domingo, 24 de setembro de 2017

O Sr. Desconhecido (José Roberto de Toledo)

O líder das pesquisas presidenciais corre risco crescente de não poder disputar a eleição. Já o segundo colocado extrapolou as corporações fardadas (militar e policial) que representa e surfa a onda conservadora nacional. Juntos, têm metade do eleitorado. Outros 25% estão sem candidato. Todos os demais presidenciáveis se acotovelam no quarto restante. Porém, o cenário será outro em 2018. Para além de Lula e Bolsonaro, haverá “Sr. Desconhecido”.
Ou “Sra. Desconhecida”. Ou ambos. Muitos disputam esse papel protagonista da trama eleitoral, mas ninguém conseguiu vestir tal figurino até agora. João Doria trocou de trajes muitas vezes desde que virou prefeito paulistano. Porém, nenhum deles serviu para o que ele pretendia – ou seja, garantir a indicação do PSDB como candidato tucano à cadeira ocupada por Temer.
Alckmin fechou as portas do PSDB com Doria dentro ao insistir em prévias após o prazo de filiação que termina no próximo mês. Se o prefeito tentar usar a janela de troca-troca partidário de abril, terá perdido tempo precioso para seu padrinho. Pior, Doria não decolou nas pesquisas como se imaginava. Está patinando nas intenções de voto e gerando menos interações nas mídias sociais. São indícios de que queimou a largada.
No levantamento mais recente, o prefeito aparece com 10% das intenções de voto, seu menor patamar desde abril. É o dobro do que os 5% do rival Alckmin, mas o número importa menos do que a tendência. Doria parou de crescer e não é mais novidade.
A pesquisa telefônica do Poder360 não atinge eleitores pobres sem celular (nem quem odeia conversar com gravações), mas, como única sondagem mensal e pública sobre o que pensa o eleitorado, tornou-se importante para monitorar as variações de humor de quem vota – junto com o vaivém de mídias sociais como Facebook.
A pesquisa mostra que o “efeito caravana” que impulsionou Lula em agosto evaporou em setembro. No cenário com Alckmin como candidato tucano, o petista oscilou de 26% em julho para 32% no mês passado, mas voltou agora para 27%. O ganho e, depois, a perda das intenções de voto em Lula se deram basicamente no Nordeste, onde ele fez campanha corpo a corpo em agosto. Após a caravana, só noticiário negativo – delação de Palocci à frente.
Quando Lula sai da urna, o branco e nulo explode porque o PT não tem um proxy óbvio para substituí-lo. Fernando Haddad fica entre 3% e 5%. Jaques Wagner não foi testado, mas nada indica que se sairia muito melhor. Se ganha no Nordeste, perde em São Paulo.
Ciro Gomes (PDT) decidiu se emancipar. Não espera mais o aval de Lula e procura se viabilizar em raia própria. Está difícil ele passar de 6%. Marina Silva (Rede) é uma não candidata que só perde capital eleitoral. Dos nomes conhecidos, sobra o de Bolsonaro, marchando em ordem unida avante e para cima.
Oscilações à parte, a tendência do militar aposentado é de crescimento. Dos 18% que tinha em abril no Poder360, Bolsonaro oscila hoje entre 24% e 26%, dependendo do cenário. Numa pesquisa face a face, com mais pobres na amostra, talvez ele caísse um pouco. Mas não o suficiente para virar índio. Sem Lula no páreo, Bolsonaro só perde para “Sr. Desconhecido”: 33% a 34% de eleitores sem candidato, por enquanto (branco e nulo).
Isso quer dizer que Bolsonaro já tem lugar cativo em um eventual segundo turno? Não. Muito mudará até lá. Se o emprego e a renda melhorarem muito (mas muito mesmo), o ministro Meirelles vira presidenciável. Outros fardados – ou prelados – podem se animar a dividir a avenida na qual Bolsonaro está trafegando sozinho. E o eleitor segue em busca de quem encarne o “Sr. Desconhecido”.
Fonte: O Estado de São Paulo (21/09/17)

"A Carta de 88 e a democracia brasileira estão em risco. Ou aparece uma política de moderação, ou vamos ladeira abaixo". (Luiz Werneck Vianna/entrevista)

