.

O PMDB tem seus rituais. Um deles é a precedência. A ministra Kátia Abreu é estimada por seus colegas de Senado, mas é cristã nova na sigla. Sua designação afasta mais que aproxima da presidente um partido cujos votos serão decisivos na votação do pedido de autorização para a abertura do processo de impeachment da presidente no Senado. Há cálculos segundo os quais o impedimento só passa se houver um índice de "traição" de quase 100% do PMDB. Faz sentido, mas impeachment não é uma questão só de aritmética, é sobretudo política.

A profundidade da crise requer muito mais que a "gerentona", imagem fabricada pela publicidade oficial substituída pelo "trapalhona" como adjetivou o ex-ministro Delfim Netto em entrevista a "O Estado de S. Paulo". Ilustrativo é o caso do ministro da Comunicação de governo, Edinho Silva, tesoureiro da campanha da presidente em 2014. Nele se cruzam a Operação Lava-Jato e as dificuldades de Dilma para montar um ministério anti-impeachment. Com dois ex-tesoureiros do PT presos e condenados, a prudência recomendava não levar o tesoureiro da campanha para o Palácio do Planalto. Alertada, Dilma não deu ouvidos a quem pensava diferentemente.

O depoimento de Ricardo Pessoa, dono da UTC, apontado como o chefe do "Clube das Empreiteiras", cita o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, como beneficiário de suas doações, mas nada tão forte como a acusação de que Edinho, como tesoureiro, esteve pelo menos três vezes com o empreiteiro, pediu dinheiro para a campanha e relacionou a doação a interesses do empresário na Petrobras. A Justiça decidirá se os termos da delação premiada de Pessoa são verdadeiros. Politicamente, a manutenção de Edinho significa levar a Lava-Jato de vez para dentro do Palácio. Tirá-lo, por outro lado, é deixá-lo sob a jurisdição da primeira instância e do juiz Sergio Moro.

A transferência de Edinho para a Secretaria-Geral, por seu turno, significa tirar o ministro Miguel Rossetto e criar um problema com os movimentos sociais ligados ao governo, indispensáveis a Dilma para combater o impeachment. Deve-se ter uma ideia do humor dos movimentos no próximo sábado, quando o PT planeja reunir uma grande multidão na Praça da Sé, em São Paulo, em defesa do mandato de Dilma. Rossetto representa a esquerda do PT no Palácio do Planalto, ficou mal na fita após as manifestações de 8 de março, multidão que atribuiu aos derrotados nas eleições de 2014, mas foi o primeiro petista a costurar um discurso em defesa das medidas de ajuste fiscal do ministro Joaquim Levy (Fazenda): "O ajuste não é um fim em si mesmo".

"Nós estamos no meio da crise, nem atingimos ainda o pico", diz o deputado Mendonça Filho (DEM-PE), autor do requerimento à presidência da Câmara sobre as regras do impeachment. "Mendoncinha", como é conhecido o ex-governador de Pernambuco, coordena operacionalmente o impeachment junto com outros oposicionistas como Rubens Bueno (PPS-PR), Carlos Sampaio (PSDB-SP) e Bruno Araújo (PSDB-PE). Nas reuniões realizadas nos apartamentos funcionais ou casas dos parlamentares aparece também o PMDB: o ex-ministro Geddel Vieira Lima (BA) e os deputados Osmar Terra e Darcísio Perondi, ambos do Rio Grande do Sul, são presenças assíduas.

O que o grupo procura, no momento, é segurança jurídica, para que o pedido não possa ser eventualmente questionado com êxito na Justiça. E produzir fatos políticos, como foi a apresentação da questão de ordem. A acusação de golpismo feita pela presidente e pelo PT não comove Mendoncinha. "O PT abusou de utilizar", diz. Pediu o impedimento de Fernando Henrique Cardoso, arquivado pelo atual vice Michel Temer, e o hoje ministro Jaques Wagner (Defesa) quis enquadrar o ex-presidente Itamar Franco no crime de responsabilidade, o que ao fim poderia levar ao impeachment da presidente. O pedido contra Fernando Collor de Mello teve a assinatura do PT "e de todo o Brasil", diz.

Fato para justificar o impeachment da presidente é o que não falta, segundo Mendoncinha. O deputado cita as pedaladas. "Foram R$ 40 bilhões. Não foi o governo fazendo uma pequena aceleração no período eleitoral". Há os decretos feitos à revelia do Congresso, o que é inconstitucional. Ao contrário do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, Mendoncinha acha que fatos de mandatos passados servem de justificativa, pois contaminaram a reeleição de Dilma. "Ela cometeu essas práticas para permanecer no poder". Sem falar que delatores como Pessoa já se referem a doações para a eleição de 2014. Acima de tudo, Mendoncinha parece apostar na incapacidade de Dilma para gerenciar a crise, que se agrava a cada intervenção da presidente. "Isso vai esgarçando o resto de governabilidade que ela tem". Nesse ritmo, logo se chegará a um quadro de "ingovernabilidade crônica", o que também seria motivo para impeachment, se a presidente não renunciar antes, lógico. "O impeachment é um julgamento político", diz. "Político-jurídico".

