domingo, 29 de julho de 2012

A corrupção ainda no primeiro plano (Marco Aurélio Nogueira)

Nem seria preciso a recente descoberta de um vasto esquema de fraudes, ilícitos e cobrança de propinas no coração da Prefeitura de São Paulo para que a corrupção voltasse ao primeiro plano. Correndo ao lado da CPI do Cachoeira, da cassação do senador Demóstenes Torres e do vaivém que cerca o início do julgamento dos acusados pelo mensalão de 2005, as novas suspeitas turbinaram o problema.

O caso paulistano é escabroso, para dizer o mínimo. Deixa patente que a corrupção tem mil tentáculos. Não é comandada por um centro articulador claramente localizado. Sua cabeça não está em Brasília, por exemplo. O fenômeno está disseminado, podendo se manifestar em qualquer canto do País, e talvez seja até mais grave quanto mais baixo se desce na estrutura político-administrativa do Estado, em que há menos fiscalização e controle. Também não é monopólio de nenhum grupo ou partido: todos estão sujeitos a ela e todos podem vir a praticá-la, ativa ou passivamente. Não reconhecer isso é limitação ideológica.

Se quisermos enfrentar a sério o problema, vale a pena dilatar o conceito, para nele incluir, além dos crimes financeiros, uma série de procedimentos e atos que produzem menos frisson, mas são igualmente graves. Ou não haveria corrupção, por exemplo, na atitude de um parlamentar que se ausenta do plenário, mas permite que seus assessores registrem sua presença e votem em seu nome? Não seria corrupto um servidor público que exige do usuário dos serviços uma lista enorme de documentos e exigências só para postergar o atendimento, ou justificar uma falha do sistema? Um policial que achaca e humilha um suspeito só pelo prazer de vê-lo acatar sua autoridade é tão corrupto quanto o cidadão que sonega o Imposto de Renda porque se convenceu de que o governo usa mal o dinheiro que arrecada.

A corrupção é uma falha ética. Anda junto com o poder (político, econômico ou ideológico), como se fosse uma espécie de efeito colateral: onde há poder e poderosos há sempre a probabilidade de abuso, e no abuso está a raiz da corrupção.

Nos tempos hipermodernos em que nos encontramos, a corrupção tornou-se um problema que desafia e surpreende. Redes, tecnologias de informação e comunicação, uso intensivo do espaço virtual, uma mentalidade que transforma tudo em mercadoria, oportunidade e negócio, um desejo socialmente incontido de consumir e ostentar, tudo isso atiça a corrupção. Faz com que ela tenda a ficar fora de controle, a ultrapassar fronteiras, a se sofisticar. O crime organizado, o narcotráfico, os atentados ambientais, a luta sôfrega por mercados, a facilidade com que se obtêm informações, são muitos os combustíveis.

Mas o que a impulsiona também ajuda a freá-la: os mesmos fluxos virtuais funcionam como vitrines de atos escabrosos, roubando legitimidade deles e de certo modo controlando-os. A democratização da vida social faz o poder tornar-se mais visível e menos onipotente. Além do mais, o Estado brasileiro não é indefeso, está institucionalizado e bem aparelhado, dispõe de atualizados sistemas de controle internos e externos à administração pública, que criam incentivos à accountability, ao controle da burocracia, à isenção e à transparência. O poder público é vigiado pela sociedade civil, pela mídia, pela opinião pública, tem seus serviços avaliados cotidianamente pelos cidadãos. A corrupção é condenada pela opinião pública, algumas punições ocorrem e há muitos esforços governamentais para debelá-la.

Mesmo assim, o problema persiste. O que sugere que ainda não conhecemos suficientemente os seus meandros e as suas determinações.

Ainda não avaliamos, por exemplo, a real força que o dinheiro tem na modelagem do Estado, no exercício do poder político, no funcionamento do sistema representativo, no processo eleitoral e no modo de fazer política. Talvez por acreditarmos que um regime democrático esteja vacinado contra desvios e defeitos, menosprezamos a análise das relações entre os negócios e a democracia. Abandonamos a discussão sobre a qualidade da democracia, tema que agora frequenta alguns núcleos acadêmicos, mas ainda não estacionou no centro da agenda pública.

Também não conhecemos a fundo o efeito que a falência dos partidos como sujeitos de programa, vontade e ação tem na maré montante da corrupção. Nossos partidos não são mais "escolas de quadros", espaços privilegiados de seleção de lideranças ou organizadores de consensos sociais. Passaram a potencializar os defeitos do sistema partidário, sua permissividade exagerada, sua flexibilidade e sua falta de critério institucional. Colaboram, com ou sem intenção, para rebaixar a qualidade da política e aproximá-la do submundo.

Esses dois fatores se combinam perversamente em nosso "presidencialismo de coalizão", minando o que se tem de avanço institucional em termos de controles sobre o Estado.

Por fim, precisamos acertar as contas com os fatores culturais da corrupção. Culpar a formação nacional ou a cultura política pelo que há de corrupção na sociedade é um mau caminho, em especial se não se levar em conta a dinâmica social e a construção do Estado. Não há uma maldição cultural oprimindo a sociedade, por mais que se tenha de reconhecer que nenhum povo é livre de moldes culturais e tradições, que aderem a seu corpo como uma segunda pele. Cultura política é uma construção social, que acompanha o desenvolvimento histórico. Não podemos ignorá-la, mas será um erro se a empregarmos para naturalizar a corrupção.

Se juntarmos as pontas desse novelo, compreenderemos que a corrupção não é uma força da natureza, mas uma coisa dos homens. Em suma, algo que pode ser enfrentado e combatido, ainda que não possa ser peremptoriamente eliminado.

Marco Aurélio Nogueira, professor titular de Teoria Política e diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO (28/07/12)

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Mensalão: o julgamento da história (Lincoln Secco)

Hoje, o discurso principal do PT é o social, não mais o ético ou o marxista; 75% dos filiações são recentes. Por isso, o partido não seria afetado pela condenação

Historicamente, o PT acumulou três camadas de discurso: ideológica, ética e social.

Embora fossem inseparáveis, elas tinham temporalidades diversas e provinham, respectivamente:

- dos aportes marxistas que o PT recebeu na sua fundação;

- de uma militância que transitava para a ordem, mas ainda se via fora dela;

- e da experiência das comunidades eclesiais de base.

Já em 2002, o PT acreditou que era preciso ocultar o discurso socialista para eleger Lula.

Foi em 2005, porém, que o partido viveu a maior crise de sua história. Naquele ano, o escândalo do mensalão derrubou o discurso sobre a "ética na política" e abateu o seu núcleo dirigente.

A crise foi uma ruptura na sua história. Pela primeira vez na história, o PT assumia o papel de vilão no teatro das Comissões Parlamentares de Inquérito.

Com a exceção de vozes isoladas no partido, como José Dirceu, que se recusou a renunciar ao mandato de deputado para evitar a sua cassação, a maioria das figuras públicas petistas se escondeu para salvar a própria pele.

E quando todos vaticinavam o fim de Lula e do PT, eis que eles se erguem dos escombros com aquilo que tinha sobrado do patrimônio histórico petista.

Era o discurso social, que assumia o primeiro plano.

Isso fez a oposição acreditar que o povo aceitava a corrupção em troca de recursos do Estado. Não percebia que, apesar de tudo, as classes desamparadas apoiariam o PT, em nome dos programas governamentais que interessavam a elas.

Obviamente não foi assim que os dirigentes petistas pensaram. Uns saíram, outros simplesmente voltaram à rotina. Mas o PT mudou.

Aquela agremiação de forte marca social incorporou outra base. Mais de três quartos dos atuais filiados ingressaram durante os dois mandatos de Lula. Talvez atraídos pelas oportunidades de carreira que um partido de governo oferece, mas também pela identificação de classe.

Não é que os novos filiados sejam necessariamente avessos aos conteúdos socialistas, mas a forma discursiva que encantava a velha militância de classe média parece ser de outro tempo.

O julgamento do STF não mudará este PT. O respaldo que ele tem não depende do que se lê nos autos do processo. É que o julgamento político já foi feito. Se os réus vierem a ser condenados, nada de novo se acrescentará à imagem do partido. Se forem absolvidos, quem lhes devolverá os anos de ostracismo?

Lincoln Secco, 43, é professor de história contemporânea na USP e autor de "A História do PT" (Editoria Ateliê)

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Das espertezas de Neucimar

Espertinho. O prefeito Neucimar Fraga adora dar uma de espertinho.
Quando candidato, em debate promovido pelo Sindiupes com todos os candidatos, demagogicamente,   assinou um documento compromentendo-se com a gestão democrática e  manutenção das eleições diretas para a direção de escolas.
Eleito, esqueceu tudo o que assinou. Sob a alegação pueril de que diretores teriam sido apoiados pelo tráfico em determinados bairros (mas sem a coragem ou a grandeza para dizer quais os diretores e quais bairros) simplesmente acabou com as eleições. 
Hipocrisia, tem uma faculdade de Vila Velha que tem um bicheiro entre os seus mantenedores e cujo Diretor o apoiou na eleição mas mesmo assim nem recusou o apoio nem mandou fechar a faculdade.  
Hipocrisia, não vamos falar de políticos de Vila Velha, vamos dar um exemplo do Rio de Janeiro. Todos sabemos que lá vereadores são eleitos com apoio das "Milicias" e do tráfico. Ninguém ousaria mandar fechar a Câmara de Vereadores ou a Assembléia por causa disso. Álias, está aí o caso do Carlinhos Cachoeira e ninguém pensou em acabar com as eleições no Brasil por causa do apoio do contraventor a governadores e parlamentares de importantes estados.
 Eleito, descumpriu o assumido, acabou com as eleições e governou todo o mandato com diretores nomeados e usados como moeda de troca com os vereadores. Restabeleceu em Vila Velha o famoso QI ou QVI na escolha de diretores, ou seja, o quem indica ou que vereador indica. O resultado disso todos conhecemos: degradou a gestão escolar e colocou a ineficiência administrativa como marca da educação em nossa cidade. Apenas ajudou a reiterar o que todas as pesquisas já demonstraram: quanto maior interferência política na escola, piores o desempenho e o resultado. 
Agora, surpresa para quem leu A Gazeta dessa quarta, 25/07. O Subsecretário Pedagógico, comentando a pauta apresentada pelo sindicato, anuncia: "em relação às eleições para diretores das escolas ... que elas devem começar ainda este ano e até dezembro os novos diretores devem tomar posse".  Traduzindo: teve 3 anos e meio para fazer eleições e não o fez, no último mes de mandato diz que fará. Será que era isso que o que queria dizer com aquela propaganda dos 4 anos em 40 dias ou coisa assemelhada.
Haja óleo de peroba, no final do mandato vem com o discurso que realizará eleições até o fim do ano. Será que se deu conta ´que é eleitoralmente interessante retomar o discurso que negou durante todo esse tempo? Não vai pegar!
 Espertinho o cara. Se não é para faturar eleitoralmente com a base de professores, no fundo quer é deixar o sucessor com uma leva de diretores "eleitos" dentro dos seus critérios e espertezas. É mole!!!!!

