segunda-feira, 27 de junho de 2016

Desentendimento e dogmatismo (Marco Aurélio Nogueira)

Cada época tem um conjunto de características que demarcam o modo como se desenvolvem as práticas sociais em cada campo específico de atuação.
Na política, a marca é a crise: nenhum sistema funciona bem, mais desagrada que agrada, cria mais problemas que soluções. Crise de governabilidade, crise de representação, crise da democracia, crise dos partidos – as etiquetas são muitas. Os governos estão na berlinda, seja de que partidos forem. Governam pouco.
Na economia, muita coisa gira em torno da flexibilidade. A localização perdeu relevância. Deve-se organizar a partir de planos elásticos, trabalhar de modo polivalente, evitar estoques, incrementar a produtividade mediante desproteção do trabalho e inovação tecnológica, explorar as vantagens da rotatividade, do consumo conspícuo e da substituição incessante de bens, seja por pressões da tecnologia, seja em decorrência da obsolescência programada.
Na universidade, fala-se sobretudo em produtividade: os incentivos são para que se faça mais em menos tempo, se conquiste sempre mais visibilidade, se publique sem interrupção e se frequente um número sempre maior de eventos.
O quadro se desdobra no plano dos relacionamentos. Aqui, a marca forte é o desentendimento, a disposição de construir fortalezas de onde pelejar com os demais e vocalizar a própria opinião, tanto fazendo se isso é feito ou não para que se alcancem melhores patamares de entendimento. É uma marca que se combina com o desejo de ser “diferente” e de não integrar nenhuma “comunidade maior”, ou seja, de se individualizar e se tribalizar, fechando-se em guetos.
Há efeitos colaterais que derivam do predomínio desta marca, especialmente quando os relacionamentos são atravessados por disputas políticas. Um deles é a elevação da temperatura verbal: não basta divergir, é preciso reduzir o outro a pó, tratá-lo como inimigo, e não somente como alguém com quem não se concorda. Em nome disso, o léxico da vida cotidiana ganhou em veemência na mesma velocidade que perdeu em rigor e coerência. A agressão verbal tornou-se prática discursiva. A elegância, a serenidade, a modéstia e o respeito ao pluralismo saem da cena, em benefício de argumentos de autoridade e da grosseria, entendida como recurso de convencimento. Os interlocutores agem por uma espécie de compulsão retórica.
Outro efeito é a expansão do dogmatismo, da postura que se apresenta como dona da verdade, que se afirma a partir de certezas prévias e trata a dúvida como expressão de tibieza, atitude de quem não é forte o suficiente para manifestar a própria opinião. O dogmatismo, como se sabe, hostiliza a realidade, os fatos e as evidências. O dogmático é alguém que segue livros, manias e escrituras, que somente chega ao real a partir de esquemas preconcebidos, que ele invariavelmente associa a um tipo superior de verdade, filosófica, epistemológica ou religiosa.
A direita retrógrada e fundamentalista é uma fábrica de dogmáticos que jamais fecha.
O marxismo, que é patrimônio da humanidade inteligente e livre de preconceitos, também tem sua versão dogmática. Das grandes teorias, é a única que nasceu radicalmente antidogmática mas, ao ser popularizada e instrumentalizada politicamente, impulsionou o dogmatismo, abrigando em seu próprio círculo inúmeros seguidores fiéis, imunizados contra os fatos, prisioneiros de convicções eternas, que não devem mudar jamais. O marxista dogmático é aquele personagem que se tem em alta conta, que enxerga mais longe que os demais, que se considera firme como uma rocha, não abre mão de citações, livros-guia e manuais, não tendo um pingo de dúvida sobre o futuro radiante que virá com a revolução socialista.
Como é um ser inseguro e necessita de autoafirmação, costuma brigar mais com os marxistas não dogmáticos do que com as correntes que disputam a verdade com o marxismo. Pode ser aproximado da figura típica do arrogante. Muitos que se querem revolucionários são conservadores no plano da moral e dos costumes.
Dogmáticos de todos os tipos – marxistas, religiosos, socialistas, neoliberais, conservadores, reacionários – fazem um mal danado ao convívio social e ao debate público. São a antipedagogia em movimento: deseducam, dificultam que as pessoas pensem com a própria cabeça, travam o fluxo saudável de divergências e discussões, impedem a formação de consensos.
Para pessoas assim, não há remédio que cure. Elas estão imunizadas contra a razão crítica e a história, que não as afeta. Continuam agarradas ao passado, que lhes dá segurança ontológica e base para demonstrações de virtuosismo teórico. Vivem em outra dimensão de tempo e espaço. Não se acham dogmáticas, mas, sim, “ortodoxas”, portadoras de verdades e convicções duras, intransigentes.
No Brasil dos dias correntes, é fácil vislumbrar os efeitos perversos desta prevalência do desentendimento e do dogmatismo. Enfrentamos dificuldades épicas para manter viva uma discussão que precisa seguir em frente, rumo ao que deveria ser a tarefa de todos: reduzir animosidades e disputas estéreis, especialmente entre os democratas, para que assim se tenha alguma força para reformar o País.
O desentendimento amplificado sem critério racional produz neblina e fumaça, que não beneficiam ninguém, mas são mais prejudiciais para quem luta por liberdade, democracia, igualdade e justiça social. A retórica inflamada e indignada, o anúncio bombástico do apocalipse, a vitimização e o ataque implacável aos que pensam de outro modo bloqueiam a racionalidade crítica. Prestam um desserviço.
É uma época paradoxal: brilhante e opaca, participativa e improdutiva, de muita inovação e poucos resultados positivos, de sofrimento organizacional, excitação e mal-estar, de vida dinâmica e flutuante. Mas é a nossa época, e teremos de aprender a lidar com ela se quisermos cogitar de transformá-la.
(*) Marco Aurélio Nogueira é professor titular de teoria política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais (Neai) da Unesp
Fonte: O Estado de São Paulo (25/06/16)

Formação de quadrilha (Demétrio Magnoli)