Fonte: Valor Econômico (22/09/15)

Dilma Rousseff está acuada e só (Marcos Nobre)

 


Na multidão de informações contraditórias e desencontradas que vem de Brasília, uma se destaca de maneira insistente: a de uma possível renúncia de Dilma Rousseff. Nesse cenário, a presidente teria sido destituída do comando por suas próprias tropas, que teriam preferido entregar o governo a ir à guerra do impeachment. Sem exército, Dilma Rousseff não teria outra opção senão a rendição. Essa explicação depende de ter se dado um alinhamento das principais forças políticas. Não em favor do desejável acordo provisório para atravessar o período de desorganização do sistema que veio com a Operação Lava-Jato, mas pela renúncia da presidente.

A se confirmar essa configuração, mal se pode imaginar o grau de espanto da presidente diante do ultimato. Mas é possível imaginar que o espanto é proporcional à dificuldade da tarefa de convencê-la a renunciar. Afinal, ela pode perfeitamente apostar que o PT e alguma parte da base não têm outra opção senão defendê-la se a guerra do impeachment for declarada. Como general treinada na guerrilha, a presidente pode enumerar de cabeça todos os dispositivos de defesa a seu favor: as fraturas e inconsistências dos exércitos inimigos, as tropas que a caneta presidencial pode arregimentar, as estratégias de batalha que só quem conhece muito bem o terreno do Estado e de sua ocupação pode desenhar.

Tudo isso parece exato e verdadeiro. O momento seria ainda de preparação para guerra e ambos os fronts padecem de falta de organização e de ausência de discurso crível de mobilização de tropas. Não haveria por que decretar desde já a derrota de um dos lados. Mas, se essa armação dos fatos e das informações se confirmar, as conferências de cúpula do sistema político ocorridas nos últimos dias teriam decidido por um armistício sem guerra. O artífice e o garante dessa desmobilização geral teria sido ninguém menos do que o próprio Lula.

Nessa explicação, a renúncia da presidente serviria a ambos os lados. Lula teria se reaproximado de Dilma Rousseff na última semana não para compor o front contra o impeachment e ajudar na organização do exército, mas para convencê-la a se render. O cálculo teria envolvido algumas variáveis fundamentais. A primeira seria a incerteza de uma guerra com alto grau de desorganização de lado a lado. O tempo passa e não aumenta a coesão em ambas as trincheiras, pelo contrário. Seria o primeiro processo de impeachment com dois exércitos efetivos. Mas nenhum deles disporia de real unidade, seja de comando, seja de discurso. Lula não enxergou como poderia continuar tentando compatibilizar ajuste fiscal, movimentos sociais, PT, Mercadante, Joaquim Levy e Dilma sem rapidamente destruir seu próprio campo.

O segundo elemento que teria pesado em favor dessa linha de ação teria sido o futuro eleitoral do ex-presidente e de seu partido. É opinião unânime que o PT será duramente castigado nas eleições dos próximos anos. O risco de debandada desorganizada é real e iminente. Boa parte desse movimento é inevitável e já foi computado pela direção partidária. Mas é preciso manter uma estrutura e uma unidade de base que permitam resistir ao desmantelamento. A continuidade do governo Dilma Rousseff se tornou uma ameaça à sobrevivência do PT.

Daí a opção por uma retirada o quanto possível organizada. Em paralelo a isso, o horizonte econômico continua tétrico e não deve melhorar em menos de um ano. É claro que Michel Temer será muito bem sucedido em colocar a culpa por todo o sofrimento em Dilma Rousseff. Mas o PT poderá voltar a um lugar que lhe permita reorganizar as tropas que restaram. Fora do governo, deverá começar imediatamente um movimento de "volta às raízes".

Outro importante elemento na opção pela rendição seria o risco do confronto se generalizar e de atingir níveis de violência incontroláveis. A desproporcionalidade entre as forças de lado a lado não significa dizer que as batalhas seriam menos sangrentas. Pelo contrário, um pequeno, mas aguerrido contingente de tropas pode produzir grandes estragos. Especialmente quando o recurso às mobilizações de rua se faz necessário, como seria o caso em um processo de impeachment. Especialmente quando a situação econômica e política produz um grau de raiva e de frustração social que pode servir de combustível para confrontos de consequências imprevisíveis.