A principal constatação ao analisar a continuidade da crise política é que a força das corporações, especialmente a do judiciário, tem se contraposto à política, diz o sociólogo Luiz Werneck Vianna à IHU On-Line. “A política sumiu, esvaneceu, perdeu força, de modo que as corporações emergiram e estão tomando conta do país”, afirma na entrevista a seguir, ... Um exemplo disso é que as corporações do judiciário estão “chamando os temas da administração para si. Não há medida que o governo tome sem que sofra uma contestação do judiciário, seja na questão da Amazônia, seja na questão dos preços do combustível”, argumenta.
Na avaliação do sociólogo, a atual atuação do judiciário tem como finalidade “passar a história do país a limpo”, mas “ele não tem condições de fazer isso apenas com papel e caneta, através de sentenças. O processo de depuração da política do país é um processo que não pode ser feito assim, a fórceps”. Segundo Werneck, as ações e sentenças dos juízes brasileiros não deveriam ser fundamentadas apenas em princípios, mas, antes de tudo, em cálculos que tragam as melhores consequências para o país. “Os nossos juízes não são consequencialistas, isto é, não pensam e não calculam as consequências de seus atos. Na verdade, eles são orientados por princípios que querem levar a ferro e fogo, mas esses princípios não vêm da política, e sim das leis. (...) Essa indiferença quanto à política faz com que as suas intervenções, ao invés de nos levarem a uma estabilidade, a uma situação de tranquilidade institucional, apenas agravem a situação”, defende.
Ao comentar brevemente a decisão do Supremo Tribunal Federal - STF de encaminhar à Câmara dos Deputados o pedido de investigação do presidente Temer, Werneck Vianna recorre novamente ao argumento consequencialista e questiona: “Qual é a consequência de derrubar o presidente Temer agora, faltando pouquíssimo tempo para a sucessão presidencial? Por que não conduzir a operação Lava Jato de forma que ela cumpra seus efeitos, mas ao mesmo tempo respeite a situação que o país vive, de instabilidade?” E responde: “Se a Câmara decidir que o presidente deve ser denunciado, aí seu mandato será suspenso, ele será processado e viveremos um pandemônio num momento em que a economia dá sinais de ressuscitação. Isso quer dizer o quê? Apenas ativar o mundo dos princípios e desconsiderar as consequências”.
Defender uma visão consequencialista do Direito, justifica, não significa “sugerir que se deva pôr panos quentes no que foi feito com o dinheiro público, com os negócios feitos de forma criminosa, com as relações criminosas entre a esfera pública e a esfera privada”. Ao contrário, afirma, “sou a favor de que se prossiga com a investigação, mas não outorgo a essa corporação do judiciário, não apoio que ela passe o país a limpo”. E conclui: “Quem tem que passar o país a limpo somos nós, a sociedade, e as instituições. (...). Nós estamos à beira de uma sucessão presidencial e essas são as questões que vão ser postas nessa sucessão e o povo vai votar, vai deliberar, e vai saber escolher, separar e discriminar o joio do trigo”.
Confira a entrevista.
IHU On-Line — Em meio a essa crise política, para onde deveríamos olhar agora? Qual é o fato mais relevante deste momento?
Luiz Werneck Vianna — Eu penso que a crise realmente se agrava agora com essas declarações das altas patentes do Exército brasileiro.
IHU On-Line — O senhor se refere à declaração do general da ativa do Exército Antonio Hamilton Martins Mourão, que defendeu a intervenção militar no país nesta semana?
Luiz Werneck Vianna — Sim, e que digamos, não foi considerada pelo chefe do Exército como algo a ser reprimido. O general Mourão não foi advertido e não será, ao que tudo indica; ao contrário, ele foi elogiado pela sua história, pelas suas posições. Enfim, tem um novo risco aí. Agora, a política sumiu, esvaneceu, perdeu força, de modo que as corporações emergiram e estão tomando conta do país. A força das corporações entre nós vem de muito longe. No caso da corporação militar, vem da República, que é obra, em boa parte, da intervenção militar.
IHU On-Line — Embora o general Mourão não tenha sido punido, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, disse que a possibilidade de intervenção militar está fora de cogitação. Mesmo assim o senhor acha que há esse risco?
Luiz Werneck Vianna — É, mas onde há fumaça, há fogo. E há muito tempo não vinha fumaça daí, de modo que veio. A preocupação com a sorte do país, com os desequilíbrios que hoje ele enfrenta, é geral e isso afeta também os militares. Agora, até onde isso vai, não sabemos, mas estamos numa corrida contra o tempo: ou encontramos uma forma institucional, que obedeça aos ritos constitucionais de resolver logo essa crise, ou então tudo é possível.
IHU On-Line — Quais são os sinais que evidencia e que o fazem afirmar que a força das corporações está se sobrepondo à política?
Luiz Werneck Vianna — Esse é o tema de fundo: as corporações do judiciário também apareceram com muita força, chamando os temas da administração para si. Não há medida que o governo tome sem que sofra uma contestação do judiciário, seja na questão da Amazônia, seja na questão dos preços do combustível. A partir do começo deste século houve a reação – que já estava presente nos anos 90 – de alguns setores do judiciário por conta das privatizações. Isso veio avançando, especialmente com certas intervenções do Supremo Tribunal Federal, e uma dessas intervenções está na raiz da crise atual que nós vivemos, que foi a decisão que decretou a inconstitucionalidade da reforma política, que introduziu a cláusula de barreira, e aí houve a proliferação desenfreada dos partidos, o que veio a complicar ainda mais a governabilidade do país.
Então, o Judiciário não é inocente em relação à crise que aí está. Nós poderíamos ter um sistema político menos agreste, menos hostil à tomada de decisões do que esse que temos agora, com uma multidão de partidos e uma série de partidos esperando a sua institucionalização.
A administração por 13 anos do PT também não ajudou no aperfeiçoamento das instituições, e na raiz dessa crise também está o fracasso da administração petista, especialmente a de Dilma, que levou à crise econômica. Então, temos uma crise política, uma crise econômica, a crise social que é permanente e se manifesta com brutalidade no Rio de Janeiro, e agora esse embrião de crise militar – não estou dizendo que essa é uma crise plena, mas ela está presente. Algo dela já apareceu.
IHU On-Line — Qual seria a “dose certa” de intervenção do judiciário na política e nas ações do executivo? Como, a partir da crise atual, pensar o aperfeiçoamento do judiciário?
Luiz Werneck Vianna — O Judiciário perdeu a mão. Nós somos hoje o país em que a presença do judiciário na política não encontra paralelo no mundo. É uma invasão sem medida, especialmente com a apuração dessas relações estranhas e espúrias entre executivo e legislativo e entre o poder público e o poder privado, que suscitaram esses escândalos que por hora são objeto da Operação Lava Jato.
Então, o Judiciário é capaz de dizer ao Brasil que o país precisa ser passado a limpo, e que quem passará o país a limpo é o próprio judiciário. Mas ele não tem condições de fazer isso apenas com papel e caneta, através de sentenças. O processo de depuração da política do país é um processo que não pode ser feito assim, a fórceps. Os nossos juízes não são consequencialistas, isto é, não pensam e não calculam as consequências de seus atos. Na verdade, eles são orientados por princípios que querem levar a ferro e fogo, mas esses princípios não vêm da política, e sim das leis.
Essa indiferença quanto à política faz com que as suas intervenções, ao invés de nos levarem a uma estabilidade, a uma situação de tranquilidade institucional, apenas agravem a situação. O procurador-geral, [Rodrigo] Janot, agiu como um macaco em loja de louças, querendo pôr as coisas no lugar, quebrou tudo e fez com que a política se tornasse uma atividade incapaz de dar conta da situação do país. Na medida em que isso ocorre, outros personagens começam a emergir: uma outra corporação, a corporação militar. Se isso vai prosperar, a essa altura é cedo para prognosticar. Agora, que esses elementos dessa intervenção já estão presentes, isso não se pode negar.
IHU On-Line — Qual seria a alternativa à atuação do Janot?
