Nara Nadyle Valente Ricardo tinha menos de quatro meses de idade quando no dia 13 de maio de 1941 seu pai, em um atitude tresloucada, ordenou que um taxista o levasse ao Corcovado, de onde, como vinha anunciado havia tempos aos amigos, faria "algo drástico". Dali, protagonizando um momento patético, tentou se matar, pulando de uma altura de 700 metros. As copas das árvores amenizaram a queda e evitaram o suicídio. O homem quebrou apenas duas costelas e demorou três horas para ser resgatado dali pelos bombeiros. Dezessete anos depois da primeira tentativa, às 17h55 do dia 13 de março de 1958, sentado em um banco na Praça Russel, no Rio, ele abraçou a morte de maneira muito mais simples, tomando guaraná com formicida.
Hoje, dia em que se comemora o centenário de seu pai, o sambista Assis Valente, Nara lamenta a falta de reconhecimento e as diminutas homenagens que não chegam aos pés do talento do compositor baiano, mas recebe bem os tributos. "Ele ainda é pouco conhecido. Muitas pessoas sabem cantar as músicas, mas não associam a composição a Assis Valente. Sem querer exaltar demais o valor do meu pai, as composições estão aí. Eu fico lisonjeada, mas ainda é pouco", diz Nara, que chegou a ser procurada pelo Instituto Cravo Albin para tratar de homenagens a seu pai.
Outro tributo ocorre hoje mesmo, a partir das 18 h, em Santo Amaro da Purificação - cidade baiana que se gaba de ser o berço do artista, embora outras localidades também se vangloriem do feito -, no coreto que ganhará o nome de Assis Valente e receberá um show com diversos artistas. Entre eles, Moreno Veloso, Aloísio Menezes, Marilda Santanna e o Coral Miguel Lima, com a participação de sua ilustre presidente Dona Canô.
"Esse show é apenas o começo das homenagens. Este será o ano Assis Valente aqui em Santo Amaro e teremos mais apresentações e debates sobre ele. Bethânia tem compromisso em Belo Horizonte e Caetano está em estúdio, não poderão vir, mas foram nomeados presidentes de honra da programação desses tributos", diz Rodrigo Veloso, secretário de Cultura de Santo Amaro da Purificação e também filho de Dona Canô.
Outro movimento para manter viva a obra de Assis deve sair no meio do ano, pela EMI. Em trabalho idealizado por Rodrigo Faour - responsável pela coletânea em homenagem a outro sambista cujo centenário se comemora neste ano, Nelson Cavaquinho -, a gravadora prepara um CD duplo com as composições de Assis. O primeiro terá regravações por intérpretes do peso de Maria Bethânia (Camisa Listada) e Elza Soares (Fez Bobagem). O segundo, com originais gravados, por exemplo, por Carmen Miranda e o Bando da Lua. "Além do aspecto vibrante e alegre e de ser um autor que se expressava bem no feminino, foi excelente cronista do Rio, com Recenseamento, e do carnaval, com Camisa Listada e Uva de Caminhão. E deixou nosso maior hino natalino, Boas Festas", diz Faour.
Na virada da década de 1920 para a de 1930, Carmen Miranda já gozava de reconhecimento depois de estourar no carnaval com a marchinha Pra Você Gostar de Mim (Taí), de Joubert de Carvalho. O início da Era de Ouro do Rádio - tempo em que brilhavam cantores como Francisco Alves, Mario Reis e Sylvio Caldas - revelou autores talentosos a granel, mas foi com um baiano recém-chegado ao Rio, que fazia, pasmem, dentaduras com perfeição, que Carmen protagonizou uma tabelinha genial. Entre sambas e marchas, até 1939 - ano em que ela deixou Assis "órfão" ao partir para os Estados Unidos - a dupla estourou com sucessos como ... E o Mundo Não Se Acabou, Etc..., Good-Bye, Minha Embaixada Chegou e Bateu-se a Chapa.
Em 1941, Carmen recusou um samba de Assis, que emplacaria com os Anjos do Inferno. Era Brasil Pandeiro, regravado em 1972 no disco Acabou Chorare, dos Novos Baianos, mostrando o quão atemporais são os temas do compositor. "João Gilberto chegou em nossa vida, mostramos nossas composições e ele gostou, mas fez uma observação: "Vocês precisam olhar mais pra dentro de vocês mesmos". Numa daquelas noitadas João cantou: "Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor". Entendemos o recado e começamos a fazer uma mistura entre o samba e o rock, o elétrico e o acústico. Brasil Pandeiro passou a ser a nossa música manifesto, definindo a sonoridade desenvolvida por nós", diz Moraes Moreira.
(O Estado de São Paulo)
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