O cigarro por exemplo. No passado já foi comum fumar em qualquer lugar, lembro daqueles grandes cinzeiros de metal que, a título de lixeira, existiam em todos lugares públicos. No filme “Uma Noite em 67”, Chico Buarque dá entrevista - ele e o repórter - fumando que nem caiporas na frente das câmeras. Lembro também da abertura do primeiro Planeta dos Macacos em que o mega canastrão Charlton Heston fumava charuto na cabine de uma nave espacial (!) Os cineastas erraram suas previsões do futuro, o uso do tabaco tornou-se uma atividade anti-social.
O que é mais careta então? A forma autoritária como se estabeleceu o anti-tabagismo em nossa sociedade – que prolonga e salva vidas, não estou condenando - ou a moda também obrigatória como as pessoas fumavam antigamente? Vivemos numa época mais repressora e careta ou apenas somos todos forçados a assumir outras responsabilidades e posturas para, inclusive, ascendermos socialmente? Venho pensando nessas coisas desde que vi o excelente e comovente filme sobre os “Dzi Croquettes”.
Para quem não tem obrigação de saber – eu mesmo nunca tinha ouvido falar – o “Dzi” era uma trupe teatral de treze rapazes dos quais não restava a menor dúvida - como diria Maria Nilce - que abalou o eixo Rio / São Paulo em meados dos anos 70. Liderados pelo excelente coreógrafo Lenny Dale (O Pai) e o artista Wagner Ribeiro (A Mãe), o grupo influenciou costumes e principalmente a geração que veio logo depois como Ney Matogrosso - cujo (cujo?) visual era praticamente o mesmo - Frenéticas e toda a galera do Teatro Besteirol anos 80.
Nunca fui muito de apreciar dança. Sempre achei desconcertante a obrigação de “chacoalhar o esqueleto” em festinhas, uma das coisas mais chatas do repertório de convenções sociais a que estamos submetidos, especialmente no período de acasalamento. Só pra dar uma idéia: relutei em sair com minha esposa, porque quando nos conhecemos ela disse que fazia dança de salão. Não que o Lenny tenha provado que eu estava redondamente enganado, e sei o quanto estou, mas ver o cara dançar... É como uma orgia, é de cair o queixo.
Os “Dzi” eram “homens femininos” que, em pleno auge da ditadura, “abriram suas asas e soltaram suas feras” no que se configurou, segundo depoimentos do filme, no primeiro acontecimento abertamente gay do Brasil. Depois deles veio AIDS, Internet e – corrija-me quem achar o contrário – a própria música estacionou num pop meia boca onde vem patinando desde então. Quem faz coisas “ousadas” (desculpem o termo) hoje? Não sei, essa época em que vivemos me parece caretinha, chata, certinha...
O ketchup vem em bisnaguinhas que não abrem, pagamos para estacionar em hospitais, segurança só de camisinha e no bafo da madrugada. Viver não é mais uma aventura de bandoleiros, o pirata moderno é uma atualização do Robin Hood, compartilhando de graça o que antes era consumido por quem "estava podendo". E apesar de toda nóia, vemos um mundo que afunda lentamente, montanhas que escorregam sobre a gente: muito mais gente do que antigamente. Enxames de motociclistas zunem por nossos carros, dez, doze, mil.
As “Internacionais” Dzis pagaram um preço por sua postura de vanguarda num mundo doente e preconceituoso, dos treze apenas cinco ainda estão vivos. O filme é da atriz Tatiana Issa – hoje produtora em Nova York - em parceria com Raphael Alvarez e é simplesmente lindo, imperdível. Deixe seus preconceitos de lado, rasgue as roupas e vai jogando uma purpurina, porque essa é uma história de machos que ousaram ser gente, com um bocado de Carmem Miranda, mas gente de verdade.
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