sábado, 30 de abril de 2016

Agonia de uma lenda (Rosiska Darcy de Oliveira)

Brasil está sendo passado a limpo pelo trabalho da Justiça, as instituiçõesestão funcionando
Acontece no Brasil algo tão transformador quanto a luta contra a corrupção. É o desmascaramento da mentira como instrumento de governo, da ficção como prática política.
A investigação conduzida pela operação Lava-Jato nos trouxe de volta ao mundo real. Revelou mais do que um gigantesco crime organizado por um partido político, acumpliciado com empresários inescrupulosos. Desvelou o caráter impostor de lideranças que abusaram durante anos da confiança de seus eleitores. Com a mão direita, ofereciam Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida, políticas necessárias e louváveis. Com a mão esquerda, assaltavam a Petrobras, destruíam a golpes de desonestidade e incompetência a economia do país, gerando desemprego, o que realimenta a pobreza. Enquanto enriqueciam suas contas bancárias. No botim do PT brilha, roubada, a esperança dos pobres. E isso é o mais imperdoável.
Investigado por crime de ocultação de patrimônio, o ex-presidente Lula foi para as ruas reavivar sua lenda e, com gestos histriônicos, garantir que o perseguem porque “eles” não querem que os pobres melhorem de vida.
Quem são eles, esses personagens da ficção de Lula? Os milhões de brasileiros que país afora saíram às ruas contra a corrupção? São milhões de malvados, reacionários e egoístas? Nessa ficção de péssima qualidade, o justo precisa dos maus, precisa de um algoz para ser vítima.
A varinha de condão do pai dos pobres transforma, então, as manifestações contra a corrupção e o fracasso do governo em artimanha da direita. Divide o país entre direita e esquerda, retrocedendo em meio século a nossa história, desqualifica o que hoje emerge com força: a consciência democrática, que abriga esquerda, direita e demais as nuances de opinião, contanto que respeitem a lei.
A ficção que Lula e seu partido escrevem sobre si mesmos, com a assessoria do ilusionista João Santana, que já está preso, não resiste à capacidade de discernimento que a população brasileira desenvolveu nos últimos anos. O aumento da escolaridade, a informação ampliada, o debate intenso nas redes sociais e a retroalimentação desses fatores amadureceram uma sociedade com senso crítico, capaz de formar, por si mesma, suas convicções. Depois de tantos anos jogando com a fé cega de seu eleitorado, é difícil para o ex-presidente admitir que o encanto tenha se quebrado.
Seu partido, na ficção, mantém viva a esquerda brasileira. Na vida real, matou-a. O que a direita não tinha conseguido fazer ele fez. Jogou na vala comum da criminalidade uma causa generosa que ainda mobiliza muitos militantes honestos, hoje atarantados, como mobilizou a minha geração na luta contra a ditadura, fundadores cuja memória o PT desrespeitou, frequentando doleiros e offshore. Acordou uma direita adormecida há três décadas, que encontrou nos seus desmandos o argumento fácil para abrir uma brecha no espectro político até então blindado a ela.
Acuado pelos próprios fracassos, escuda-se no papel de defensor dos pobres. Ora, não são os ideais de justiça, de combate à pobreza e de equidade — que não são propriedade de nenhum partido — que estão em causa. É um sistema de poder que, construído sobre a mentira, nas últimas eleições se elegeu prometendo o que sabia impossível cumprir. E não cumpriu.
Quem ganha com o descrédito dessa ficção não são os políticos de oposição, é o Brasil. O Brasil que está sendo passado a limpo pelo trabalho da Justiça, um país onde as instituições estão funcionando, apesar do baile de fantasmas que ainda dançam no Congresso Nacional e que, na mira dos juízes, têm seus dias contados.
Esses tempos de tensão e desavenças são o preço que a sociedade está pagando pelo difícil enfrentamento da verdade, pela agonia da lenda. São as dores do parto de um novo país. Duas grandes manifestações pacíficas, cada uma juntando milhões de pessoas, deram um relevante testemunho sobre a solidez da nossa democracia.
Essa jovem democracia quer viver na realidade. Esquerda e direita são categorias anacrônicas que não dão conta do mundo contemporâneo. Vai ser preciso encarnar o desejo de uma sociedade mais justa em ideias e propostas que leiam nossa sociedade atual e, sobretudo, em uma gente nova que está emergindo dos milhões que desfilaram nas ruas no dia 13 de março, que não foram guiados por ninguém e sequer abriram espaço aos velhos políticos de oposição. Não seguiam líderes, apenas exprimiam um tributo merecido à coragem do juiz Sérgio Moro.
A mentira tem autoria, serve ao seu autor. O fato é o autor da verdade. E a verdade serve a todos.
Fonte: O globo (26/04/16)

quinta-feira, 28 de abril de 2016

PT e democracia, uma relação difícil (Sérgio Fausto)

