quarta-feira, 30 de maio de 2012

Interesses, estratégias e constrangimentos (Cláudio Gonçalves Couto)


Um lugar comum da análise política, de que CPIs sabe-se como começam, mas não como terminam, acaba de confirmar-se cabalmente. O curioso é que a movida crucial do tabuleiro não se deu por um ator em princípio diretamente ligado à CPI do turno, mas por um agente externo: o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. Afirmou ele à TV Globo: "Eu entendi, depreendi desta conversa, que ele estava inferindo que eu tinha algo a dever". É muita hipérbole para uma denúncia de tamanha gravidade.

De qualquer modo, a despeito do estupefato causado, alguns elementos deste enredo não são nada novos. Ao revelar ter sido supostamente alvo de chantagem por parte de um politicamente ativo ex-presidente da República, o magistrado reiterou um padrão de conduta que marcou sua trajetória à frente da Corte Suprema do país.

Primeiramente, apresentou-se de novo como campeão do Estado de Direito contra ataques supostamente desferidos por um líder carismático pouco afeito a formalidades. Tal postura marcou a passagem de Mendes pela presidência do STF, quando bradou contra excessos de Lula como presidente-em-campanha em prol da eleição de sua pupila. Em outubro de 2009, observou: "Estão testando a Justiça Eleitoral e o Ministério Público Eleitoral. É uma situação que, se se tornar repetida e sistêmica, há de merecer reflexão. É uma viagem feita com recursos públicos. Nem o mais cândido dos ingênuos acredita que isso é uma fiscalização de obras". Conclamava a Justiça Eleitoral a perscrutar os passos do presidente e sua candidata, falando da cadeira de juiz em termos próprios a um promotor.

Em segundo lugar, Mendes sempre foi um juiz loquaz, dentro ou fora dos autos, mas normalmente de forma crítica ao governo Lula e a seus procedimentos. Partiu dele a sugestão de que a oposição questionasse a licitude da troca de partido, num momento em que ela sangrava com a debandada de parlamentares para as agremiações conservadoras da base governista. Disse, numa sessão em que se discutia outro tema (a cláusula de barreira), em dezembro de 2006: "Se considerarmos a exigência da filiação partidária como condição de elegibilidade e a participação do voto de legenda na eleição do candidato, tendo em vista o modelo eleitoral proporcional adotado para as eleições parlamentares, essa orientação que admite não haver reflexo no mandato quanto à opção por uma nova agremiação partidária afigura-se amplamente questionável. Assim, a meu ver, o abandono de legenda deveria dar ensejo à perda de mandato". Logo depois, o PFL consultou o TSE sobre o tema - logo ele, partido tão beneficiado pelo troca-troca partidário à época em que era base de Fernando Henrique Cardoso.

Tendo Gilmar Mendes se destacado como o "líder da oposição no STF", sua disposição para embaraçar Lula neste momento não surpreende. Seu oposicionismo se coaduna com a intempestiva revelação do alegado fato apenas mais de um mês depois do ocorrido. Um timing como esse é mais propício à estratégia política que ao zelo republicano. Ademais, pode-se questionar: não seria dever legal do magistrado ter de imediato denunciado o suposto achaque? Submetida a chantagem, mas sem qualquer responsabilidade pública, Carolina Dieckmann foi mais rápida.

Lula, por seu turno, deve ter notado quanto seu estímulo à criação da CPI pode ter-se mostrado uma ação temerária. Mais do que isto: político ativo que é, empenhado na campanha eleitoral deste ano, não poderá furtar-se - mais cedo ou mais tarde - a dar de viva voz sua versão do ocorrido. Postar-se olimpicamente acima disto seria possível para um ex-presidente de pijamas, mas não para um que se empenha em seguir influente. Ora, se a versão da "Veja" é - como alega a nota da assessoria do ex-presidente - "inverídica", mas Gilmar Mendes a confirmou depois também à "Folha" e à "Globo", então alguém mente. Ou, pelo menos, distorce os fatos.

O imbróglio engolfou também a Nelson Jobim, patrocinador do encontro. Indicado ao Supremo por Fernando Henrique, de quem fora ministro, atuou na Corte por cinco anos, ainda durante a gestão tucana; presidente do STF já durante o governo Lula, aposentou-se da magistratura e foi, depois, incorporar-se ao ministério do petista. Assim como Mendes, em seus nove anos na Corte Jobim foi um ministro do Supremo ativista e loquaz, embora nem oposicionista, nem governista. Afinal, mais do que uma agenda partidária, Jobim tinha uma agenda própria. Ironicamente, a confusão lhe atingiu justo no momento em que iniciava de forma mais aberta um processo de construção de seu nome como uma possível alternativa do PMDB para as próximas disputas presidenciais. Poucas situações lhe seriam tão constrangedoras quanto esta, de ter de desmentir seu ex-colega de toga, porém dizendo que não formula juízo sobre quem diz a verdade no caso. Seja como for, única testemunha do encontro, até agora Jobim sustenta a posição de Lula, não a de Mendes.

Já para os oposicionistas assumidamente partidários, os do Congresso, a situação é de deleite. No momento em que a CPI dava sinais de que em vez de pizzas, enviaria tucanos ao forno, surge um evento retumbante que coloca petistas na defensiva. Em vez de apenas acuar seus adversários, passam a ter de defender seu líder máximo, apresentando suas credenciais de político que sempre respeitou a via institucional, rejeitou a tese do terceiro mandato etc. Com efeito, a jogada de Mendes logrou gerar algo novo no embate partidário. Pela primeira vez, desde 2002, Lula deixa de ser um trunfo para o PT, convertendo-se num peso. Até à época do mensalão ele pôde colocar-se antes como vítima de traições do que como promotor dos malfeitos. Esta mudança de status só aumentará a pressão sobre o ex-presidente, para que dê pessoalmente sua versão dos fatos. Caso não o faça, o peso da suspeição sobre si se fará sentir ao longo dos próximos meses, contagiando não só a CPI e o julgamento dos réus do mensalão, mas as eleições municipais. Lula corre o risco de sair deste processo menor do que entrou.

Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Distância do Poder está fazendo mal a Lula (Fabio Pannunzio)


Ele está irreconhecível. Faltam-lhe racionalidade, jogo de cintura e bom-senso. Assim é Lula de pijama — um cidadão de espírito inquieto que parece inconformado com a distância entre São Bernardo do Campo e Brasília.