No front do impeachment, o acordo representaria o alívio de ganhar a guerra sem precisar guerrear. Mas há ainda muito mais em jogo. Quem quer que tenha vivido a ditadura e a redemocratização sabe o trabalho que dá construir um Estado Democrático de Direito. A estultice corrente de que o impeachment é um "processo político" - senha para utilizar pretextos em lugar de crimes efetivamente cometidos - não serve nem pode servir para um político treinado e experiente. Levado adiante um processo de impeachment em que não há um único fato que incrimine a presidente perante a lei, estaria aberto o flanco institucional para que qualquer ocupante da presidência, sob qualquer pretexto, pudesse ser afastado quando as pesquisas de opinião indicassem estar abaixo de 10% de aprovação. A renúncia faria sumir como que por encanto todas essas enormes dificuldades.

Qualquer que seja o desfecho dessa agonia, não pode passar sem registro a irresponsabilidade de quem insuflou mobilizações de rua contra o legítimo resultado das eleições do ano passado e depois se mostrou incapaz de explicar para a população como e por que, afinal, pretendia retirar do poder uma presidente que não violou qualquer dispositivo legal que justifique um impeachment. Figuras como o candidato Aécio Neves mostraram desprezo inaceitável pela instituição eleitoral e assumiram com isso o risco de provocar confrontos sociais de consequências imprevisíveis. A vantagem da democracia é permitir que ataques feitos contra ela encontrem nas urnas uma resposta. A vantagem da história, quando chega a devida hora de suas batalhas, é poder reservar para esse tipo de figura um lugar de destaque no salão da pequenez política.

(*) Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.

Fonte: Valor Econômico ( 21/09/15)

domingo, 20 de setembro de 2015

"Vamos parar de brincadeira, vamos fazer política" (Bolívar Lamounier)

A democracia na América Latina como construção histórica (Alberto Aggio)


• A América Latina das primeiras décadas do século XXI está frente a uma disjuntiva que opõe a chamada “pós-democracia” e os desafios da construção de uma democracia de maior qualidade.

A conquista da democracia política parece ser o movimento histórico mais extraordinário que as sociedades latino-americanas realizaram nas últimas décadas do século XX e nos primeiros anos que abriram o novo milênio. Mesmo com todas as inseguranças e incertezas, o reconhecimento dessa conquista é quase consensual. A corroborar tal fato, o cientista político norte-americano, Peter H. Smith, concluiu, no final da primeira década do século XXI, que as massas latino-americanas não mais estavam pegando em armas e fugindo para as montanhas para iniciarem guerrilhas ou colocando bombas contra alvos militares ou civis. O que havia mudado é que elas, ao contrário, estavam votando e, mesmo com todo o ceticismo, não rechaçavam a política democrática. O voto passaria a coincidir com a expectativa de melhorar a vida por meio de reformas de amplo alcance. Tratava-se, sem duvida, de uma transformação significativa que demonstrava querer ir além e buscar unir a luta contra antigas mazelas, como a pobreza e a iniquidade que ainda assolam as sociedades latino-americanas, com novos objetivos voltados para a manutenção da estabilidade econômica e outros mais ambiciosos que apontam para um desenvolvimento sustentável.

Foi uma longa e árdua travessia, certamente ainda inconclusa, demarcada pela superação dos regimes autoritários e o estabelecimento de diversas situações democráticas, algumas mais consolidadas do que outras. Hoje, como todos nós sentimos e às vezes nos angustiamos, estamos imersos em novos problemas que afrontam o amadurecimento da jovem democracia latino-americana.

Os desafios que o combate aos regimes autoritários colocou à sociedade acabaram por promover uma virada tanto intelectual quanto simbólica entre os setores de pensamento democrático e progressista da região. Do fato e da sedução pela revolução, tão poderosa nas décadas de 1960 e 1970, se passou, como demarcou Norbert Lechner, a uma reflexão mais sistemática a respeito da democracia, em suas diversas dimensões, ainda que de início esta fosse percebida mais como uma esperança difusa do que como uma realidade política complexa que, aos poucos foi se afirmando. Em termos histórico-estruturais, essa mudança de perspectiva calou fundo no ambiente intelectual e político e, a partir daí, se fortaleceu a convicção de que a democracia era um elemento intrínseco à modernização que a América Latina necessitava.

Pode-se dizer, em termos sintéticos, que foi o “movimento democrático” geral, de selo policlassista, que abriu a possibilidade para se avançar em direção a uma cidadania mais alargada, com “velhos” e novos direitos sendo consagrados no âmbito do Estado e da sociedade civil. No conjunto da América Latina, o caso brasileiro apresenta a mais expressiva e avançada conquista nessa direção em razão da luta, elaboração e promulgação da Constituição de 1988, considerada a mais democrática de toda a história do país. Em termos mais amplos, o “movimento democrático” que se generalizou pela América Latina também possibilitou que atores étnicos e culturais historicamente excluídos viessem à luz em alguns países e postulassem, por meio de movimentos sociais vigorosos, outra organização estatal e civil, reconfigurando ou mesmo reinventando a Nação, como no recente caso boliviano. Inversamente, em países que não vivenciaram dinâmicas democratizantes de caráter similar, como a Venezuela, onde a mudança se impôs em função da falência de uma classe política afogada na corrupção, acabaria emergindo uma situação politica na qual foi se instalando, pouco a pouco, um jogo de soma zero. O resultado, como sabemos, foi a instalação e expansão daquilo que alguns analistas passaram a qualificar como um retorno do populismo.