Hebe Mattos, Lilia Schwarcz, Laura de Mello e Souza e João José Reis, entre tantos outros, participam do movimento Historiadores pela Democracia, que foi ao Alvorada prestar solidariedade à presidente afastada. Eles anunciam um livro coletivo intitulado "O Golpe de 2016: a Força do Passado". Todos os cidadãos têm o direito de se manifestar sobre a cena nacional. A iniciativa, porém, viola os princípios que regem o ofício do historiador.
Não se tece a narrativa histórica em bando, sob uma baliza política coletiva. O historiador indaga o passado, formulando hipóteses que orientam a investigação e reconstrução da trama dos eventos. Do diálogo entre narrativas historiográficas distintas nasce alguma luz. Mas não é luz que eles buscam.
Historiadores pela Democracia é um nome de vocação totalitária, cuja implicação lógica é excluir os demais historiadores do universo democrático. O projeto do movimento é desenrolar o fio da história a partir da conclusão. Eles decidiram (ou, de fato, o Partido decidiu) que o impeachment é "golpe" –e isso, antes mesmo da deliberação final do Senado. Querem inscrever nos livros de história a versão útil para o Partido. Não é história, mas propaganda política coberta pelo manto da autoridade historiográfica.
Democracia, abusa-se da palavra. A Associação Juízes pela Democracia (AJD) define-se como entidade consagrada à "defesa intransigente dos valores do Estado Democrático de Direito", mas escancara sua natureza político-partidária ao adotar ritualmente a expressão "presidenta da República", tornada compulsória por Dilma Rousseff. Nomear é desnudar-se: a AJD está dizendo que os demais juízes transigem na defesa do Estado Democrático de Direito –ou seja, que seriam inaptos para exercer a magistratura.
Efetivamente, a inaptidão está em outro lugar. Não se fazem sentenças em bando: a magistratura exige a independência do juiz, que aplica a lei segundo a interpretação de sua consciência. Como conciliar tal exigência com a lealdade política à AJD? A pergunta nada tem de retórica, pois remete ao problema da apropriada revisão judicial. Como garantir a proteção dos direitos de um acusado que, por acaso, depara-se na instância inferior e também na superior com juízes pertencentes à AJD?
Só um passo lateral separa o alinhamento ideológico do alinhamento corporativo. A Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar) gerencia uma operação de assédio judicial contra cinco jornalistas da "Gazeta do Povo" que ousaram publicar reportagem sobre os salários e benefícios extraordinários dos juízes estaduais. A entidade estimulou os magistrados a ingressarem com dezenas de processos quase idênticos, nas mais diversas cidades, oferecendo um modelo de ações individuais por danos morais. Há dois meses, os cinco acusados deslocam-se diariamente por centenas de quilômetros para comparecer às audiências. Na prática, impedidos de trabalhar e cuidar de seus afazeres pessoais, já cumprem penas tácitas de privação de liberdade.
Corporação é corporação. A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, negou um recurso do jornal para suspender as ações, recusando o argumento óbvio de que os juízes paranaenses carecem de isenção para julgar a causa corporativa dos juízes paranaenses. Para todos os efeitos, ela fingiu não entender que está em curso um sequestro do sistema de justiça com as finalidades de intimidar a imprensa e enquistar os privilégios de seus pares numa cápsula de aço.
Na Alemanha, em 1931, o Partido Nazista encorajou a publicação da obra "Cem Autores contra Einstein", uma coleção de críticas à teoria da relatividade oriundas da velha guarda acadêmica. A réplica de Einstein: "Por que cem autores? Se eu estava errado, um seria o suficiente!". Na história e no direito, como na ciência, a razão de um argumento não deriva do número de seus apoiadores.
Fonte: Folha de São Paulo (25/06/16)

sexta-feira, 24 de junho de 2016

A soma de todas as espertezas (Marcos Nobre)

O governo interino é meramente reativo, não se pauta por uma agenda própria. Pauta-se cotidianamente pela grande mídia, preocupado com o que vão dizer editoriais, reportagens, análises. No resto do tempo de que dispõe, pauta-se pelas tentativas de neutralizar o que avalia como sendo os focos de insatisfação mais perigosos, que podem se transformar em greves e protestos difíceis de enfrentar. O tempo todo é um governo a reboque dos movimentos da Lava-Jato.
Pode-se dizer que a regra tem a exceção óbvia do programa econômico. A questão aqui é saber o quanto o programa é para valer e o quanto serve apenas para tentar manter as aparências ideológicas de um governo empenhado em implantar a austeridade fiscal e reformas liberalizantes. Isso poderá ser medido em definitivo somente depois de inventariados os puxadinhos e beirais com que sairá do Congresso o teto para a despesa primária (não financeira) da União, configurado em Proposta de Emenda à Constituição (PEC) entregue pessoalmente pelo presidente interino ao presidente do Congresso na semana passada. Ainda assim, há já indícios robustos de que a deglutição do teto pelo sistema político não produzirá nem de longe a revolução liberalizante desenhada no papel. Cada componente da equação disfuncional da política atual pensa que sua esperteza é mais esperta que a dos demais. Só que, nesse caso, a soma das espertezas aponta para déficit.
O primeiro a estimular e a aceitar abrir puxadinhos e beirais no teto foi o próprio Michel Temer. Foi sua a tática esperta de colocar neojabutis na árvore da PEC. Trata-se de uma inovação tecnológica porque não são mais jabutis contrabandeados nas árvores das medidas provisórias, mas aprovados antes da aprovação do teto. Tornam-se parte da paisagem fiscal, inamovíveis, necessariamente protegidos pelo teto, seja lá o tamanho e o formato que ele venha a ter.
Foi assim com o reajuste para o funcionalismo, a capitalização das estatais, a ajuda para o Rio de Janeiro em falência olímpica. E sabe-se lá o que mais ainda. A reunião de hoje com os governadores para encontrar saídas para a crise das dívidas estaduais é apenas uma prévia de uma correria generalizada pela aprovação de novos puxadinhos e beirais antes da instalação do teto suspenso no ar de Meirelles.
A esperteza da tática do teto é outra. Embute no texto enxuto da PEC o anexo implícito de todo o catálogo de reformas: previdenciária, trabalhista, benefícios sociais e assim por diante. Instala o teto e só depois constrói a casa. Aprova-se primeiro a trava constitucional e depois se põe o Congresso diante do inevitável: ou faz as reformas ou inviabiliza a execução do orçamento que aprovou.
Só não custa lembrar que não falta esperteza do lado do Congresso também. A PEC encaminhada estabelece um teto curto, que deixa muita gente na chuva e no frio. Com duração prevista de 20 anos (com possível revisão por meio de projeto de lei no décimo ano de vigência), limitado à correção pela inflação do ano anterior, sem concessões a qualquer conjuntura favorável de crescimento, a PEC é séria candidata a um longo banho-maria congressual. O sinal de alerta foi dado por Renan Calheiros, que resolveu apontar uma incompatibilidade antes não detectada entre a "transitoriedade do governo" e o encaminhamento de "medidas substanciais".
A esperteza do presidente do Senado e do Congresso não difere daquela de Michel Temer. Renan Calheiros, na conhecida tradição do PMDB, exige medidas de austeridade e, ao mesmo tempo, estimula a aprovação de projetos que aumentam gastos (o Super Simples, o reajuste para o funcionalismo). Michel Temer e Renan Calheiros são adversários em uma luta de resultado combinado. É Henrique Meirelles quem se arrisca a ficar pendurado no teto. Junto com quem resolveu pegar a onda das expectativas liberalizantes infladas de um governo que busca nesgas de apoio para sobreviver. O roteiro é o mesmo que levou ao impeachment de Dilma Rousseff. Só que agora com a certeza de que impeachment não é solução para uma crise que é estrutural.
A prevalecer a correlação de forças atual, quando o Congresso se decidir a votar o teto, vai inverter a lógica do plano Meirelles: vai projetar primeiro a casa e só depois o seu teto. Vai fazer o ajuste possível pensando na casa, de maneira a que o teto não fique nem suspenso no ar nem seja insuficiente para cobrir os cômodos todos, mesmo que menos espaçosos. O modelo já existe, foi o aplicado na Câmara ao projeto do governo da chamada Lei de Responsabilidade das Estatais. Entrou no Congresso no figurino Henrique Meirelles e deve sair no modelito André Moura.
Praticar parlamentarismo (ou o que se entende por isso nas condições atuais) em regime presidencialista dá nisso. As instituições estão em colapso, funcionando de maneira disfuncional há pelo menos um ano e meio, o que impede qualquer saída virtuosa no momento. Só as próximas eleições gerais de 2018 poderão trazer um novo pacto democrático. É decisivo até lá que as forças políticas na sociedade e nas instituições se reorganizem e se reconfigurem de maneira radical.
O máximo a que se pode aspirar no momento é recuperar a tecnologia de empurrar com a barriga típica da década de 1980. Com a vantagem de que está ainda longe o caos típico daquela década. É o que permite usar essa estranha tecnologia para reunir todos os esforços para impedir que o colapso se instale de maneira permanente. Não é à toa que já surgem previsões de déficit para o próximo ano que se aproximam do desastre de 2016.
O programa liberal embutido no teto é a fantasia com que vai desfilar o governo interino nos próximos meses, até assumir sua condição de governo Sarney em condições pós-Plano Real. Sem capacidade de dar rumo de conjunto a seu governo, Michel Temer seguirá ao sabor das correlações de forças cambiantes de um Congresso sob a espada da Lava-Jato. Nessas condições, não há parlamentar que vá arriscar seu mandato e sua proteção de foro na Justiça por um teto que torna sem-teto uma enorme massa do eleitorado.
(*) Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.
Fonte: Valor Econômico (20/06/16)