Derrotado por larga margem na Câmara, desaprovado pela maioria da sociedade brasileira, o governo refugia-se na narrativa do impeachment como golpe branco. A narrativa é frágil para tirar o lulopetismo da defensiva, mas é eficaz para arregimentar suas bases sociais e políticas mais fiéis com vista ao período pós-impeachment. Frágil porque, ao distorcer demasiadamente os fatos, não é capaz de persuadir senão quem já esteja de antemão convencido da tese do golpe branco.
Eficaz porque recupera um espaço político simbólico em que o petismo se sente em casa. Evita assim que a militância se desorganize. No caso atual, a narrativa é facilitada pela presença de Eduardo Cunha na presidência da Câmara e de figuras execráveis como Jair Bolsonaro entre os favoráveis ao impeachment.
A divisão do campo político em dois lados opostos, segundo uma linha que demarca um plano moralmente elevado (o lugar do PT e seus satélites) e outro decaído (o lugar de todos os demais), é uma estrutura mental e retórica recorrente no petismo. Desde sua origem, em momentos críticos o partido apela a essa estratégia, com o auxílio lamentável de não poucos intelectuais petistas.
Em 1982 realizaram-se as primeiras eleições diretas para os governos estaduais depois que a ditadura militar as proibiu. Com Lula candidato, o PT atacou mais o candidato do PMDB, Franco Montoro, um dos líderes da oposição democrática ao regime autoritário, do que o candidato apoiado pelo malufismo e pelos militares.
Eram ambos, para o petismo nascente, “farinha do mesmo saco”. Na verdade, eram água e óleo: eleito, Montoro impulsionou a campanha das Diretas-Já, que pavimentou o trecho final da transição do autoritarismo para a democracia.
Em 1988 o PT votou contra a aprovação da Constituição e hesitou em assiná-la por ser “conservadora”. Desconsiderou que ali estava o produto de um amplo processo de negociação do qual participou, sem restrições, o conjunto das forças políticas e sociais, como nunca antes na história brasileira. No momento que consagrou o retorno definitivo do Brasil à democracia, com eleições diretas para a Presidência, ampla liberdade de organização partidária, expansão dos direitos sociais, enfim, todas as principais bandeiras da oposição democrática ao regime autoritário, o PT preferiu reiterar o princípio da divisão entre “nós” e “eles”.
Passaram-se vários anos, o PT ampliou seu leque de alianças e Lula finalmente venceu a eleição presidencial em outubro de 2002. O então presidente Fernando Henrique Cardoso organizou um processo de transição de governo raro de encontrar mesmo nas democracias mais maduras do mundo. Criavam-se, em tese, condições para uma convivência democrática construtiva e civilizada entre o novo governo e a oposição.
Ledo engano. Em resposta, uma vez instalado no poder, o PT escolheu o governo anterior e seu partido como alvo principal de uma campanha de destruição política.
Ao mesmo tempo que se empenhava na denúncia da suposta “herança maldita”, estimulava com dinheiro a transferência de parlamentares para legendas de aluguel e comprava na mesma moeda apoio no Congresso, no esquema que ficou conhecido como mensalão. O anátema da “herança maldita” repetia a caracterização do governo FHC como “neoliberal e entreguista”. Esse slogan, mais um, que não resiste ao exame minimamente isento dos fatos e hoje soa ainda mais ultrajante em face da destruição a que os governos petistas submeteram as maiores empresas estatais do País, em particular a Petrobrás, serviu de base não apenas para uma luta política feita de “bravatas” e mentiras, mas também para a montagem de uma indústria de ações populares visando a acossar juridicamente integrantes do governo FHC.
Em retrospectiva, vê-se a dificuldade do PT em estabelecer relações políticas que sejam propriamente democráticas. O partido só parece conhecer duas opções: submissão ou estigmatização. Para não falar na peculiar forma de parceria revelada pelo petrolão.
A democracia supõe que os adversários se legitimem mutuamente. O suposto é de que cada qual representa uma parte e uma perspectiva do interesse geral. Este é concretamente definido com base na disputa política travada dentro das regras do jogo. Nesse processo vale a regra da maioria, preservado os direitos da minoria, em particular o de vir a se tornar maioria. Daí, entre outras coisas, o governo de turno não poder se apoderar do Estado. A estigmatização do adversário é sempre um ataque à democracia. A cooptação dos aliados por dinheiro, também.
Argumenta o lulopetismo que o impeachment representa quebra das regras do jogo democrático. Quer fazer crer que todos os outros somos “golpistas”: você, eu, os ministros do STF, que regulamentaram o rito do processo, cerca de 65% dos brasileiros ouvidos em diversas pesquisas de opinião, 367 deputados federais, representando 71,6% da Câmara.
É possível sustentar que o hábito petista de dividir a política em dois campos opostos e colocar-se em plano moralmente superior ao dos demais serviu para que o PT se consolidasse como expressão política de atores antes sub-representados na esfera política e na sociedade civil. Nesse sentido, apesar de negar avanços no processo de democratização, como a eleição de governadores de oposição em 1982 e a Constituição de 1988, o PT contraditória, mas efetivamente contribuiu para democratizar em maior profundidade a política e a sociedade brasileira.
Hoje, porém, o recurso à mesma surrada estrutura mental e retórica é pura farsa. No passado, o crescimento do PT teve aspectos inegavelmente positivos. No presente, a recuperação do lulopetismo implica a ruína política e moral do País. Isso não interessa a ninguém, nem aos petistas lúcidos e democráticos, de cuja contribuição o Brasil não pode prescindir.
(*) Sérgio Fausto é superintendente executivo do IFHC, colaborador do Latin American Program do Baker Institute of public policy da Rice University, é membro do Gacint-USP
Fonte: O Estado de São Paulo (27/04/16)

Desfaçatez (José Antonio Segatto)