Luiz Werneck Vianna — Atentar para as consequências. Vou recompor uma situação: os militares fizeram uma intervenção militar em 1964 e fecharam o Congresso, mas logo depois readmitiram a política, abriram o Congresso, e mais, fizeram alianças com setores sociais relevantes, inclusive com as oligarquias tradicionais, que foram selecionadas para exercer poder em muitos estados que ali estavam. E com isso, porque eles calcularam as consequências, puderam persistir por tanto tempo; eles não foram principistas. Eles agiram com seus princípios de conduzir o país à grandeza, ao crescimento, à expansão burguesa.
Essa corporação que hoje exerce esse protagonismo, a corporação dos magistrados, não tem essa percepção política e a percepção de que tem que agir de forma a atentar para as consequências de seus atos. Qual é a consequência de derrubar o presidente Temer agora, faltando pouquíssimo tempo para a sucessão presidencial? Por que não conduzir a Operação Lava Jato de forma que ela cumpra seus efeitos, mas ao mesmo tempo respeite a situação que o país vive, de instabilidade?
Nós nascemos com desequilíbrios muito fortes. Gilberto Freyre falava que o Brasil era o país que sabia equilibrar antagonismos. Mas hoje não tem poder que equilibre os antagonismos. Eles estão correndo à solta, com fúria e isso torna a institucionalidade muito débil. A Carta de 88 e a democracia brasileira, nesse sentido, estão em risco. Ou aparece uma política de moderação, ou então nós vamos ladeira abaixo.
As ruas estão em silêncio, mas se elas por ventura vierem a se manifestar – não estou dizendo que isso está no horizonte, mas é uma possibilidade –, toda uma obra que estamos tentando realizar desde a democratização do país pode ir por água baixo. Pensar e cultivar e preservar a luta contra a corrupção é necessário, isso tem que ser levado à frente, mas as consequências têm que ser sopesadas. Isso não pode ser conduzido de forma principista. Passar o Brasil a limpo é o quê? É começar desde a colonização? A escravidão foi um fato. Quando fundamos o nosso Estado-nação, o fundamos sob princípios liberais, mas ao mesmo tempo mantivemos a escravidão. Então, esse tipo de antagonismo que se manteve entre nós é muito difícil de ser equilibrado. Quem equilibrou isso foi a política, o poder moderador do Império. Os militares na República se comportaram como poder moderador. Esse Judiciário que aí está não está se comportando como poder moderador.
IHU On-Line — Mas o melhor para a nossa sociedade é manter esses antagonismos?
Luiz Werneck Vianna — Mas vamos reescrever a história toda? Não há como reescrever. Nós não somos a América, que nasceu a partir de um princípio e ficou fixa e obediente a esse princípio. Nós não conhecemos o interesse bem compreendido, do qual falava [Alexis de] Tocqueville, por exemplo.
IHU On-Line — Mas esse não é um problema nosso? Agora não seria justamente o momento de reverter esse quadro?
Luiz Werneck Vianna — Sim, mas como se faz isso? O problema é justamente como se faz isso. Como passar o país a limpo sem quebrá-lo?
IHU On-Line — Essa falta de percepção que o senhor aponta, de o Judiciário não pensar nas consequências das suas decisões, não pode ser vista como um sintoma da nossa situação histórica, em que não havia punição para políticos e a atuação do Judiciário estava sempre atrelada à política?
Luiz Werneck Vianna — Então vamos puni-los, vamos fechar o Brasil (risos). A história do Brasil sempre conheceu esses elementos, e esse moralismo não tem nada a ver com moralidade pública. Moralidade pública é algo que tem um sentido muito mais geral e profundo. A cultura política que está se ensejando aí é a da União Democrática Nacional - UDN. As classes médias brasileiras se converteram a um udenismo muito preocupante. Moralidade pública não é a mesma coisa que moralismo. Moralidade pública nesta altura é conservar a Constituição, as nossas instituições. Agora, e os crimes cometidos? Devem ser apurados na forma da lei, com respeito à lei, sem açodamento, sem as piruetas que o procurador-geral, Janot, cometeu, sem esse salvacionismo e o messianismo que tomou conta da corporação dos procuradores e que atingiu alguns magistrados. Não serão eles que vão passar o país a limpo. Eles podem até ter dado um bom pontapé inicial nisso, mas passar o país a limpo, somos nós que vamos passar. É a política que vai passar. Nós estamos à beira de uma sucessão presidencial e essas são as questões que vão ser postas nessa sucessão e o povo vai votar, vai deliberar, e vai saber escolher, separar e discriminar o joio do trigo.
O Judiciário não pode se sobrepor ao mundo da política. Mas isso não significa se curvar a ela. Essa é uma dialética difícil
Esses anos, especialmente esses últimos dez anos, têm sido um período de um duro aprendizado para a sociedade. Ela está atenta. Ela está imobilizada, mas está atenta e está registrando e se autoeducando, e especialmente num processo sucessório, as propostas virão. Passar o país a limpo é isso. Não é entregá-lo a uma corporação de ungidos.
IHU On-Line — Quais devem ser as consequências da decisão do STF, de aceitar o pedido de investigação do presidente Temer, solicitado por Janot, e enviá-lo para a Câmara?
Luiz Werneck Vianna — A decisão do Supremo não entra no mérito; ela apenas encaminha à Câmara dos Deputados, conforme reza a Constituição, e a Câmara vai decidir. Se a Câmara decidir que o presidente deve ser denunciado, aí seu mandato será suspenso, ele será processado e viveremos um pandemônio num momento em que a economia dá sinais de ressuscitação. Isso quer dizer o quê? Apenas ativar o mundo dos princípios e desconsiderar as consequências.
Eu até diria que os militares foram muito mais atentos às consequências do que a corporação dos magistrados tem sido hoje, tanto é que quando eles entenderam que era a hora da retirada, eles negociaram uma transição. Alguns dos nossos magistrados não atentam para isso. A decisão do Tribunal Superior Eleitoral que preservou e absolveu a chapa Dilma-Temer foi uma decisão consequencialista. Os fundamentos foram todos dessa natureza, de natureza política. As provas que o relator Herman Benjamin apresentou são provas consistentes. O tribunal analisou as provas, mas se as levasse em conta, o resultado seria catastrófico. O voto do ministro Gilmar Mendes foi consequencialista, porque ele é tipicamente consequencialista. Aliás, o consequencialismo foi tema de um dos maiores filósofos políticos de nosso tempo, Ronald Dworkin, que é referenciado por boa parte dos magistrados que estão no STF, como o ministro Barroso, que tem uma obra na qual cultua o pensamento do Dworkin, que preconiza a participação do Direito na vida pública, mas sempre atento às consequências dos seus atos, porque o judiciário não pode se sobrepor ao mundo da política. Mas isso não significa se curvar a ela. Essa é uma dialética difícil. Esse é um tema do direito contemporâneo e surge para que o juiz leve em consideração as consequências de seus atos. Há um caso americano clássico que foi decidido nesses termos: estava sendo construída uma barragem, mas durante a construção se descobriu que uma determinada espécie seria erradicada. Então, em defesa dessa espécie, foi-se à Suprema Corte americana para barrar essa obra que já estava em andamento. A decisão do tribunal foi consequencialista: dado que a obra já foi iniciada, vamos concluí-la, mesmo sabendo que aquela espécie ficaria ameaçada.
IHU On-Line — Mas há como saber a priori quais seriam as melhores consequências?
Luiz Werneck Vianna — Na verdade não, mas nós estamos verificando, dia a dia, no nosso cotidiano, quais são os riscos que se avolumam e um deles agora — o qual acredito que você não está considerando — é a possibilidade de uma interrupção da vida democrática — mais uma. A Miriam Leitão, no O Globo de hoje, na sua coluna, talvez de forma exagerada, está trabalhando com essa hipótese de forma muito forte.
IHU On-Line — Mas optar pelo consequencialismo não leva em conta apenas as consequências a curto prazo e não a longo prazo e, de outro lado, não leva também a uma desilusão em relação à justiça e à própria política?
Temos que ter sensibilidade e inteligência política para evitar os furacões, eles nos rondam, eles estão nos rondando
Luiz Werneck Vianna — Eu sou favorável à intervenção que se tem feito contra a corrupção na política brasileira, e tenho defendido, sempre que posso, a Operação Lava Jato; isso é uma coisa. Agora, esses magistrados e essa corporação não estão soltos no mundo, eles não podem operar livremente, independentemente do que vai ocorrer no entorno.