Canalhocracia (Roberto Romano)

- A Operação Mani Pulite nasceu com a prisão do socialista Mario Chiesa. Depois, muitos parlamentares, administradores e empresários viram o sol nascer quadrado. -
Em dois anos, 6 ex-primeiros ministros, 500 representantes e prefeitos caíram nas malhas da Justiça. Figuras exponenciais se demitiram e correram para o exílio. Partidos sumiram ou se modificaram. Novas agremiações preencheram o vácuo político causado pelos juízes e promotores. Alberto Vannucci descreve as batalhas contra gangues oficiais e oficiosas (The Controversial Legacy of ‘Mani Pulite’. A Critical Analysis of Italian Corruption and Anti-Corruption Policies). Segundo ele, a operação não aprimorou a vida italiana. Pelo contrário, os corruptos abriram guerra contra juízes e promotores e os acusaram de atuar politicamente sem votos. A questão moral se reduziu à marca de um pequeno partido, o Italia dei Valori, liderado por Antonio Di Pietro, integrante da força-tarefa. O resultado pífio demonstra, adianta Vannucci, que “a Itália pode ser vista como um modelo de fracasso dos mecanismos institucionais comuns para o controle da corrupção, numa democracia avançada”. Os “laterones” (bom padre Vieira…) financiam processos democráticos e sustentam círculos clientelísticos. As novas leis, mais rígidas, só aumentaram o preço dos pixulecos.
Resultaram, da luta empreendida, a impunidade de políticos como Berlusconi e a leniência em relação a empresários corruptos. Os eleitores da Itália não foram além do apoio emotivo e passageiro aos investigadores e juízes. Em 1996, 91,8% dos votantes percebem a corrupção como um problema, menor apenas que o desemprego. Após 2008, só 0,2% considera a corrupção como gravíssimo obstáculo para o Estado e a sociedade (Italian National Election Studies, dados para as eleições gerais de 1996, 2001, 2008).
No âmbito empresarial, a predominância de famílias donas de empreendimentos possibilita novos elos amigáveis e corruptos com gestores públicos, o que lhes garante vitórias em obras públicas, etc. O número das condenações despenca após a Operação Mãos Limpas: em 1996 foram 1.714; em 2006, 239. Resta a certeza da impunidade. O juiz Gherardo Colombo afirma que “da ótica judicial, a Mani Pulite foi inútil, ou pior, danosa. O fracasso quase completo para assegurar condenações (de 3.200 acusados, 2.200 foram soltos…) fortaleceu a impunidade imperante na Itália” (La Repubblica, 15/5/2000). Outro juiz, Piercamillo Davigo, mostra que os predadores aumentaram, com a pressão da Mãos Limpas, sua força e habilidade criminosa. Ela lhes serviu para aperfeiçoar a bandidagem própria e alheia.
Deixo a companhia de Vannucci. Mas seu escrito é para nós um grave caveat. Recomendo a leitura do texto, cruel e lúcido. A lição serve aos brasileiros, hoje encantados com a Lava Jato, mas imprudentes diante dos políticos que, nos poderes nacionais, têm a capacidade de impor leis favoráveis aos corruptos e contrárias aos promotores e juízes. Bem antes dos analistas que pesquisam fatos recentes, como a Mãos Limpas e a Lava Jato, a Sociologia Política mostrou fraquezas do sistema democrático, em que medram várias corrupções. Não se trata de o rejeitar, mas de perceber as brechas que ele abre para o apodrecimento de governos e a sua troca por outros, autoritários.
Tomemos Max Weber, mais citado do que lido em nosso país. Em Economia e Sociedade e nos tratados sobre a política, ele faz a célebre distinção entre viver para a política ou da política. Os supostos revolucionários sem recursos praticam a “expropriação” de bens privados ou públicos para atingir seus alvos ou, num desvio previsível, para enriquecer pessoalmente. Na outra ponta, plutocratas podem se dar ao luxo de não engordar seus cofres pessoais com recursos do Estado. No plano empírico, no entanto, os dois tipos não se realizam em toda pureza. Revolucionários podem não rapinar e numerosos ricos saqueiam o Estado. As fontes da corrupção não brotam apenas em certos níveis sociais. O exemplo weberiano serve ao caso brasileiro.
Ao analisar a demagogia, doença inevitável na sociedade democrática, Weber indica o acerto do senso comum que julga ter o demagogo vitorioso os mais frágeis escrúpulos “quanto aos meios de captação das massas”. O traço negativo cabe, diz ele, “à democracia aproximadamente da mesma forma em que se aplica à monarquia a fala de certo general a um monarca autocrata: ‘Vossa Majestade logo estará rodeada por meros canalhas’” (Parlamentarização e Democratização). Fulmina Weber: “Democratização e demagogia seguem unidas”. Com o demagogo, cuja técnica no controle das massas é o plebiscito, enfraquecem todos os Parlamentos. O cesarismo considera os milhões de votos concedidos ao condottiere uma legitimação plena, dispensando organismos representativos na confecção das leis.
O Brasil não possui demagogos para arregimentar massas e impor um regime plebiscitário. Mas o nosso Parlamento não busca dirigir o País, só o parasita via Executivo. A farta legislação em causa própria prova que no Brasil os representantes, ricos ou antigos revolucionários, vivem da política de forma obscena. Análise importante é feita por Modesto Carvalhosa na revista MPD Dialógico (ano 13, n.º 47, 2016), sobre a apropriação do bem público. Quanto à canalhocracia, basta seguir, na Câmara dos Deputados, o Conselho de Ética (?!).
Durante o processo contra Eduardo Cunha, os próprios membros acusaram uns aos outros de canalhice, molecagem, palhaçada, imbecilidade e outros mimos. Projetos de lei para amordaçar o Ministério Público e a Justiça prosperam na “casa do povo”. A roubalheira recebe honras de lei. Que tal aprender com a Mani Pulite e vigiar o Congresso, impedir que legisladores ordenem medidas para manter a impunidade? E que tal acabar com a prerrogativa de foro, excrescência defendida pelos que, nos partidos, adiantam falas demagógicas? Tinha razão o general citado por Weber: quem apoia demagogos logo será governado por meros canalhas.
fonte: O Estado de São Paulo (19/06/16)