Ocorre que o mundo e a América Latina já não eram mais os mesmos de meados do século XX, período do auge da “era do populismo”. A luta política contra os regimes autoritários havia deslocado o populismo do centro da política latino-americana, recusando a centralidade do Estado como paradigma, ao mesmo tempo em que promovia a autonomia da sociedade civil em sua dinâmica de expansão da cidadania. No plano mundial, as mudanças no padrão produtivo das últimas décadas do século XX, com a internet à frente de uma verdadeira revolução organizacional e comunicacional, alteravam drasticamente as relações entre política e mercados, colocando em questão o antigo poderio dos Estados nacionais. Tudo isso reduziu o populismo a não mais do que um constructo ideológico, passível de ser mobilizável intelectual e politicamente apenas na “era dos Estados nacionais”, anacrônico no contexto de globalização.

Assim, a mesma quadra histórica que possibilitou os avanços das amplas liberdades, do pluralismo e da alternância de poder também produziu uma espécie de “revanche do populismo”, expresso na moldura do bolivarianismo. O mal denominado “populismo do século XXI”, diferentemente do anterior, radicalizou os termos de sua definição no sentido de buscar uma identidade integral entre a instituição do “povo-sujeito” e a política, anulando a ideia de representação. Nesta formulação, da qual E. Laclau parece ser o principal teórico, a razão populista e a razão política são concebidas como idênticas, o que desloca para um plano secundário a deliberação racional vigente nas democracias ocidentais. É essa radicalização, contraposta à modernidade e avessa ao individuo e à sua expressão autônoma, que dá sustentação às reformas constitucionais que se seguiram, nas quais o que se pretende estabelecer é a “eternização no poder” de forças que se autodefinem como única e legítima expressão da vontade popular.

Trata-se efetivamente de “uma espécie de autoritarismo baseado no consenso”, como definiu Félix Patzi, ex-ministro da educação da Bolívia. Alguns analistas definem essa estratégia como “pós-democrática”, na qual predominaria o autoritarismo, a intolerância e o antipluralismo, expressos na afronta aos direitos humanos, na supressão das liberdades e na repressão e perseguição aos opositores políticos, aos juízes e jornalistas. Sem duvida, um cenário de risco para a democracia que, combinado com a corrupção endêmica, largamente disseminada pelas instituições públicas, tornam o ambiente político extremamente carregado e incerto.

A América Latina das primeiras décadas do século XXI está frente a uma disjuntiva que opõe a chamada “pós-democracia” e os desafios da construção de uma democracia de maior qualidade, fundada em instituições representativas que deem suporte a uma conduta intransigente e de punição exemplar à corrupção, que apoiem concretamente projetos para minimizar os abismos sociais existentes e que favoreçam o estabelecimento de uma nova cultura politica estabelecida a partir do entendimento de que os problemas da democracia não são passiveis de serem realmente enfrentados de uma maneira simplista, retórica e ilusória. Difusamente, é isso que nos dizem as multidões que ganharam ruas e praças nos últimos anos, do Chile ao Equador, da Venezuela ao Brasil.

Referências
LACLAU, E. A razão populista. São Paulo: Três Estrelas, 2013.
LECHNER, N. “De la revolución a la democracia”. Opciones, Santiago, mayo-agosto, 1985.
SMITH, P. H. La democracia en América Latina. Madrid: Marcial Pons, 2009.

(*) Alberto Aggio é professor titular da Unesp, campus de Franca, autor de Um lugar no mundo – estudos de história política latino-americana. Brasília/ Rio de Janeiro: FAP/Contraponto, 2015.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Política carcará (Marcos Nobre)




O colapso chegou e se instalou. A política entrou em modo bélico, estão suspensas suas regras habituais. Dos muitos barcos anti-Dilma que estavam no porto, o que conseguiu no final das contas zarpar foi o do vice-presidente Temer. Os dois lados se preparam agora para a guerra aberta. Reunir tropas e cavar trincheiras são providências que tomarão toda a segunda quinzena do mês de setembro. As primeiras batalhas campais estão marcadas para outubro.

É a política carcará. Pega, mata e come. Quando entra em cena, tudo o que normalmente serve de enquadramento para a política perde força. Não que a principal senhora da política, a economia, deixe por isso de operar. Pelo contrário, aliás. Com a política temporariamente em suspenso, o mercado ajusta nos seus próprios termos: taxas de juros, câmbio. Sem a tradução simultânea da política, o sofrimento social fala uma língua desconhecida da contabilidade. O que conta é que os números batam. Até que seja alcançada a estabilização que a política não consegue produzir. Ou até que o sofrimento social exploda e não possa mais ser ignorado pela contabilidade.