Desde que deixou a Presidência, um ano e meio atrás, o ex-presidente não para de fazer bobagens. Primeiro, impôs a sua sucessora um ministério contaminado por gente da pior qualidade. Dilma teve que defenestrar meia-dúzia para salvar o cofre da viúva do assédio incansável da malandragem com assento no primeiro escalão.
Enquanto isso acontecia — e a popularidade de Dilma crescia –, Lula pareceu não se conformar com os arroubos de autonomia de sua ex-secretária. O sucesso da criatura fez mal ao criador.
No momento seguinte, gastou parte de seu imenso capital político numa operação contra seu próprio partido. Enfiou goela abaixo a candidatura de Fernando Haddad à Prefeitura de São Paulo, cindindo a galeria de aliados de primeira hora como a senadora Marta Suplicy. Criou um candidato esquálido, cuja performance inquieta dos próprios companheiros.
Acometido por um câncer, não se deixou abater. Transformou a suíte do Hospital Sírio Libanês em uma central de conspirações e, antes mesmo de se recuperar, enfiou-se na trincheira do Mensalão ao lado de José Dirceu. Pelo que se viu, não foi um movimento de pouca importância.
Avesso à liturgia e às formalidades imposta pela condição de “ex”, Lula conspirou para que o PT tomasse a dianteira de um processo que todos imaginavam no que daria, a CPI do Cachoeira. Para vingar-se antigos desafetos, como o governador Marconi Perillo, que o advertiu sobre o Mensalão, entrou por um labirinto sem fim — e empurrou seu aliados para ele. Agora, nem o PT, nem Rui Falcão, seu artífice, sabem direito o que fazer para reverter o desgaste que se seguiu.
Como a desenvoltura de Lula só tem paralelo na sua falta de limites, era de se esperar, mais cedo ou mais tarde, uma inversão da lógica do Barão de Itararé segundo a qual “de onde nada se espera, daí é que não sai nada mesmo”.  No caso do mais popular dos ex-presidentes brasileiros, espera-se tudo e tudo acontecerá. Até uma canhestra tentativa de constranger um ministro da Corte Constitucional para impedir o julgamento do maior escândalo de corrupção da história da República, o Mensalão.
Como candidato, Lula foi sábio a ponto de transformar a si mesmo para pavimentar a estrada segura que o levaria ao Palácio do Planalto. Como presidente, foi um notável administrador da própria imagem. Teve sabedoria para aproveitar dos antecessores o que era bom e apropriar-se de suas conquistas — e depois da própria história. Foi iluminado ao abandonar o jargão sindical e fiel a ponto de cumprir literalmente tudo aquilo com que se comprometeu na Carta aos Brasileiros.  Foi um gênio da oratória. E ummarketeiro de primeiríssima.
Agora, falta-lhe sabedoria para ficar calado quando deve calar-se. Falta-lhe tirocínio para evitar as manobras ruins. Falta-se senso crítico para entender a posição que ocupa no cenário institucional. Falta-lhe também esperteza para evitar as ciladas que ele mesmo prepara. E grandeza para superar os rancores profundos e os pequenos ressentimentos amealhados em sua longa convivência com o Poder.
Assim, de tropeço em tropeço, o Lula de São Bernardo vai ganhando feições muito diferentes do Lula de Brasília. Acabou-se a graça, restou apenas a amargura. Acabou-se o charme brejeiro, ficou o histrionismo do ódio.
Será que algo de sua privilegiada inteligência política se perdeu no caminhão que transportou sua mudança do Planalto para a planície ?
Fonte: Blog do Pannunzio (28/05/12)

terça-feira, 29 de maio de 2012

FRASES DOMINGUEIRAS: PORQUE DOMINGO É O DIA DA FAMÍLIA (Juca Magalhães)


As três frases que eu mais detestava ouvir antes da maturidade:


Frase 1

- Diga-me com quem andas que te direi quem você é. 

Essa minha mãe adorava, especialmente pra esculhambar meus amigos porraloucas. Como se os dela, a maioria artistas e pessoas extravagantes, fossem algum modelo de comportamento social. Uma vez eu ia chegando em casa (quer dizer, na casa dela) para “ouvir um som” no meu quarto com duas “marias palco” fantasiadas de loiras e de aspecto geral – vá lá – bastante popular, se é que vocês vão me entendendo. Mamãe estava sentada na sala tomando um café e ao nos ver entrando com aquela ginga de quem não quer nada, mas vai fazer de tudo, falou:

- Parem aí mesmo e venham cá.

- Quê foi mãe?

- Aonde você pensa que vai com essas duas barangas?

Frase 2
- Quando chegar à minha idade você vai entender e vai me dar razão.

Era a preferida de papai, também a ouvi várias vezes da boca de sujeitos nem tão encanecidos assim, mas que exerciam alguma forma de poder ou posavam explicativos de detentores de algum saber. Era uma pala necessária porque, esgotado os argumentos lógicos sem conseguir me convencer, usavam o fato de terem mais idade para legitimar e impor uma opinião ou decisão com a qual eu não concordava.

Frase 3

- Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço. –

É o (di) lema do hipócrita assumido, pior que é ainda muito usada. Deveria estar escrita na entrada de todas as fábricas de fazer malucos que existem pelo mundo. Como se fosse adiantar vetar a quem quer que seja o direito de errar, aliás, é como diz no Evangelho de João: “não amemos de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade”. Citação feita, em tempo, apenas para ilustrar, passa longe de mim essa contradição de tanta gente televisiva e politiqueira cujo (cujo?) discurso “religioso” passa bem longe das ações práticas.

Obviamente, as frases que eu mais gostava eram: sabia que amanhã é feriado e não tem aula? Ou uma que era mais rara: aquela garota que você “tá a fim” disse que também tá doida pra “ficar com você”... Mas a que eu mais desejava ouvir, com uma toalha amarrada no pescoço a título de capa esvoaçante, nunca rolou:

- Meu filho: tome cuidado quando sair voando por aí...

A armadilha do mensalão (Raymundo Costa)


Lula deixou a Presidência da República bem avaliado como nenhum outro presidente antes dele, tanto que elegeu a sucessora até como certa facilidade. O sucesso eleitoral, aparentemente, teve um efeito perverso sobre o ex-presidente. Lula é popular, acertou nas medidas contra a crise de 2008 e praticamente nomeou seu sucessor no Palácio do Planalto. Mas nada disso assegura ao ex-presidente o dom da infalibilidade, como parecem acreditar parte do PT, de seus auxiliares no Instituto Lula e ele mesmo, a julgar por seus últimos atos.

Lula abusa de seu prestígio, segundo se avalia entre os amigos mais próximos, aqueles que não consideram dogma cada afirmativa do ex-presidente. Já há algum tempo Lula tem "exorbitado" e tomado decisões sem se importar com opiniões saídas do seu entorno. Pouca arbitragem, muito arbítrio. Como acertou antes e é popular, tem crédito junto à banca. Mas isso não quer dizer que esteja sempre certo, como demonstram as principais decisões tomadas por ele desde que deixou o Palácio do Planalto.