terça-feira, 24 de julho de 2012

Jovens de amanhã (Roberto Garcia Simões)


Prossegue o massacre de jovens, mas o governo estadual não tem políticas públicas integradas da e para a juventude. O atraso no Estado é tal que já passou o auge da "onda jovem": de 2000 a 2010, o percentual da faixa etária de 15 a 24 anos, na população total, caiu de 20,5% para 18% – mas significa 600 mil pessoas.
Em janeiro deste ano, em reunião promovida pelo vice-governador Givaldo Vieira, decidiu-se, com a sociedade, que: a) o IJSN elaboraria, até maio passado, um perfil da juventude; b) um Grupo de Trabalho definiria ações e apreciaria a regulamentação do Conselho da Juventude. Estas decisões não foram cumpridas.

Contrastando com este descompromisso, o Espírito Santo reaparece no topo lastimável da taxa de homicídios de jovens em 2010 – próximo de Alagoas. Esta posição, contudo, não pode ser vista isoladamente. Ela ocorre simultaneamente em outras quatro taxas de homicídios: total, mulheres, negros e acidentes de carro. Ou seja, as violências no Espírito Santo estão entrelaçadas na sociedade.

Diante da magnitude que atingiu o contágio da mortífera associação armas e drogas, pois se propaga em famílias, bairros, escolas e no trânsito, e não se restringe aos jovens, é imperativa uma mobilização com amplitude no mínimo equivalente a que é dada às "epidemias".

Se não bastassem as ultrajantes mortes de jovens por homicídios – quase 10 mil no século XXI –, o massacre do amanhã no Espírito Santo também está presente na sobrevivente juventude vulnerável:

1. Presos. Do total, 54% (mais de 6 mil) têm de 18 a 29 anos, sendo 32% entre 18 e 24 anos, e 64% têm o ensino fundamental incompleto (Sejus, jan/2011);

2. Fora da escola. Mais de 36 mil de 15 a 17 anos. No ensino médio, a taxa de conclusão com 19 anos é de apenas 52,1% (IBGE, Censo 2010).

3. Trabalho. Dos ocupados de 16 a 24 anos, 51% ganhavam até um salário mínimo, e trabalhavam de 40 a 44 h/mês (Censo 2010). Resta tempo para estudo, lazer, participação?

4. Trabalho x estudo. De 16 a 29 anos, mais de 62% só trabalham e/ou procuravam trabalho. A taxa de desocupação era de 13% (Pnad 2009-Dieese).

5. Moradia. Um entre 10 moradores na Grande Vitória, incluindo 20% de 15 a 24 anos, sofrem com a posse precária da terra e com serviços públicos deficientes ou ausentes (Censo 2010).

Persiste a ausência de outras perspectivas para a juventude vulnerável. O massacre de no Espírito Santo – mortes e condições sociais – ceifa, hoje, o amanhã.

Roberto Garcia Simões
É professor da Ufes e especiaIista em políticas públicas
E-mail:  robertog@npd.ufes.br
Fonte: A Gazeta.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

A setenta dias da eleição (Renato Janine Ribeiro)

Faltam pouco mais de dois meses para as eleições municipais, em todo o País menos Brasília e Fernando de Noronha, e só mudará o quadro dos candidatos no caso, excepcional, de renúncia ou morte. Nas capitais dos Estados, o panorama não é positivo para o Partido dos Trabalhadores. A situação melhora se passarmos às cento e poucas cidades mais populosas, ou aos 5565 municípios brasileiros. Mas o que chama a atenção politicamente são as capitais. Em poucas delas o PT é competitivo. Renunciou a concorrer no Rio de Janeiro e em Curitiba. Está fraco em Porto Alegre. Só disputa a prefeitura de Belo Horizonte porque falhou a aliança com o PSB. No Recife e em Fortaleza, vai sem os aliados prováveis, PCdoB e o PSB. Ganhará em São Paulo apenas se seu representante saltar várias posições. Isso, para ficar nas maiores capitais.

Quem ganha, quem perde com isso?

Quem mais se arrisca com as candidaturas do PT é o ex-presidente Lula. Foram dele duas apostas de alto risco, ambas em São Paulo: a candidatura do desconhecido e não-favorito Fernando Haddad e a aliança com o velho inimigo Paulo Maluf. As duas decisões, monocráticas, impostas sem discussão, são bem diferentes entre si. Podemos divergir do nome de Haddad em nome da viabilidade política, mas não por questões morais. Na educação, mesmo pesquisadores anti-petistas respeitam e até elogiam o ex-ministro. Se os problemas do Enem fazem pairar sobre ele a suspeita de voluntarismo, não há o menor indício de que tenha sido desonesto. Já a lamentável aliança com Maluf desperta forte condenação moral. Não me impressiono quando a sentença é proferida pelos concorrentes do PT; os tucanos já se valeram de Maluf, inclusive num famoso outdoor com FHC, quando precisaram de seu tempo na televisão e de seus eleitores. Mas me preocupo com a opção nela mesma. Maluf e os petistas sempre estiveram em campos opostos da política paulista e paulistana. É verdade que ele hoje é uma sombra do que foi. Sequer pode sair do Brasil, único país em que está a salvo do mandado de prisão da Interpol. Sua importância está nos minutos de televisão. É pouco provável que seu nome, mesmo, traga votos. Ainda assim, as fotos dele com Lula e Haddad, para dizer o mínimo, constrangem.

Um cenário bom para Dilma, mas não para Lula

Lula, com suas opções paulistanas, está numa situação sem meio termo. Ou ganha, e muito, ou perde, e muito. Tudo depende da vitória ou derrota de Haddad. Se ele vencer as eleições - o que significa, em dez semanas, galgar dezenas de pontos na preferência dos votantes - Lula será o gênio eleitoral, intuitivo, do País. Terá conseguido, em dois pleitos sucessivos, levar à vitória um nome desconhecido, nunca testado em eleições e escolhido só por ele. A opção moral, mas imprudente, de lançar Haddad será saudada. A opção pouco moral, embora prudente, de unir-se a Maluf será esquecida.

Já se o candidato do PT perder o pleito paulistano, o prestígio de Lula sofrerá seu maior revés desde o sucesso presidencial. Lembro a carta que Francisco I, rei de França, escreveu à mãe em 1525, depois de aprisionado em Pávia pelos exércitos de Carlos V, imperador alemão e rei de Espanha: "Madame, tudo está perdido, menos a honra". (Por sinal, geralmente se omite que o rei acrescentou "e a vida", o que reduz a grandeza da frase). Pois é. Quando se vence, a honra passa a segundo plano. O grande exemplo foi a vitória de Collor na eleição de 1989, recorrendo na última hora a uma acusação sórdida a Lula. Venceu. Mesmo assim, sua imagem ficou maculada. A oposição jamais reconheceu a legitimidade de quem ganhara, mercê de expediente tão duvidoso. O "impeachment" de Collor, três anos depois, teve outra causa - o malogro do combate à inflação. Mas foi fortemente adjetivado pela aversão que parte significativa da sociedade brasileira sentia pela cena primitiva de seu acesso ao poder.

Uma aliança com um político hoje em desaceleração não tem o mesmo peso que o episódio de Collor em 1989. Mas resta que, se a aposta de Lula der errado, sua imagem - tão boa, depois de dois mandatos em lua de mel com o Brasil - pagará um preço.

E a presidenta Dilma Rousseff? Até o momento, ela conseguiu marcar uma distância, simpática aos olhos do eleitorado, perante os partidos políticos. Vários ministros seus foram acusados de práticas pouco éticas, no primeiro ano de mandato. Nada ou pouco foi provado que fosse criminoso. Mas ela afastou rapidamente os nomes queimados.