A guerra veio porque não se alcançou uma trégua provisória entre as principais forças para preservar a capacidade de ação do sistema político até que a Lava-Jato mostre quem está dentro e quem está fora do jogo. O estado de guerra foi enfim decretado com o fracasso de Dilma Rousseff em impedir a formação de um bloco unitário pró-impeachment e em manter Lula a prudente distância de posições de comando de seu governo. Para evitar que o barco do impeachment deixasse o porto, Dilma teve a seu favor a caneta presidencial, a tripartição irreconciliável do PSDB, as fraturas sem conta do PMDB, a incerteza trazida pela Operação Lava-Jato, movimentos sociais na rua, o medo de parte do alto empresariado e da alta finança de instabilidade ainda maior com seu afastamento. Apesar de tudo isso, permitiu que Michel Temer se impusesse como ponto de convergência das inconsistências do sistema para tirá-la do cargo.

Desde o início, a presidente cercou-se de pessoas no PT detestadas por Lula e refratárias a sua influência. Foi como tentou evitar que o ex-presidente controlasse seu governo. Já faz tempo que Lula exige que sua sucessora lhe entregue as rédeas. Foram muitos os sinais de que seu apoio à presidente não é automático, muito menos incondicional. Com a entrada da política em modo bélico, veio o ultimato: para contar com Lula em sua trincheira, Dilma terá de lhe entregar parte substancial do governo. Esse é o verdadeiro sentido da briga de faca para afastar Aloizio Mercadante e instalar Jaques Wagner na Casa Civil, por exemplo.

Para além do desfile de bestialidades de lado a lado, o objetivo racional de quem escolhe uma das duas trincheiras é restabelecer as condições normais da política. Quem acha que três meses de guerra podem afundar o país de maneira irremediável vai apoiar a permanência de Dilma, pelo menos por enquanto. Quem entende que a guerra do impeachment é o único caminho para alcançar a estabilização vai cerrar fileiras em torno de Temer. Foi o fiapo de racionalidade que restou. Mas já não há negociação possível, está suspensa a política.

Claro que ambas as posições parecem ter que ver com preferências partidárias ou ideológicas, com afinidades e rejeições políticas. Mas um petista convicto poderia perfeitamente entender que é melhor que Dilma se vá. Assim como um tucano histórico poderia achar que derrubar Dilma será ainda pior do que sua permanência. Só que não. Soou a ordem unida, não há mais espaço nem tempo para a reflexão. Para sustentar suas posições, ambos os lados vão apelar para o que há de mais regressivo na sociedade. Não vai ser bonito de ver.

O campo institucional da guerra exige jogar o xadrez da Câmara dos Deputados. É na Câmara que a denúncia será ou não aceita, é lá que o processo de impeachment será ou não aberto. Em caso de arquivamento e recurso ao plenário, são necessários 257 deputados. Para a abertura do processo, 342. Se o processo for aberto, a bola passa para o Senado e a presidente é afastada do cargo até o final do julgamento. Se o processo for aberto, dificilmente Dilma sobrevive.

A Câmara é a casa legislativa sobre a qual Michel Temer tem maior influência. Dilma Rousseff se apoiou largamente sobre o Senado para contrabalançar as investidas da Câmara, especialmente de seu presidente, Eduardo Cunha. Mas, embora a situação de Dilma na Câmara esteja longe de ser confortável, ela continua a ter nas mãos a caneta presidencial, o que pode acabar decidindo a guerra a seu favor.

Também por essa razão, o lado da trincheira comprometido com o impeachment só conseguirá arregimentar tropas se apelar para mobilizações de rua. Na situação atual, é um recurso que vem com pelo menos dois obstáculos consideráveis. Primeiro, o horror do mercado de que a coisa saia do controle e passe a expressar aquela insatisfação social que não cabe na contabilidade. E pode acabar saindo muita gente na rua para defender Dilma, produzindo uma guerra bem pouco institucional. Como se fosse pouco, a Lava-Jato resolveu colocar seus holofotes em Lula e em Temer, chamando-os diretamente para o embate.

Do lado de Dilma, a reforma ministerial prometida servirá como principal instrumento para reunir tropas contra o impeachment. As nomeações do governo de guerra virão com a exigência de disciplina férrea na defesa do mandato da presidente, incluindo apoio incondicional às novas medidas orçamentárias e nenhuma clemência em relação aos aliados de Temer. No mais, Dilma conta que, na divisão bestial da política carcará, os movimentos sociais não terão para onde correr senão para ela.

Enquanto todo esse esforço de guerra se desenrola, apartado do sofrimento social, da economia, ou da Lava-Jato, o mercado vai ajustando segundo sua contabilidade própria. Serão os despojos desse ajuste que caberão a quem vencer. A política carcará come até cobra queimada. É só o que vai sobrar depois que o mercado queimar a roça toda.