O modelo do bom juiz de Ronald Dworkin é o juiz “Hércules”, aquele que é capaz de resolver situações difíceis pensando nas consequências. Ele resolve, mas “não joga a criança fora com a água do banho”. E a “água do banho”, nesse caso, é a democracia brasileira. Se nós formos obedecer a esse impulso moralista que está animando os setores das classes médias brasileiras — se levar isso às últimas consequências —, teremos uma terra desertificada, infértil para a atividade política. É preciso separar “alhos de bugalhos”, não “botar tudo no mesmo saco”.
Com isso, não estou tentando sugerir que se deva pôr panos quentes no que foi feito com o dinheiro público, com os negócios feitos de forma criminosa, com as relações criminosas entre a esfera pública e a esfera privada. Sou a favor de que se prossiga com a investigação, mas eu não outorgo a essa corporação do Judiciário, não apoio que ela passe o país a limpo. Quem tem que passar o país a limpo somos nós, a sociedade, e as instituições. Agora, há nuvens negras no horizonte, que se acumulam. Nós temos que ter sensibilidade e inteligência política para evitar os furacões, eles nos rondam, eles estão nos rondando.
IHU On-Line — Com a saída de Janot da Procuradoria-Geral da República e a entrada de Raquel Dodge, vislumbra alguma mudança na atuação da PGR daqui para frente?
Luiz Werneck Vianna — A expectativa é que sim.
IHU On-Line — Na outra entrevista que nos concedeu, o senhor disse que a expectativa era a de que agora a PGR atuaria segundo a lei.
Luiz Werneck Vianna — A expectativa é a de que a ministra Raquel Dodge tenha um comportamento mais consentâneo com as dificuldades que estamos vivendo. Isso não quer dizer que não se atente, que não se puna e que não se elucide um tipo de crime que tomou conta da política brasileira; minha posição não é essa. Minha posição é de que este é um processo de limpeza do país, para usar essas categorias que os procuradores gostam, é um processo que passa por eles e por nós, pelo Judiciário e pela política. Se nós destruirmos a política, como estamos nos esforçando cada vez mais em fazer, ou nós teremos, de um lado, um governo de juízes, que é a pior das tiranias, porque delas não tem a quem se socorrer; ou teremos uma recaída de intervenção militar. São duas opções trágicas. Nós temos que evitá-las, temos que salvar a Carta de 88, as nossas instituições e temos que chegar à sucessão presidencial de 2018, onde teremos — e já estamos tendo — espaço para novas ideias, novos candidatos e novas personagens. Passar o país a limpo é isso; não se passa o país a limpo nem por força dos civis, nem por força das canetas ilustradas dos nossos magistrados.
Não há [Emmanuel] Macron à vista. Mas temos tempo para descobri-lo, para construir essa identidade. Faltam meses para a sucessão presidencial, é tempo de encontrarmos solução. Eu espero que essa procuradora, a Dra. Raquel, seja fiel à moderação das suas declarações anteriores, à sua história de moderação, embora tenha uma identidade também construída na luta contra a corrupção política. É uma presença, por hora, alvissareira.
IHU On-Line — Especificamente em relação à condução da Lava Jato, diante dos últimos acontecimentos, como o depoimento dos irmãos Batista, a prisão de Geddel e o depoimento de Palocci, diria que ela está no rumo certo?
Não há inocente na política brasileira, aliás, não se faz política nem aqui e nem alhures com inocência; a política é um jogo duro, bruto
Luiz Werneck Vianna — Está andando e deve continuar a andar, mas não de forma endereçada como foi a incursão da Procuradoria-Geral da República contra o presidente da República. Agora está provado que houve uma armação, sobretudo, no que se revela o papel daquele jovem procurador [Marcelo Miller], que era o “homem forte” do Janot, e que participou da armação e armou com o Joesley [Batista] naquela conversa com o presidente da República. Não há inocente na política brasileira, aliás, não se faz política nem aqui e nem alhures com inocência; a política é um jogo duro, bruto. A política não é um lugar para a prática de anjos, o que não quer dizer que devamos nos render às “artes do Diabo”.
A frase famosa do [Otto] Bismarck não é para ser esquecida: Se as pessoas soubessem como as leis são feitas e soubessem como as salsichas são feitas, ninguém as comeria, ou seja, as leis são feitas tal como as salsichas. Há leis boas que asseguram a ordem, que criam direitos e por isso esse é um mundo muito complicado, é um jogo de interesses muito perigoso, e é por isso que é preciso atuar nele sabendo manter seus princípios, mas negociando atento ao que está no entorno.
IHU On-Line – Na quarta-feira, 20-09-2017, a Câmara aprovou o fim das coligações para as eleições de deputados e vereadores, mas a medida só entrará em vigor a partir de 2020. Isso pode ter um efeito na política?
Luiz Werneck Vianna — 2020 me pareceu uma decisão incorreta, melhor seria agora, mas, enfim, se for isso é melhor que nada. E a cláusula de barreira, que já era para estar vigente há muito tempo, se não fosse o Supremo alterá-la por uma medida populista e tê-la declarado como condicional, também passou.
IHU On-Line — Como o senhor avalia a situação social do país, embora não tenha havido manifestações nos últimos meses?
Luiz Werneck Vianna — O país está atento, está registrando o que está se passando, mas não encontrou ainda a hora da sua manifestação, até porque as ruas estão caladas, o que não quer dizer que vão ficar assim. Uma fagulha pode desencadear um novo ciclo de manifestações de resultados imprevisíveis.
IHU On-Line — E a economia está melhorando? Por que o senhor avalia que a economia está dando sinais de recuperação?
Não há como pensar no tema da moralidade sem pensar no tema do trabalho
Luiz Werneck Vianna — A economia dá sinais de recuperação, agora, se eles são sustentáveis, eu não tenho condições de avaliar. Os sinais estão presentes e torço para que eles se afirmem com mais força, porque é preciso reanimar o mercado e trazer essa multidão de desempregados para a vida laborativa. Não há como pensar no tema da moralidade sem pensar no tema do trabalho. É preciso que o país enfrente as suas dificuldades mais duras do ponto de vista da sua população: tem que criar emprego, reativar a economia e dar oportunidade para as pessoas. Ficamos reféns das leituras dos jornais que apenas transcorrem no mundo da moralidade, no mundo angelical das entidades morais, mas não se trata disso. Nós temos que desencavar, tirar e extrair do desemprego milhões de pessoas — não são poucas, são 13 milhões de pessoas — e dar oportunidade aos jovens que estão chegando ao mundo e não encontram o que fazer, não encontram uma ocupação digna a ser exercida.
IHU On-Line — Recentemente foi aprovada a reforma trabalhista, a qual muitos sociólogos estão criticando. Como o senhor avalia essa reforma?
Luiz Werneck Vianna — Tem elementos interessantes, sobretudo aqueles que extraem os sindicatos da tutela estatal, das relações espúrias do Estado, como tem sido desde 1930. Nós precisamos de sindicatos fortes, combativos, não se faz um país sem um sindicalismo potente. A Inglaterra foi feita com um sindicalismo potente, a França idem. O nosso sindicato ficou alinhado, refestelado nas antessalas palacianas; precisamos de um sindicalismo livre e combativo, muito combativo.
Essa Reforma Trabalhista, no essencial, vai nessa direção. Cabe a nós, aos trabalhadores, ativar o sindicato, não ficar “esperando a chuva dos céus”. Ao longo dessa administração petista, qual tem sido a demonstração de vigor do nosso sindicato, salvo colher direitos que lhes são adjudicados de cima para baixo? Não se faz um país sem sindicato forte, e sindicato forte é autônomo, tem que começar pela autonomia.
IHU On-Line — Há espaço para reativar o sindicalismo nos dias de hoje?
Luiz Werneck Vianna — Temos que reativá-lo, isso cabe aos trabalhadores. O problema é que a esquerda brasileira está em frangalhos, ela viveu muito tempo abraçada com esse Estado que está aí, com as estruturas do Estado. Esse é o país da “estadofilia”. Precisamos criar um país da sociedade civil, da energia dos que vêm de baixo. Nós temos que recriar a esquerda no Brasil. O que aconteceu com a Teologia da Libertação, que era um movimento que favorecia a animação dos que vinham de baixo? A hierarquia católica a escondeu. Nós vivemos nos anos 80 um mundo de associativismo, inclusive nas camadas médias. O PT era um partido que estimulava o associativismo, que criticava as estruturas sindicais corporativas. Mas hoje ficamos sem a Teologia da Libertação e sem o PT autonomista, só ficamos gravitando em torno do Estado e deu nisso aí. Isso precisa ser recriado, reconstruído, nós precisamos de tempo, de liberdade e de serenidade.
Fonte: REVISTA IHU ON-LINE (Patricia Fachin/22 Setembro 2017)

