terça-feira, 1 de março de 2011

Distritão, uma ideia que piora os vícios da política (Fernando Abrucio)

Uma boa reforma institucional depende da qualidade do diagnóstico que a sustenta. Boas ideias e soluções aparentemente engenhosas podem ser enganosas ou catastróficas se não vierem a responder aos problemas realmente existentes. Na hora em que o país volta a discutir reforma política, ganha força o projeto do “distritão”, que levaria à eleição dos parlamentares mais votados em cada Estado, independentemente da votação de seus partidos ou coligações. Seu intuito é tornar mais correta a representação, mas se trata de um grande engodo a serviço dos males do atual sistema.
Antes de discutir os possíveis efeitos do distritão, vale lembrar quais são os principais defeitos do sistema político brasileiro. Embora não haja consenso completo entre os especialistas, sabe-se que nosso modelo eleitoral dá maior ênfase à representação personalista, não obstante conter também a possibilidade do “voto partidário”. A lista aberta adotada pelo Brasil favoreceria uma disputa entre os próprios membros do partido pelo voto do eleitor. Apesar de isso criar um clima pouco cooperativo entre os políticos, eles, paradoxalmente, preferem ter em suas legendas “puxadores de voto”. São normalmente figuras populares com pouca afeição a siglas partidárias, pois isso aumenta a votação geral do partido ou da coligação.
Há ainda o problema da transferência de votos dentro das coligações, que faz com que muitos eleitores ajudem, na verdade, a eleger outros políticos que não seus preferidos, por conta da pouca transparência e mesmo da inconsistência das alianças nas disputas para postos legislativos. No capítulo da transferência indevida de votos, não se pode esquecer da excrescência representada pela figura do suplente de senador.
A qualidade da representação pode, ademais, ser prejudicada pela forma como se propaga a campanha. A briga para ter mais tempo no horário eleitoral gratuito resulta em alianças políticas, senão espúrias, ao menos com um formato estranho. Igualmente criticada é a vinculação personalista presente no financiamento de campanha. Desse modo, mais do que causas ou interesses partidários, os recursos financeiros tendem a favorecer o apoio a despachantes de grupos econômicos quase sempre invisíveis ao eleitor mediano.
O distritão foi talhado para o PMDB, partido de caciques, e vai aumentar a personalização da política
Feito esse sintético diagnóstico, muitos tenderiam a dizer que é preciso então revolucionar o sistema político brasileiro para acabar com esses tenebrosos vícios. Retrucaria em nome da parcimônia da análise. Primeiro porque temos, ao longo dos últimos anos, melhorado paulatinamente a estrutura institucional, com mudanças como a reeleição e a ficha limpa. Segundo porque quem pretende mudar tudo de uma vez só pode não conseguir fazer nenhuma alteração. Por fim, é necessário pautar possíveis reformas pelo diagnóstico, e não pela pretensa engenhosidade de determinada ideia.
É aqui que chegamos novamente à proposta do distritão. Seu objetivo nobre é só eleger os mais votados pelos eleitores. O padrinho maior dessa ideia é o PMDB, maior partido congressual do momento. Sendo assim, essa opção só pode significar duas coisas: ou o partido quer aproveitar sua liderança para ser o grande transformador do sistema – o que o colocaria na mesma posição em que estava quando da luta contra o regime militar – ou ele percebeu que pode consolidar sua força e retirar obstáculos a ela com a adoção do distritão.
Na verdade, essa proposta só reforça os piores vícios do sistema eleitoral. Primeiro e mais importante, porque vai aumentar gigantescamente a personalização da política brasileira. O partido contará cada vez menos e a busca pela democratização interna dos partidos será uma luta perdida. Ademais, o financiamento de despachantes de luxo tende a se consolidar.
O distritão foi talhado para o PMDB em seu formato atual de partido de caciques locais e que não conseguem ter uma diretriz partidária conjunta. Por isso, se aprovado esse exótico sistema eleitoral, a representação ficará prejudicada e a governabilidade será mais custosa para os futuros presidentes.
Fonte: Revista Época

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