Poucos observam que, em função disso, pararam as acusações. Ao longo de 2011, cada vez que caía um ministro, outro era atacado. Este ano, a cena mudou. Os ataques se voltaram contra Lula e se associaram às eleições municipais. A presidenta se preserva e está preservada. Nos setenta dias que faltam para o primeiro turno, e nos três meses que nos separam do resultado final nos municípios em que houver segunda volta de votação, isso pode se modificar. Dilma pode arregaçar as mangas, pedir votos, ir para a arena política. Tem, como todo cidadão e como todo político, pleno direito de fazê-lo. Mas, por enquanto, estamos numa situação em que ela parece apta a colher os bônus das eleições sem pagar os ônus de suas preferências eleitorais. Terá, porém, que medir se as vantagens dessa posição, digamos, de magistrado, compensam algumas derrotas que serão possíveis, caso não desça à planície das urnas. Por ora, contudo, o que temos é uma possível depreciação do renome de Lula e uma valorização do nome Dilma Rousseff. Ele polariza de frente com o PSDB, ela joga discretamente em todas as frentes. O balanço depende, para ela, dos eleitores brasileiros; para Lula, dos paulistanos.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

domingo, 22 de julho de 2012

O que há de nacional na sucessão municipal (Luiz Werneck Vianna)

De toda parte surgem sinais que testemunham a existência de vida ativa na política brasileira em busca de mudanças e de novos repertórios. Os mais visíveis são os que apontam para o processo terminal de passagem, após longa e penosa maturação, da nossa vetusta tradição de principado para a República, exemplar na autonomia com que a sociedade e as suas instituições jurídico-políticas se vêm conduzindo diante do poder político no chamado processo do mensalão, que leva a julgamento altos dirigentes do partido hegemônico na coalizão governamental.

Em outro registro, mas igualmente importante, já se pode constatar, no processo em curso das eleições municipais, que a pluralidade efetiva reinante na sociedade vem encontrando seus caminhos ao largo do dirigismo com que a fórmula do presidencialismo de coalizão, com seu estilo centralizador e vertical, tem esterilizado a prática política no País.

Não à toa, tal pluralidade, como é da tradição brasileira, se afirma melhor quando é escorada em questões federativas, como se verifica nos Estados de Pernambuco e de Minas Gerais, onde o PSB, um antigo esteio das candidaturas presidenciais do PT, se apresenta na competição eleitoral, que ora se abre, com candidaturas forjadas à margem do vértice que articula o sistema do presidencialismo de coalizão - em Minas Gerais, em aliança inusitada com o PSDB, partido de oposição.

No caso, são relevantes tanto o fato de o governador Eduardo Campos (PSB-PE) como o senador Aécio Neves (PSDB-MG) serem políticos com luz própria, netos e herdeiros de robusto capital político - de Miguel Arraes, o primeiro, e de Tancredo Neves, o segundo -, quanto o de serem aspirantes declarados à Presidência da República; Aécio na próxima sucessão e Campos logo que puder.

Não importa a nomenclatura, essas duas eleições (em Minas e em Pernambuco), atrás da singela fachada de locais, são, a rigor, nacionais, como o será, por definição, a da Prefeitura da capital de São Paulo, além de apontarem para o fato sensível de que se está diante de uma troca de gerações na política brasileira. A política - durante tanto tempo um monopólio, em estado prático, do vértice da coalizão presidencial com o ex-presidente Lula como o seu principal articulador - dá mostra, afinal, de que se descentra, com a emergência de focos de formação de vontade com origem em outros lugares que não os palácios do Planalto.

Esse descentramento, na verdade, tem um dos seus pontos de partida na dualidade manifesta na própria natureza da investidura presidencial da presidente Dilma Rousseff, que apenas encarna a parte material do corpo do "rei", uma vez que sua representação simbólica, sobretudo para o seu partido, se encontra na pessoa do seu antecessor, posto em relação metafísica com os seus militantes e a sua imensa legião de simpatizantes. A sucessão presidencial, na forma como foi operada, criando a expectativa de que caberia à presidente o exercício de um mandato-tampão, sublinhou a noção de que entre governo e poder havia uma distância que ela não poderia, ou deveria, encurtar.

Os males de saúde que acometeram o ex-presidente puseram entre parênteses a promessa sebastianista do seu retorno triunfal em 2014, assim como já dificultam a sua comunicação com seu partido, seus quadros e simples militantes, desde sempre dependente do seu envolvimento pessoal, mais pelo exercício de seus reconhecidos dons carismáticos do que pela persuasão de um argumento logicamente articulado. O partido, uma confederação de tendências soldada por trabalhos de Hércules da sua principal liderança, à falta destes, ao menos sem a onipresença pertinaz a que estava habituado, ensaia movimentos de autonomia quanto a vigas mestras do lulismo, como o da CUT em sua adesão à reforma da legislação trabalhista, que ameaça de divisão a sólida base sindical dos dois mandatos de Lula.

Assim, se Dilma, por estilo pessoal e vocação, começou o seu mandato com o perfil de gestora do governo, apontada como uma estranha no ninho da política, viu-se movida à assunção de papéis políticos, quer na remontagem do seu governo, caso forte da indicação da engenheira Maria das Graças Foster para a estratégica Petrobrás, uma técnica de sua estrita confiança, quer na constituição do que já se pode designar como o núcleo duro do seu comando político, a esta altura formado por quadros de sua escolha pessoal, em geral distantes da rede paulista que antes caracterizava os mandatos de Lula.

É da ocasião, até mesmo pela crise econômica que ronda o País, com independência das motivações dos atores envolvidos, que se tente encaminhar a fusão na mesma representação dos dois corpos do "rei", a material e a simbólica, processo a que setores do partido e muitos movimentos sociais não deverão assistir com indiferença, já amargando a lenta passagem do tempo enquanto não chega a hora - talvez não chegue - de devolver o cetro a quem entendem ser o seu legítimo dono.

A ambiguidade resultante dessa configuração dual na cadeia de comando, como seria de esperar, tem estimulado, no Parlamento e fora dele, uma movimentação desalinhada, especialmente no PT, quanto a tópicos importantes da política do governo, tal como ocorre na iniciativa de parlamentares petistas a fim de extinguir a cláusula do fator previdenciário. Nas bases, em particular no sindicalismo dos servidores públicos e na militância dos movimentos sociais, registram-se sinais com a mesma direção - no Rio de Janeiro, desavindos com a direção do seu partido, militantes vão às ruas em apoio a um candidato de oposição à coalizão governamental.

Sob esses novos augúrios, a política desmente as cassandras e se refaz para quem tem olhos para ver.

Luiz Werneck Vianna, sociólogo, professor-pesquisador da PUC-Rio

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

sábado, 21 de julho de 2012

13 “A guerra às drogas fracassou” (Luiz Eduardo Soares/entrevista)