Roberto Schwarz, numa arguta análise de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, examina como o romancista tematiza, por meio da autobiografia de personagem de ficção, volúvel, o modo de ser de um tipo social da classe dominante brasileira da segunda metade do século 19. Fundado na impostura e na desfaçatez, concilia norma e transgressão; cultiva, a um só tempo, princípios liberais e procedimentos clientelistas; incorpora preceitos modernos, mas não abre mão dos privilégios da sociedade escravocrata.
Pode-se acrescentar ao enfoque de Roberto Schwarz aquilo que Karl Marx havia apontado na obra de Honoré de Balzac e Theodor Adorno, na de Franz Kafka – o caráter antecipatório ou profético de determinadas obras literárias. Ou seja, o fato de o romance machadiano evidenciar alguns traços que seriam permanentes no comportamento social e na prática política da história brasileira ao longo dos séculos 20 e 21: fisiologismo e patrimonialismo, clientelismo e favor, nepotismo e apadrinhamento, impostura e arbítrio. Um tipo de conduta peculiar que viria a manifestar-se de maneira paradigmática e recorrente nos procedimentos e nas concepções de agentes político-partidários.
Tal atitude está arraigada em representantes de setores dominantes tradicionalistas aferrados e habituados, secularmente, ao uso instrumental e patrimonialista do poder como forma de assegurar regalias, e pode ser observada a olho nu no Congresso Nacional e nas diversas esferas de governo. Mas não só neles. Impregna até mesmo a práxis de protagonistas oriundos de classes e camadas subalternas, incluindo os outrora radicais. Estes, quando tornados novos donos do poder, adaptaram-se, pragmaticamente, às conveniências do mando e da velha ordem.
Muitos são os protagonistas da história contemporânea do País que exprimem com a máxima nitidez e em toda a magnitude aqueles traços. No primeiro caso, a lista seria longa, mas poderia ser exemplificada na figura dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado; no segundo, uma figura típica reflete de forma extremada essa tendência, o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.
Com um comportamento ambivalente e pragmático, sua trajetória é volátil.
Alternando posturas, conforme as circunstâncias e conveniências, incentivou a criação da imagem – propagada pelo marketing – do homem simples, inculto, operário que se deu bem na vida graças à malícia e à perspicácia, à esperteza e à malandragem. A quebra de protocolo, a simpatia, a cordialidade e a informalidade tornaram-se sua marca. Emblemáticas disso são suas relações de compadrio e de companheirismo com determinados empresários – um deles, dono de uma grande empreiteira, tratava-o pelo apelido afetuoso de Brahma. Ele até se converteu em exímio animador de plateias, chegando mesmo a fascinar uma ilustre filósofa, que exclamou, feérica: quando ele “abre a boca, o mundo se ilumina”.
Não obstante afirmar que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é o “AI-5 da classe operária”, Lula nunca deixou de desfrutar, de maneira oportuna e utilitária, as vantagens da antiga estrutura corporativa. No poder, cooptou boa parte da sociedade civil, transformada em correia de transmissão de seu governo. Aliás, jamais teve grande apreço pela democracia e pela coisa pública, nem antes nem depois de ascender ao poder, quando o aparelhamento das instituições e a apropriação do patrimônio público ganharam dimensões extraordinárias.
Estabeleceu seu governo como marco zero da história e o dístico “nunca antes neste país” passou a ser repetido como um mantra. Insistiu em dividir a sociedade brasileira, numa dicotomia maniqueísta, entre bons e maus, povo pobre versus elite branca; paralelamente, estabeleceu laço de intimidade com os representantes da velha política oligárquica e clientelista, patrimonialista e fisiológica (Paulo Maluf, José Sarney, Fernando Collor de Mello, Renan Calheiros, Jader Barbalho e Edir Macedo, entre outros). Expressão extrema de sua desfaçatez foi a justificativa que deu para a coligação com o peemedebismo nas eleições de 2006: “A mistura de raças é que permite que sejamos esse povo alegre, bonito, sem discriminação, que sabe se misturar. Foi isso que permitiu a aliança do PT com o PMDB”.
Simultaneamente, usava o boné do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e proclamava que os usineiros eram os novos heróis nacionais. Ao mesmo tempo que atacava a burguesia exploradora, circulava com desenvoltura nos salões e banquetes dos empresários, estabelecendo relações promíscuas com eles e seus negócios – um ex-deputado petista constatou que Lula “deu status de política pública ao compadrismo empresarial”. Também, do mesmo modo que desfrutava a camaradagem de Fidel Castro, flertava com George W. Bush – tomava rum com um e uísque com o outro.
Há pouco, alguém lembrou um vaticínio atribuído ao general Golbery do Couto e Silva, segundo o qual Lula viria a ser o “coveiro da esquerda brasileira”. Se sua predição não se realizou integralmente, o fato é que ele e o Partido dos Trabalhadores (PT) infligiram à esquerda democrática um severo revés político.
Empenharam-se até mesmo em apagá-la da história, utilizando-se de um recurso consagrado, aquilo que Érico Veríssimo denominou “operação borracha”.
Mais de um século depois, aqueles traços e caracteres prefigurados na personagem de ficção machadiana tornaram-se plenos. A ficção transfigurou-se em história – a personagem imaginária reaparece encarnada em figuras reais e vivas, fazendo estripulias políticas, maculando a democracia e aniquilando esperanças.
(*) José Antonio Segatto é professor titular de sociologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp)
Fonte: O Estado de São Paulo (27/04/16)

Brasil vive uma mudança epocal ao se despedir da política dos últimos 80 anos (Luiz Werneck Vianna/entrevista)