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

2018 a.D (José de Souza Martins)

Entre prisões e bravatas, entre muitas incertezas quanto ao presente e poucas certezas quanto ao futuro, o país, anestesiado pelo cansaço, mais se arrasta do que caminha rumo à incógnita da eleição presidencial do Ano do Senhor de 2018. Não falo de pessoas. Os tradicionais entes invisíveis do processo político brasileiro vão dando sinais do protagonismo que terão na mentalidade que presidirá nossos rumos no dia da eleição. A manipulação publicitária e anticidadã do voto e o messianismo antidemocrático já estão na coxia do teatro eleitoral.
Mesmo que uma parte não decisiva da sociedade brasileira acredite que o processo eleitoral é racional e que a política pode ser compreendida e decidida de modo objetivo, aqui a política é regulada por irracionalidade e misticismo. Não pode ser interpretada se não se leva em conta o milenarismo e o messianismo crônicos que a regulam, dependendo de crises e incertezas. Mas o oposto também pode ocorrer. Lula messiânico foi eleito em sucessão ao professor Fernando Henrique Cardoso e ao ciclo de democracia e estabilidade que ele protagonizou. Não só o desespero chama o messias para rever rumos. A esperança mística também o faz.
Nesta eleição o povo será a grande incógnita, mais uma vez. Os alquimistas do poder não o compreendem e não sabem lidar com ele. Na última eleição municipal de São Paulo, um desconhecido foi eleito e acreditou que, por isso, estava dotado de virtudes que ele próprio não via. Não percebeu que, já há alguns anos, o voto do brasileiro é um voto apenas contra, em vários lugares do país. Os eleitos são resíduos dessa vontade política pelo avesso. O eleitor, quando se manifesta por um candidato, pode estar, e nestes casos recentes tem estado, contra o derrotado sem estar a favor do eleito. Esse é um dos mistérios do voto num país sem alternativa, em que o personalismo do poder é inimigo da razão e da democracia.
O medo e a insegurança despertam os fantasmas que governam o Brasil desde o período colonial. Os próprios supostos candidatos são, e não o sabem, personificações de entes imaginários que têm entre nós persistente presença e enorme capacidade de mobilização da opinião popular contra tudo o que é próprio da política e do processo democrático. Somos um país dividido entre a embriaguez do Carnaval e o pavor do fim dos tempos.
O Brasil está, neste momento, politicamente, dominado pela lógica do avesso. Essa mentalidade pré-política presidirá as eleições. Ninguém sabe o que sairá das urnas. Os eleitos passarão quatro anos tentando decifrar a incógnita de uma eleição que lhes deu funções de poder, mas não os elegeu. O novo presidente chegará ao mando sem legitimidade. Governará para poucos. Estamos vendo isso agora. O sujeito social do poder não será propriamente o eleitor. Descobriremos quem é quando o governo terminar.
A crise política que estamos atravessando mostra fatos de relevo para a compreensão do que nos espera em 2018. A descoberta dos ilícitos que envolvem o processo político vem se dando por etapas, por personagens. O sistema corrompido e corruptor se revela aos poucos. Desde o mensalão as desculpas de uma etapa são desmentidas pela seguinte. Cada um dos descobertos em transgressão defendeu-se em cada momento com um pretexto. Embora vá repetir na etapa seguinte variantes dos mesmos desvios da etapa anterior. No final, invocará novos pretextos. Como os fatos estão interligados e nem tudo ganha visibilidade senão aos poucos, bastou um incidente, como dinheiro na cueca, uma indiscrição, uma mala cheia de dinheiro, uma delação, para que foi insuficientemente esclarecido o dito insuficiente peça novos ditos insuficientes. No geral, os culpados se defendem acusando. Primeiro, denunciaram os adversários. Depois começaram a acusar as próprias autoridades. Agora começam a acusar os amigos. Sempre é o outro o responsável pela adversa situação de cada um.
Em tudo, ficou claro nestes 14 anos de adversidades e incertezas quanto ao poder, aos governos e os partidos políticos que nas eleições de cada etapa do processo político recente fomos descaradamente enganados, as eleições decididas entre candidatos fabricados na prancheta de publicitários, sem qualquer distinção significativa entre propaganda de gente e propaganda de sabonete. O desafio de 2018 é o de saber quais as fantasias publicitárias que já estão em processo para nos iludir no ano que vem. Até aqui soubemos das enganações depois, em consequência de inquéritos e interrogatórios. Ouvir uma publicitária dar detalhes de como ela e o marido dirigiram a República e foram em socorro da governante sempre que solicitados deixa bem claro que o voto e o eleitor foram minimizados, raptados.
Fonte: Valor Econômico (15/09/17)

O povo semissoberano (Bolívar Lamounier)

