Talese fascina com brilhante relato sobre a máfia italiana
"Honra Teu Pai" é tão impactante quanto o filme "O Poderoso Chefão"
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE SÃO PAULO
A narrativa não fictícia é um gênero literário que pode ser classificado como a principal contribuição original dos EUA para a literatura.
Mais ou menos como a telenovela está para o Brasil nas artes em geral.
Foi nos EUA que o jornalismo literário nasceu e se estabeleceu com força a partir dos anos 1950, mas especialmente na década de 1960.
Muita teoria foi escrita a respeito, mas basicamente trata-se de escrever histórias com fidelidade aos fatos reais, mas com a licença estilística da ficção.
Para entender do que se trata, nada melhor do que ler as obras essenciais do gênero, o que o público brasileiro tem podido fazer há alguns anos, desde que a editora Companhia das Letras iniciou a coleção Jornalismo Literário, que chega ao seu 27º título com "Honra Teu Pai", de Gay Talese.
É o quarto livro de Talese, um dos expoentes do novo jornalismo, na série da editora brasileira.
Foi originalmente publicado em 1971, pouco depois do enorme sucesso de "O Reino e o Poder", em que dissecava o "New York Times", jornal onde trabalhara e que era o principal veículo de comunicação do país à época.
Desta vez, o objeto da pesquisa, detalhada e precisa, do autor é uma das poderosas famílias da máfia italiana estabelecidas em Nova York, a dos Bonanno, da qual Gay Talese se aproximou ao cobrir pelo "Times" a prisão de um de seus herdeiros, Bill Bonanno.
Como se deve tentar fazer no bom jornalismo, Talese não escreve nem como promotor nem como advogado de defesa de seu personagem principal.
FORÇA DA REALIDADE
No posfácio, Pete Hamill mostra como essa atitude beneficia o leitor e, em última instância, a sociedade: "... ao rejeitar a certeza moral, [Talese] diz mais coisas sobre aquele mundo [da máfia] do que sabíamos antes que ele publicasse este livro e mais do que descobrimos desde então".
É muito frequente que a ficção proporcione conhecimento mais profundo de fenômenos e processos complexos (especialmente quando perigosos e sensíveis, como este) do que as ciências sociais ou mesmo o jornalismo comum.
Cineastas como Francis Ford Coppola e Martin Scorsese jogaram muita luz sobre esse universo com seus filmes a respeito.
Mas para compreender de fato as coisas, quase nada se compara à força dramática da realidade, reconstruída com brilhantismo estilístico.
É isso que Gay Talese oferece em "Honra Teu Pai", um "romance verdadeiro", que provoca impacto comparável ao do filme "O Poderoso Chefão" (1972), com a diferença de que as pessoas nele retratadas existiram de fato, do jeito mesmo em que são descritas no livro.
O cuidado extremado com que o autor checou suas informações transparece no texto, apesar de sua forma assemelhada à do romance.
Ainda nas palavras de Pete Hamill: "... [Talese] trata seus personagens como sujeitos, e não como objetos. Em suas páginas eles existem como seres humanos, um de cada vez, e não como caricaturas. Como todos os bons repórteres, Talese compreende que nunca se pode ter certeza sobre a verdade".
Esta é uma das chaves do fascínio que esse livro ainda exerce sobre o leitor, quatro décadas depois de ter sido publicado pela primeira vez.
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