A vida não é filme – nem a política (Carlos Melo)

House of Cards é uma série televisiva conhecida por todos que ainda se interessam por política, curiosos de seus bastidores e de seu mundo obscuro. Frank Underwood, interpretado por Kevin Space, é o deputado que faz o diabo para chegar ao topo do poder e da carreira que projeta para si, a presidência dos Estados Unidos. Na última temporada exibida, Underwood se envolve em tantas maçadas que parece próximo do fim. Mas é possível que ache por onde se safar. Conseguirá ou não, a 5ª temporada, em 2017, é que dirá.
Diante da realidade brasileira, a série da Netflix parece, no entanto, um modelo simplificado. A cena nacional tem mostrado casos mais escabrosos e complexos em quantidade de atores, interesses, conchavos e conflitos. Quem acompanha o noticiário já leu, viu e ouviu de tudo; coisa de fazer vaca tossir. A inventividade do cinema é incapaz de superar a criatividade do cotidiano nacional. No caso do Brasil, é a arte que tenta imitar a vida, não o contrário.
A realidade destes tempos é menos simples, mais crua e vertiginosa: no redemoinho de tantos escândalos, sabe-se de lambanças de toda ordem: compra de votos, propinas, orgias, paixões, delações, cassações, prisões, dois impeachments… Nada surpreende; não fosse tão absurdo, o thriller político nacional daria um Oscar.
Mas, na vida real, o maior problema do filme e dos escândalos é sua naturalização; a crença de que política é isso aí e nada pode ser feito. Embora comece a se desfazer, isto aconteceu no Brasil. E assim, pelo ímpeto, ousadia, poder que ostentou e até pelo porte e elegância de sua esposa – tal a Claire da série –, Eduardo Cunha foi o exemplo assimilado e aclamado como o Frank Underwood brasileiro. Jornais reproduziram isto e a comparação se tornou um clichê.
O genérico nacional encarnou o que se imaginou ser a política real: o sucesso conquistado por meio de regras tácitas do submundo da própria política; o poder bruto e temerário, sem limites; o domínio de instrumentos de poder: cargos, verbas, emendas; capacidade de pressão e chantagem. Durante certo período, Eduardo Cunha expressou o anti-herói útil que, justiceiro acima da Justiça, enquadraria a soberba da presidente, a arrogância de seus ministros e a glutonaria da nomenclatura petista.
Foi elevado à condição de príncipe, como se a soma de seus defeitos se transformasse em virtudes. Presidente da Câmara, foi compreendido, assim, como um PhD da política, mestre de suas manhas e macetes; condutor que comandaria as bases governistas ao rompimento com o próprio governo e, por fim, ao impedimento da desastrada presidente da República, em nome de um novo governo capaz de dar um reloading no sistema. Uma Bolívar, ao seu modo: libertador do fisiologismo e do ressentimento nacionais.
Recuperem imagens recentes e se verá um séquito, que hoje o renega; chefes e chefetes da ex-oposição a acompanhá-lo como quem se destina ao futuro, num ajuste de contas. E não somente em votações que implodiram Joaquim Levy, o governo do PT e a coerência dos tucanos, mas também pelos corredores, salas e escaninhos da Câmara, nas confabulações da residência oficial, onde se tramavam agendas de “fim do mundo” e a defesa do status quo. O mudar tudo para não mudar nada; mal necessário – talvez, nem tão mal, necessariamente.
Mesmo o PT, os embates que com ele travou parecem ser menos por reprovação aos princípios do que pela disputa de nacos de poder, cargos e verbas – além de restrições à sua estética baixo clero, evangélica e conservadora. Durante um tempo, até conviveram bem, confraternizando de eleição em eleição. Impossível que não soubessem dos negócios do aliado; não percebessem métodos que o levariam, impassivelmente, à presidência da Câmara. Líder do PMDB, no primeiro mandato de Dilma, Cunha foi dos mais relevantes operadores da base governista. Não era um corpo estranho.
Oriundo do Collorato, sabia-se de sua natureza: ainda no governo Lula, relatou o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) da prorrogação da CPMF; exibiu credenciais que, com o tempo, tornariam nítido o estilo. Para encaminhar o processo de interesse do governo, exigiu compensações: nomeações de aliados; criou empecilhos que a CPMF, por fim aprovada na Câmara, não teve tempo de tramitar e ser validada pelo Senado. A perda do governo rondou os RS 40 bi, à época. Na queda de braço, percebeu-se ali alguém muito maior que um anão.

Cunha jogava – e, sem ilusões, ainda joga – duro, com tudo o que dispõe e sabe. É exímio negociador de Leis e Medidas Provisórias; retira dali, insere daqui o que é do interesse seu, de suas bases, de seus amigos – espécie de clientes. Fez assim o patrimônio – o político, pelo menos. Sob as barbas e bigodes de seus ministros e conselheiros, o governo do PT deixou que crescesse, se transformasse em líder e peça-chave do estratégico, perigoso e inconstante PMDB. Por soberba, indolência e imprudência, não lhe deram importância. Pagaram o preço.
Mas por que, afinal, Eduardo Cunha contou com a condescendência do próprio PT e de seu governo; com a admiração de tucanos e a adesão do que tem sido chamado “Novo Centrão” – que, aliás, ele mesmo constituiu? Apenas interesses circunstanciais não são capazes de explicar o edifício; algo mais estrutural escorou a construção precária.
A argamassa que sedimenta esse tipo de relação é antiga, perpassa a maioria dos partidos: a ideia de que política é mesmo o reino da opacidade moral e dos negócios escusos. E se o meio é a mensagem, a modernidade que permitem acessar e assistir à saga dos Underwood devem ter feito crer que, mais ainda, a política moderna fosse a elevação da rapinagem, da trapaça e em detrimento da utopia do bem estar coletivo.
No Poder Executivo, preferiu-se enxergar o Parlamento como um incômodo, em que o debate é improdutivo. Estabeleceu-se a superioridade do primeiro, que manda, sobre o segundo que, por interesse, obedece. Percepção autoritária que calcula ser mais barato contemplar interesses do que se enredar em custosas discussões de mérito. Por que lutar por detalhes de projetos, concepções cívicas, metafísicas e filosóficas se a liberação de emendas e o preenchimento de meia dúzia de cargos resolvem a maioria das divergências?
O Parlamento, por sua vez, se aviltou à condição de mercadoria barata; abriu mão de prerrogativas essencialmente políticas em nome do pragmatismo eleitoral: contentar as bases com obras, cercar eleitores com cargos, cabos eleitorais e recursos é mais negócio. Num evidente pacto de mediocridade, muitos se locupletaram.
Sob a direção de Eduardo Cunha, ocorreu a sublevação do sistema, não com a lógica da relação, mas com o quantum do acordo: o tanto de cargos e recursos já não era suficiente. Ademais, quem comprometeria capital eleitoral com a agenda impopular de um governo que saíra menor da eleição vencida apenas por um triz? Após três mandatos de liberações a rodo e incontinência de apetites, veio o colapso. A presidente e o PT que se virassem com a escassez de recursos do desastre econômico que causaram. A voracidade levou ao motim e, assim, ao rompimento do pacto.
Eduardo Cunha foi protagonista desse processo, ao seu modo: sem comedimento, sem conciliação. Foi levado ao centro do palco para isto: emparedar a presidente, que reagiu como as feras reagem: cheia de fúria, confiando na força que não tinha, na sagacidade que nunca possuiu; nas tolices de conselheiros desastrados. Sentado sobre o paiol de pólvora, Cunha ameaçou explodi-lo e de fato o explodiu. Ele não é de blefes; que ninguém se engane.
A vida é não é filme. Tampouco, uma história que sempre acabe bem; menos ainda a política é assim. Contudo, é preciso encontrar motivos para que nem sempre acabem, a vida e a política, mal; para que o clientelismo, o patrimonialismo e a rapacidade não sejam atávicos e prevalecentes. Aperfeiçoamentos institucionais e avanços sociais, às vezes, são possíveis. Os castelos de cartas – House of Cards – desmoronam pela mudança e persistência dos ventos.
(*) Carlos Melo é cientista político e professor do Insper.
Fonte: O Estado de São Paulo/Aliás (19/06/16)