Durante quase dois séculos diferentes escolas de pensamento tentaram explicar as imperfeições e rupturas dos regimes democrático-representativos. O esforço clássico – e mais antigo – foi o de Jean-Jacques Rousseau, que contestou a própria ideia de representação. Em sua linha de raciocínio, o indivíduo iludia-se com o efêmero status que o processo eleitoral lhe proporcionava: cidadão por um dia, mas no dia seguinte retornava ao estado de imemorial submissão em que se encontrava desde priscas eras. Não chegaria jamais ao status de membro pleno da coletividade enquanto se concebesse como um simples indivíduo, e não como uma parte indissociável daquela entidade mística e homogênea, o todo permanente reunido em assembleia.
A segunda linha de crítica, muito mais potente, remonta a meados do século 19 e parte de um ponto de vista exatamente oposto. O problema não era o individualismo excessivo, mas o fato de a maioria da sociedade não ter acesso a uma condição de verdadeira autonomia individual. Por toda parte, o que vemos são maiorias supostamente aptas a legitimar (por meio do voto individual e igual de cada um) minúsculas oligarquias, mas na prática o que ocorre é o oposto: tais maiorias são clientelas facilmente controláveis e manipuláveis pelas minorias governantes. O clientelismo rural, por exemplo, afetando a maior parte da população, era um poderoso impedimento à igualdade substantiva e, consequentemente, da verdadeira democracia. Incapazes de se “atomizarem”, ou seja, de se tornarem indivíduos realmente autônomos, as maiorias não correspondem nem ao modelo da cidadania mobilizada concebido por Rousseau nem à sociedade individualizada do liberalismo; são como uma grande ameba, uma massa amorfa incapaz de qualquer protagonismo.
Nos limites de um artigo é impossível destrinchar a teia de juízos de valor e de equívocos factuais subjacente a essa longa história, mas é imperativo sublinhar alguns estágios dela se quisermos compreender a contraditória percepção do mundo atual acerca da democracia. Em 1942, em seu clássico Capitalismo, socialismo e democracia, o economista Joseph Schumpeter detonou a antiga suposição de que as grandes massas eleitorais do mundo moderno têm de ser constituídas por indivíduos igualmente autônomos, bem informados e aptos a exercer cargos no governo, se convocados a tal. Schumpeter escreveu que a função do eleitor se reduz a dar seu voto a um dentre os grupos contendores, que são eminentemente grupos técnicos, especializados na gestão do Estado. Em 1961, não se permitindo o cinismo implícito no argumento schumpeteriano, Elmo E. Schattschneider, no livro The Semisovereign People, armou uma equação mais interessante. A função do eleitor é de fato irrelevante, ou quase isso, onde não há partidos políticos dignos do nome; onde eles existem, o eleitor de fato não governa diretamente, mas pode exercer uma influência substancial, não raro determinando os rumos da política pública. Mas um “verdadeiro” partido, o que é? Simplificando ao máximo, a resposta dele foi: uma organização não só especializada na disputa política, mas que a pratica sem jamais se deixar absorver ou subjugar por grupos de interesse, sejam estes econômicos, religiosos ou de qualquer outra natureza. A função do partido é transcender e agregar tais interesses num nível mais geral; e um que se deixe incrustar e controlar por meia dúzia de empreiteiras, por certo, não merece ser chamado de partido.
Penso que a realidade atual, e não só a brasileira, está a exigir uma reflexão mais abrangente. Nas democracias atuais, com seus grandes eleitorados e técnicas apropriadas de votação, os antigos argumentos antiliberais jazem moribundos em covas rasas, aguardando o sepultamento a que fazem jus. Mas a questão permanece: vamos bem ou vamos mal? O modo democrático de viver está se robustecendo ou, ao contrário, correndo riscos onipresentes, cuja dimensão ainda não conseguimos avaliar? A visão pessimista pode invocar argumentos poderosos, muito mais sérios que os tradicionalmente associados ao controle clientelista do eleitorado e até mesmo aqueles derivados das desigualdades sociais. Outro dia o professor Benício Schmidt, da UnB, postou no Facebook uma especulação sinistra. Na Colômbia, agora que as Farc se transformam em partido, teremos o narcotráfico controlado por uma organização ou disperso entre várias organizações beligerantes e bem armadas? Hipóteses desse tipo podem ser multiplicadas ad infinitum.
Mas a hipótese otimista também merece respeito. Os avanços no combate à corrupção talvez representem não apenas um aumento na higidez dos regimes democráticos, mas um passo decisivo no sentido de tornar realidade um de seus pressupostos essenciais. Democracia, como o termo é hoje entendido pelos cientistas políticos, é um regime no qual indivíduos privados ascendem a posições de autoridade mediante eleições periódicas, limpas e livres, das quais a maioria da população adulta participa. Admitamos, porém, por um minuto, o antigo sarcasmo dos antiliberais: como pode ser soberano um corpo eleitoral que desconhece os elementos mais importantes da gestão do Estado? Suponhamos, no caso brasileiro: qual é a real importância dos votos de 145 milhões de eleitores que até pouco tempo atrás desconheciam por completo o modo de agir de um BNDES, de uma Petrobrás, de uma Eletrobrás?
Salta aos olhos que, sem um enorme avanço na transparência, no acesso a informações do tipo mencionado e numa drástica redução da impunidade, o pressuposto democrático da soberania popular permanecerá, realmente, vulnerável ao escárnio.
Fonte:O Estado de São Paulo (16/09/17)

Fala reforça ideia do MP como tutor do cidadão (Roberto Romano)

O primeiro ponto que ressalta do discurso de Raquel Dodge, no meu entendimento, é, além de uma atitude corporativista, a ideia de que o Ministério Público tem uma função de tutor da cidadania. Acho isso um erro político fundamental. O Ministério Público não tem esse direito, a Constituição não lhe dá esse direito – nem poderia. Ele tem como função acompanhar o exercício correto dos Três Poderes e da própria sociedade. Mas ele não tem o direito de ditar normas, ditar caminhos para essa sociedade. Isso é usurpação de soberania.
O Ministério Público tem tido essa tentação desde a Constituição de 1988. Foi extremamente bem-vinda a colocação da autonomia do MP diante do Executivo. É um fato alvissareiro, mas a partir desse momento o MP não conheceu limites de sua atuação nesse sentido de caminhar para ser um tutor das causas públicas.
Se você tem um tutor, por que você vai precisar se organizar, amadurecer um projeto, por exemplo? Você vai ter os promotores que vão resolver o problema para você.
O Ministério Público, muitas vezes, se arroga um poder que não foi conferido pelo voto. O procurador da República Deltan Dallagnol disse recentemente: “Não temos votos, mas temos concurso”. Concurso não é princípio de legitimidade política nenhuma. A pessoa pode ser concursada com brilhantismo, mas o concurso não é sinônimo de soberania.
Somente quando os Três Poderes estão operando juntos, numa harmonia tensa, é que o resultado será a soberania. Portanto, o que nós temos notado é que o MP tem ido além dessa harmonia tensa. Ele tem caído na tentação de transformar a sua autonomia numa soberania, nessa tutelagem do cidadão.
O tom do discurso é alvissareiro, é bom, é positivo, mas seria muito importante acompanharmos o que vai ser feito a partir de agora. Nesse caso, quando ela fala de estabilidade, é preciso pensar se ela fala nesse plano da ótica e retórica do governo. A procuradora-geral da República deveria dar uma dimensão de Estado a essa estabilidade. Estado e estabilidade são a mesma coisa. Você mantém a luta social, os interesses do agrupamento humano, por exemplo, dentro dos limites dados pela lei. Esse é o Estado. A crise é nossa, é do Estado, mas não temos que ter salvadores e diretores espirituais.
Fonte: O Estado de São Paulo (19/09/17)

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Com direitos e sem deveres (José de Souza Martins)

