sexta-feira, 25 de março de 2011

PV, a meio passo do PPN (Renata Camargo)

“O Partido Verde precisa se reformular para não ser mais um PPN (Partido de Porra Nenhuma). Se a tão prometida revisão do PV não sair do papel, é provável que essa falta de rumo e coerência partidária acabe afundando a legenda”

A expressão “jogou merda no ventilador” cabe bem para o momento. Os artigos publicados pelo deputado federal Alfredo Sirkis (PV-RJ), em seu blog nos últimos dias, abrindo o jogo da confusão envolvendo grandes figurões do Partido Verde brasileiro, mostrou que o buraco da legenda, que se diz alinhada ao pensamento sustentável, é mais embaixo. Por outro lado, fez reacender um sentimento adormecido desde o último outubro: um sentimento de esperança em ver na política uma limpeza de toda essa porcaria.

Em linhas bem gerais, pode-se dizer que Sirkis, em dois textos, faz literalmente o que a expressão acima diz: ele jogou os podres do partido aos ventos e espalhou a lamaceira. A sujeira foi lançada após o grupo ligado ao presidente do PV, José Luiz Penna, no cargo desde 1999, ter reconduzido o mesmo ao posto máximo do partido, a contragosto dos “marineiros”. O fato causou a ira do seleto grupo, que pretendia postular ao cargo um indicado da ex-senadora do PV.

Nos textos, o deputado, em palavras enfáticas, apresenta as disputas internas dos verdes relacionadas, basicamente, à perpetuação no poder de um grupo e a falta de interesse em mexer no conteúdo programático do partido (que significaria a queda de alguns). Nas entrelinhas, Sirkis mostrou também a iconização de uma figura, que pode ser o “chantili” do PV e, ao mesmo tempo, o “estorvo” do partido: a própria Marina Silva.

Em janeiro de 2009, no Fórum Social Mundial de Belém, no Pará – quando ninguém falava em candidato do PV à Presidência –, Marina Silva, ao fim de suas palestras, tinha seu nome ovacionado pelo público – em sua maioria, jovens de classe média, com pensamentos e ideologias ligadas ao que acostumaram chamar de esquerda. Em coro, os jovens – às vezes, “jovens” de cabelos brancos – gritavam “Marina presidente do Brasil”.

A cena, naquele contexto, era, no mínimo, inesperada. Até mesmo para a atriz principal do episódio, a aclamação parecia pegá-la de surpresa. Com um sorriso sem graça (mas daqueles que evidenciam orgulho de si mesma), Marina deixava os locais de palestra escoltada, como uma digna atriz de Hollywood, cujos fãs, ensandecidos, rogavam por um pouco de sua atenção e, quiçá, um autógrafo.

Uma das cenas, eu me lembro bem, foi tão inusitada que chegou a ser bizarra. Na ocasião, me fez lembrar (e rir, por isso) de cenas daquele filme O guarda-costas, da década de 1990, quando Whitney Houston saía protegida pelo seu guarda-costas Kevin Costner. Marina não chegou a ser levada no colo, mas em clima similar de tumulto de fãs, teve que entrar correndo no carro, sob escolta e empurra-empurra.

Marina naquele contexto não era PV. Já era verde, já era relacionada a ambientalistas e à causa da sustentabilidade, já tinha seu nome reconhecido nacional e internacionalmente, mas não era Partido Verde, ela não se restringia à legenda, nem era colocada como o sustentáculo de uma legenda.

Naquele cenário, em que milhares de pessoas ditas esquerdistas ou simpatizantes discutiam terceiras vias para o desenvolvimento da sociedade (e, muitas vezes, sob linguagens ultrapassadas, usando em vão o nome de Marx), Marina simbolizava uma luz no fim do túnel, um caminho para fugir das dicotomias, uma via para sair da esvaziada esquerda-direita, da triste política do jogo dos interesses individuais ou de grupos dominantes. Na época, ela era ainda do PT, mas era aclamada como uma terceira via.

Foi sob o papel de terceira via, que meses depois do fórum, em outubro de 2010, pelo PV, Marina mostrou a força de uma alternativa de poder. Os 20 milhões de votos em Marina forçaram um segundo turno eleitoral e conduziram aquele pleito sem graça para um caminho do “podemos mudar”. À revelia de membros do próprio partido, Marina conseguiu, ao menos de forma macro, negociar acordos programáticos, ao invés de cair no simples troca-troca de cargos para apoio político.

Agora, com as feridas expostas do PV, o sentimento despertado pelo “fenômeno Marina” – o sentimento de uma terceira via para o país, de uma busca por um desenvolvimento do Brasil enquanto nação, com políticos e políticas públicas olhando para a mesma direção do benefício coletivo – se renova de esperança. Será que o partido que se diz bandeira de uma nova forma de pensar o mundo vai conseguir se livrar das antigas e mesquinhas amarras do poder?

O Partido Verde brasileiro, cujo verde aparece, muitas vezes, apenas no título da legenda, precisa se reformular para não ser mais um PPN (Partido de Porra Nenhuma). Com ou sem Marina, se a tão prometida revisão programática (profunda) do PV não sair do papel neste momento político, é capaz que ela não saia nunca mais, e que essa falta de rumo e de coerência partidária acabe afundando a legenda verde no Brasil.

Os 20 milhões de eleitores de Marina são heterogêneos e não podem ser classificados em uma ou duas categorias. Mas é certo que todos aqueles eleitores depositaram naquele voto o sentimento da mudança, da esperança por uma política melhor. Jogar a merda no ventilador neste momento se apresenta como uma forma de reacender a esperança por uma política mais limpa. Talvez a esperança da espera por um milagre, no qual seja possível largar a velha cartilha do poder-pelo-poder, para pensar no poder como um movimento de cidadãos.


*Formada em Jornalismo pela Universidade de Brasília (UnB), Renata Camargo é especialista em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pelo CDS/UnB. Já atuou como repórter nos jornais Correio Braziliense, CorreioWeb e Jornal do Brasil e como assessora de imprensa na Universidade de Brasília e Embaixada da Venezuela. Trabalha no Congresso em Foco desde 2008.
23/03/11)

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