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Os guizos falsos da alegria (Bolívar Lamounier)

Toda sociedade é continuamente corroída por conflitos individuais e coletivos. É por isso que o Estado, tendo como uma de suas missões fundamentais a manutenção da ordem, não se pode apoiar exclusivamente na força. Entre a estrutura social e o poder público sempre há uma “ponte”, quero dizer, um conjunto de ideias e símbolos mediante o qual a sociedade se vê e diz como quer ser num futuro não muito distante.
O conjunto de ideias a que acima me referi é o que os discípulos de Max Weber designam como “princípios de legitimidade” e os marxistas, como “ideologia”. A expressão “projeto nacional”, muito difundida no Brasil, sugere algo intelectualmente “trabalhado”, subestimando a contribuição anônima do povo para a formação de tais ideias – daí me agradar mais a expressão “filosofia pública”, cunhada pelo jornalista americano Walter Lippmann.
Neste momento em que o Brasil começa a se livrar de uma tralha ideológica acumulada ao longo de três décadas, penso ser útil pôr em relevo algumas etapas e aspectos de nossa “filosofia pública”, remontando aos anos 40.
Valendo-se de contribuições de vários escritores e artistas (que não necessariamente a apoiavam, ça va sans dire), a ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945) estimulou a difusão de uma imagem idílica de um país pacífico, que não fazia a menor questão de ser governado democraticamente. O que assegurava nosso aconchego tropical não era a igualdade de oportunidades, conceito próprio do liberalismo vigente nos países capitalistas avançados, sempre sujeitos a conflitos “artificiais”, mas a própria estrutura de oportunidades, notadamente nosso enorme estoque de terras, ou seja, o fato de que entre nós, “em se plantando, tudo dá”.
“Corrigindo” a figura do “homem cordial” proposta por Sérgio Buarque de Holanda, o poeta Cassiano Ricardo, diretor da Folha da Manhã, órgão oficial do regime estado-novista, escreveu que não se tratava propriamente de cordialidade, mas de “uma bondade por temor de Deus, por ausência de atritos econômicos, por mestiçamento conciliador de arestas psicológicas e raciais, por índole herdada do português, pela soma de tendências contrárias mas coincidentes na direção de certos objetivos, por euforia espacial, por sentimento de hospitalidade provindo do aborígine, por nenhuma filosofia sobre o destino”.
Nos anos 50, uma nova “filosofia pública” se delineia. Com a industrialização e a urbanização, nossa sociedade tornava-se conflituosa; as “arestas” começavam a machucar, mas não havia motivo para desesperança. Bem ao contrário, as dificuldades aumentavam porque havíamos de fato embarcado no milagroso trem do desenvolvimento econômico. Luís Costa Pinto, um dos principais sociólogos da época, escreveu: “O desenvolvimento cria problemas que só mais desenvolvimento pode resolver”. E não há que esquecer: vivíamos a democracia sorridente de Juscelino Kubitschek e de um sentimento nacional que se adensava graças à quantidade de talento que despontava na música, nas artes, no futebol...
Interrompida pela crise de 1961-1964, a democracia sorridente desembocou no golpe de 1964. Em seus estágios iniciais, o regime militar tratou de se legitimar invocando o combate “ao comunismo e à corrupção”, mas já a partir de 1967 a “filosofia” voltou a ser desenvolvimentista. A legitimidade do poder e a integração da sociedade passaram a depender estreitamente do crescimento econômico e de um nacionalismo vagamente redefinido como aspiração ao status de potência (o “Brasil Grande”). Como filosofia pública, era pouco, até porque o poder militar passou a ser questionado por violações dos direitos humanos e, de um modo geral, por seu caráter autoritário.
Uma terceira etapa se configura nos anos 80. A partir desse ponto, que ganhou corpo na Constituinte de 1987-1988, a nota dominante passou a ser redistributiva. Urgia reduzir a pobreza e as desigualdades. A nova imagem era a de uma sociedade profundamente desigual e, por isso, tensa e crescentemente violenta. Era, pois, imperativo promover uma enérgica ampliação de direitos, adequadamente lastreados em garantias constitucionais e judiciais.
O problema foi, por um lado, que as demandas sociais subjacentes na sociedade haviam se intensificado enormemente e passado a contar com uma elite política, cultural, clerical, etc. capaz de as vocalizar com veemência; e, por outro, que, ao mesmo tempo, o precedente modelo de crescimento econômico, iniciado nos anos 50, entrara em colapso. Desde a virada dos anos 80 para os anos 90, o País vivia a crise da dívida externa e um quadro interno de estagflação e crescente desemprego.
Na primeira metade dos anos 90, o Plano Real estabilizou a economia, interrompendo a descomunal perversidade das inflações altas que se embutira no modelo de crescimento econômico desde o início dos anos 60. Abria-se, assim, a possibilidade do efetivo abandono de tal modelo, mantendo a ênfase redistributiva insculpida na Constituição de 1988, sem dúvida, mas em bases modernas e sustentáveis, devidamente ancorada em reformas estruturais.
Desgraçadamente, o que os treze anos e meio de Lula e Dilma Rousseff nos brindaram foi justamente com o oposto. A busca irrealista do crescimento acelerado resultou numa recessão sem precedentes. A redução da pobreza (mais de 50% da sociedade se alçara à classe média, lembram-se) hoje colide com o trágico quadro de 11 milhões de desempregados. A Petrobrás de joelhos e uma onda de corrupção quiçá sem paralelo no planeta vieram de lambuja. Como o morango da torta.
(*) Bolívar Lamounier é cientista político, sócio-diretor do Augurium Consultoria, membro da Academia Paulista de Letras, é autor do livro 'Tribunos, Profetas e Sacerdotes: Intelectuais e Ideologias no Século 20' (Companhia das Letras)
Fonte: O Estado de São Paulo (18/06/16)