A agressão violenta de um aluno de 15 anos de idade contra uma professora em Santa Catarina traz à tona a questão de fundo das formas cotidianas de violência no Brasil. Especialmente na área da educação, nas escolas públicas, mesmo nas universidades.
Não é necessário que o professor sangre, como neste caso, para que a violência se configure. Sem contar que a violência contra os docentes esconde, de fato, um movimento difuso cuja consequência será a destruição da escola pública, laica e gratuita. Não obstante agentes dessa violência sejam jovens com cara e nome, cabe, sim, perguntar: quem está por trás deles? Qual a causa de quem conspira contra a escola pública dizendo que a defende com a violência física e moral contra o professor e a instituição?
As frequentes invasões de escolas, de salas de aula, as ações para impedir aulas e conferências, os cadeiraços para impedir o acesso de professores e alunos aos recintos de atividades pedagógicas constituem deplorável manifestação de gravíssima ruptura entre o ato de ensinar e o ato de apreender. Isso até pode não ferir o corpo de um professor, mas fere sua alma, o sentido último de sua motivação para o magistério com todas as renúncias materiais e sociais que a opção pelo magistério envolve.
Aliás, se os governos não tratam os professores com respeito, como esperar que os alunos o façam? As duas modalidades de desrespeito significam uma coisa só: na área da educação, o Brasil está fazendo a opção preferencial pela ignorância. Cada minuto a menos de educação na educação já reduzida a mero intervalo entre férias, feriados, feriadões, folgas e paralisações constitui irremediável supressão no rumo de um país cada vez mais sem futuro.
Esse caso do aluno, reincidente, e outros casos similares nos falam de uma reformulação radical da conduta do brasileiro em nome de uma concepção de direito: a do direito desvinculado de deveres, desprovido do sentido da reciprocidade, a do justiçamento confundido com justiça, na intolerância com as diferenças de raça, de origem, de gênero, de ideologia, de crença, de escolarização.
Na escola indisciplinada e na chamada militância, os brasileiros que mais urram do que falam e pensam suprimiram a premissa socialmente essencial da alteridade, a figura referencial do Outro, em cuja mediação nos humanizamos e nos civilizamos.
No fim da ditadura, um surto de opção pela liberdade incondicional proclamou o nunca mais à tentação do autoritarismo. Nas escolas, porém, faltou a pedagogia da liberdade, a do direito como direito comprometido com os direitos dos outros, enquanto versão civilizada dos deveres sociais, o direito como contrapartida da prática da cidadania. O cidadão sem deveres que legitimem seus direitos não é cidadão, é parasita.
O caso de Santa Catarina é ilustrativo das contradições e irracionalidades expressas na ocorrência. Não é o aluno, não é a professora. O murro violento e sem motivo que o justifique é indefensável. Mesmo no encaminhamento do aluno à direção da escola por indisciplina na sala de aula, motivo da agressão, a professora cumpria norma tradicional e justa do sistema escolar.
O aluno ignorante impõe ao sistema escolar sua pedagogia do opressor. Ele não quer atingir apenas o docente. Ele quer atingir seus colegas, puxá-los para baixo. Quer socializar a ignorância antissocial.
As reações do público foram contraditórias, quando ficou claro que a professora é uma ativista política. Sê-la está no seu direito. Mas, em suas manifestações públicas anteriores, justificara que alguém tivesse atirado um ovo num presuntivo candidato a presidente da República, de orientação ideológica oposta à sua. Mesmo sendo ele um candidato que se esmera na radical intolerância a ideias e concepções diversas das dela, nada justifica o ato nem justifica o pretexto que sustenta a opinião da professora em favor da violência contra o outro.
Na verdade, nem quem atirou o ovo nem quem deu o soco tem razão. A violência do ovo aumenta a simpatia pelo candidato intolerante porque muita gente pensa como ele e é, para muitos, demonstração de que ele supostamente tem razão em seu autoritarismo de direita quando se insurge contra o autoritarismo de esquerda. A intolerância da professora trouxe aplausos nas redes sociais, não a ela, mas ao imaturo que desfechou o soco em seu rosto.
O que se vê nesse caso é a difusão e consolidação de uma cultura fascista, a da vingança, a do cala a boca, a da tese de que é legítimo calar o outro, quem é diferente. Cultura de um povo capturado por uma concepção infeliz da vida social, de alegria meramente carnavalesca, não mais a alegria da realização, mas a falsa alegria da frustração.
Fonte: Valor Econômico (1/09/17)

Reflexões sobre a reforma política (Roberto Romano)

Em artigo recente (A indulgência perpétua das castas prostitutas, Estado, 23/8, A2), José Nêumanne Pinto aponta a bacanal dos poderosos instalados nos palácios. O jornalista evidencia os absurdos do voto reduzido à compra e venda, sob o comando de velhos caciques e de outros mais jovens, nada cândidos. O termo “candidato” vem da velha Roma. Ali, os pretendentes aos cargos envergavam vestes alvas para mostrar almas limpas. Não apenas na política havia tal exigência. O futuro esposo usava vestes brancas. Na peça Casina, de Plauto, o noivo é dito candidatus. No vocabulário romano, a candidez pública entra numa rica constelação de significados éticos. Ela sintetiza os vocábulos ao redor de honos, homenagem devida ao respeito por alguém, de honestas, que, em companhia de auctoritas e gravitas, distinguem os dirigentes. Os eleitores deveriam apoiar quem possuía autoridade de comportamento, garantindo respeito ao Estado. Sem tais elementos, as leis não seriam obedecidas, desapareceria a fides publica. Hanna Arendt comenta: “Se você precisa gritar para que alguém deixe seu quarto, falta-lhe autoridade”. Ah, se ela ouvisse os impropérios dos nossos senadores e deputados! Um legislador deve exibir gravidade em palavras e atos. É semelhante universo semântico que recolhe o termo “candidato”.
Deixemos a República de Roma, sigamos para Atenas, paradigma democrático. Diz Platão que cidade onde comanda o vulgo, fera de mil cabeças, cada um se comporta do jeito que lhe apraz, assume atitudes privadas e públicas violentas. A lei contra a hybris (o abuso do fraco pelo mais forte) perde sentido. A democracia licenciosa é “como um manto de muitas cores, matizado com toda espécie de tons.
Embevecidas pela variedade do colorido, (...) muitas pessoas julgam essa forma de governo a mais bela”. Com o “direito” de todo cidadão obedecer apenas a si mesmo falece a democracia. A massa só acolhe elogios e os candidatos prometem obedecer os que se recusam a seguir as normas. Os disciplinados cometeriam a tolice de respeitar um texto desprovido de força armada. De pouco adianta, constata Platão, justiça rigorosa em palavras, mas ineficaz. O filósofo observa que muitos condenados pelos tribunais passeiam, incólumes, pelas ruas de Atenas.
Se estivesse no Brasil, a experiência seria idêntica. No Congresso Nacional temos casos estarrecedores de impunidade. Políticos têm prerrogativas tirânicas. “Tirano é o governante que usa os bens dos governados como se fossem seus” (Jean Bodin). Os abusos oficiais se refletem nos hábitos particulares. Na democracia sem limites, como ninguém pode ter autoridade, o professor adula e tem medo dos alunos, os velhos imitam os jovens “a fim de não parecerem aborrecidos e autoritários” (República, 563a).
A paixão pelo ganho, no mundo oligárquico – forma social e política anterior à democracia –, narra Platão, se expande pela sociedade. Todos nela desejam o seu lote. Resulta acrescida a desigualdade de bens. Com a democracia vem a promessa de riqueza para todos, somada à igualdade e à liberdade para atingir os próprios alvos. Aproveitando a cobiça universal, o demagogo acena com cofres cheios em todo lar. A técnica do tirano e demagogo é a lisonja. Como o camaleão, ele muda a cor do discurso conforme a oportunidade e a plateia. O único colorido que lhe escapa, comenta Plutarco, é o branco (Como distinguir o adulador do amigo). O demagogo é o mais antigo cliente do marketing político.
Depois da brancura romana e da crítica à democracia, escutemos Norberto Bobbio. “No mercado político democrático o poder se conquista com votos, um dos modos de conquistar votos é comprá-los e um dos modos para se livrar das despesas é servir-se do poder conquistado para conseguir benefícios mesmo pecuniários dos que possam receber vantagens de semelhante poder. (…) Considerada a arena política como uma forma de mercado, onde tudo é mercadoria, ou coisa comprável e vendível, o político se apresenta num momento como comprador (do voto), num segundo momento como vendedor (dos recursos públicos dos quais, graças aos votos, se tornou potencial dispensador)”. (Cf. “Quale il Rimedio?” In L’Utopia Capovolta, 1990).
É compreensível a indignação de Nêumanne Pinto. Eu mesmo já publiquei algo na sua linha. Ao me levantar contra abusos do Parlamento, escrevi na Folha de S.Paulo o artigo intitulado O prostíbulo risonho. Tive aborrecimentos, porque o “centrão” me perseguiu sob Roberto Cardoso Alves, o político que batizou a troca fisiológica entre Legislativo e Executivo: “É dando que se recebe”. O mercado político das pulgas entrava em seus momentos de glória, prenunciando estadistas como Eduardo Cunha.
Mas qual elo existe entre a alvura do político romano, a policromia democrática em Platão e o mercado eleitoral descrito por Norberto Bobbio? No palimpsesto trazido pela história política, uma constante: todo regime social ou de Estado se corrompe. Nenhuma reforma pode mudar o desastre. E tal coisa não é um truísmo, mas destino a ser encarado pelos que respeitam a liberdade e o direito. Os gênios que citamos buscaram remédios para a pavorosa Fortuna. Após a democracia ateniense, veio o duro imperialismo macedônico. Depois da República romana, chegou a ditadura corrupta de Cesar. O nazismo sucedeu à República de Weimar. O culto a Stalin brotou após a revolução de 1917. Lição de prudência encontra-se em Maquiavel.
Na Carta a Vetori, ele confessa abandonar a mesquinhez cotidiana, os interesses dos homens comuns. Bem vestido, eis o autor do Príncipe em conversa com os pensadores antigos. Pena que na política brasileira não ocorram tais diálogos. No Congresso, a leitura se restringe ao Diário Oficial, onde são anunciados os pagamentos pelos votos vendidos e comprados. Só nos restou a torpeza das enlameadas e obscuras reformas políticas, falsas como as moedas de R$ 3.
Fonte: O Estado de São Paulo (03/09/17)