“O espírito do tempo deve passar, ele pede passagem; temos de abrir as portas para ele”, provoca o sociólogo.
“Uma mudança no espírito do tempo”. É a isso que estamos assistindo em meio à crise política e às posições acirradas em torno da votação do impeachment da presidente Dilma, diz Werneck Vianna à IHU On-Line, na entrevista a seguir concedida por telefone na última sexta-feira (22-04-2016).
As evidências dessa mudança, assinala, podem ser vistas tanto no debate entre cidadãos, que buscam seus fundamentos na Constituição Federal, que tem sido “o livro de todos”, quanto no exercício dos tribunais, a exemplo do STF na condução do processo de impeachment, porque “se parlamentares foram acossados, ninguém acossou os tribunais, que ficaram como que acima das paixões que se desencadeavam”, diz.
Com os acontecimentos políticos dos últimos meses, frisa, “nós nos despedimos (...) da Era Vargas e das disputas, como as de 64, por exemplo”, porque hoje o debate se dá em torno de questões “procedimentais” da “interpretação da Constituição”. E complementa: “Existe uma mudança a ser avaliada, a ser registrada e percebida. É uma mudança de fundo, eu diria”.
Segundo ele, essa mudança no espírito do tempo é ainda mais clarividente, uma vez que “a sociedade está demonstrando que não aceita mais que essa relação espúria entre o público e o privado seja capaz de decidir o rumo da política brasileira”. Portanto, o recado é claro: a sociedade “quer uma nova política, e não a que aí está e que aí esteve”. As consequências seguintes, vislumbra, são as de que “estamos para viver no Brasil uma mudança de época: estamos nos despedindo da política tal como a conhecemos, dos anos 30 até aqui. Se não for isso, será o quê? Vamos voltar atrás?”, questiona.
Para Werneck, a representação política brasileira, mostrada “na sua rusticidade” na votação da admissibilidade do impeachment na Câmara dos Deputados no domingo, 17-04-2016, já demonstra que a sociedade mudou, “é moderna”, mas tem um “parlamento arcaico, que não a representa”. Isso, por si só, “denuncia um fato de importância capital: por que a política chegou a esse degrau tão baixo? O que foi feito dela ao longo desses anos? Como ela foi esvaziada pela usurpação que o Estado realizou em relação aos movimentos sociais, suprimindo a sua autonomia?”.
Especificamente em relação ao processo de impeachment, Werneck frisa que “o entendimento até aqui vigente é de que há, sim, crime de responsabilidade fiscal e o impeachment tem fundamento jurídico”. Contudo, afirma, “é claro que tudo isso vai deixar rastro, ressentimentos, mas há mais do que um cálculo político corriqueiro a ser feito”.
Werneck também comenta os bastidores da política e frisa que a indecisão do PSDB em relação à adesão ou não de um eventual governo Temer demonstra que os partidos “estão dominados por lideranças egocêntricas, que calculam os interesses do país a partir da chave particular das suas pretensões eleitorais. Esse é um país em que todo mundo quer ser califa”.
Independente das decisões a serem tomadas nos próximos dias, Werneck é categórico quanto ao futuro do país: “O ciclo de controle do Estado dos movimentos sociais, de passividade na sociedade, foi encerrado. Cumpre agora estabelecer canais no meio dessa barafunda em que nos encontramos, um caminho que tem de ser providencial. (...) Temos aí à frente a sucessão presidencial em 2018. Daqui até lá tem tempo de surgirem coisas novas, candidatos novos”.
Confira a entrevista.
• IHU On-Line - Que leitura geral está fazendo do atual momento brasileiro?
Luiz Werneck Vianna – É o fim de um ciclo, embora não se saiba qual novo ciclo está vindo por aí. A sociedade brasileira mudou e um exemplo dessa mudança é o comportamento das multidões nas ruas. Até então, apesar do estresse e do clima de beligerância das redes sociais e mesmo de alguns políticos, a sociedade tem se mantido, até aqui, de modo impecavelmente civilizado.
A manifestação forte disso foi aquele muro que se construiu em frente ao Congresso para evitar o contato entre os dois polos adversários, a favor e contra o impeachment, que resistiram, sem ameaça, durante o dia da votação da admissibilidade do impeachment. Terminou-se o dia com registro de ocorrência policial praticamente zero em Brasília e nas principais capitais. O registro disso tem de ser compreendido como algo novo que emerge num comportamento das nossas multidões.
Mudança no espírito do tempo
Eu diria, com Habermas em alguns de seus textos, que houve uma mudança significativa no espírito do tempo: nós nos despedimos, nesse sentido, com esses acontecimentos, da forma como estão se dando até aqui, da Era Vargas e das disputas, como as de 64, por exemplo. O próprio tema que as multidões levaram às ruas é um tema que vem do mundo do Direito. Houve uma massificação do discurso jurídico entre as multidões: se é golpe porque a regra jurídica está ofendida, ou se não é, porque as regras jurídicas estão sendo obedecidas. Não podemos ficar sem um registro da novidade que isso importa.
Ademais, da reverência dos dois lados, pró e contra impeachment, as decisões judiciais me parecem outro elemento surpreendente: se parlamentares foram acossados, ninguém acossou os tribunais, que ficaram como que acima das paixões que se desencadeavam. Esse também é um elemento positivo a ser anotado e vai nesta direção do que estou tentando apontar como uma mudança no espírito do tempo.
De outra parte, nesta mesma direção, a Constituição foi o livro de todos. Todos se socorreram do texto constitucional. Daí que se pode dizer que nesse momento, em meio às turbulências e paixões desarvoradas que se manifestaram, a Constituição e suas instituições receberam uma consagração de massas que afixaram a ela e às instituições um elemento inamovível da vida política brasileira. Essa é outra anotação no sentido da mudança no espírito do tempo.
• IHU On-Line – Apesar de a Constituição ser a base de argumentação de ambos os lados, a presidente Dilma diz que está sendo alvo de um golpe, parte dos juristas concordam com ela e alguns membros do STF dizem o contrário. Nessa situação, como se posicionar?
Luiz Werneck Vianna – Quando ela diz que é golpe, ela faz essa denúncia à luz da Constituição, mobiliza o texto constitucional; e o outro lado mobiliza o texto constitucional para dizer que, em outra interpretação, por exemplo,pedaladas fiscais e responsabilidade em matéria orçamentária, é crime. Então, é a Constituição que está em causa.
Mas a presidente não está denunciando a direita contra as reformas – sabe-se lá quais seriam -, mas enfim, digo isso para aludir a tempos passados, quando a mobilização se dava em torno de questões substantivas, por exemplo, reforma agrária, sim ou não, reforma urbana, sim ou não. Agora as questões são procedimentais, são de interpretação da Constituição. Existe uma mudança a ser avaliada, a ser registrada e percebida. É uma mudança de fundo, eu diria.
• “O governo e a oposição coonestam a legitimidade do processo que estamos vivendo”
• IHU On-Line – Mas há quem diga que o processo de impeachment é uma farsa e uma conspiração do vice-presidente Michel Temer com alguns aliados.
Luiz Werneck Vianna – Sim, mas essa é a parte adjetiva da discussão. Dizem que é uma conspiração por causa de uma interpretação incorreta do texto constitucional, porque o tema da responsabilidade fiscal não seria motivo legal para que a presidente fosse levada a um processo de impeachment. O cerne do argumento é jurídico e todos os contendores estão reverentes quanto às decisões dos tribunais. O tribunal determina um rito para o processo de impeachment e todos, reverentemente, acatam. E assim tem sido.
• IHU On-Line – É possível ter uma interpretação correta da Constituição neste caso do impeachment, ou seja, há como fazer uma análise objetiva da Constituição para se tomar uma decisão? Por que, do contrário, não lhe parece que a sociedade ainda vai remoer muito esse caso, seja entre os que defendem o impeachment ou entre os que são contrários a ele, e isso dificultará novos avanços porque vamos continuar olhando para o passado?
