A natureza desabafa dando máximo sinal de alerta no início de 2011. À tragédia do Japão somam-se dezenas de outras, em geografias diversas, a compor um mosaico de dramas socioambientais, incluindo no Brasil as centenas de mortes na Região Serrana do Rio, as fortes inundações no Sul e as vorazes tempestades em São Paulo.
A Cruz Vermelha estima que há no mundo hoje mais pessoas deslocadas por desastres ambientais do que por guerras. Até 2010, a ONU contabilizava 50 milhões de refugiados ambientais. Qualquer situação de refúgio é por si só reflexo de um grave padrão de violação a direitos humanos. Os danos ambientais têm gerado um crescente fluxo migratório, com o deslocamento forçado de pessoas compelidas a lutar por novas condições de vida em outras regiões e países.
A comunidade científica converge em concluir que as mudanças climáticas estão a ocorrer e resultam, sobretudo, da ação humana. O Conselho de Direitos Humanos da ONU reconhece que as transformações ambientais impactam a realização dos direitos humanos direta e indiretamente, sendo os grupos mais vulneráveis seu alvo preferencial.
Nos países em desenvolvimento a maioria dos problemas ambientais está relacionada à pobreza e à exclusão social (à falta de acesso à moradia, à saúde, à educação e à higiene adequadas). No caso brasileiro, constata-se que 70% das internações junto ao SUS resultam de problemas decorrentes de falta de acesso à água potável, negligenciado a 42% dos brasileiros. Já nos países desenvolvidos, os problemas ambientais são consequência fundamentalmente da industrialização e do desenvolvimento tecnológico.
Os danos ambientais transcendem os limites de espaço e tempo. Uma poluição marítima causada por derramamento de óleo poderá disseminar-se por águas territoriais de diferentes países, afetando várias comunidades, em virtude de seu alcance internacional. Os danos ambientais podem ainda produzir efeitos no presente e no futuro, por vezes, não havendo como prever o impacto temporal. Por isso, o direito ao meio ambiente demanda um pacto entre as presentes e futuras gerações, o que fomenta a noção de desenvolvimento sustentável, como o "desenvolvimento que atende às necessidades do presente, sem comprometer a capacidade de as futuras gerações atenderem às suas próprias necessidades", na definição da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Daí o desafio de uma nova ética sustentável, que vise a compatibilizar o desenvolvimento econômico, o desenvolvimento social e a preservação ambiental.
É neste contexto que se insere o polêmico caso Belo Monte, envolvendo a construção de usina hidrelétrica no Pará, por seus graves riscos e impactos socioambientais, especialmente em relação às comunidades tradicionais da bacia do Xingu, que pode vir a ficar praticamente sem água com o desvio do rio. No local há 30 terras indígenas com 24 povos e línguas diferentes. O Movimento Xingu Vivo para Sempre, aliado a 40 entidades, submeteu o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a fim de que seja suspenso o processo de licenciamento ambiental relativo a Belo Monte, evitando a grave violação a direitos de comunidades afetadas. Ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal do Pará também questiona na Justiça as irregularidades da concessão da inusitada licença de instalação "parcial" da usina, sem que condições prévias fossem atendidas - isto porque o licenciamento ambiental no Brasil dá-se mediante a concessão de três tipos de licença: licença prévia; licença de instalação; e licença de operação. Alega-se, ainda, a violação ao princípio da necessária participação das comunidades atingidas. Por determinação da OEA, em 11 de março último, caberá ao Estado Brasileiro prestar informações sobre a outorga da licença e os procedimentos de consulta prévia e participação das populações afetadas.
O legado socioambiental de 2011 em suas dramáticas lições requer do Estado brasileiro o compromisso ético-jurídico de honrar a legislação nacional e internacional em matéria ambiental, respeitando plenamente seus princípios e comandos, de forma a preservar direitos fundamentais de populações vulneráveis. Afinal, a comunidade científica já atestou que os devastadores fenômenos "naturais" têm como causa maior a intervenção humana, sendo urgente "desnaturalizar" as graves tragédias ambientais contemporâneas, cujos ilimitados efeitos ultrapassam em muito a limitada resposta humana.
Fonte: O globo
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