Uma candidatura agregadora (Fernando Henrique Cardoso)

Em sua fundação, em 1988, o PSDB se insurgira basicamente contra dois procedimentos: o compromisso de certas lideranças do PMDB com práticas de conduta reprováveis e a inconsistência, revelada durante a votação da Constituição, entre os objetivos proclamados pelo partido e o voto dado por muitos de seus membros. Mário Covas e eu, então, éramos líderes das bancadas do PMDB, respectivamente, na Constituinte e no Senado.
Na formação do PSDB nossa base social não provinha dos sindicatos, como no caso dos partidos social-democratas europeus. As questões sociais que nos preocupavam não se restringiam aos trabalhadores fabris, abrangiam “o povo em geral”, inclusive o setor agrário e os novos profissionais urbanos, como os empregados de call centers, os programadores, etc. Não nos esquecíamos, tampouco, das classes médias, de onde provínhamos.
O PSDB nasceu com uma chave ideológica clara: o republicanismo (luta contra as iniquidades causadas por privilégios e abusos corporativos e clientelistas) e o primado do interesse coletivo sobre o particular. Isso, entretanto, não equivalia à defesa cega das leis do mercado nem à crença no intervencionismo estatal. A defesa dos interesses gerais requer responsabilidade fiscal e critérios de eficiência e justiça social na tributação e no gasto público. O partido nasceu, portanto, com posição ideológica nova, que aliava a técnica à política e, aos poucos, tornou as posições social-democratas mais contemporâneas à globalização.
O programa do PSDB recentemente difundido na TV mostrou a mutação maligna sofrida pelo sistema de alianças decorrente da Constituição de 1988. A eleição do presidente da República com pelo menos 50% mais um de votos, quando seu partido não alcança mais do que 20% das cadeiras na Câmara, como ocorreu até hoje, obriga o presidente eleito a compor alianças para governar. Este sistema, dito “presidencialismo de coalizão”, com o passar do tempo, se degenerou no “presidencialismo de cooptação”. Juntaram-se grandes empresas e partidos políticos para a sucção ilegal de recursos públicos, gerando um fluxo financeiro que beneficiava os partidos e parlamentares que sustentavam os governos. Isso se deu graças à persistência de uma cultura política oligárquica e clientelista e graças, também, ao fortalecimento de um capitalismo de laços entre partidos e empresas (públicas e privadas). No modelo de coalizão a maioria no Congresso se forma, em tese, com base no acordo entre os partidos sobre uma agenda do Executivo. No presidencialismo de cooptação o apoio passa predominantemente pela oferta de vantagens financeiras a partidos, empresas cartelizadas e indivíduos. Este novo arranjo ganhou força com a ascensão do PT ao poder, movido por objetivos de ocupação hegemônica do Estado.
Foi no presidencialismo de cooptação que se centrou a crítica do citado programa do PSDB, dando ouvidos à voz das ruas no repúdio à corrupção.
O Brasil clama por mudanças e o partido deve apoiá-las, dentre as quais: a cláusula de barreira para conter a fragmentação partidária e para impedir a criação de não partidos com acesso aos recursos públicos; a proibição de coligações nas eleições proporcionais; e o barateamento do custo das campanhas.
É preciso devolver aos programas “gratuitos” de TV o formato de debates propositivos, sem o apoio de “marquetagem”. Fundamental, também, é criar distritos eleitorais menores para as eleições às Câmaras, já na eleição municipal de 2020.
A doação empresarial, se for aprovada, deve dirigir-se apenas a um partido em cada modalidade de eleição (federal ou estadual). Os recursos devem ser doados ao Tribunal Eleitoral, que abrirá contas em nome de cada partido, para as despesas de campanha. A doação voluntária de pessoas físicas deve ser estimulada, com fixação de teto. Sem tais alterações, a começar pelo barateamento das campanhas, mais recursos públicos para as eleições devem ser recusados, bem como a criação de novos fundos eleitorais.
O PSDB apoiou o governo Temer pelo interesse nacional na governabilidade e porque ele se comprometeu com reformas que o partido deve assumir e liderar, lutando para garantir a conformidade entre elas e seu ideário. É inegável que houve avanços nas áreas econômicas e nas da educação, habitação e infraestrutura, assim como na política externa. Não há apoios políticos incondicionais, nem por causa deles se deve deixar de criticar o que parecer errado. Se existirem divergências mais profundas e substantivas, que sejam explicitadas antes de um eventual “desembarque”.
O importante, agora, será constituir um polo democrático e popular que olhe para as eleições de 2018 com visão de futuro. A globalização, da qual devemos participar com mais intensidade do que até agora, se baseia numa tecnologia que requer inovação constante e formação técnico-científica, tanto de executivos como dos empregados e trabalhadores em geral. O crescimento da economia dependerá da aplicação eficiente do conhecimento à produção e de sua melhor integração às cadeias internacionais de produção e valor. É preciso gerar crescimento econômico sem comprometer o meio ambiente, já ameaçado em escala global. O olhar social requer compromissos morais inescapáveis: a bandeira da igualdade ganha enorme força diante da desigualdade gritante prevalecente e deverá implicar mais e melhor educação, saúde e segurança. A moralidade pública e privada é um requisito para que as pessoas possam voltar a crer nos que governam.
O País necessita de uma candidatura agregadora para 2018, que assuma essas bandeiras. Chances de vitória existem, se tivermos competência para retomar uma narrativa que, valorizando o muito que o PSDB fez na área social (Fundef, bolsa-escola, avanços na reforma agrária, estruturação do SUS, implementação da Loas, etc.), abra os horizontes do futuro e defenda os valores morais.
Fonte: O Estado de São Paulo (03/0917)