As duas esquerdas (Luiz Sérgio Henriques)

Há cerca de dez anos, o mexicano Jorge Castañeda, ator e analista da política latino-americana deste nosso tempo conturbado, propôs um esquema simples, mas relativamente eficaz, para entender as esquerdas no poder, especialmente a partir da ascensão de Hugo Chávez na Venezuela por meio do voto. As esquerdas, dizia Castañeda, tinham no subcontinente uma natureza dupla, segundo admitissem, ou não, as novas condições derivadas do fim do comunismo real e da obsolescência dos padrões da guerra fria.
Brasil, Uruguai ou Chile, por exemplo, teriam enveredado por um caminho próximo das social-democracias europeias, adotando políticas pluriclassistas e respeitando os requerimentos do regime representativo. Coerentemente, em relação à economia, a questão se resumiria a regular de outro modo os mercados, para além da experiência liberal dos anos 90, mas sem violar seus princípios básicos nem descuidar dos equilíbrios macroeconômicos. Um moderado reformismo social estaria em curso nesses países, atacando primeiramente a pobreza extrema e, de forma indireta, a desigualdade.
A Venezuela e os demais países ditos bolivarianos eram exemplos de esquerda radical, inspirada muitas vezes no ambiente hiperideológico dos anos 70 vertido para o novo contexto de interdependência e de redes globais. Com ou sem razão, tratava-se, aqui, de refundar a nação e implantar democracias de alta intensidade: formas diretas de participação e líderes carismáticos eleitoralmente “invencíveis” iriam mais uma vez se associar para lançar as bases do “socialismo do século 21”.
Tal intento se pretendia diverso do socialismo do século 20, ainda que desde o primeiro momento não fosse muito difícil de ver em operação as categorias do velho repertório, com a adição inquietante de “coisas nossas”, como o caudilhismo e o militarismo, desta vez em roupagem progressista.
Os processos ora em curso na Venezuela e em nosso país, estruturalmente tão diferentes entre si, complicam a dicotomia de Castañeda. A Venezuela, sob Chávez e, agora, Nicolás Maduro, não deixou em momento algum de ser totalmente dependente da renda do petróleo – o excremento do diabo, na expressão famosa. E o Brasil, ainda que assediado pelo fantasma da reprimarização da economia, inclusive nos anos triunfantes do lulismo, continuou a ter uma economia diversificada e a ser uma sociedade complexa, em que amplos setores de classe média, pelo menos em tese, são refratários aos apelos anacrônicos do populismo.
Realidades contrapostas, portanto, mas, como sabemos, razões e motivos “ideológicos” não decorrem automaticamente de “bases materiais”. Eles se cruzam e contaminam, determinam a percepção dos problemas de um modo ou de outro, podendo inclusive agravá-los ou dramatizá-los substancialmente. Houve quem, à esquerda, despreocupando-se com a exigência de análises diferenciadas, propagasse a ideia de um bloco latino-americano maciçamente contra “o capital” e o neoliberalismo. Governos nacional-populares na região seriam a nova vanguarda anticapitalista e anti-imperialista, retirando o protagonismo da moderada esquerda europeia de feição social-democrata. E, à direita, a desolação intelectual não poderia ser maior, com tentativas de ressurreição do vetusto armamentário anticomunista.
Nada a fazer no plano argumentativo se as coisas fossem deixadas assim. O espaço da política se reduziria a bem pouca coisa se, diante destas crises estruturalmente desiguais, mas temporalmente “gêmeas” – o total desastre venezuelano e a aguda crise institucional brasileira –, não tentássemos acionar os mecanismos de uma autorreflexão dura e impiedosa. Inútil dizer de Maduro, como disse Pepe Mujica, ex-presidente uruguaio, que es loco como una cabra. Um mero insulto pessoal, um tanto folclórico, que não vai à raiz do problema nem revela, infelizmente, um dirigente capaz de contribuir para a superação pacífica do desastre à vista de todos naquele país.
Da nossa parte, impossível aceitar sem renovado sinal de alarme a derivação “bolivariana” de manifestações petistas que denunciam o suposto “golpe parlamentar” e reiteram obsessivamente a contraposição frontal entre amigos e inimigos (a “direita”), como se a democracia política não exigisse, para sua vigência, um amplo terreno comum entre os contendores, no qual se viabiliza o próprio discurso público e a situação de recíproco assédio, de luta e proximidade, que marca a atuação de forças políticas amadurecidas, ainda que representem interesses e visões conflitantes.
Não há partido na democracia “burguesa” que possa entender a reforma do Estado como controle ideológico dos diferentes órgãos daquilo que alguns chamam sistema de integridade – a Polícia, o Ministério Público, o Judiciário. E muito menos possa propor um ataque frontal à “mídia monopolista”, sem antes esclarecer cabalmente que qualquer ideia de regulação constitucional dos meios deve refugar, sem ambiguidade, a tal “hegemonia comunicacional” de feitio chavista – que, de resto, tem pouco de hegemonia e muito de dominação simples e bruta, funcional ao monopólio da fala pelo caudilho em exercício.
Quase 30 anos depois da Carta de 1988, a esquerda brasileira ainda não tirou de sua história os recursos para construir uma forte social-democracia, cujo compromisso essencial seja, além dos objetivos de reforma, a defesa da legalidade democrática e suas instituições, que dão vida e densidade a tais objetivos. Não consegue estabelecer parâmetros altos para a ação de um reformismo latino-americano mais unitário, generoso e integrador. A vertente democrática fraca termina por abrir o flanco para a vertente autoritária e personalista. Condena-se, assim, a recomeçar em condições piores – e sempre depois de tempestades que, como na Venezuela, caudilhos meticulosamente semeiam e, agora, colhem.
(*) Luiz Sérgio Henriques é tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das Obras de Gramsci no Brasil
Fonte: O Estado de São Paulo (19/06/16)

sábado, 18 de junho de 2016

A fragmentação (César Felício)