Luiz Werneck Vianna – O jogo é jogado. As decisões têm sido todas, até então, no sentido de que o impeachment tem base jurídica, são decisões tomadas no âmbito do parlamento e, nesse sentido, são decisões democráticas que a todos obrigam. As forças governistas poderiam se retirar do parlamento, denunciar golpistas e pôr o que no lugar? Fazer isso com quem? Com que forças? Não tem como. Nesse sentido, o governo e a oposição coonestam a legitimidade do processo que estamos vivendo.
José Eduardo Cardozo, advogado-Geral da União, que vem defendendo o governo neste processo, em nenhum momento mobiliza forças e argumentos externos à lei e à Constituição. Nesse sentido, ele é obrigado a ser referente à tomada de decisão da maioria que impõe o seu entendimento. E o entendimento até aqui vigente é de que há, sim,crime de responsabilidade fiscal e o impeachment tem fundamento jurídico.
Agora, é claro que tudo isso vai deixar rastro, ressentimentos, mas há mais do que um cálculo político corriqueiro a ser feito. Na verdade houve uma mudança, insisto na ideia, no espírito do tempo. A sociedade está demonstrando que não aceita mais isso, não aceita que essa relação espúria entre o público e o privado seja capaz de decidir o rumo dapolítica brasileira, tal como se vem apurando de forma absolutamente consistente no aparelho judiciário. Então, isso está presente e a sociedade está dizendo que quer uma nova política e não a que aí está e que aí esteve.
• IHU On-Line – Num possível governo Temer, essa pressão social tende a continuar?
Luiz Werneck Vianna – Vai continuar, sim. O governo Temer, se vier, não vai ter um caminho fácil. Mas, na eventualidade remota de a presidente Dilma continuar, as possibilidades de pacificação que ela tem nas mãos são quase zero, sendo generoso. Na verdade a minha avaliação é de que é zero. Digo isso considerando as próprias lideranças do seu partido. Foi um erro a indicação à presidência de uma personalidade pública sem a menor experiência na vida política, que não foi vereadora, que não passou pelo parlamento e tem uma visão tecnocrática do mundo. Esse parlamento, na hora que teve de se manifestar, entre outros motivos, manifestou o seu profundo desagrado com o governo da presidente, com a forma de ela conduzir seu governo.
Então, quando as coisas mudam, quando entram num processo de mudança e começam a vivenciar uma lógica de mudança, nada faz com que as coisas retroajam. Como parar a Revolução Francesa? Não estava dado que ela iria culminar de forma tão catastrófica com a decapitação da família real. Aquilo foi andando e o sentimento nas massas e nas elites políticas da época era de que algo tinha de mudar, e mudou. Foi uma revolução epocal.
Eu diria que estamos para viver no Brasil uma mudança de época: estamos nos despedindo da política tal como a conhecemos, dos anos 30 até aqui. Se não for isso, será o quê? Vamos voltar atrás? Como vamos voltar com esses jovens nas ruas como estão? Estou falando dos jovens adolescentes que estão ocupando escolas em SP, no RJ, que têm uma nova cultura.
• IHU On-Line – Já é possível perceber que tipo de pensamento tem essa nova geração em relação à política, ao país?
Luiz Werneck Vianna – Ainda não. Eu tenho um neto que participa desses movimentos de ocupação e procuro me informar. O que eles querem é participar e discutir educação. Eles passam uma noite ocupando uma escola e discutindo essas questões. Boa parte deles foi às ruas contra o impeachment, mas com outro espírito, mais nesse registro de mudança do espírito do tempo: pela participação, pela democracia, pela autonomia. Eles deixam a escola intocada depois da ocupação, cuidam da escola, da limpeza dela, o que é uma coisa nova.
• “Onde está a juventude na política? Nas ruas, denunciando a política que aí está”
• IHU On-Line - Quais os demais sinais de mudança no espírito do tempo na sociedade?
Luiz Werneck Vianna – Noutro plano, o que constatamos é a falência e a ruína do nosso sistema político, o qual ficou evidente para o país, que, diante das telas da TV, viu desfilar a sua representação na sua rusticidade, diante de uma sociedade que mudou, que é moderna, mas que tem um parlamento arcaico, que não a representa, o que denuncia um fato de importância capital: por que a política chegou a esse degrau tão baixo? O que foi feito dela ao longo desses anos? Como ela foi esvaziada pela usurpação que o Estado realizou em relação aos movimentos sociais, suprimindo a sua autonomia?
Nessa situação de heteronomia não surgiu nada novo. Quais são os quadros novos? Apesar de estar há tantos anos no governo, o PT não conseguiu renovar as suas lideranças e seus quadros. Onde está a juventude na política? Nas ruas, denunciando a política que aí está. Chegamos a uma situação limite, às cegas, sem lideranças definidas e reconhecidas consensualmente.
A sociedade realizou um movimento muito amplo, que não pode mais ser ignorado, de que temos de operar de forma profunda as nossas instituições políticas, porque a sociedade não se recusou à política enquanto tal, porque vem sendo presente nas ruas – o que tem custo para cada cidadão – há meses, há anos.
Não obstante essas manifestações, não surgem – como em outros contextos nacionais surgiram – movimentos que ofereçam alternativas para que a cidadania se integre à vida política. Nós não conhecemos as formas novas de organização que em muitos lugares têm feito fortunas.
Reforma nas instituições políticas
Eu diria que a continuar com essa caracterização a partir de mudanças no espírito do tempo, que a mudança de maior alcance é essa: a sociedade declarou de forma absolutamente evidente que é necessária uma reforma dramática nas nossas instituições políticas. O ciclo de controle do Estado dos movimentos sociais, de passividade na sociedade, foi encerrado. Cumpre agora estabelecer canais no meio dessa barafunda em que nos encontramos, um caminho que tem de ser providencial; não há uma receita mágica que possa ser retirada da cartola de um sábio. É algo que a sociedade vai ter de digerir e vai precisar de tempo para sair desse tormento, sem essa névoa que ofuscou a nossa visão, e escolher caminhos novos. Esses caminhos estão na política, nos partidos, no parlamento, nas instituições, na Carta de 88, que saíram consagradas desse processo. Então, quem pode fazer isso? E a que tempo? Temos de virar a página: novos atores, novos protagonistas, que vão precisar de tempo. Isso não é uma tarefa para ser realizada de um dia para o outro.
• IHU On-Line - Na última semana muito foi dito sobre os “religiosos” na composição da atual Câmara dos Deputados e no peso que tiveram na votação da admissibilidade do impeachment. Como o senhor vê essa composição? Que peso ela teve na votação?
Luiz Werneck Vianna – Sim, a religião aqui no Brasil é tudo, e não apenas para os setores subalternos, mas para a sociedade como um todo. Já reparou como os grandes artistas brasileiros protegem a carreira dos seus descendentes? A religião é algo que está entranhada em nós. Certas posturas devem ficar, não vão mudar porque são marcas da nossa catolicidade, do tipo de colonização que tivemos; é possível mudar isso, mas não erradicar. A religião está bastante presente, inclusive o candomblé.
• “Temos de virar a página: novos atores, novos protagonistas, que vão precisar de tempo”
• IHU On-Line – Mas a bancada religiosa irá mudar com o espírito do tempo?
Luiz Werneck Vianna – Quanto a isso não teria como dizer, porque ao contrário ela tem se comportado como um elemento conservador, especialmente no que se refere à agenda comportamental.
Agora, essa é uma questão complicada: como as forças da mudança devem agir em matéria comportamental? Acho que tem de ser prudente. Agora, em alguns momentos tem de ser ousada.
Na questão do aborto é necessário ousadia nas forças da mudança. Aliás, a presidente da República apesar de ser mulher, teve duas campanhas presidenciais em que o tema do aborto jamais aflorou.