A última foi a iniciativa de conversar reservadamente com ministro Gilmar Mendes, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), no escritório do ex-ministro da Defesa Nelson Jobim. Especialmente se foi para tratar, de fato, do adiamento do julgamento processo do mensalão, previsto para começar em agosto e se estender durante parte do período eleitoral.

PT reclama que Lula "exorbitou" no caso Gilmar Mendes

Pouco importa se a iniciativa da conversa foi de Lula - como publicado - ou de Gilmar, como sugerem os petistas (a ideia de que o encontro foi casual ofende a inteligência alheia). O PT e o ministro do Supremo têm um longo contencioso que não recomendava nenhum tipo de conversa secreta neste momento, quando o picadeiro que se arma em Brasília é para abrigar o espetáculo do julgamento do mensalão - seja em casas alugadas por acusados, pelo trânsito frenético de advogados autorizados no processo ou pelas insinuações que jorram aos borbotões da CPI do Cachoeira e excitam a imaginação dos mais crédulos.

Gilmar nunca foi propriamente um entusiasta dos governos do PT, e chegou a ser acusado de pedir vistas a um processo, nas eleições de 2010, a pedido do candidato tucano José Serra. Em geral, diverge por convicção. É até difícil imaginar a razão que o teria levado a relatar a conversa com Lula ao presidente do Supremo, Ayres Brito, ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel e ao advogado-geral da União, Luiz Inácio Lucena Adams, se não fosse para se preservar.

Não há nada ilegal no fato de Lula e Mendes terem uma conversa reservada. Mesmo que nessa conversa tenha-se abordado o a conveniência de adiar o julgamento do processo do mensalão, já que é real a possibilidade de o ambiente de disputa eleitoral, no segundo semestre, de alguma maneira, contaminar a votação. O momento (da conversa) é que é inconveniente. O que de maneira nenhuma pode ser considerado admissível é tentativa de influenciar, mediante outros pretextos que não o bom argumento, a decisão de um juiz da suprema corte, como Gilmar declarou. O que falta em relação à conversa entre Lula e Mendes é clareza, transparência. Uma coisa é certa: os dois achavam que tinham algo a dizer ou ouvir do outro, ou simplesmente queriam saber o que o outro tinha a falar, tanto que resolveram se encontrar.

Na sexta-feira 25, havia uma expectativa favorável ao adiamento do julgamento, entre alguns dos 38 acusados remanescentes do mensalão (da "Quadrilha dos 40" denunciados pelo Ministério Público Federal, um morreu e outro fez acordo). Ontem, havia desolação. A revelação da conversa entre Lula e Gilmar Mendes provocou a reversão de sentimento dos mais esperançosos. Independentemente de Lula, advogados haviam registrado impressão de que havia, entre ministros do Supremo, inquietação quanto ao fato de o julgamento do processo do mensalão ocorrer às vésperas do período eleitoral. Agora, o STF parece sem outra saída a não ser julgar logo, como previsto.

Uma decisão perigosa, não só por misturar Justiça e política. José Dirceu, apontado pela Procuradoria Geral da República como sendo o "chefe da quadrilha" dos 40, tem repetido a quem quiser ouvir que não quer "um julgamento que seja político", quer "um julgamento técnico". Segundo Dirceu, um julgamento político vai "deslegitimizar" a decisão do STF. Por outro lado, é lamentável que o PT e dirigentes da CPI continuem insinuando que "surgirão fatos" na comissão de inquérito capaz de abalar o Judiciário. Ou a CPI abre o jogo, ou para de fazer sugestões sobre um inquérito cujo teor é desconhecido até dos acusados.

O envolvimento de Lula numa suposta tentativa de adiar o julgamento é mais uma das "exorbitâncias" apontadas no PT e, com mais loquacidade, entre os aliados. Outra é a forma como retirou a senadora Marta Suplicy da disputa a prefeito de São Paulo. A ex-prefeita, nome mais bem cotado no PT, segundo as pesquisas, foi avisada de que estava fora por meio de uma auxiliar do ex-presidente da República. Ela não gostou, fingiu que aceitou o "dedaço" de Lula e agora não perde oportunidade para boicotar a pré-campanha de Fernando Haddad, o nome escolhido pelo ex-presidente.
Haddad pode ganhar a eleição, o que certamente os áulicos do ex-presidente dirão que é mais uma prova de sua clarividência e genialidade político-eleitoral. O problema não é esse, para quem tem que carregar um candidato pesado e tentar jogá-lo no segundo turno. O problema é que Lula não ouviu ninguém para indicá-lo.

Lula também ajudou na criação da CPI do Cachoeira. Estimulou deputados que o procuraram, para saber o que fazer, a assinar o requerimento. A CPI então parecia conveniente ao PT, embaralhava o julgamento do mensalão, levava o senador Demóstenes Torres ao patíbulo e ainda criava dificuldades políticas para o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), desafeto do ex-presidente da República. Bom demais para ser verdade. Coisa de amador.

Valor Econômico
29/05/2012 

sábado, 26 de maio de 2012

Novos e velhos ativistas (Marco Aurélio Nogueira)


Quanto mais se observa o mundo, a América Latina e o Brasil, mais se percebe que a nossa é uma época com pouca "cabeça" política, pouca direção. As mudanças em curso abalam a vida cotidiana, as relações sociais e o Estado, mas não têm um autor que se possa reconhecer. Apesar de haver uma revolução em marcha, nenhuma revolução propriamente política ocorre. A revolução é passiva.

Impulsionadas por essa dinâmica, as sociedades fragmentam-se, individualizam-se e perdem instituições. Tornam-se cada vez mais parecidas entre si, mas dentro delas a diferença se reproduz incessantemente. Sem centros claros de coordenação, as partes (grupos, indivíduos, regiões) afastam-se umas das outras e seguem lógicas próprias - ainda que, paradoxalmente, tudo fique mais conectado. Uma multidão de novos sujeitos gera novos conflitos e contradições, embora não consiga interferir de fato no jogo político e redirecioná-lo em termos emancipadores. A hiperatividade da sociedade civil ocorre mais em função da necessidade de autoexpressão que da disposição para organizar consensos. O risco de fragmentação corporativista da representação política aumenta, com efeitos deletérios sobre o processo político: partidos e governos se tornam mais "dependentes" dos interesses que vicejam em seu interior, perdem potência como representantes e ficam menos ágeis para tomar decisões.