Entrevista a Rachel Duarte
Com quase 60 anos de idade e com sete livros sobre segurança pública, o antropólogo Luiz Eduardo Soares se deparou com a história que lhe traria lições pessoais não esperadas. Um amigo psicanalista o aproximou de Ronald Soares, agora conhecido como o ‘economista do tráfico’. De mesmo sobrenome e com quase a mesma idade que o escritor, Ronald cumpriu pena de 24 anos de reclusão por coordenar a logística e as finanças de umas das principais redes de tráfico na rota Colômbia-Caribe-Inglaterra. Foi o maior julgamento da história da justiça inglesa e anos de inteligência policial para combater o que é impossível de combater. “Até pegar esta rede do Ronald, outras redes já se constituíram. E, quando desmontam esta, abre espaço para mais outras. É impossível controlar”, diz Luiz Eduardo Soares em entrevista ao Sul21.
O autor de Elite da Tropa, que deu origem ao filme Tropa de Elite, conversou por mais de uma hora com o Sul21 em hotel de Porto Alegre nesta semana, quando lançou o livro Tudo ou Nada, que conta a história de Ronald Soares. Rico em detalhes e curiosidades sobre o esquema do tráfico internacional, inéditas até para especialistas, o livro propõe uma viagem em busca da trajetória de vida de um homem bem sucedido que larga tudo,  mergulha no vício e se rende à ambição. “Este ambiente está bem próximo de nós. Não é um universo que deriva de pessoas com doenças psicológicas. Temos um ambiente que propicia a valorização unilateral do lucro sacrificando-se valores, de respeito a terceiros. No caso do Ronald ele se iludiu com a ideia de que não causaria danos a ninguém, que era apenas um negócio”, conta.
O romance não tem nada de ficção. Aborda uma história real de uma pessoa que encarou o cárcere na Inglaterra e no Brasil, expondo os problemas de métodos usuais para lidar com a transgressão, além do preconceito com a regulamentação das drogas e a pressão política que impede a legalização, defendida por Luiz Eduardo Soares como única medida capaz de reduzir os danos e frear a violência relacionada ao tráfico de drogas. “Eu parto de uma constatação, não se trata de uma opinião. Qualquer pessoa que se dedica a esta área, tanto profissionais como pesquisadores, sabe que a guerra às drogas fracassou. Temos que definir o melhor contexto constitucional para enfrentar o problema”, propõe.
“Conhecer bastidores do tráfico internacional foi interessante. Mas também foi história muito rica em trajeto de vida humana e existencial”
Sul21 – Porque esta história te interessou como obra literária?
Luiz Eduardo Soares – É uma história muito interessante do ponto de vista humano e do ponto de vista das transformações culturais das últimas décadas. Também para conhecimento dos bastidores do tráfico internacional de drogas. A riqueza existencial do personagem envolveu todos estes aspectos. E surpreendentemente é uma história não conhecida no Brasil, sendo que foi o julgamento mais longo da história da Inglaterra. Foram 14 meses de tribunal, condenação a 24 anos e com o condenado classificado durante seis anos como o preso mais perigoso da Inglaterra. Isto levou a Justiça inglesa a deixá-lo preso em uma cadeia de segurança máxima. Ele ficou cinco anos na solitária, o que mobilizou entidades de direitos humanos da Europa a fazer algumas campanhas, porque a solitária é uma prática inaceitável. As autoridades inglesas alegavam que ele não estava na solitária, ele estava solitário, o que seria diferente porque ele só não estava na companhia de outros presos desta ‘envergadura’. A classificação dada a ele não foi por envolver violência. Em que pese não haver tráfico de drogas sem violência em alguma ponta do processo, ele nunca pegou em armas ou matou alguém. Ele nunca foi violento, mas ele tentou fugir. Isto é considerado gravíssimo pelo sistema inglês. Por isso ele recebeu este ‘upgrade’ para cadeia máxima. Ele já representava o Cartel de Cali e foi preso em uma operação que envolvia três toneladas de cocaína. Ele fazia a logística e as finanças que traziam a cocaína da selva colombiana, pelo mar do Caribe até Londres. Conhecer estes bastidores foi interessante. Mas, além disso, como trajeto de vida humana e existencial foi uma história muito rica.
Antropólogo Luiz Eduardo Soares defende a legalização das drogas como medida de redução aos danos do tráfico | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Sul21 – Como ele veio para a prisão de Bangu, no Brasil? Qual a diferença entre o sistema prisional brasileiro e o inglês?
Luiz Eduardo Soares - Ele foi preso em 1999 e cumpriu 12 anos em penitenciária de segurança máxima na Inglaterra. Ao final do cumprimento da pena ele conseguiu a transferência para o Brasil. Há um convênio internacional entre Brasil e Inglaterra que permite isso. Ele experimentou as duas realidades, que são muito diferentes. Um é muito asséptico e absolutamente legalista, com cumprimento rigoroso das normas inglesas. Nunca o tocaram. Sempre teve assistência médica, higiene absoluta e boa alimentação. Mas ele quase enlouqueceu lá. A clausura claustrofóbica. Sem possibilidade de visitas. Os guardas são proibidos de falar com os prisioneiros. Sempre que houver troca de palavras deve haver um terceiro guarda presente. Então o silêncio e a clausura foi violentos para quem buscava a liberdade do mar.
Sul21 – Como ele não sucumbiu?
Luiz Eduardo Soares – Ele sucumbiu. Ele chegou a ter uma queda forte durante determinado período. Foi um sofrimento psicológico terrível. Existiam práticas completamente estranhas e difíceis de compreender. A cela tinha uma escotilha que era aberta rigorosamente a cada 40 minutos. Dia e noite, todos os dias. Eles anotavam a posição física do preso. Haviam dois guardas dedicados exclusivamente a esta tarefa. Eles olhavam e anotavam o horário e escreviam em um livro de registro: “Ele está sentado, com as mãos no joelho e olhando a parede”. “14h40 – Ele está deitado e olhando para o teto”. “03h30 – ele está lendo um livro”. Isso acabou sendo tão condicionado que ele se preparava como um relógio. Ele fazia contagem regressiva para saber o tempo que sobraria de privacidade.
Sul21 – Quem era o Ronald antes de entrar no mundo do tráfico?
Luiz Eduardo Soares - Nos anos 70 ele saiu da faculdade de economia. Era um aluno inteligente e muito capaz. Era o momento de emergência do mercado de capitais, do boom econômico da ditadura, ‘o milagre econômico’ e expansão do capital financeiro. Ele era jovem, com os dotes da inteligência e agressividade para os negócios e muito ousado. Fez uma fortuna em pouquíssimos anos. Casou-se com a menina mais cobiçada entre os colegas de faculdade. Vivia um sonho de fadas. Tinha tudo. Em seis meses de casamento a mulher o traiu com o melhor amigo e ele entrou em um processo de depressão. Passou a ter uma crise existencial, porque tinha riqueza e havia se tornado uma pessoa que ele mesmo não se identificava mais. E sempre teve sonho desde a adolescência, herdada do hipismo e do mundo da contemplação, de velejar. Ele largou tudo e comprou um veleiro. Casou-se de novo e junto com um casal de amigos passou a viver no mar, cruzando oceanos. O que de início me fez pensar que significava apenas saciar aquele sonho de contemplar a natureza. Mas, aprendendo o que é o dia a dia em alto mar, vi que não era só isso. Havia também a disciplina, espartana, quase estóica, com rigor de cumprimento de turnos para controlar o barco. Ele acordava de madrugada para isso. Por 10 anos, ele passou por todos os riscos e momentos de aventuras mais difíceis. O que eu não consigo imaginar para mim, que não consigo nem meia hora em alto mar sem passar mal. (risos). E esta foi a vida dele neste período. Isto já mostra o tipo de personalidade dele. E por isso o livro se chama Tudo ou nada. Porque foi sempre assim a vida dele.
Sul21 – Como ele conseguia se manter financeiramente para viver apenas em alto mar?
Luiz Eduardo Soares – Ele se mantinha com pequenos consertos para outros barcos, organizava mergulhos e fazia pequenos serviços nos portos para apenas ganhar o suficiente para comprar mais combustível e alimentos. Durante este período a única droga deles era a maconha ou haxixe, que são drogas contemplativas. Por isso disse que se trata de um recorte cultural. Era final da década de 60, a maconha era usada para contemplação… No final do período de dez anos, há uma passagem para a cocaína, droga ligada ao trabalho competitivo e ao mercado agressivo. Esta transição da maconha para a cocaína também está relacionada à mudança cultural de uma geração jovem, que pregava a paz e o amor, respeito à natureza, convívio comunitário, para o mundo individualista competitivo, em que a necessidade de energia competitiva no trabalho se encontra com a cocaína.
“Não há ficção. Tudo é história real. Mudei apenas os nomes para preservar a privacidade dos envolvidos”
Sul21 – Onde ele adquiriu cocaína pela primeira vez? Como ele saiu de usuário para fazer o negócio com a droga?
Luiz Eduardo Soares – Foi no Caribe. Mas, primeiro teve a passagem de usuário da maconha para cocaína  - que não foi algo só dele, foi do mundo ocidental que fez esta passagem. Depois houve experiências pequenas no varejo. De ter pequenas quantias de dinheiro da venda da droga que consumia. Fazia o transporte de pequenos lotes, já que conhecia bem o mar, mas rendia pequenas quantias apenas para esticar mais a viagem. Aos poucos isto se tornou um vício e ele descobriu a heroína, que quase o matou. Já de volta ao Brasil, encontrou um velho amigo que conhecera no Caribe, que era envolvido com o tráfico internacional de drogas. Foi um encontro ao acaso. Esta cena está na parte central do livro e é muito interessante. Ele viciado, rouba o amigo para comprar heroína. O amigo ficou perplexo e viu que ele estava vivendo a dependência. O amigo tinha malas com milhões de dólares dos negócios do tráfico e ele roubou algo como mil dólares. Diante da revelação da dependência, o amigo ofereceu U$ 5 mil para ele fazer uma das duas coisas: comprar tudo em droga e morrer de overdose ou comprar uma passagem para África do Sul, onde o irmão do amigo venceu a dependência. Ele sabia onde tratar e prometeu curá-lo. Ronald, como bom brasileiro, pensou e acabou fazendo as duas coisas: comprou droga e a passagem. (risos) Na chegada ao aeroporto na África, jogou fora o restante da droga e encarou o doloroso tratamento. A síndrome de abstinência de heroína é uma das dores mais terríveis. O corpo dói inteiro. Ele venceu isso em três meses. Quando está voltando para o Brasil com o mesmo amigo, ele recebe uma proposta para trabalhar com a droga. Já que ele não era mais dependente, poderia ser um profissional.
Livro "Tudo ou Nada" conta a história do economista brasileiro que foi do mar à prisão | Foto: Divulgação
Sul21 – Como tu chegaste à história de Ronald, que era inédita ao Brasil?
Luiz Eduardo Soares – Ele me procurou quando ainda estava preso em Bangu. O primo dele, psicanalista que mora em Recife e me conhecia, prestigiava minhas palestras e desenvolve uma ONG de Direitos Humanos depois da morte do irmão em um assalto. Depois de uma palestra em 2006 ele me contou do primo que estava voltando ao Brasil para cumprir o restante da pena, que queria contar a sua história e que talvez me interessasse. Eu disse que não tinha possibilidade de assumir novos projetos, estava contratado para outros naquela época.  Mas disse que seria um prazer mesmo assim. Eu encontrei o Ronald e nos demos muito bem. Como rolou uma empatia, ele sentiu confiança em mim, optou por esperar até eu me liberar para me dedicar a isso. Fomos acumulando informações e conversas. Desde 2007 passamos a nos encontrar regularmente. Levou cinco anos até eu lançar o livro. Ronald terminou a pena e ganhou a liberdade em 2011.
Sul21 – Qual a carga de ficção da história? Houve adaptações ou mudanças?
Luiz Eduardo Soares – Não. O tom é literário. Mistura romance e suspense. Mas não há ficção. Tudo é história real. Mudei apenas os nomes para preservar a privacidade dos envolvidos. Ronald Soares, por exemplo, virou Lukas Mello.
Sul21 – Como funcionam os bastidores do tráfico internacional de drogas?