Há duas apostas na praça em relação ao significado das eleições municipais deste ano. Ambas convergem para o túnel do tempo, de volta aos anos 80. A vedação ao financiamento eleitoral por empresas de um lado, e os ecos da Lava-Jato, pelo outro, são duas estradas que levariam, cada uma à sua maneira, para um mesmo resultado: a decomposição absoluta dos cenários eleitorais, a fragmentação total, em que dezenas de partidos vencedores significarão que não haverá nenhum partido com perspectiva séria de poder, em que a competição entre diversos candidatos eliminará qualquer polarização. O eleitorado irá em busca de um "outsider" que não existe, uma alternativa ao sistema político que só vive nos delírios das redes sociais.
Nas eleições do fim dos anos 80, um traço distintivo era a rejeição ao governo Sarney. Como a Nova República representava de certo modo uma ruptura em relação ao regime anterior, os mandatários do passado, reunidos no PDS, não conseguiam sustentar uma oposição estável e nem estavam adaptados a isso. A disputa municipal tornou-se nacionalizada.
O cientista político Antonio Lavareda, muito presente em campanhas eleitorais, acredita que tal situação se repetirá este ano: 2016 irá remeter a 1988. Um mês depois que Ulysses Guimarães ergueu a nova Constituição no momento de sua promulgação, como se fosse um artilheiro levantando a Copa do Mundo, o PMDB elegeu quatro prefeitos em capitais: Salvador, Fortaleza, Teresina e Goiânia. Era o prenúncio do que aconteceria com o partido na eleição presidencial do ano seguinte. Para Lavareda, o PMDB foi punido pelo eleitorado pelo desempenho do governo federal. Hoje, o impeachment, a crise econômica e a responsabilização pelos escândalos da Lava-Jato fariam com que a fatura seja paga pelo PT e, em menor medida, pelo PMDB, com a diferença que não haveria um beneficiário claro. Não há nada equivalente ao que o PT era há 28 anos, quando Luiza Erundina em São Paulo e Olívio Dutra em Porto Alegre simbolizaram a revolta contra um sistema político fechado em si mesmo.
A outra aposta sobre as eleições deste ano diz respeito ao dinheiro para as eleições. Ele dificilmente existirá, da forma como a nova lei eleitoral tenta induzir, segundo políticos de amplo espectro, de Ricardo Young (Rede) a Andrea Matarazzo (PSD), de Fernando Henrique Cardoso a Delcídio do Amaral. Não é da cultura política brasileira, e nem os partidos estão aparelhados para ter pessoas físicas fazendo colaborações eleitorais. Nada contribui nesta direção no momento em que viceja um sentimento antipartidário poderoso.
Os muito pretensiosos pensam em um orçamento de R$ 15 milhões para uma campanha de prefeito. Os mais realistas e modestos, como o vereador paulistano Ricardo Young, falam em R$ 2 milhões. Isto mudaria a lógica da campanha: programas eleitorais de rádio e televisão novos a cada dia pertencerão ao passado. O mesmo comercial, sem mudanças, bombardeará o eleitor durante toda a campanha. A menos...
A menos que se encontre fórmula parecida a que foi encontrada no meio político nos anos 80, em que burlar a norma era uma das primeiras tarefas dos estrategistas de campanha. As primeiras eleições da redemocratização foram disputadas tendo como base dispositivos da lei orgânica dos partidos políticos ainda do tempo do regime militar.
Foi a legislação mais restritiva da história do país, a última volta de um torniquete que era apertado desde a década de 40, marco inicial do chamado "custo político" dentro do orçamento das empresas, de acordo com Sérgio Machado, réu confesso e conhecedor do cabaré dos contratos públicos.
Em 1945 foi proibido receber doações vindas do exterior. Em 1950 foram proibidos recursos de sociedades de economia mista e de concessionárias do poder público. Em 1965, quando da criação da Arena e do MDB, doações de empresas foram proscritas. Em 1971 a vedação foi reforçada, com a interdição de doações de entidades patronais e de sindicatos. Era um sistema que só funcionou enquanto a ditadura interditava eleições para diversos cargos majoritários.
A proibição era tão desmoralizada que, ao ser questionado sobre o tema em depoimento na CPI, em 1992, o tesoureiro de campanha de Collor, PC Farias, sentenciou: "estamos todos sendo hipócritas aqui". O caso Collor e a Pasta Rosa, o esquema de financiamento ilegal operado pelo extinto Banco Econômico em benefício do PFL em 1990, liquidaram com a fantasia.
Se a demanda por esquemas escusos de financiamentos de campanha aumenta, o Ministério Público está muito mais aparelhado hoje do que há 30 anos para detectar irregularidades praticamente em tempo real. É o palco armado para uma eleição intensamente judicializada.
Fonte: Valor Econômico (17/06/16)

terça-feira, 14 de junho de 2016

Caiu a ficha: Lava-Jato não vai parar (Marcos Nobre)

Era mais ou menos consensual nas análises políticas que, ao assumir, o governo interino teria uma trégua de algo como três meses para dizer a que veio. Não foi o que aconteceu. Antes de qualquer outra coisa, porque o primeiro movimento da Lava-Jato foi de voltar suas baterias contra o novo governo. Sérgio Machado vazou seus grampos de José Sarney e companhia para conseguir homologar sua delação. Mas não faria isso sem algum tipo de combinação com a turma da Lava-Jato. Ainda que muita coisa já esteja sob jurisdição do STF, os vazamentos de material tóxico continuam bem controlados e focados: miram qualquer tentativa de estabilização do sistema político que pretenda colocar areia na engrenagem da Operação.
Mesmo que sem a amplitude das manifestações contra o impeachment, o movimento de resistência ao afastamento de Dilma Rousseff não apenas se manteve como se mostrou aguerrido e eficaz. Mais que isso, mostrou que conseguia fazer muito com pouco. Dez pessoas e sete pequenos cartazes no tapete vermelho do Festival de Cinema de Cannes conseguiram resumir centenas de esforços dispersos e deixar o governo interino a descoberto mundo afora. Com isso, conseguiram também fazer um contraponto relevante ao amplo apoio ao novo governo na grande mídia. E amplificaram a série de hesitações, tropeços, recuos e movimentos contraditórios realizados por Michel Temer em seu primeiro mês como interino.
Também o caráter de interinidade acabou pesando mais do que se esperava. Daí que, em um momento de dificuldade e de fragilidade, a interinidade tenha sido reforçada pelo próprio Michel Temer como estratégia de defesa para baixar a bola das expectativas que ele mesmo tinha jogado nas alturas para alcançar o afastamento de Dilma Rousseff. Isso porque não se esperava nem resistência significativa na rua nem risco para valer no Senado.
Por uma questão de ordem lógica do processo de impeachment e mesmo de proximidade do grupo ligado a Michel Temer, a verdadeira base do governo interino é a Câmara dos Deputados. Nas negociações para a votação da admissibilidade, o grupo em torno de Temer dividiu o governo como se existisse apenas a Câmara. É claro que já era previsível que o Senado não iria aceitar uma balança assim desequilibrada. Era evidente que uma revisão da divisão de cargos e posições previamente acordada seria necessária. Como era previsível que a base na Câmara não iria aceitar a revisão do acordo sem reagir.
Justamente nesse momento crítico surgiram movimentações que trouxeram um curioso alívio ao governo interino. Quando os vazamentos miraram Renan Calheiros, José Sarney, Romero Jucá e Eduardo Cunha, a avaliação foi de que o foco tinha passado para o Congresso. Claro, não há crise no Congresso que não respingue no governo. Mas faz muita diferença não estar na mira direta da metralhadora. Tanto é que o surgimento de novas denúncias contra o ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves, não resultou, como no caso de Romero Jucá, no seu afastamento do governo.
Além de colocar a cúpula do PMDB e do Senado na defensiva, a Lava-Jato resolveu que era o momento do ataque final contra Eduardo Cunha. Como não tem jurisdição sobre o deputado suspenso de seu mandato, a força-tarefa mirou sua mulher, Cláudia Cruz. A coletiva de imprensa foi realizada como se fosse uma reunião do Conselho de Ética que decretasse que o deputado suspenso atentou contra o decoro. Sintomaticamente, pela primeira vez desde que surgiu na Lava-Jato, surgiram na imprensa informações de que Cunha teria feito ameaças em torno de uma delação explosiva. Tirar essa carta da manga significa basicamente que já deu a guerra por perdida. E é assim também que uma ampla base que ainda o sustenta na Câmara entendeu que não há como mantê-lo no jogo. Livrar-se de Cunha e encontrar um novo equilíbrio na Câmara é essencial para que o novo governo consiga funcionar.
Acontece que o alívio não veio porque a crise atravessou a Praça dos Três Poderes rumo ao Congresso Nacional. Nem porque arrefeceu na rua o movimento de oposição ao governo interino. O desafogo veio de uma surpreendente novidade que tomou conta do sistema político: a decantação da certeza de que não há como parar a Lava-Jato. Pode parecer simples aceitação de uma obviedade, mas está longe disso. Uma das mais importantes motivações da política oficial para aderir ao impeachment foi justamente parar a Lava-Jato. A divulgação das gravações de Sérgio Machado teve um efeito definitivo e demolidor em relação a qualquer expectativa de autodefesa do sistema político. O fato de a política oficial aceitar como fato consumado que a Lava-Jato não pode ser obstruída liberou o governo interino de uma expectativa de proteção que não tinha como cumprir. Vai agora poder tomar as rédeas da situação e encontrar a estabilização possível nas circunstâncias.
É claro que está longe de ser confortável para o sistema político uma situação em que a mira da Lava-Jato pode abater integrantes no governo e no Congresso a qualquer momento. No momento atual, o governo ganhou uma trégua e de nenhuma maneira de um armistício. Mas não é pouca coisa o sistema político abrir mão de uma exigência que o governo interino simplesmente não tinha como transpor e, mais importante, que impedia sua ação. Mais do que isso, o Congresso já não olha mais para o governo em busca de auxílio a cada investida da Operação contra seus integrantes. Simplesmente porque agora sabe que não vai encontrar ali defesa possível. No que diz respeito à Lava-Jato, Executivo e Legislativo entraram no cada um por si. O que, paradoxalmente, permite que o governo funcione.
A partir de agora, o governo Temer vai avançar ou recuar de acordo com o ritmo da Lava-Jato. Em momentos de trégua como o atual, vai tentar aprovar as medidas que considera necessárias e para estabilizar a nova base congressual de que necessita. Em momentos de investida da Operação contra suas bases de sustentação, vai se encolher e suportar a pancadaria como puder, à espera do desafogo da próxima trégua.
(*) Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.
Fonte: Valor Econômico (13/06/16)