Fonte: Valor Econômico (14/09/15)

"Dilma não sabe como criar estabilidade" (Stéphane Monclaire)

- Cientista político e brasilianista francês fala sobre a atual tensão política que assola o país - 
 Stéphane Monclaire -  professor de Ciência Política -  Nascido em Paris e professor de Ciência Política na Sorbonne desde 1984, Stéphane Monclaire é também um especialista em Brasil, e já escreveu sobre o período de transição do país da ditadura militar para a democracia e sobre o processo de elaboração da Constituição de 1988. Ele esteve em Porto Alegre esta semana para participar do 1º Seminário Internacional de Ciência Política promovido pela UFRGS. Na qualidade de um estrangeiro com olhar de especialista, Monclaire fala, na entrevista a seguir, sobre as atuais turbulências que assolam o cenário político do país. Leia abaixo os principais trechos:

Como o senhor avalia a atuação da oposição diante da crise política?

- O jogo da oposição é bater forte, e poderia bater ainda mais forte se fosse unida. Veja o PSDB. É um partido que disputou todos os últimos segundos turnos das eleições presidenciais desde 2002, e que antes disso estava no Planalto. Este partido é dividido entre correntes e chefes bem conhecidos: Alckmin, Aécio Neves e José Serra. E Fernando Henrique como o velho cacique. Esse partido precisa falar de uma maneira mais unívoca e fazer proposta. Porque dizer que a economia vai mal é simples, e além de tudo é verdade. Agora, é outra coisa dizer: “Para corrigir, vamos fazer isso, veja nossa agenda de reformas, teremos sangue, suor e lágrimas, mas o Brasil vai melhorar”. Até hoje não vi proposta concreta para a economia. Armínio Fraga, ex-chefe do BC na época de FHC, fez algumas indicações, mas não é um programa geral. E o PMDB é um partido dividido desde a Nova República, também composto de grupos, liderados por Eduardo Cunha, Renan Calheiros, Michel Temer, Eduardo Paes e outras figuras locais. A briga que existe hoje entre o Congresso e o Planalto tem muito a ver com uma tentativa dessas personalidades peemedebistas de exercer um controle mais forte sobre o partido quando a eleição presidencial se aproximar, e assim ter a maior parte da bancada ao seu lado, prefeitos, senadores, governadores, aumentando a probabilidade de vencer uma eleição presidencial. Tem aqueles que esperam controlar o partido, e tem o Temer, que age de outra maneira: ele já é vice-presidente, se virar presidente interino, assume o controle.

Algumas das grandes crises e enfrentamentos que a presidente teve recentemente foram com políticos e partidos que fazem parte de sua base aliada, como o próprio PMDB. Por que os aliados vêm se rebelando?

- Temos de ser prudentes quando fazemos comparações no tempo. Porque, apesar de os partidos terem os mesmos nomes, a realidade das relações intrapartidárias não é a mesma. O PT dos anos 2000 e dos anos 2010 é bem diferente do PT dos anos 1990, sem falar do dos anos 1980. Do ponto de vista do discurso, da democracia interna, da renovação das lideranças, do recrutamento e do financiamento. É o mesmo partido, mas mudou. A mesma coisa aconteceu no PMDB. Temos a permanência de alguns caciques: Michel Temer já era deputado constituinte, Renan Calheiros já era presidente do Senado há 10 anos. Mas, apesar de os nomes serem os mesmos, os recursos que têm essas pessoas não são necessariamente os mesmos. O savoir-faire deles não é necessariamente o mesmo. E tem o baixo clero, que também tem de ser analisado dentro do PMDB. Agora é o momento dos pastores, dos evangélicos, de políticos radicais – não do ponto de vista de político, mas de uma certa concepção da moral – e isso permitiu a Eduardo Cunha ganhar a presidência da Câmara. Por isso essa coisa estranha: esse PMDB que era aliado agora está em grande parte oposto.

A reação da presidente também contribui para a tensão?

- A Dilma não é o Lula. Os brasileiros estão tão acostumados a ver Dilma na TV que talvez não tenham capacidade para avaliar. Há poucos chefes de Estado carismáticos hoje em dia. Podemos fazer a lista das grandes democracias: Roosevelt nos EUA, Churchill na Inglaterra, De Gaulle na França e Adenauer na Alemanha. Vamos ficar com esses. Quem se lembra de quem foi presidente depois do Roosevelt? Do De Gaulle? Quando um chefe tem capacidade de mudar um país, de se impor à opinião pública e ser respeitado fora, o sucessor parece nanico. E no caso da Dilma, embora ela tenha herdado um país com crescimento significativo de 7%, o déficit de carisma dela em comparação com Lula é flagrante. Lula tinha uma capacidade excepcional de negociação e um grande senso de pragmatismo, enquanto Dilma vem de outro universo. Assim como lutou bravamente durante a ditadura, ela agora está em uma estratégia de confronto, não tem jogo de cintura. Além disso, quando ela foi chefe da Casa Civil depois da saída de Dirceu, o Lula falou: “Você vai tocar as políticas públicas, mas tudo o que concerne à política partidária da Casa Civil eu mesmo faço”.Então, Dilma passou anos na Casa Civil sem participar realmente das negociações para costurar uma maioria, acordos entre o Planalto e o Congresso. Desse ponto de vista, ela era pouco experimentada ao chegar ao Planalto, mas no início a coisa era administrável porque havia crescimento e a economia estava bem. Mas nos últimos meses é visível que ela ainda não entendeu como criar condições de estabilidade entre Congresso e Planalto.