Luiz Eduardo Soares – A cocaína sai da selva colombiana por um avião pequeno que decola de um campo de pouso com propina de U$ 100 mil paga aos militares que controlam a área. Eles usam o campo uma vez por semana para decolagem. As condições climáticas têm que estar favoráveis pela pouca autonomia de vôo da aeronave. As caixas de Marlboro, com capacidade de 25 quilos, são largadas em mar aberto, na fronteira entre a Colômbia e Caribe. É uma manobra bem arriscada, com risco de vida, e se perdem algumas caixas. De lá são levadas pelos barcos ao porto do Caribe.  Lá existem barcos cenográficos, que eu descrevo bem no livro. Dão ideia, vistos de cima, que tem mulheres de biquíni, tomando drinques, mas na verdade estão carregados de cocaína. São barcos planos, feitos no chão, mas pelo desenho dão a mesma ilusão dos anúncios tridimensionais em campos de futebol. Quando chegam ao barco setorial, a 200 milhas da Inglaterra, jogam ao mar todo o equipamento tecnológico de direção e navegação. Um barco que saiu de algum porto inglês, com dois casais namorando, vai em direção a eles e leva a droga para a Inglaterra. Não há nada de suspeito porque são dois casais que saem do porto e voltam como se fossem apenas passear. E o barco que fez o transporte de fato, com os homens a bordo, chega sem nenhum equipamento a bordo ou vestígio da droga, porque jogou tudo no mar na entrada do oceano inglês. Não há nem como comprovar a navegação. A droga sai quimicamente processada. Uma tonelada saiu com 85% de pureza mas, por causa das questões de temperatura para suportar a viagem, é alterada, chegando ao varejo na Inglaterra com 15% de pureza. Há uma modificação por seis do peso. Uma tonelada se converte em seis toneladas. Isto significa que no varejo, na época, 1999 – 2000 equivalia a 30 milhões de libras. Algo como U$ 43 milhões de dólares por tonelada.
Sul21 – Como o senhor explica alguém com uma carreira promissora, bem sucedida se envolver com o tráfico depois de toda a dolorida recuperação?
Luiz Eduardo Soares – Ele chegou a ficar em dúvida. Perguntou quais seriam as condições. Como ele conhecia bem o mar e tinha a experiência de economista, ele ficaria supervisionando a operação financeira e a logística da droga. Para isso ele ficaria com algo em torno de U$ 5 milhões de dólares por cada operação. Isso resolveria a vida dele. Ele que já tinha filhos e não tinha mais nada para recomeçar. Ele não pensava em viver fazendo isso. Pensou em superar as dificuldades e se aposentar rápido. Ficou fazendo durante alguns anos e, quando foi fazer a grande operação que lhe renderia o suficiente para a aposentadoria, foi para a prisão.
“O resultado da guerra às drogas foi aumento do consumo, o avanço da corrupção policial e o gasto de bilhões. Admite-se isso nos bastidores do departamento de narcóticos dos EUA”
Bruno Alencastro/Sul21
"Sendo impossível controlar, a pergunta não é devemos ou não permitir o acesso às drogas. É o mesmo que perguntar se devemos ou não permitir a lei da gravidade" | Foto: Bruno Alencastro/Sul21
Sul21 – Vendo uma pequena noção do tamanho da rede de tráfico internacional e entendendo como ele se organiza, fica difícil imaginar como combatê-lo. Como enfrentar o problema?
Luiz Eduardo Soares – O tráfico vai muito bem, obrigado. Justamente por toda essa complexidade.  A investigação para desvendar esta rede do Ronald levou muitos anos. Foi juntando partes da história, encontrando alguns agentes, depois chegando a outros. Até pegar esta, outras redes já se constituíram e quando desmontam esta, abre espaço para mais outras. É impossível controlar. O percurso de Londres que Ronald fazia, e que eu descrevo no livro, é o percurso típico de quem vive na clandestinidade. O melhor caminho entre dois pontos é o mais longo e labiríntico, é o traço mais barroco. Ao contrário da física usual. Eles iam de metrô, depois táxi, depois ônibus para fazer um trajeto curto, mas para poder driblar a segurança. O surpreendente até para o Ronald é que tudo foi filmado pela inteligência policial e ele assistiu a tudo no julgamento. O julgamento é visual e tudo pode ser descrito facilmente. Eu tive acesso e facilitou esta descrição no livro. Havia policiais de um grupo especial da polícia inglesa, composta por egressos do M-16 e outros setores de espionagem reduzidos depois da Guerra Fria. Eles tinham seis agentes acompanhando o Ronald todos os dias, a cada quatro horas. Eram 24 agentes que revezavam para ele não identificá-lo. São cenas completamente cinematográficas. Uma velhinha comprando amendoim, uma mulher abrindo uma janela, outro agente passa em um táxi e controlam todo o trânsito do Ronald e os principais agentes da rede de tráfico dele por longos anos. Eles acabam não tendo saída.
Sul21 – De que forma a regulamentação das drogas refletiria no tráfico?
Luiz Eduardo Soares - Eu parto de uma constatação para falar sobre isso. Não se trata de opinião. Qualquer pessoa que se dedica a esta área, tanto profissionais como pesquisadores, sabem que a guerra às drogas fracassou. Nos últimos 30 ou 40 anos, os EUA têm liderado o que eles mesmos chamam de guerra às drogas e controle do tráfico. O resultado disso foi o aumento do consumo, a manutenção da qualidade do preço, o avanço da corrupção policial e o gasto de bilhões de dólares. É uma constatação fácil para qualquer agente do departamento de narcóticos dos EUA, admite-se isso nos bastidores. Claro que não dirão isso publicamente, mas sabem que isso que foi feito não funcionou. Não foi falta de recursos e ou ineficiência das forças policiais americanas, inglesas ou japonesas. A razão é muito simples: é impossível controlar o tráfico a não ser no totalitarismo. Podemos regulamentar e orientar os mercados, mas não aboli-los completamente. Principalmente quando se trata do varejo individualizado. Quando são produtos que não são diretamente úteis ao consumo é diferente. Mas comércio individualizado é impossível controlar. A demanda e a oferta se encontrarão. O país que venceu a Guerra Fria demonstrando a capacidade de supressão total do mercado inventa a Guerra às Drogas. Todos sabem disso. Pessoas inteligentíssimas como o Obama evidentemente sabem disso.
O resto é política. Política no sentido da demagogia, populismo, da opinião pública conservadora, ignorante e preconceituosa. Sendo impossível controlar, a pergunta não é devemos ou não permitir o acesso às drogas. É o mesmo que perguntar se devemos ou não permitir a lei da gravidade… As pessoas que querem restrição ao acesso às drogas se horrorizam com o pensar em legalizar as drogas, como se hoje elas já não tivessem acesso. Não se trata de permissão, se trata de definir em que contexto este acesso vai se dar. Esta é a pergunta verdadeira e que muda o ângulo de observação. Temos que definir o melhor contexto constitucional para enfrentar o problema. Por exemplo, temos 18 milhões de alcoólatras no Brasil. O tabaco é outro problema. E o Brasil conseguiu reduzir o consumo do cigarro com campanhas educativas, com restrições ao consumo e aos danos. A sociedade passou a repelir o uso. Quem quiser morrer de câncer no pulmão fuma, mas fuma longe de mim. Existe o sal e o açúcar que também são drogas. A regra deve valer para todas as drogas. Não podemos permitir que inocentes morram para um cidadão ter algum tipo de droga. A cocaína causa menos de 100 mortes por ano. A média varia até 65 pessoas por ano. Homicídios dolosos 50 mil, sendo que quase metade está relacionada ao tráfico. Milhares de pessoas estão morrendo por causa da clandestinidade do comércio de drogas, compra de armas e outras dinâmicas terríveis. As mortes de cocaína tem relação com as substâncias combinadas à cocaína. Não há qualidade, a droga não é bem processada, é contaminada. O crack é um derivado da cocaína que surgiu a partir desta clandestinidade. Há todas estas corruptelas. O controle de qualidade da droga tem impacto na redução de danos. Mesmo que não consigamos conter o consumo, com a legalização fazemos com que os problemas estejam restritos a quem decide usar estas drogas. Para prevenir o uso vamos investir em educação, em saúde. Mas os outros fatores como a compra de armas, corrupção, a violência, as prisões…
Bruno Alencastro/Sul21
" Autorizam a legalização do álcool e não a maconha. É algo tão irracional que eu acredito que os historiadores olhem para isso com a mesma perplexidade que olhamos para alguns fatos do passado" | Foto: Bruno Alencastro/Sul21
Sul21 – O senhor imagina qual solução para o problema do cárcere no Brasil?
Luiz Eduardo Soares – No Brasil temos uma realidade trágica de 50 mil homicídios dolosos por ano. Somos o segundo país em número absoluto, atrás apenas da Rússia. Destes casos apenas 8% são investigados, ou seja, temos 92% de impunidade. Em contrapartida temos a terceira maior população carcerária do mundo e a taxa mais elevada de aumento desta população nos últimos cinco anos no mundo. Em meados dos anos 90 tínhamos cerca de 160 mil presos, hoje temos 540 mil fora os mandados de prisão expedidos e que não foram cumpridos e multiplicariam por quatro o tamanho da população carcerária brasileira. Quem está sendo preso? Segundo a pesquisa da professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Luciana Boiteux, a grande expansão da população carcerária nestes últimos anos está concentrada em uma determinada faixa de transgressores. São jovens, com baixa escolaridade, em geral negros, que negociavam substancias ilícitas sem armas, sem vínculos com organizações criminosas e que foram para a cadeia. Este responde ao fluxo mais veloz de cárcere do Brasil.
Sul21 – A Lei Antidrogas, na forma com que foi criada, foi à responsável por aumentar a população carcerária de pessoas com pequenas quantidades de droga, deixando os grandes responsáveis pelo tráfico impunes. O senhor acredita que o Brasil conseguirá avançar nessa legislação, assim como fez o Uruguai?
Luiz Eduardo Soares – É  preciso tirar o chapéu para o (presidente do Uruguai, José) Mujica. Olhando para o futuro do Brasil, eu não vejo nenhuma hipótese de que este avanço não aconteça. É algo tão absurdo e tão assentado no cinismo, hipocrisia, ignorância e preconceito das pessoas. Autorizam a legalização do álcool e não a maconha. É algo tão irracional na produção de efeitos que eu acredito que os historiadores olhem para isso com a mesma perplexidade que olhamos para alguns fatos do passado. Evidente que estas coisas absurdas têm que ser enfrentadas. Mas pode levar muito tempo porque a resistência de preconceitos é muito grande. Eu acredito que eu não verei isso na minha útil. Eu estou com 58 anos. Comecei a escrever sobre isso muito jovem. Logo depois da ditadura militar, no início dos anos 80, no meu primeiro livro, eu já defendia a legalização das drogas e já éramos vistos como românticos, utópicos ou mesmo pessoas perigosas por ‘defender as drogas’. Hoje há uma Comissão Global de Políticas sobre Drogas, com pessoas respeitadas como Nelson Mandela, Fernando Henrique Cardoso e que tem se reunido para discutir novas políticas e deixar de lado a Guerra às Drogas. A mídia trata do tema cotidianamente, a Marcha da Maconha deixou de ser criminalizada. Agora corre um abaixo-assinado no Brasil a favor da legalização para produção da maconha em casa e permitindo a criminalização do tráfico. Eu não assinei. Parece-me absurdo que um jovem pobre e negro venda uma substância para outro branco de classe média da mesma idade e um seja o criminoso e o outro o ‘coitado dependente’. Não faz sentido nenhum. Eu defendo a legalização onde não haja proibição, com regulamentação do negócio, informação, tributação. Sem hipocrisia e com mudança efetiva.
Sul21 – O senhor se mantém do lado da crítica radical hoje, mas já esteve do outro lado. Foi secretário nacional de Segurança do governo Lula e esteve ao lado do ex-secretário nacional de Políticas sobre Drogas, Pedro Abramovay, quando ele foi demitido por declarar as mesmas posições que o senhor. Do ponto de vista do estado, é possível ter confiança de que vamos avançar?
Luiz Eduardo Soares – Pela minha experiência de vida, eu digo que já vivemos em outro momento na história. As evoluções são lentas. Antigamente até falar em drogas já era proibido. Hoje eu falo isso onde eu vou. Eu me lembro de quando eu trabalhei com o Tarso Genro, quando ele foi prefeito de Porto Alegre, em 2001. Não existia Secretaria de Segurança e a ideia era constituí-la. Fui consultor. O trabalho foi bem sucedido. Definimos o foco do trabalho na Restinga, que era o bairro mais violento à época. Lá focamos os investimentos e zeramos os homicídios. Isto é relatado como um ‘case’ nacional. Naquela época eu estava em uma palestra e respondi sobre legalização de drogas a um repórter da Zero Hora. Foi manchete do jornal e virou debates no rádio do grupo RBS na época. As críticas eram que o carioca veio para o Rio Grande do Sul legalizar as drogas. As enquetes feitas eram se as pessoas queriam preservar suas famílias ou concordar comigo. Mas depois de duas semanas de debates intensos na imprensa daqui, uma última avaliação feita no programa do Lasier Martins as opiniões estavam quase empatadas. Foi 52% contra mim e 48% a favor. O assunto inclusive saiu da pauta. Imagino que em mais uma semana eu teria virado… (risos). Hoje falar sobre legalização das drogas já não causa o mesmo efeito na sociedade. E olha que a sociedade gaúcha é bem politizada, portanto, se trata de um bom laboratório para nos balizarmos. É uma prova de que as coisas mudaram. O Pedro (Abramovay) foi expelido do governo quando deu uma excelente entrevista sobre o tema. Mas foi lamentável da parte do governo. As posições do governo federal têm sido mesmo lamentáveis neste tema, assim como a dos políticos de maneira geral, que ficam obedientes à opinião pública conservadora para não perder votos. Mas algumas coisas já mudaram. Se estas mudanças terão força de levar para algum sentido não sabemos. Imagino que ainda falaríamos sobre isso com ironia no futuro.