Moralismo popular versus política (José de Souza Martins)

O moralismo popular tem sido o fundamento da precária consciência política dos que, de um lado e outro das polarizações ideológicas, desde o mensalão e particularmente desde as manifestações de 2013, vão às ruas e pedem a cabeça de alguns acusados de corrupção ou pedem o reconhecimento de sua inocência. Mas o moralismo popular colide com a política, que é amoral. E é melhor que ela seja assim. Os que defendem os acusados e lhes reconhecem a inocência fazem-no na concepção imoral de que é lícito usar imprópria e indevidamente o dinheiro e o patrimônio públicos em favor de partidos que tem o presumível mandato de beneficiar os pobres e simples, e para eles governar. O que lhes daria o direito de recorrer à corrupção. Porém, na cultura popular brasileira, corrupção é coisa de ladrão, ladrão é ladrão e gente é gente.
O que marca este momento da história política brasileira não é a suposta falta de vergonha dos acusados, mas de fato a falta de política dos acusadores. Partidarizados, mas despolitizados, estamos em face de um enorme imbróglio que só se resolverá com política e não com moralismo nem se resolverá com os simplismos e deformações das ideologias. Chegou a hora dos profissionais das instituições e terminou a hora dos amadores das ruas. E seja o que Deus quiser.
Não é impossível que os que estão sob suspeita e mesmo acusação sofram a metamorfose de se converterem no contrário do que são, em nome do primado das instituições. Sem metamorfoses de consciência e de protagonismo, dificilmente superaremos os impasses com os quais nos defrontamos. Entre nós, as apurações da Polícia Federal e da Justiça nos falam menos de delinquentes propriamente ditos do que de pessoas com graves limitações de formação política, tanto na esquerda quanto na direita, que tem uma concepção pobre, deformada e inescrupulosa de seu protagonismo político.
As próprias instituições, cujas funções essas pessoas desempenham, num cenário modificado pela centralidade da ética e dos éticos que atuam nas investigações e nos julgamentos, já as estão, de vários modos, chamando a desempenhar o papel, ainda que temporário, de funcionários do bem. Mesmo que com o risco da má intenção de se aproveitarem da realidade política adversa para no futuro continuarem a colher frutos das irregularidades que são capazes de cometer. Algo como ceder os anéis para preservar todos os dedos.
A dimensão teatral esclarecedora está no protagonismo inesperado de uma deputada federal desconhecida, Tia Eron, chamada a colocar-se de um lado ou de outro da disputa política. Seu voto na Comissão de Ética desenhará os rumos políticos do País.
Dependendo do que decidir, o voto de Tia Eron definirá sua personalidade, nunca mais será a mesma pessoa, encarnará para sempre o acerto ou o erro, o bem ou o mal, a Pátria ou o fisiologismo político. Seu voto nos dirá se os fundamentos éticos da verdadeira política, inscritos nas instituições e no que nos resta de consciência cívica, capturaram sua personalidade ou foram capturados por aquilo que a ética popular repudia.
Só que a boa opção da deputada se tornará, fatalmente, a má opção da política. Sua opção ética dará ao processo político o rumo que anulará tudo que o moralismo popular tem pretendido e também o que a política carece, no limite com o impedimento da presidente da República que teria administrado mal a coisa pública, violando a Lei de Responsabilidade Fiscal. É que a trama que vitimou a presidente, vitimou também o País e se não for desatada o País é que pagará o preço do erro. Não é o caráter da presidente que está em julgamento, é o ato que a definiu pelo ilícito de que é acusada. Minúcia que o moralismo popular tem muita dificuldade para compreender.
Esse moralismo se baseia numa pauta estreita de referências para julgar pessoas e situações. Aprisionado entre o honesto e o desonesto, é essencialmente incompatível com a política. Para sair da crise pela via institucional, o País não pode varrer de vez os corruptos e a corrupção. Precisa do apoio dos que investidos em mandatos legais e legítimos podem ou não viabilizar a apuração de responsabilidades e decidir pelo afastamento do poder daqueles que cometerem ilícitos e envolveram-se em irregularidades.
Porém, tudo tem seu tempo e hora. Se todos os acusados de corrupção e irregularidades fossem de uma só vez afastados do poder e das funções políticas que ocupam atualmente, mesmo sendo minoria e minoria poderosa, o País provavelmente entraria em outra crise.
O populismo que domina nossa concepção de política não reconhece a desonestidade eventual dos pais dos pobres. A alternativa, por outro lado, fere a consciência dos íntegros e dos que se pautam por uma sólida moral: graduar o afastamento político de corruptos e suspeitos que ocupam posições sólidas na estrutura de poder para que, em face da circunstância, cumpram o dever de suas funções, removam os de remoção prioritária e viabilizem as mudanças e reformas de que o país carece com urgência.
(*) José de Souza Martins é sociólogo, membro da Academia Paulista de Letras, escreveu entre outros livros, A política do Brasil lúmpen e místico (Contexto)
Fonte: O Estado de S. Paulo (12/06/16)