Nem agora, com a questão daZika. Esse é um tema, numa sociedade como a nossa, a ser tratado com luva de pelica, com muita sabedoria, porque se corre demais com a agenda comportamental, se joga para o outro lado, se afasta de si a emergência dos movimentos. Então, como encaminhar isso? Como uma questão de arte, prudência, de tempo, de tentar avançar de forma não assuntada em discussões cada vez mais abrangentes, com argumentação mais sofisticada, e não de cima para baixo a partir de parlamentares que têm suas visões de mundo.

• IHU On-Line – Nos bastidores da política se fala de uma relação entre a bancada religiosa e um possível governo Temer. O que lhe parece? Essa bancada pode ter bastante peso numa composição de governo?
Luiz Werneck Vianna – Sei lá. No governo Lula teve (risos). Religião, no Brasil e na América Latina, é um tema forte e cabe aos políticos, especialmente àqueles que estão orientados para a mudança social, para a transformação, saber trabalhar corretamente com essa questão: tentar avançar com a sociedade, e em alguns momentos é preciso ser audaz, porque em relação ao aborto, por exemplo, já está mais do que na hora de a política dar passos à frente na sociedade brasileira.
• IHU On-Line – Também se fala da relação entre Cunha e Temer e da possibilidade de o presidente da Câmara realizar manobras para não ser julgado num possível governo Temer. Há uma relação entre eles? E como vê a figura de Cunha, que parece ser o político que nenhum dos lados defende?
Luiz Werneck Vianna – Se estou certo nessas considerações, parlamentares como Cunha estão com seus dias contados e não terão mais como se reproduzir. Agora, o desenlace de como vai ser, não tenho ideia.
• IHU On-Line – Além de Cunha, que outro perfil de políticos não tem mais chance de se reproduzir?
Luiz Werneck Vianna – Esse estilo não tem mais chance, a não ser que nada mude, que o espírito do tempo seja traído e isso possa acabar numa consagração dos infernos. O espírito do tempo deve passar, ele pede passagem; temos de abrir as portas para ele.
• IHU On-Line – Como vê a indecisão do PSDB em relação à participação num possível governo Temer?
Luiz Werneck Vianna – O PSDB faz seus cálculos, porque os partidos querem sobreviver. O PSDB está muito dividido em relação à candidatura para a presidência, e os nossos partidos, além de estarem formados por esse maneirismo de base, estão dominados por lideranças egocêntricas, que calculam os interesses do país a partir da chave particular das suas pretensões eleitorais. Esse é um país em que todo mundo quer ser califa. Então, sei lá o que vão fazer, mas acho que vão se alinhar com esse sentimento de mudanças políticas, que são mudanças epocais.
• IHU On-Line – Anteriormente o senhor disse que um possível governo Temer terá dificuldades. Quais serão elas?
Luiz Werneck Vianna – Políticas, porque ele terá de dar um jeito de arrumar uma base parlamentar, vai ter de dialogar com todos, inclusive com o PT, vai ter de pacificar o país, abrindo a possibilidade de um caminho para que, mais adiante, aí sim, o país possa redefinir suas instituições, seus rumos. Essa não é uma hora de definições fortes; a hora do Temer é a hora de pacificação política e social.
• IHU On-Line – O senhor mantém a mesma opinião em relação à Lava Jato desde a última entrevista que nos concedeu?
Luiz Werneck Vianna – Certamente. É um instrumento novo que ativa a emergência desse novo espírito do tempo. E por falar em religião, como eu disse naquela entrevista, boa parte deles têm compromissos religiosos bastante evidentes.
• “Essa não é uma hora de definições fortes; a hora do Temer é a hora de pacificação política e social”
• IHU On-Line – Em que saída aposta: na continuidade do rito do impeachment, em novas eleições gerais ou na constituinte exclusiva, como alguns sugerem?
Luiz Werneck Vianna – Novas eleições não têm a menor possibilidade de passagem legal, porque isso exige mais uma mudança na Constituição; é uma ruptura e isso não vai ser aceito. O processo do impeachment está descendo a ladeira, e como se para um processo desses com a força de massas que ele já tem? Não para. Especialmente porque o horizonte que se tem da paralisação desse projeto é o retorno da presidente às suas funções, que é muito assustador para todos. Temos aí à frente a sucessão presidencial em 2018. Daqui até lá tem tempo de surgirem coisas novas, candidatos novos.
• IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Luiz Werneck Vianna – Um pedido de clemência na hora de elaborar o texto, para que ele saia de uma forma tal que seja inteligível pelos leitores, para que não queiram jogar pedras em mim.

terça-feira, 26 de abril de 2016

Matungos e azarões (José Roberto de Toledo)