Grandeza e antinomias de um filósofo (Regina Schöpke)

A Obra de Sartre revisita o existencialista francês

Versão atualizada do livro de István Mészáros busca revelar grandeza e antinomias do pensador

Regina Schöpke

Por mais duro que seja, é preciso, segundo o filósofo e escritor francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), reconhecer nossa finitude e contingência, porque só assim poderemos encarar com responsabilidade esta dura (porém necessária) tarefa de produzir-se como homem, como espécie, como ser. De fato, a afirmação de que "a existência precede a essência" traz em seu cerne uma crítica profunda à metafísica tradicional e a sua ideia de "ser" como algo dado, pronto. Este, aliás, é o grito de guerra do existencialismo de Sartre: o homem não tem uma essência; ele a constrói no tempo e no espaço de sua existência. É neste sentido que ele é um ser histórico: esta é a sua essência real. Ao contrário dos outros entes, ele é livre para produzir a si mesmo, e é o único responsável por esta criação. É assim, pelo menos, o que pensava Sartre, que foi considerado, ainda vivo, o maior expoente daquele movimento de ideias que tem suas raízes no cristianismo singular e atormentado do dinamarquês Soren Kierkegaard (1813-1855).

Sim, é impossível não ligar o movimento existencialista à angústia e ao desespero desse pensador nascido em Copenhague, que se via inexoravelmente só na sua relação com Deus, com o Todo. A solidão existencial: este também é o ponto nevrálgico do existencialismo de Sartre (para quem o mundo é absolutamente contingente, sem um sentido superior ou mesmo intrínseco, sem uma razão de ser maior). O mundo e nós mesmos, ele diria: tudo pode ser ou não ser como é. Resumindo: a vida é absurda, gratuita, e a percepção disso produz em nós a "náusea" do existir, o horror de se ver como um nada - algo que só pode ser remediado quando tomamos nas mãos o nosso próprio destino e criamos nossa existência.

É exatamente sobre o filósofo parisiense tão admirado quanto odiado (e às vezes as duas coisas ao mesmo tempo) que trata A Obra de Sartre, do húngaro István Mészáros, cujo subtítulo é Busca da Liberdade e Desafio da História. Esse livro - que ganha versão atualizada (saiu originalmente em 1979) - está longe de ser um simples registro da vida e da produção do francês. Ao contrário, ele busca revelar a grandeza, mas também as antinomias, desse pensador que foi, simultaneamente, um admirador do marxismo stalinista e o divulgador de uma ideia de liberdade que, no fundo, se mostrava incompatível com um sistema que precisava de "mão forte" para ser implantado.

Na verdade, o que vemos exposto nessa obra densa e crítica é esta difícil conciliação, em Sartre (ou mesmo em todo o existencialismo), entre o pensamento do singular, do indivíduo total, com a ideia da necessidade do político e da convivência coletiva. Mészáros mostra como esse filósofo de origem burguesa - e que por isso, no entender do próprio Mészáros, nunca poderia deixar de ser um burguês em seu íntimo, mesmo quando se colocava contra as tiranias de sua classe - aliava, ao mesmo tempo, a paixão pela liberdade plena (que não deixa, de fato, de ser um delírio cristão e capitalista) com o desejo de uma moral que verdadeiramente ligasse os homens entre si, para lá de sua solidão existencial. No fundo, Sartre parece ter sempre lutado contra ele mesmo para articular o seu existencialismo com o marxismo - o que, muitas vezes, se mostrou impossível, já que, sendo um filósofo, ele não poderia aceitar qualquer opressão e aviltamento do homem, fosse qual fosse o sistema político ou econômico.

Sua tarefa, como ele disse certa vez a um jornalista (que tentava expor sua crítica à opressão dos governos comunistas como fruto de uma contradição interna de seu pensamento), era denunciar toda atrocidade e violência por uma questão simples de moralidade; moralidade esta que deve estar acima até mesmo dos ditos "fins nobres". Resumindo: nenhum sistema, nenhuma instituição tem o direito de ferir a liberdade dos homens, embora isto seja feito o tempo inteiro.

Pois bem, além de Kierkegaard, é impossível não ver em Sartre a influência de Heidegger (este pensador que também nunca conseguiu abandonar por completo a sua "batina espiritual"). A ideia do homem que, em sua solidão máxima, é lançado entre outros entes e que precisa tomar nas mãos o seu próprio destino; este ser que difere dos outros por problematizar a si mesmo... Sim, filosoficamente tudo vai bem, mas, na prática, tudo se complica, pois somos, no mínimo, seres naturais, gostemos ou não disso, e não podemos nos constituir sem levar em conta tudo o que está em torno de nós. Afinal, como mostrar a importância de se produzir um elo fraterno e igualitário entre os homens se não existem mais razões superiores, nem mesmo imanentes, que fundamentem tal necessidade? Que diferença faria, então, vivermos em sociedades justas ou nos tornarmos párias neste mundo à deriva, pensado como "mudo e sem sentido"? Poucos hoje conseguem responder a essa pergunta (tamanho o niilismo em que nos encontramos), contudo isto só prova que a filosofia precisa continuar firme na sua luta contra os excessos que também são cometidos pela intelectualidade fria, conceitual. Afinal, a vida também se perde na razão pura.

Regina Schöpke é filósofa e historiadora, autora de Por uma filosofia da diferença (Edusp) e matéria em movimento (Martins)

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO / SABÁTICO

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Nunca fomos tão felizes (Fernando Gabeira)

Uma nação não deve ser medida pelo PIB, e sim pelo que faz por suas crianças e adolescentes. A frase de Dilma Rousseff não é de todo uma fuga da realidade, como querem alguns críticos. Na Rio+20 o PIB foi muito criticado como indicador. Surgiram até pessoas fascinadas pela experiência do Butão, pequeno país encravado no Himalaia que trocou o PIB pelo Índice de Felicidade Nacional.

Quando um líder político fala, não analisamos apenas o conteúdo do discurso, mas também a oportunidade. Dilma afirmou que o PIB não é adequado para medir a nação num dia em que as expectativas de um baixo crescimento do Brasil foram divulgadas. Tanto no exterior como internamente, as críticas seriam inevitáveis. Ela procurou se antecipar a elas.

A fábula da raposa e as uvas é um dos textos de maior sucesso no governo. Quando o PIB cresce, é trombeteado como prova "de que nunca antes nesse país", etc. Quando cai, perde importância porque o essencial é cuidar das criancinhas, que num passado não muito distante éramos acusados de comê-las.

Embora tenha apenas a agenda de Dilma como referência, não creio que ela tenha dialogado com o rei Wangchuck, do Butão. Mas tanto quanto ele, num momento de desconforto com o PIB ela está buscando novos indicadores. O Butão, segundo alguns estudiosos da felicidade, como Derek Bok, formulou com critérios interessantes a nova maneira de avaliar o país.