De que modo esse confronto se reflete na crise econômica?

- O Brasil está em uma situação complicada, tem uma interação forte entre a crise econômica e a crise política. Quando, por exemplo, para incomodar a presidente e o governo, Eduardo Cunha faz aprovar pela Câmara um novo aporte de despesas orçamentárias, o mercado internacional não gosta, é aplicada sanção imediata e o dólar sobe em relação ao real. Ou quando a Dilma diz que vai ressuscitar a CPMF e depois diz: não vamos mais. Ela está um pouco perdida, tenta reagir e não consegue, tenta coisas que não funcionam, o que também é outro sintoma da crise, e os mercados não gostam disso. Mercados gostam de previsibilidade, não de improvisação.

O Congresso é hostil. Mas recentemente, medidas cogitadas pelo ministro da Fazenda Joaquim Levy prometeram atingir o próprio coração das administrações petistas, como os programas sociais. 
A presidente nomeou Joaquim Levy por ser uma figura respeitada, para acalmar os mercados internacionais e dar margem de manobra para aplicar uma austeridade que não fosse forte demais. Mas Dilma não se entende muito bem com ele e tem o ouvido mais sensível ao que diz o ministro do Planejamento. E é difícil para Dilma, que quer encarnar uma figura voltada para o social, aguentar os cortes dentro dos orçamentos sociais, como o Minha Casa, Minha Vida. A falta de solidariedade dentro do governo agrava a situação  e tem a ver com o fato de que, de maneira paradoxal, a presidente é autoritária demais quando manda e não é autoritária o suficiente para fixar diretrizes. Um dos resultados é que há um conflito entre a Fazenda e o Planejamento. Deve-se apontar também a falta de savoir-faire da presidente e do Mercadante. A última foi este decreto para tirar poder das Forças Armadas, o que não é ruim do ponto de vista da democracia, mas não era urgente, poderia ter sido feito daqui a uns meses. Por que agora? Foi erro emitir o decreto e foi um erro retirá-lo, porque dá de novo a impressão de que o governo não sabe o que fazer, e isso não é bom para ninguém.

Por: Carlos André Moreira (Zero Hora)

Problemas econômicos do Brasil têm origem na tensão política (Paulo Peres)


- Professor da UFRGS analisa os equívocos e os conflitos que levaram Dilma a um cabo de guerra com o parlamento -


Na eleição presidencial de 1992, nos Estados Unidos, James Carville, consultor da campanha de Bill Clinton, cunhou uma frase que se tornaria célebre no debate político durante muitos anos: “É a economia, estúpido”. Àquela altura, Carville queria dizer que o ponto mais sensível da sociedade americana era a economia, pois o país enfrentava uma grave recessão, com consequentes efeitos sobre a renda, o consumo e o emprego. Assim, os democratas deveriam bater na tecla da crise econômica para conquistar os corações e mentes dos eleitores, de modo a derrotar George Bush, o pai, na sua tentativa de reeleição. De fato, a economia daquele período era a maior preocupação do eleitorado, e a estratégia de comunicação do Partido Democrata tirou Bush da Casa Branca.

Anos depois, em 2012, diante dos impactos da crise econômica mundial que eclodiu em 2008, Carville publicou um livro, em coautoria com o especialista em pesquisas de opinião Stan Greenberg, apontando que, agora, o alvo das políticas e do discurso partidário nos EUA deveria ser a classe média. Os efeitos da crise e a concomitante reação do governo levaram a uma redução desse estrato social, o grande motor da economia do país. De lá pra cá, o governo Obama tem tentado se equilibrar entre as demandas do “mercado” e as pressões políticas da sociedade, principalmente dos cidadãos da classe média. Transportando essa situação, em analogia, para a atual situação de crise brasileira, podemos dizer: é a política!

O Brasil enfrenta hoje, simultaneamente, adversidades na economia e na política. Contudo, o maior ponto de tensão e de potencial crise está no processo político, o qual acaba contaminando a esfera econômica. É claro que estamos diante de sérias dificuldades na economia e estas podem nos conduzir a uma situação de maior gravidade; porém, já vivemos crises piores nesse setor e temos uma série de indicadores que ainda dão capacidade de reação ao governo e aos agentes econômicos. Inclusive, se nosso habitat político estivesse mais equilibrado, mais facilmente enfrentaríamos os atuais problemas econômicos. No entanto, estamos diante de uma conjunção de fatores que convergem para um cenário de baixa cooperação entre os principais atores políticos, o que cria uma atmosfera de incerteza muito grande e de provável incremento do conflito entre os partidos e os grupos sociais.