Com isso, cai a confiança das pessoas nas instituições políticas. Os próprios políticos se enredam sempre mais nos meios específicos da política, sejam eles a disputa eleitoral ou a distribuição de verbas e favores. A relação com os negócios agiganta-se. Cresce o risco de corrupção, diminui a densidade ética da política. Todos se tornam mais preocupados em gerir recursos de poder e maximizar interesses eleitorais, deixando de agir para organizar novos consensos e consentimentos. Desajustada pelos novos termos da vida social, a política passa a produzir mais problemas que soluções. Deixa de ser o principal fator de composição social e estabelecimento de equilíbrios e consensos. Sociedades, indivíduos, grupos, nações e Estados se tornam partes soltas de um conjunto sem muita articulação sistêmica.

Mantém-se ativa, no entanto, uma expectativa social de "proteção" e operosidade estatal, sobretudo de setores marginalizados e de uma classe média que - em parte expandida pela incorporação de contingentes populacionais beneficiados por programas governamentais e em parte empobrecida pelo desemprego e por políticas de ajuste - afirma seus direitos perante o Estado. Trata-se de uma expectativa que se liga à exigência de que os governantes "decidam e façam" (o que incentiva tendências populistas e de hipertrofia do Executivo), mas se combina com uma crescente dificuldade para que se aceitem "ordens" que não nasçam de alguma modalidade de consulta ou interação. Pouco importa que os mecanismos deliberativos adotados produzam resultados precários, desde que eles sirvam para que se manifestem indignação, carências, desejos e opiniões.

Aumenta assim a disposição social para instituir uma nova "zona de ação política", menos institucional e mais individualizada, de movimentação contínua, de pressões antissistêmicas erráticas, que se tornam viáveis pelas maiores facilidades de comunicação e contato. Desponta uma nova politicidade, cujos teor e formato institucional ainda estão por ser estabelecidos.

Novas modalidades de engajamento seduzem antes de tudo os jovens, mas não se resumem a eles, pois tendem a crescer como uma espécie de paradigma da ação política. Sua característica essencial é o questionamento do ativismo tradicional, sustentado por organizações hierarquizadas, classes sociais e causas gerais. O novo ativista luta por direitos e reconhecimento, não por poder. Não sacrifica a vida pessoal em nome de uma causa coletiva ou da glória de uma organização. Não se referencia por líderes ou ideologias. Age festivamente e sem rotinas fixas, valendo-se muitas vezes da sátira e do deboche. É multifocal, abraça várias causas simultaneamente. Sua mobilização é intermitente. Muitos atuam de maneira pragmática, profissionalizam-se como voluntários, buscam resultados mais do que confrontação sistêmica. Seu ambiente são as redes sociais, sua maior ferramenta é a conectividade.

Não há, porém, muralhas intransponíveis separando velhas e novas formas de ativismo, que se cruzam e se podem combinar de diferentes maneiras, beneficiando-se reciprocamente. Se suas agendas contêm distintas ênfases e questões, também estão repletas de temas que somente podem ser enfrentados com sucesso se se interpenetrarem e forem articulados numa plataforma de síntese política.

O novo ativismo pode ser uma importante alavanca de construção do futuro. Será isso, no entanto, na medida em que considerar o conjunto da experiência social e convergir para a reforma democrática da sociedade, do Estado e da política. Se tentar evoluir solitariamente, fechado em suas causas específicas e na busca de autoexpressão, só produzirá ruído e efervescência, perdendo em termos de efetividade.

A necessidade dessa articulação está posta pela vida. Afinal, o social que se fragmenta não desaparece como social. A dimensão coletiva da existência não se dissolve só porque a individualização se expande. Ainda continua a ser fundamental combinar ações e promover convergências. Além disso, os conflitos de classe permanecem, mesmo que as classes não estejam podendo ser atores políticos no sentido próprio do termo. As estruturas de poder, ainda que possam ter enfraquecido alguns de seus fluxos, preservam sua capacidade de emitir ordens, pressionar e coagir.

Marco Aurélio Nogueira, professor titular de Teoria Política e diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

quinta-feira, 24 de maio de 2012

DE OLHO NA ILHA: DIA 23 DE MAIO – A COLONIZAÇÃO DO SOLO ESPÍRITO-SA...

DE OLHO NA ILHA: DIA 23 DE MAIO – A COLONIZAÇÃO DO SOLO ESPÍRITO-SA...: (POR WILLIS DE FARIA)
Eis que abro hoje os jornais e nenhuma linha ou caderno especial falando sobre o dia da “Colonização do Solo Espírito-santense” e seus 477 anos. Veio logo a minha cabeça, o porquê o nosso Estado ser um pária dentro do nosso Território Federal chamado Brasil. Nós mesmos não reconhecemos a importância de nosso solo, o dia que foi criado, pelo Donatário Vasco Fernandes Coutinho. Falta a nós um nacionalismo que corre na veia dos gaúchos que idolatram a sua terra e sua história.
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Os bons companheiros (Demétrio Magnoli)

De "caçador de marajás" Fernando Collor transfigurou-se em caçador de jornalistas. Na CPI do Cachoeira seu alvo é Policarpo Jr., da revista Veja, a quem acusa de se associar ao contraventor "para obter informações e lhe prestar favores de toda ordem". Collor calunia, covardemente protegido pela cápsula da imunidade parlamentar. Os áudios das investigações policiais circulam entre políticos e jornalistas - e quase tudo se encontra na internet. Eles atestam que o jornalista não intercambiou favores com Cachoeira. A relação entre os dois era, exclusivamente, de jornalista e fonte - algo, aliás, registrado pelo delegado que conduziu as investigações.

Jornalistas obtêm informações de inúmeras fontes, inclusive de criminosos. Seu dever é publicar as notícias verdadeiras de interesse público. Criminosos passam informações - verdadeiras ou falsas - com a finalidade de atingir inimigos, que muitas vezes também são bandidos. O jornalismo não tem o direito de oferecer nada às fontes, exceto o sigilo, assegurado pela lei. Mas não tem, também, o direito de sonegar ao público notícias relevantes, mesmo que sua divulgação seja do interesse circunstancial de uma facção criminosa.


Os áudios em circulação comprovam que Policarpo Jr. seguiu rigorosamente os critérios da ética jornalística. Informações vazadas por fontes diversas, até mesmo pela quadrilha de Cachoeira, expuseram escândalos reais de corrupção na esfera federal. Dilma Rousseff demitiu ministros com base nessas notícias, atendendo ao interesse público. A revista em que trabalha o jornalista foi a primeira a publicar as notícias sobre a associação criminosa entre Demóstenes Torres e a quadrilha de Cachoeira - uma prova suplementar de que não havia conluio com a fonte. Quando Collor calunia Policarpo Jr., age sob o impulso da mola da vingança: duas décadas depois da renúncia desonrosa, pretende ferir a imprensa que revelou à sociedade a podridão de seu governo.