Dilma falou das crianças dependentes de uma boa educação como passaporte para o futuro. Mas os índices internacionais nos colocam em 53.º lugar em leitura e 57.º em matemática, numa lista de 65 países.

Existe um ponto em que a teoria do Butão daria um socorro a Dilma. Segundo ela, o primeiro fundamento da felicidade é o desenvolvimento equilibrado. E o programa Bolsa-Família é um marco internacional na distribuição de renda aos mais pobres.

A ideia de equilíbrio implica uma noção de conjunto. Numa das pontas, o financiamento do BNDES a empresários, conhecido como a bolsa dos ricos, ainda é uma incógnita à espera de um estudo sobre sua adequação às necessidades nacionais. Isso não é feito porque o BNDES se recusa a fornecer detalhes e o pedido da imprensa investigativa para ter acesso a eles foi parar na Justiça. Na semana passada, o BNDES apareceu financiando o Fusca do século 21, o UP da Volkswagen, com R$ 352 milhões. Talvez seja uma homenagem a Itamar Franco, que tinha o sonho nostálgico de ressuscitar o Fusca.

Fui muito criticado pelos adeptos do governo quando alinhei alguns pontos preocupantes na conjuntura. Governos não gostam de vê-los alinhados, preferem uma visão cor-de-rosa. No passado era o "ame-o ou deixe-o", consagrado pela ditadura militar, que fantasiava um País onde todos os críticos se exilam.

De modo geral, previsões otimistas sobre o Brasil continuam a surgir. Fernando Henrique Cardoso disse, em entrevista recente, que o País está no rumo certo. E ele é de oposição. A OCDE lançou um relatório afirmando que o Brasil tem as melhores perspectivas estratégicas de crescimento entre os países emergentes. E um dos pensadores mais aclamados do momento, Parag Khanna, também acentuou as grandes possibilidades do País na economia do futuro, a economia híbrida fortemente marcada pela conectividade. Estrategicamente, estamos bem na foto. Mas o futuro não pode ser visto como um o reino dos céus, um marco religioso. No universo místico, derrotas e sofrimentos terrenos não importam porque eles nos levam à salvação. No mundo real, um conjunto de erros pode nos afastar das promessas estratégicas. Daí a necessidade do debate, das críticas.

Que papel podemos esperar no futuro, se o Brasil aparece em 58.º lugar no ranking de invenção da Organização Mundial de Propriedade Industrial, bem atrás do Chile, o 36.º? Caímos nove posições. O atraso brasileiro não se deve só ao governo. Mas uma política científica e tecnológica ajudaria muito. E deveria ter sido inaugurada em 2003, no primeiro governo Lula. O PIB está lá embaixo, fatores que nos trariam esperança para o futuro, ensino e invenção, têm desempenho desanimador no ranking internacional.

Alguns adeptos do governo querem nos convencer de que nunca fomos tão felizes, como quiseram também os militares, em outras circunstâncias. Para ganhar seu dinheirinho, atacam os críticos e nos chamam de urubus. No meu caso, deviam ter o salário descontado. Urubu é o símbolo de parte da torcida do Flamengo. Além disso, tive a sorte de ouvir Tom Jobim falar de pássaros e ele sempre destacava a elegância do voo do urubu.

O Brasil está cheio de gente otimista que nos envia beijos no coração e toda essa ternura de candidato em campanha. Precisamos de alimento para pensar. O futuro luminoso não é uma fatalidade à prova de um medíocre oba-oba. Ele pode chegar tarde ou desaparecer no horizonte. O que mais incomoda é associar os impasses econômicos à decadência política. A Ferrovia Norte-Sul virou mais uma piada, a última do Juquinha, ex-presidente da Valec, que teve os bens bloqueados. Ele ganhava em torno de R$ 20 mil e tinha vários imóveis, até uma fazenda de R$ 20 milhões.

De fora chegam sinais animadoras: Paulo Maluf perdeu os recursos na Justiça de Jersey e a São Paulo pode reaver US$ 22 milhões desviados de suas obras públicas. Na Suíça, Joseph Blatter pede a João Havelange que deixe a presidência de honra da Fifa depois do escândalo da propina. Os torcedores do Rio querem mudar o nome do Estádio João Havelange para João Saldanha.

Dizem os economistas que na maré alta todos se movem com facilidade, mas quando ela baixa descobrimos quem tomava banho nu. Agora que a maré baixou, diante da nudez de pouco adianta o argumento da beleza interior. É preciso coragem e boas ideias para um mundo em transição. Anos de poder amolecem e deformam quem se aproveita dele. Onde está a energia para um novo tempo?

Para responder à greve dos professores universitários o governo levou 36 dias. E se esqueceu do recesso parlamentar para aprovar incentivos à indústria, quase estagnada. Sorte dele é o profundo sono da oposição.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Zé Dirceu: as desventuras de um pobre "burocrata"

O Zé Dirceu era um pobre "burocrata" do governo Lula e a gente não sabia disso. Acredite se quiser, ele não tinha influência no PT ou em nomeações e seu trabalho na Casa Civil não tinha conotação política. Essa é a linha de defesa dos advogados para tentar livrá-lo da acusação de corrupção ativa.  
 
Em memorial entregue aos ministros do STF, afirmam que não há provas de que ele beneficiava o banco BMG; influenciava a indicação de cargos no governo; tinha poder no PT; ou mantinha vínculos com o publicitário Marcos Valério. Não satisfeitos, reiteram  que o ainda hoje poderoso ex-ministro teria "papel meramente burocrático" à frente da Casa Civil.  Pode Arnaldo?
 
Além das argumentações técnicas, o memorial também traz pesadas críticas à atuação do Ministério Público e da imprensa e diz que a mídia vai protestar "contra qualquer decisão que não seja condenatória".

Para os advogados o termo mensalão foi criado pelo ex-deputado Roberto Jefferson, personagem de "abalada credibilidade" e que teria atraído atenção para o caso por estar no alvo de outras denúncias de corrupção: "ele estava no foco de graves acusações relacionadas com a gravação de Maurício Marinho recebendo dinheiro nos Correios. Foi esse contexto que o levou a buscar o palanque da mídia e a inventar que parlamentares vendiam votos por uma mesada de R$ 30 mil".
 
José Dirceu se declara inocente de todas as acusações, principalmente da denúncia de corrupção ativa. A procuradoria afirma que o ex-ministro tinha ingerência sobre as ações dos dirigentes do PT, o que é rechaçado pela defesa. "Contrariando esse pífio argumento, ficou exaustivamente demonstrado que José Dirceu se afastou de todas as questões relacionadas ao Partido dos Trabalhadores ao assumir suas funções na Casa Civil". E a prova disso seria o próprio Delúbio  que já declarou ter agido sem qualquer influência do antigo ministro e  assumiu toda a responsabilidades em relação aquilo que nega ter sido o "mensalão".

E não apenas José Dirceu não sabia de nada e não tinha responsabilidade sobre nada:  "até mesmo integrantes do diretório e da executiva do PT desconheciam os empréstimos do BMG, ao Banco Rural e às empresas de Marcos Valério". No final dessa história toda "a  acusação de compra de votos é sustentada por um único e frágil pilar: Roberto Jefferson", ou seja, um homem de abalada credibilidade, que pego com a mão na cumbuca, no desespero criou toda essa história enlameando a honra de pobres e inocentes homens públicos e cidadãos acima de qualquer suspeita. 

Roberto Beling

Geopolítica colocou candidatos fortes e vices fracos na disputa de Vitória (Renata Oliveira )

Uma característica comum nas três candidaturas mais fortes à prefeitura de Vitória é a escolha por vices-prefeitos que não agregam tanto do ponto de vista da captação de votos. Para os meios políticos, as costuras das coligações, visando à construção de uma nova geopolítica em torno do governador Renato Casagrande e à disputa de poder com o ex-governador Paulo Hartung (PMDB), não vislumbraram a importância dos ocupantes dos cargos de vice.

No palanque de Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB), a escolha do ex-secretário de Educação Haroldo Correa Rocha é vista com uma certa antipatia. Primeiro porque causou um racha dentro do grupo, que tirou da coligação o PSD. O partido, aliás, havia indicado um vice bem mais interessante do ponto de vista eleitoral, o vereador Max Da Mata, que já teve a experiência de dobradinha com Luiz Paulo em 2010.

Outro ponto desfavorável a Haroldo é seu perfil técnico, nada popular, aliado ao fato de que sua presença no palanque tucano não agrada a uma importante fatia dos servidores públicos. Na educação, Haroldo não agradou à categoria.

Já no palanque de Iriny Lopes (PT), a presença do vereador Juarez Vieira (PSB) é importante na aproximação com o governador Casagrande, mas eleitoralmente, o vereador que ocupa a cadeira na Casa graça à suplência da vaga, não é uma garantia de atração de votos para a candidata do PT à prefeitura.

Luciano Rezende (PPS) tem como vice o radialista Waguinho Yto (PR), uma escolha que atende à aliança com o partido, costurada pelo senador Magno Malta e o governador Casagrande. Waguinho é popular, sobretudo, no público evangélico, mas isso também limita sua atuação a um segmento do eleitorado e cria um atrito com a imagem do candidato, ligado à Igreja Católica. Como também não foi testado nas urnas, resta a dúvida sobre sua condição de capitação de votos.

Para os meios políticos, a fragilidade dos vices vai obrigar os candidatos a redobrarem os esforços na aproximação com os eleitores e apaziguar reações às escolhas. Quem tiver mais capacidade de contornar os problemas sairá em vantagem na disputa.

Fonte: Século Diário

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Neucimar: bateu o desespero?