Tucanos e petistas perdem terreno na corrida presidencial. Qual corrida? Podemos ainda não saber quando será sua chegada, mas a largada ocorreu quando a Câmara autorizou o impeachment de Dilma Rousseff. Pesquisa inédita do Ibope revela novo potencial de voto de sete políticos que, queiram ou não, estão no páreo. Os resultados não são bons para ninguém: nenhum nome avança. Mas são piores para os três do PSDB como também para o do PT.
A pressão popular por uma chegada antecipada é grande: 62% querem eleger um novo presidente já. Pouca gente aprecia as alternativas. Só 25% defendem a permanência de Dilma e meros 8% preferem um governo do vice Michel Temer. O problema para a imensa maioria dos eleitores é que esses 8% concentram-se em Brasília – em especial no Congresso, no Palácio do Jaburu, no Supremo e – a ver – no Tribunal Superior Eleitoral.
Entre quem diz ter votado em Dilma em 2014, as opiniões estão divididas: 45% são pró-continuidade, e 44%, pró-eleição. Entre os que votaram em Aécio Neves (PSDB), três em cada quatro gostariam que Dilma e Temer saíssem, e um novo eleito entrasse: 77%, contra 13% pró-Temer. Essa era, faz pouco tempo, a posição do PSDB. A mudança de lado do partido talvez ajude e explicar por que seus presidenciáveis estão ficando para trás na corrida.
Aécio Neves chegou a ter 51% de potencial de voto em 2014. A taxa caiu para 40% em fevereiro deste ano, e chegou agora em abril a 32%: 11% votariam com certeza no tucano, e 21% dizem que poderiam votar. Sua rejeição cresceu de 44% para 53% desde fevereiro. O desconhecimento oscilou de 14% para 12%. O resto não soube ou não quis responder. Dos 11% que votariam certamente em Aécio, metade (5%) votaria só nele. É seu eleitor exclusivo.
Geraldo Alckmin (PSDB) tinha 29% de potencial em outubro de 2015, oscilou para 30% em fevereiro e caiu para 24% agora (6% votariam com certeza, e 18% poderiam votar). Sua rejeição subiu de 47% para 53% desde fevereiro. Outros 22% dizem não conhecê-lo. O eleitorado exclusivo do governador paulista é de 1%.
José Serra (PSDB) tinha 32% de potencial em outubro de 2015, ficou com os mesmos 32% em fevereiro e caiu para 28% agora (7% votariam com certeza, e 21% poderiam votar). Sua rejeição oscilou de 52% para 54% desde fevereiro. Outros 16% não o conhecem. O eleitorado exclusivo do senador paulista é de 2%.
Lula (PT) chegou a ter 58% de potencial de voto em 2014. A taxa despencou para 34% em fevereiro deste ano, e foi agora para 31%: 19% votariam com certeza no petista, e 12% dizem que poderiam votar. Sua rejeição cresceu de 61% para 65% desde fevereiro. O desconhecimento oscilou de 3% para 2%. A exemplo da rejeição, o eleitorado exclusivo do ex-presidente é o maior de todos: 14%.
Marina Silva (Rede) chegou a 56% de potencial de voto em 2014. A taxa caiu para 41% em fevereiro deste ano, e oscilou agora para 39%: 12% votariam com certeza nela, e 27% dizem que poderiam votar. Sua rejeição cresceu de 42% para 46% desde fevereiro. E o seu desconhecimento oscilou de 15% para 13%. O eleitorado exclusivo da ex-senadora do Acre é de 6%.
Ciro Gomes (PDT) não saiu do lugar. Tinha 20% de potencial em outubro de 2015, foi a 19% em fevereiro e ficou com os mesmos 19% agora (4% votariam com certeza, e 15% poderiam votar). Sua rejeição permanece em 45%. Outros 34% não o conhecem. O eleitorado exclusivo do ex-governador cearense é de 1%.
Jair Bolsonaro (PSC) entrou pela primeira vez na pesquisa e chegou a 11% de potencial de voto: 5% votariam com certeza, e 6% poderiam votar. Outros 34% dizem que não votariam nele de jeito nenhum. Sua rejeição é menor que a dos demais talvez porque ele é o mais desconhecido: 54% não o conhecem. O eleitorado exclusivo do militar da reserva é de 4%.
Como se vê, a corrida presidencial está aberta a azarões.
(*) O Estado de São Paulo (25/04/16)

O governo Temer em foto de corpo inteiro (Marcos Nobre)

Não é porque João Santana está preso em Curitiba que Dilma Rousseff deixaria de usar pesquisas de opinião para orientar seus movimentos. A pecha de "traidor" colou em Michel Temer. Como colou a ideia de que o quase-presidente vai chegar lá "no tapetão". Foi assim que o slogan do "golpe" se espalhou para além da base que defendeu o mandato da presidente. Daí a tolerância para que Dilma exerça o direito de espernear. Daí também o receio do entorno de Temer de que a esperneança vire capacidade efetiva de resistência. Foi assim que, em ano de Olimpíada no país, o circo de horrores do impeachment bananeiro saiu em tournée para o mundo todo poder admirar.
Só que tudo isso nada tem que ver com apoio para que Dilma fique ou retorne. Reconhecer o direito da vítima de espernear não muda o fato de que o "traíra" ganhou a parada. O raciocínio é de um cruel realismo: a manobra foi registrada e não foi bonita, mas também não se vê como o resultado poderia ser revertido. O risco é Dilma confundir as duas coisas, direito de espernear com chances de retomar seu mandato. Se fizer isso, vai esticar a corda para além do prazo que lhe foi dado para se retirar com alguma dignidade. Do ponto de vista dos movimentos que resistem ao impeachment e à posse de Michel Temer na Presidência, o que está em causa é já o futuro, é a reorganização da esquerda na oposição ao novo governo e não mais o governo Dilma.
Tornou-se obrigatório para quem apoiou o impeachment externar horror e repulsa ao lixão da política. Tornou-se obrigatório falar em governo de união nacional e em um ministério de notáveis. Como se um ministério limpinho pudesse conferir ao quase-presidente a legitimidade que seu governo não teria, aplacando consciências e, principalmente, as urnas em futuras eleições. Temer não se recusa a representar a pantomima. Pelo contrário, posa de Itamar Franco precursor do Plano Real. Faz o discurso da unidade e se desdobra para dar a impressão de que está batalhando sem tréguas para trazer para o governo os melhores quadros, independentemente de partidos.
E aí faz exatamente o contrário. Quando janta com Arminio Fraga, quem está presente é o presidente do PSDB, Aécio Neves. Quando se encontra com Henrique Meirelles, na cadeira ao lado está Gilberto Kassab, o presidente do partido a que o ex-presidente do Banco Central está filiado, o PSD. Temer está em busca de acordos partidários e não de pretensos avalistas de seu futuro governo. Temer não precisa de fiadores.
Como presidente da República, vai se comportar da mesma maneira que como presidente do PMDB. Vai dividir o governo segundo os feudos existentes e exigir lealdade formal dos vassalos, só efetivamente cobrada em casos extremos, conforme manda a praxe. Só entrará em campo para resolver disputas de cercas entre feudos. O tal presidencialismo de coalizão que se diz ter vigorado no país por mais de duas décadas vai parecer um parlamentarismo sueco perto do presidencialismo de feudalização que será implantado a partir de maio.
Em governos anteriores, tentou-se com maior ou menor sucesso estabelecer pelo menos um cordão sanitário que mantivesse ao abrigo da feudalização áreas como a econômica, a da saúde ou da educação. Eram áreas consideradas estratégicas dentro de um projeto de governo mais ou menos coerente e coeso. No novo modelo, esse tipo de restrição não irá mais vigorar nem haverá unidade de projeto facilmente identificável.
Mas haverá coerência e unidade na política econômica, condição de sobrevivência do futuro governo. O único feudo inegociável é o da boca do cofre. O novo Joaquim Levy, tenha ele agora o nome de Henrique Meirelles ou outro, terá efetivamente poder sobre a área econômica. Não terá mais de lutar com a própria sombra para implementar a velha nova política de ajuste. A única limitação é calibrar o garrote para tentar evitar explosões sociais incontroláveis. Foi esse o principal legado de 2015 para o governo Temer.
É certo que os feudos terão muito menos recursos com a tesoura da Fazenda funcionando efetivamente. Todo mundo terá de se contentar com pouco. Mas é bem melhor do que nada. Alguma previsibilidade voltará ao cenário partidário. No fundo, a adesão do sistema político ao impeachment se deu porque os partidos já não tinham mais poder efetivo sobre os seus próprios quinhões de governo. Sob Dilma, a paralisia tinha tomado conta da administração. Ninguém conseguia mais ajustar minimamente os gastos de seus feudos às necessidades do ciclo eleitoral. A opção por Temer, por arriscada que fosse, permitia o restabelecimento de um planejamento político mínimo, o que o governo Dilma já não podia mais oferecer.
Para quem apoiou o impeachment, é impossível se distanciar do futuro governo Temer. O máximo a que se pode aspirar é fazer discursos pedindo que o lixão da política se transforme em aterro sanitário, é dar declarações em favor da implantação de alguma coleta seletiva. Mas não é possível dizer que nada tem que ver com o futuro governo. Querendo ou não, quem apoiou o impeachment tem seu destino político colado ao do governo Temer.
Quase todos os partidos demonstram ter plena consciência desse desdobramento. A grande exceção continua a ser o PSDB, que faz como se não fosse com ele. Antes da votação na Câmara, o partido declarou apoio não apenas ao impeachment, mas a um futuro governo Temer. Sua responsabilidade pelo atual estado de coisas é maior do que a de qualquer outro partido pró-impeachment. Dizer que não pariu o governo Temer e querer que outros o embalem não vai livrar a cara em 2018. Aderindo ou não ao futuro governo, o muro tucano desmoronou, juntamente com o próprio PSDB.
Parece perda de tempo se ocupar com a decisão que o partido tomará no dia 3 maio sobre seu posicionamento em relação ao governo Temer. O PSDB é o último a poder dizer que não sabia de nada, que foi traído e que agora está chocado com a imagem de corpo inteiro de um governo do PMDB. O que de fato a foto mostra é que o PSDB precisa muito mais de Temer do que Temer do PSDB.
(*) Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.
Fonte: Valor Econômico (25/04/16)