A vingança, porém, não é tudo. O senador almeja concluir sua reinvenção política inscrevendo-se no sistema de poder do lulopetismo. Na CPI opera como porta-voz de José Dirceu, cujo blog difunde a calúnia contra o jornalista. Às vésperas do julgamento do caso do mensalão, o réu principal, definido pelo procurador-geral da República como "chefe da quadrilha", engaja-se na tentativa de desqualificar a imprensa - e, com ela, as informações que o incriminam.

O mensalão, porém, não é tudo. A sujeição da imprensa ao poder político entrou no radar de Lula justamente após a crise que abalou seu primeiro mandato. Franklin Martins foi alçado à chefia do Ministério das Comunicações para articular a criação de uma imprensa chapa-branca e, paralelamente, erguer o edifício do "controle social da mídia". A sucessão, contudo, representou uma descontinuidade parcial, que se traduziu pelo afastamento de Martins e pela renúncia ao ensaio de cerceamento da imprensa. Dirceu não admitiu a derrota, persistindo numa campanha que encontra eco em correntes do PT e mobiliza jornalistas financiados por empresas estatais. Policarpo Jr. ocupa, no momento, o lugar de alvo casual da artilharia dirigida contra a liberdade de informar.

No jogo da calúnia, um papel instrumental é desempenhado pela revista Carta Capital. A publicação noticiou falsamente que Policarpo Jr. teria feito "200 ligações" telefônicas para Cachoeira. Em princípio, nada haveria de errado nisso, pois a ética nas relações de jornalistas com fontes não pode ser medida pela quantidade de contatos. Entretanto, por si mesmo, o número cumpria a função de arar o terreno da suspeita, preparando a etapa do plantio da acusação, a ser realizado pela palavra sem freios de Collor. Os áudios, entretanto, evidenciaram a magnitude da mentira: o jornalista trocou duas - não 200 - ligações com sua fonte.


A revista não se circunscreveu à mentira factual. Um editorial, assinado por Mino Carta, classificou a suposta "parceria Cachoeira-Policarpo Jr." como "bandidagem em comum". Editoriais de Mino Carta formam um capítulo sombrio do jornalismo brasileiro. Nos anos seguintes ao AI-5, o atual diretor de redação da Carta Capital ocupava o cargo de editor de Veja, a publicação em que hoje trabalha o alvo de suas falsas denúncias. Os editoriais com a sua assinatura eram peças de louvação da ditadura militar e da guerra suja conduzida nos calabouços. Um deles, de 4 de fevereiro de 1970, consagrava-se ao elogio da "eficiência" da Operação Bandeirante (Oban), braço paramilitar do aparelho de inteligência e tortura do regime, cuja atuação "tranquilizava o povo". O material documental está disponível no blog do jornalista Fábio Pannunzio (http://www.pannunzio.com.br/), sob a rubrica Quem foi quem na ditadura.

Na Veja de então, sob a orientação de Carta, trabalhava o editor de Economia Paulo Henrique Amorim. A cooperação entre os cortesãos do regime militar renovou-se, décadas depois, pela adesão de ambos ao lulismo. Hoje Amorim faz de seu blog uma caixa de ressonância da calúnia de Carta dirigida a Policarpo Jr. O fato teria apenas relevância jurídica se o blog não fosse financiado por empresas estatais: nos últimos três anos, tais fontes públicas transferiram bem mais de R$ 1 milhão para a página eletrônica, distribuídos entre a Caixa Econômica Federal (R$ 833 mil), o Banco do Brasil (R$ 147 mil), os Correios (R$ 120 mil) e a Petrobrás (que, violando a Lei da Transparência, se recusa a prestar a informação).

Dilma não deu curso à estratégia de ataque à liberdade de imprensa organizada no segundo mandato de Lula. Mas, como se evidencia pelo patrocínio estatal da calúnia contra Policarpo Jr., a presidente não controla as rédeas de seu governo - ao menos no que concerne aos interesses vitais de Dirceu. A trama dos bons companheiros revela a existência de um governo paralelo, que ninguém elegeu.

* SOCIÓLOGO,  É DOUTOR EM GEOGRAFIA HUMANA PELA USP. E-MAIL: DEMETRIO.MAGNOLI@UOL.COM.BR

O Globo
Estadão
24/05/2012 

Uma presidente de dedo em riste (Raymundo Costa)

À medida que avança o governo Dilma, aprofundam-se no Congresso convicções sobre as diferenças entre a presidente e seu antecessor, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Elas ultrapassariam, em muito, a variação do estilo pessoal de um e de outro, como se analisava em janeiro de 2011. Hoje a avaliação é que Lula era mais pragmático e se adequava às circunstâncias; Dilma, por seu turno, é ideológica, professa o centralismo democrático e somente recua se for por falta de oportunidade política para impor sua decisão.

Esse tipo de manifestação se materializa no Congresso, entre aliados da presidente da República, mas também pode ser ouvida em ministérios e partidos de reputação nem tanto conservadora. Vale o registro das diferenças anotadas junto com sussurros de insatisfação com algumas das últimas medidas de Dilma.

A criação da Comissão da Verdade, semana passada, parece ser um divisor de águas. Lula delegou ao seu ministro da Defesa Nelson Jobim, a tarefa de negociar sua criação com os militares e as entidades representativas dos familiares dos desaparecidos políticos na ditadura militar.

Medidas de Dilma instigam áreas mais conservadoras

Na base desse negociação, a intocabilidade da Lei da Anistia - aprovada ainda no regime militar, numa correlação de forças desfavorável às entidades. A possibilidade de julgar torturadores, por exemplo, passou ao largo. Revanchismo zero. Dilma foi incisiva, num assunto sobre o qual Lula tergiversava: "A comissão não abriga ressentimento, ódio, nem perdão. Ela só é o contrário do esquecimento", disse.

Dilma também nomeou para a comissão nomes como o do professor de ciência política Paulo Sérgio Pinheiro, que apresentou o cartão de visitas logo à primeira intervenção: "nenhuma Comissão da Verdade teve ou tem essa bobagem de dois lados, de representantes dos perpetradores dos crimes e das vítimas".

Os militares, evidentemente, não gostaram. Jobim, que sonha com voos mais altos, respondeu de pronto que a criação da Comissão da Verdade só fora possível depois de acordo segundo o qual seriam investigados violações de direitos humanos cometidas pelos dois lados. "Reajo com indignação à declaração dele", rebateu Paulo Vannuchi, à época Secretário dos Direitos Humanos. "Em 2010 eu chamava a ideia de bilateralidade sugerida por Jobim de monstrengo jurídico."