Nota publicada em coluna de A Gazeta; "Neucimar Fraga está juntando munição para atacar Rodney Miranda na eleição em vila Velha. E o ex-xerifão do Estado já foi avisado disso",  (08/07/12)
Antes de comentar, um parenteses. Convenhamos que, com o imenso telhado de vidro que tem, Neucimar não é propriamente uma pessoa com condições de sair atirando pedras nos adversários. Só para ficar no noticiário desse dia 11, em uma mesma matéria, duas decisões do TCES:
a) determinação para  que a "PMVV anule a contratação de mais de 300 servidores por processo simplificado. ... Segundo a Corte, essas contratações deveriam ter sido feitas por concurso público";
b) "o mesmo TC emitiu alerta por conta de arrecadação inferior à meta do segundo bimestre desse ano. Vila Velha só arrecadou R$ 230,4 milhões para os R$ 266,8 previstos no período".

Fechado o parenteses, vamos ao que interessa, ou melhor, as ilações possíveis. Se Neucimar Fraga  resolveu juntar munição para atacar Rodney Miranda isso quer dizer que passou  a identificar em Rodney o seu principal adversário nesse momento.

Traduzindo a hipótese: Se passou a identificar Rodney como seu principal adversário é que esse cresce nas pesquisas, se descola de Neucimar, colocando-o fora do 2° turno.

O Prefeito de Vila Velha, certamente, não desconhece o que todas as pesquisas realizadas o mostram sempre em 3º lugar. Nas pesquisas anteriores, a simulação de intenções de votos tinha a presença de Hércules, disputando a liderança com  Max Filho. Pesquisa recente, atribuída a iniciativa do governo estadual, e sem o nome de Hércules, coloca  Max em primeiro lugar, Rodney em segundo e Neucimar em terceiro.

Com a saída de Hércules, ao que tudo indica, Rodney herda parte desses eleitores e assume a segunda colocação, Max também cresce e Neucimar permanece no mesmo patamar.

Mas, até aí, tudo bem!  A expectativa do prefeito foi sempre a de que com seu alardeado pacote de obras (500 mi de investimento, conforme as propagandas)  revertesse esse quadro negativo e garantisse a reeleição. Qual seria o fato novo que o leva  a mudar de tática,  deixando de centrar os ataques  em Max e gastando munição no ataque a  Rodney? 

Acho que Neucimar "descobriu" que Rodney não apenas cresce.  Afinal,  nessa etapa do processo, é normal,  mantidas as posições relativas, que todos os candidatos cresçam. Com 65%, por ex, de indecisos, a medida que os indecisos vão fazendo suas definições todos vão subindo nas preferências.  A  estratégia das campanhas visa, portanto, conquistar o maior número possível de indecisos.

Se pintou o desespero no prefeito ( e atacar quem  era visto como um hipotético  aliado no 2º turno significa que bateu o desepero) quer dizer  que o crescimento de Rodney não está se dando apenas pela agregação de  indecisos que passam a definir o seu candidato, mas, sobretudo,  que  cresce em cima do eleitorado de Neucimar. E isso é extremamente complicado para ao prefeito que busca a reeleição.

Dito de outra forma, temos não apenas um processo de agregação de preferências de eleitores até então indecisos, mas uma migração de votos de eleitores de Neucimar para Rodney. Dois fatores podem explicar essa migração:  a) como candidatos de direita/conservadores no espectro partidário disputam eleitores de perfil social assemelhados; b) para esse eleitorado comum, Rodney é a novidade e Neucimar apresenta  índices de rejeição mais elevados.

Paralelo a isso, Max (disputa com Babá  esse eleitorado) se consolida no expectro do eleitorado progressista e de centroesquerda.

Se esse processo de migração de votos se cristalizar, Rodney crescerá nas próximas pesquisas e Neucimar se manterá estagnado na terceira posição, ou seja, é  2º turno disputado por Max Filho e Rodney.

Confirmada essa hipótese, Neucimar vira um "case" dos estudos políticos eleitorais, tão a gosto de Alberto Carlos Almeida, o badalado  autor de "A Cabeça do Brasileiro", não por acaso , o pesquisador contratado pelo prefeito para as pesquisas de avaliação de sua candidatura. Será, provavelmente, um caso raro de prefeito que concorre a reeleição e não consegue passar para o segundo turno.

Roberto Beling

A derrocada do Vidigaldismo (JR Bonifácio)

Estas eleições marcam um "turning point" interessante neste que é o município mais populoso do ES, detentor de economia industrializada e diversificada, mas onde as características do atraso são similares (talvez até mais acentuadas se comparada com outros municipios da RMGV) às da maioria das cidades do interior do estado. Falamos aqui não necessariamente da presença de atributos de desigualdade socieconomica (via de regra sintetizados na perene figura sociológica do latifúndio), mas do forte poder institucional de veto detido por parte de familias oligárquicas tradicionais, particularmente na Camara Municipal e outros órgãos de controle internos e externos. Por seu gigantismo e por esta sintese de atributos do arcaico e do moderno, do urbano e do rural, a Serra tende a ser o pivo geopolítico do ES.

A derrocada iminente do Vidigalismo manifesta em altos índices de rejeição, em denúncias de corrupção e improbidade administrativa e de desaprovação da gestão atual (que aparentemente só pode ser evitada por intervenção direta do Hartunguismo e à custa de sua própria subalternização no cenário politico, transformando-se em mera faceta deste último) é precipitada por forças que anteriormente lhe emprestavam sustentação, a saber a coalizão PSB/PT, hoje detentora do governo estadual. A isto assomasse a emergencia da liderança de Professor Renato Andrade (PSOL), outrora candidato ao Senado, o que faz desta cidade a base politica de uma firme, novissima, moderna e enraizada força representativa, a contrastar e a rivalizar com as demais que ocuparam e até agora preenchem as cadeiras reservadas ao ES na Camara Alta do Congresso Nacional (referimo-nos a Camata, Magno Malta, Ferraço). 

A chegada das esquerdas ao poder no maior municipio da RMGV - o último neste sentido se consideradas experiencias já conhecidas em Vila Velha, Vitória, Cariacica e Viana, e já em curso em outras municipalidades de peso como Cachoeiro, Colatina, Linhares e outras - praticamente transforma o cenário politico regional e pode ensinar muita coisa às elites regionais em termos de alianças e politica pública.

Há que aumentarem as pressões de centro, da direita e da esquerda contra esta quase hegemonia politica no contexto estadual. E mais do que nunca, a dependencia de recursos do Governo Federal (tendo em vista o fim do FUndap e as crescentes externalidades negativas da criminalidade urbana e do inchaço estimulado pelo ciclo do petróleo) tende a ser crucial no desempenho e nas estratégias.

Nota: esse texto foi postado por JR como comentário ao artigo "E a eleição da Serra é de Audifax", postado nesse blog. Acredito que mais que comentário, o texto merece uma postagem como artigo independente.
Para quem quizer ler o artigo "E a eleição da Serra é de Audifax" basta procurar no indíce a direita da página ou digitar o endereço do blog robertobeling.blogspot.com (RB)  

segunda-feira, 16 de julho de 2012

E a eleição de Serra é de Audifax?

Essa eleição de Serra promete vastas emoções e clima de suspense  até o último dia. Será de tirar o fôlego de qualquer um e eleição de deixar os pobres mortais envolvidos no processo com os nervos a flor da pele.

A pesquisa publicada nesse domingo em A Gazeta comprova essa percepção. A principio, cabe a pergunta:  alguém já viu uma situação de empate "tão empate" como essa?

Essa é a impressão inicial, afinal, a  pesquisa, lida isoladamente, apresenta um quadro de  total equivalência de forças: Audifax Barcelos aparece com 41.1% das intenções de voto na estimulada enquanto Sérgio Vidigal  tem 40,9%.  Empate total e na sombra uma incógnita, o Professor  Renato do PSOL com  3,5%.

Uma eleição que sinaliza uma disputa voto a voto, urna a urna a ser decidida aos 48 minutos do segundo tempo do jogo. A Serra tem tradição disso. Em 1982, o então  estreante João Batista Motta derrotou as antigas oligarquias, que a décadas controlavam a política local, na computação dos votos das últimas urnas apuradas. Apuração manual e demorada foi emoção e supresa a contagotas. 

Mas o exame mais detalhado da pesquisa pode nos indicar que esse equilíbrio é mais aparente do que dado da realidade. Ou seja, quando olhamos os números relativos a intenção espontânea de votos,  o aparente equilíbrio se quebra: Audifax aparece com 27% das intenções de voto e  Vidigal  com 23,5%. convenhamos, vantagem de 3,5% das intenções de voto não é pouca coisa nesse quadro de polarização.

Mas é no olhar em perspectiva e comparando a pesquisa de março com essa agora de julho  que o aparente equilíbrio se desfaz. Comparando e constando: Audifax apresenta uma curva ascendente e Vidigal uma curva descendente.

Comparando os números de março a julho: na estimulada, Audifax passa de 36,9% para 41,1%. Já Sérgio Vidigal cai de 43,2% para 40,9%. Tendência?

Na intenção espontânea, essa tendência é mantida: Audifax passa de 19,7% para  27% da preferência de voto em processo de consolidacão, um significativo crescimento de 7,3. Já Vidigal cai de 25,4% para  23,5%.

Situação complicada para Vidigal que disputa a eleição com o  controle da máquina e um domínio da política Serrana de 16 anos. Portanto, desigualdade de recursos que favorece Vidigal mas que não se traduz nos votos esperados.

Conclusão possível da leitura desses numeros: a eleição será disputadissima mas Audifax tem tudo para ganhar e ganhar bem. Ou seja, nesse momento, considerando números  da pesquisa e outras variáveis que não cabe analisar nesse espaço, ele leva a eleição.

Finalizando, uma observação: nessa eleição não pode ser desconsiderada a possibilidade do Prof. Renato do PSOL surpreender. Surpreendeu para o Senado. Pode surpreender agora obtendo um bom percentual e provocando um 2º turno. 

Roberto Beling