Roteiros para tragédia brasileira (Fausto Matto Grosso)

Dizia um filósofo nascido no reino da Prússia, que os homens fazem a história, mas não a fazem como desejam, nem dentro das condições que gostariam, suas ações são condicionadas, assim, pelo contexto histórico em que vivem. Parto dessa ideia para analisar as difíceis saídas para a tragédia vivida pelo país.
Considero, também, alguns pressupostos. Primeiramente, a continuidade do processo democrático está garantida em qualquer circunstância. O Brasil amadureceu e as instituições democráticas funcionam normalmente, garantidas pela Constituição, pelas instituições existentes e pela vontade majoritária da Nação. Não há hipóteses de golpes.
Da mesma forma, ninguém conseguirá segurar o processo de apuração dos atos de corrupção desencadeados pela operação Lava-Jato e outras, que sinalizam uma nova marcação no tempo histórico da sociedade brasileira. Tombarão tantos quantos forem sendo apontados, comprovadamente, pelas ações do Ministério Público e da Polícia Federal, com inteiro apoio da população.
Outro aspecto importante é que, em hipótese alguma, existe a possibilidade de o bloco de poder atual voltar a ter condições de liderar o processo de saída da crise. Não há volta nesse processo desencadeado a partir do impeachment na Câmara, com previsível confirmação de legitimidade pelo Supremo Tribunal Federal. Presenciamos o esgotamento do ciclo do lulo-petismo.
O futuro, entretanto, poderá nos reservar ainda muitas surpresas com vários desdobramentos possíveis. O fator de maior impacto ficará por conta de uma eventual anulação das eleições de 2014 pelo TSE, por conta de financiamento eleitoral ilegal, decorrente da corrupção. Com seu rito próprio, esse tipo de decisão costuma ser demorado. O tempo do TSE poderá implicar em novas eleições diretas ainda neste ano ou eleição indireta pelo Congresso a partir de janeiro do próximo ano.
Diante disso, no processo da vida real, o contexto em que vivemos é o de termos, em curto prazo, Michel Temer como presidente. É assim que manda o ordenamento jurídico existente. Temer estará brevemente diante do desafio do seu contexto histórico. Terá ele capacidade de montar um ministério de alto nível, com capacidade técnica e política e representatividade nas forças sociais que apostam nas mudanças? Imagino que sim, até por instinto de sobrevivência, poderá fazê-lo, repetindo um papel semelhante ao de Itamar Franco após o impeachment de Collor.
Só assim, com um amplo entendimento nacional - político e social – poderá o novo governo, responsavelmente, arrancar o Brasil da sua crise, ainda assim por um processo extremamente penoso.
Não me refiro a esse arranjo congressual espúrio que tem marcado a política brasileira nos últimos anos. A representação política está em crise, a qualidade dos políticos piorou muito, falta-nos lideres com compromissos republicanos e com credibilidade. A votação do impeachment na Câmara, a despeito do resultado positivo, com poucas exceções, foi de bizarrice explícita e chocante, exibição pública de personalismo alienado, de populismo e de provincianismo.
O conjunto das forças políticas e sociais que vierem a compor esse governo de transição deverá estar tão solidamente alicerçado, de maneira que esse arranjo possa sobreviver até mesmo à substituição de Temer, se atingido pela justiça. Poderá esse bloco, inclusive se projetar como futura aliança eleitoral no caso de convocação antecipada de novas eleições complementares. Naturalmente ficará fora desse arranjo o PT, o que não é novidade histórica.
Caberá a essa nova gestão o desafio de realizar as reformas estruturantes que não podem mais ser adiadas e, para tanto, precisará da contribuição de todos aqueles verdadeiramente comprometidos com o país. Assim, após uma transição penosa, diante da magnitude da herança maldita deixada pelo lulo-petimo, o país poderá encontrar caminho mais seguro a partir das eleições de 2018.
fonte: Jornal da Cidade (MS)/(25/04/16)