Ainda tem curso, do centro para a direita da aliança dilmista, a ideia de que só não se avança na questão do controle social da mídia por falta de ambiente político. Um argumento que a prática não autoriza: o ministro Paulo Bernardo (Comunicações) sentou-se em cima do projeto feito no governo Lula. A própria Dilma orientou o PT a evitar ataques à imprensa na CPI do Cachoeira.

Com a oposição aparentemente paralisada e sem poder de formulação, é no campo governista que circulam algumas críticas ácidas. Exemplo: enquanto os presidentes antes de Dilma serviram ao governo, agora é o governo que serve a Dilma. Tanto sob FHC como sob Lula, as divergências eram intensas. Ao presidente cabia arbitrar. O que se verifica atualmente é um ministério medroso de expressar suas divergências.

A sociedade também se manifestava por meio dessas disputas. Hoje não tem governo. Tem a presidente e a vontade da presidente. Férrea, mas às vezes com soluções diferentes para problemas semelhantes. Um peso, duas medidas: o critério que serviu para demitir o ex-ministro Antonio Palocci das Casa Civil não foi o mesmo que balizou a manutenção de Fernando Pimentel no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).

O ministro dos Esportes. Orlando Silva, caiu fora do governo diante da suspeita de seu ministério ter feito convênios irregulares com ONGs; Ideli Salvatti (Relações Institucionais) se manteve no cargo, apesar de avalizar a compra de embarcações de uma empresa doadora de campanhas do PT, quando estava no Ministério da Pesca.

No arrebalde do governo também se vê ideologia no embate de Dilma com o mercado financeiro, responsável, segundo a presidente, por uma "lógica perversa" pela qual a taxa Selic baixa, a inflação permanece estável, "mas os juros dos cheque especial, das prestações ou do cartão de crédito não diminuem ". Lula teve oportunidade de mudar as regras da poupança, quando a taxa Selic chegou a 8,75%, mas preferiu não comprar briga com o sistema. Dilma foi na jugular dos banqueiros.

Deixou particularmente constrangidos os congressistas o gesto de Dilma com o dedo em riste, repreendendo publicamente o presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, diante de uma plateia de 2.500 prefeitos de todo o país. "Tive que me acalmar, senão seria pior", disse Ziulkoski. Naquele momento Dilma exibiu uma face autoritária: uma coisa é levantar o dedo para um superior; outra para alguém que pode sair dali preso.

Dilma nunca fez mistério do fato de ser uma mulher de esquerda, suas convicções foram esmiuçadas na campanha eleitoral. O governo da presidente torna-se mais claro na medida do tempo, mas nada autoriza que Dilma venha a cair em tentações vizinhas. Ela detesta qualquer comparação com Cristina Kirchner, presidente da Argentina. A presidente governa com ranços de autoritarismo, mas é difícil sustentar que Dilma, no fundo, deseje fazer coisas como controlar a mídia. Até agora ela fez por merecer crédito ao dizer que refere "o barulho, às vezes extremamente dolorido, da imprensa livre do que o silêncio das ditaduras".

Há muito marketing nas ações de Dilma. Mas a presidente nunca fez segredo de que é uma mulher de esquerda. Parece crítica vencida, mas não é. Não é mera coincidência que as críticas à "ideologização" corram num momento em que a presidente cuida de várias frentes de batalha: de ministros que sentem-se esvaziados a setores militares mais radicais das Forças Armadas, passando pelos banqueiros.


Valor Econômico
22/05/2012

Popularidade e eleições (Renato Janine Ribeiro)


Faltam cinco meses para as eleições, e o quadro é o seguinte. A presidente da República tem forte popularidade. Mas seu partido, o PT, parece ter poucas chances na competição pelas principais capitais. Está fora de cena no Rio e talvez Belo Horizonte. Já em Porto Alegre e São Paulo, pela primeira vez desde que existe o segundo turno (1988), até corre o risco de ficar fora da final.

Como conciliar dados assim antagônicos, um favorável e outro contrário ao PT? Comecemos notando que esse cenário desmente os comentários que ouvimos de adversários figadais: tucanos, que acusam o governo federal de mexicanizar o país, querendo abolir toda oposição; petistas, que se regozijam de ver a oposição minguando e já anunciam sua extinção. Nenhum deles tem razão. É verdade que muitos, inclusive eu, pensamos que a principal oposição, a que o PSDB comanda, com apoio do DEM e PPS, está sem muito projeto ou rumo. Mas ela tem votos. Pode ser que, se voltar ao poder, não saiba bem o que fazer. Só que uma parte razoável dos eleitores está disposta a votar nela. Ou seja, nem a oposição morreu, nem o Brasil vai ter um partido só. Como sempre, o exagero não é bom conselheiro.

Mas, com todos os riscos que implica uma previsão a quase meio ano das eleições, o que o quadro atual indica para nossa política? Primeiro, que a popularidade presidencial não se traduz automática ou integralmente em votos. Lula foi o presidente mais popular de nossa história, pelo menos desde que esse dado importa - isto é, desde que o povo passou a ser ator em nossa política, o que não aconteceu no Império, na República Velha ou na ditadura militar. Mas, de cada cem cidadãos que o aplaudiam no final de mandato, quarenta não votaram em sua candidata, no primeiro turno, e quase trinta escolheram o rival dela na decisão das eleições. De lá para cá, Dilma superou a frieza com que o povão a recebeu de início e ainda lhe somou o respeito da classe média e rica, granjeando um nível elevado de respeito. Parabéns. Mas isso se traduz em votos? Não é óbvio.

Em que prefeituras o PT estará apostando em 2010?

Continua havendo uma estranha política em nosso país. Por um lado, o PT governa, na escala federal - mas a partir de um único cargo, o maior da estrutura política brasileira, porém ainda assim solitário: a Presidência da República. Com um vice que não é confiável, isso significa depender demais de uma só pessoa, Dilma Rousseff. O PT é tudo e pode tornar-se quase nada.

Por outro lado, as forças políticas minoritárias, que não conseguem afrontar a presidência, mostram os músculos nos Estados e municípios. Mais nos Estados do que nas cidades. Aliás, muitos municípios de tamanho médio passaram para o PT estes anos. Graças à Presidência da República ele as conquistou, à medida que políticas as mais variadas - sociais, econômicas, universitárias - beneficiavam cidades que, antes, se sentiam abandonadas. Mas o PT avançou pouco no plano dos Estados. Hoje ele, que é fraco nos três maiores PIBs, governa o quarto e o sexto, Rio Grande do Sul e Bahia. Mas em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, nem chega ao segundo turno.