No delicado ambiente da política, onde impera uma feroz e incontornável competição, há duas estratégias que os indivíduos e grupos sociais podem seguir – cooperação ou conflito. A competição pode ser cooperativa, tornando-se vantajosa para todos ou a maioria dos atores. Isso significa que eles podem fazer alianças; o que, no caso da política partidária brasileira, manifesta-se na forma de coligações eleitorais e coalizões de governo. Quando essa cooperação por alianças não é possível, seja pela distância programática ou por qualquer outro tipo de interesse, os partidos fazem oposição àqueles que se aliaram na ocupação do governo. Essa oposição, não obstante invista em certo grau de conflito, deve ser leal às “regras do jogo” e seguir à risca toda liturgia institucional que legitima o regime democrático. Nesse sentido, a oposição atua de forma não cooperativa e investe no conflito com o governo, mas num grau moderado, pois qualquer radicalização que inviabilize completamente a governabilidade ou que provoque a desestabilização institucional poderá resultar em ameaça ao regime democrático e, no limite, à perda de legitimidade de todo o sistema representativo. Ou seja, todos perdem.

O governo, por sua vez, deve ser capaz de sinalizar para a população que políticas pretende fazer e aonde pretende chegar. O governo deve mostrar serenidade, estabilidade, segurança e consistência. Deve garantir a governabilidade fiscal, administrativa e política. Deve ser hábil para assegurar a implementação de sua agenda, deve saber negociar e, ao mesmo tempo, mostrar liderança. O governo tem que ter a capacidade de se comunicar de forma clara e direta com os cidadãos; deve ser protagonista na construção da “narrativa” do cotidiano político. Deve ter uma mensagem de esperança. Se não tiver essas destrezas, será incapaz de coordenar a ação coletiva de seus aliados, de modo que tal inépcia resultará no aumento do conflito tanto interno como externo ao governo, com inevitável perda de popularidade.

Estamos avançando rapidamente para essa situação. O modelo de governação brasileiro, denominado “presidencialismo de coalizão”, é baseado na formação de coalizões partidárias majoritárias e coesas que cooperam com o Executivo. A Presidência da República dispõe de recursos e prerrogativas constitucionais que facilitam a atração de partidos para sua base de apoio. Todos sabemos que o governismo é uma força gravitacional muito forte para os partidos. Porém, sem uma liderança política com a disposição e o talento para operar esse mecanismo institucional, o governismo se transforma em “cerco” ao governo, seja por parte dos “aliados”, que quererão cada vez mais recursos para si, seja por parte da oposição, que procurará enfraquecer o governo para conquistar o poder na próxima eleição ou, conforme o caso, para retirá-lo do poder de algum modo antes mesmo do término do mandato.

A atual crise política não é resultado do esgotamento desse modelo, mas sim da inabilidade do governo Dilma para operar o “presidencialismo de coalizão”; mais do que isto, pela atabalhoada tentativa de governar sem recorrer a esse modelo de governação. No início do seu segundo mandato, ao tentar se distanciar do PMDB, seu governo abriu espaço para o fortalecimento de Eduardo Cunha e seu grupo parlamentar, além de ter descontentado todo o resto dos peemedebistas. O governo Dilma rompeu unilateralmente o acordo cooperativo com o PMDB, gerando um problema de quebra de confiança necessária a todas as cooperações. Desde então, a presidenta não conseguiu recompor de fato sua coalizão legislativa e vive num permanente clima de insegurança. Diante disso, alas do PMDB perceberam que podiam jogar o jogo da ameaça crível: pressionam o governo para obter mais recursos, sob pena de retirar de vez seu apoio ou de permitir que cheguem a algum termo processos de CPIs e até mesmo de impeachment.

Contribuindo ainda mais para agravar esse quadro – aliás, o governo comete erros estratégicos inacreditáveis –, a presidenta e seu núcleo de assessores, na tentativa de obter maior apoio de sua base legislativa e reduzir o poder do presidente da Câmara dos Deputados, deram mais poder ainda ao PMDB, nas figuras do vice-presidente Michel Temer e de Renan Calheiros, presidente do Senado. Alimentaram disputas internas dos peemedebistas e deram ao vice-presidente a oportunidade se tornar um pivô dos movimentos pelo impeachment. Acima de tudo, ter tentado se distanciar do PMDB foi um equívoco político crucial. Desde a retomada da eleição direta para presidente da República, apenas um governo não contou com o PMDB em sua coalizão legislativa, o governo Collor. Sabemos no que resultou.

* Doutor em Ciência Política pela USP. Professor da UFRGS

fonte: Zero Hora