Uma razão para o semi-isolamento do PT é sua característica de partido que, sem ser extremista, está num dos polos da política brasileira. Ele foi para o centro desde que ganhou a Presidência, em 2002 - mas ninguém com algum peso está à sua esquerda. Por isso, ele não pode jogar um lado contra o outro. O PSDB pode aliar-se com o PMDB ou o DEM. Só não namora o PT. Já este não pode se aliar com o PSDB ou o DEM. Só lhe resta, dos partidos grandes, o PMDB, a agremiação menos definida do país. O próprio PSD, ao dizer seu fundador que não é de direita, de centro nem de esquerda, se mostra um PMDB mais explícito que o original em sua vagueza. Daí que o PT só ganhe eleições quando a polarização das coisas o coloca como finalista, e o êxito de suas políticas no âmbito respectivo cai bem junto aos eleitores. Por isso, ele perdeu governos que conquistara - Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal. Por isso, conservou o governo federal e a Bahia. Um esgotamento de material o levou à derrota em Porto Alegre, até então sua vitrina, e dificulta sua volta ao poder naquela cidade.

Felizmente, estamos longe do partido único. Mas o caminho do PT é curioso. Até 2002, muitos esperavam uma ascensão gradual do PT: prefeituras, Estados e, finalmente, a Presidência. Lula conseguiu inverter a ordem. Contudo, nas eleições para os Estados ocorridas desde então - 2002, 2006 e 2010 - o PT avançou pouco. Mas prospera nos municípios pequenos e médios (nem tanto nas capitais). No fundo, é aquela mesma estratégia com uma modificação. A mudança foi ter começado pela presidência, que governa a economia e é decisiva para programas sociais. Economia e sociedade afetam diretamente os municípios. Dizia Ulysses Guimarães: as pessoas não moram nos Estados ou na União, mas nos municípios. É neles que a ação do PT mais dá retornos. Na verdade, no Brasil, não sabemos bem o que são os Estados. Não são os componentes originais da Federação. Não foram eles que a criaram; foi ela que lhes deu autonomia. Desde a colônia, a força no Brasil é municipal. As competências legislativas das Câmaras, municipal e federal, são notórias. Já as assembleias estaduais têm menos a fazer. Talvez por isso, conquistar municípios seja uma boa estratégia de longo prazo. Consolida a presidência, dá apoio nas bases, prepara - um dia - a eleição de mais governadores, que são personagens importantes na política nacional, líderes em seus Estados mas, no fundo, afetam menos a vida das pessoas que um bom (ou mau) prefeito.


Valor Econômico
21/05/2012 

terça-feira, 22 de maio de 2012

Dialética da originalidade (José de Souza Martins)



O Prêmio John W. Kluge, de 2012, concedido pela Biblioteca do Congresso, de Washington, ao sociólogo Fernando Henrique Cardoso, é-lhe outorgado "por uma vida de realizações no campo dos estudos humanísticos e das ciências sociais que não são abrangidos pelo Prêmio Nobel". Foi intenção do falecido magnata da comunicação, que dá nome ao prêmio e o criou, equiparar essa premiação à concedida pela Academia Sueca, fixando-o no montante equivalente, que é de US$ 1 milhão. Fernando Henrique Cardoso é o primeiro sociólogo e o primeiro brasileiro a recebê-lo. Anteriormente, foram premiados quatro historiadores, dois filósofos e um teólogo, sendo dois americanos, um francês, um irlandês, um polonês, um chinês e uma indiana.
O comitê do Prêmio Kluge ressaltou na obra de Cardoso o equilíbrio da profundidade da análise em relação com a evidência empírica. Ele é o primeiro ganhador do prêmio cuja obra científica é marcada pela interdisciplinaridade, abrangendo a sociologia, a ciência política e a economia, de que resulta uma análise sociológica original e profunda. No anúncio da premiação, o diretor da Biblioteca do Congresso ressaltou: "Sua aspiração fundamental é a busca da verdade sobre a sociedade do melhor modo que possa ser determinada, ao mesmo tempo que permanece aberto à revisão de conclusões na medida em que novas evidências se acumulam em decorrência de novas pesquisas ou de mudanças na realidade política e econômica".
Como ocorre com o Prêmio Nobel, a premiação de Cardoso é reconhecimento da qualidade da produção científica no Brasil na área das ciências sociais. Sua obra é o coroamento da linha de trabalho científico da chamada "escola sociológica paulista", que resultou da contribuição de cientistas como Claude Lévi-Strauss, Roger Bastide, Florestan Fernandes, Antônio Candido, Gioconda Mussolini, entre outros, da maioria dos quais Cardoso foi aluno e com os quais trabalhou.
Na obra de Fernando Henrique Cardoso, a interdisciplinaridade permitiu-lhe tratar de maneira criativa a diversidade histórica da sociedade brasileira e seu desenvolvimento desigual. Sua tese de doutorado sobre Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional é um marco na adoção do método dialético em estudos sociológicos. Ele conseguiu estabelecer, com originalidade, a relação entre capitalismo e escravidão, apesar do desencontro histórico que os opõe, e articular um caminho para a compreensão sociológica das determinações profundas de nosso crônico atraso social, político e econômico.
Por essa época, um dos temas dos cientistas sociais brasileiros era o do nosso atraso, o que chamavam de resistências à mudança. O grupo de Florestan Fernandes, na USP, do qual Cardoso fazia parte, dedicou-se aos diferentes agentes dessa resistência - operariado, jovens, Estado, empresariado. Coube a Cardoso realizar a pesquisa sobre os empresários e conhecer como eles próprios compreendiam mal seu papel histórico no desenvolvimento brasileiro. Ele termina seu livro sobre Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico com uma indagação que expõe o problemático impasse do Brasil de então e é o elo com seus estudos posteriores sobre a dependência: subcapitalismo ou socialismo?
Obrigado ao exílio no Chile pelo golpe de Estado de 1964, compreendeu que a nova realidade política e econômica, que se tornava a de toda a América Latina, pedia reinterpretação sobre as leis e tendências na cambiante situação histórica. Com Enzo Faletto, desenvolve uma das interpretações teóricas da chamada dependência. No seu entender, a dependência não fechava o caminho ao desenvolvimento econômico num cenário de consolidação do mercado interno e de globalização da economia. Ainda havia na situação de dependência lugar para uma práxis desenvolvimentista e transformadora, para crescimento econômico e desenvolvimento social. Sua versão da teoria, que se tornou referência de pesquisadores em muitos países, é um dos pontos destacados em sua biografia intelectual pelo comitê do Prêmio Kluge.
Uma característica da obra de Cardoso é a do conhecimento sociológico sobre a competência social de cada categoria para no conjunto da sociedade traduzir suas possibilidades históricas em realidade política, na construção da nação moderna e democrática. Ressalta a nota da premiação que o acerto de suas análises se confirmou na política modernizadora que imprimiu ao Estado quando ocupou a Presidência da República e na continuidade política que suas ações tiveram nos governos que o sucederam. Florestan Fernandes, seu professor, dizia que, não sendo a sociologia uma ciência experimental, a verificação do acerto de suas análises se dá na política.
No anúncio da premiação de FHC e na enumeração das razões em que se baseia, o diretor da Biblioteca do Congresso expõe uma biografia intelectual que em boa parte lembra o título de um livro de Max Weber, decisivo na formação de Fernando Henrique Cardoso: Ciência e Política - Duas Vocações, a vocação como chamamento e missão.
JOSÉ DE SOUZA MARTINS, SOCIÓLOGO, PROFESSOR EMÉRITO DA USP, É AUTOR DE UMA ARQUEOLOGIA DA MEMÓRIA SOCIAL: AUTOBIOGRAFIA DE UM MOLEQUE DE FÁBRICA (ATELIÊ EDITORIAL)
Fonte: Estadão/Álias (20/05/12) 

domingo, 20 de maio de 2012

A Letra Elektrônica: ASSOCIAÇÕES LIVRES NUM DIA DE CHUVA

A Letra Elektrônica: ASSOCIAÇÕES LIVRES NUM DIA DE CHUVA: Não me olhe Como se a polícia Andasse atrás de mim Cale a bôca E não cale na bôca Notícia ruim...
Não sei de onde o Goscinny tirava aquelas idéias maravilhosas que o tornaram tão famoso para além da Via Apia, mas, sabe? Como os gauleses da revista Asterix, às vezes eu tenho medo que o mundo desabe sobre a minha cabeça. Tenho até a sensação de tudo ruir e da falta de chão sob meus pés. ...
Leia no link acima da Letra Elektrônica

A raiz dos nossos problemas de segurança (Luiz Eduardo Soares e Ricardo Balestreri)

Algo está errado: temos a 3ª população carcerária, e só 8% dos homicídios esclarecidos. Um dos erros foi reproduzir o modelo do Exército na polícia

A situação da segurança pública no país permanece grave, a despeito de respeitáveis esforços pontuais. Aconteceram avanços regionais, mas o resultado nacional segue inalterado, pois os problemas se disseminaram para o interior e a insegurança cresceu em algumas regiões.

Os cerca de 50 mil homicídios dolosos por ano tornam o Brasil o segundo país mais violento do mundo em números absolutos. Apenas 8% desses casos são esclarecidos -ou seja, 92% ficam impunes.

A brutalidade de segmentos da polícia bate recordes. Por outro lado, temos a terceira população carcerária do mundo e a que cresce mais rápido, pois prendemos muito e mal.

Na outra ponta, policiais não são valorizados. Em geral, os salários são insuficientes. As condições de trabalho, inadequadas. A consequência é a adesão ilegal ao segundo emprego na segurança privada informal.

Para evitar o colapso do orçamento público, as autoridades se calam. Preferem conviver com a ilegalidade na base do sistema. Resultado: os turnos de trabalho irracionais não podem ser ajustados; a dupla lealdade obsta a execução das rotinas; a disciplina interna é contaminada pela vinculação com o ilícito; e a impunidade estimula a formação de grupos de interesse cuja expressão extrema são as milícias.

Na raiz dos problemas, está a arquitetura institucional da segurança pública legada pela ditadura, que encontrou abrigo na Constituição.

O artigo 144 atribui grande responsabilidade aos Estados e às suas polícias, cujo ciclo de trabalho é, irracionalmente, dividido entre militares e civis. Ele confere papel apenas coadjuvante à União e esquece os municípios, na contramão do que ocorre com as demais políticas públicas -enquanto isso, as guardas municipais estão em um limbo legal.

As PMs são definidas como força reserva do Exército e forçadas a adotar um modelo organizacional concebido à sua imagem e semelhança.

Ora, sabemos que a boa forma de uma organização é aquela que melhor serve ao cumprimento de suas funções. Pois a missão das polícias no Estado de Direito é muito diferente daquela conferida ao Exército.

O dever das polícias é prover segurança aos cidadãos, garantindo o cumprimento da lei -ou seja, protegendo seus direitos e liberdades contra eventuais transgressões.

O funcionamento usual das instituições policiais, com presença fardada e ostensiva nas ruas, cujos propósitos são sobretudo preventivos, requer, dados a variedade e o dinamismo dos problemas, alguns atributos que hoje estão excluídos pela rigidez da organização.

Exemplos: descentralização, flexibilidade no processo decisório (nos limites da legalidade), respeito aos direitos humanos e aos princípios internacionais que regem o uso comedido da força, adaptação às especificidades locais, capacidade de interlocução, mediação e diagnóstico, liberdade para adoção de iniciativas que mobilizem outros segmentos da corporação e até mesmo outros setores governamentais.

Idealmente, o policial na esquina é um microgestor da segurança em escala territorial limitada, com ampla comunicação com outras unidades e outras instituições públicas.

Assim, consideramos inadiável a inclusão da reforma institucional da segurança pública na agenda política, em nome, sobretudo, da vida, mais do que partidos e eleições.

Luiz Eduardo Soares, 58, é antropólogo. Ricardo Balestreri, 53, é educador especializado em direitos humanos. Ambos foram secretários nacionais de Segurança Pública no governo Lula (2005 e 2008-2010, respectivamente)

FONTE: FOLHA DE S. PAULO (18/05/12)

Vitória, terra de ninguém (Antônio C. Medeiros)


É majoritária hoje nos meios políticos e nos meios de comunicação capixabas a percepção de que, pelo menos em Vitória, qualquer tentativa de reeditar agora nas eleições de 2012 a chamada geopolítica – como é chamado o acordo de cúpula para “impor” uma candidatura digamos quase única – está destinada a dar com os burros n’água. Na reeleição de João Coser (PT), em 2008, a geopolítica de cúpula foi, por assim dizer, um ponto fora da curva.

Pelo menos desde as eleições de 1985, e mais recentemente as pesquisas quantitativas e qualitativas continuam apontando para este padrão, Vitória é “terra de ninguém” do ponto de vista político-eleitoral. Com um eleitorado de perfil marcante de classe(s) média(s), a capital não produziu, e provavelmente não produzirá tão cedo, líderes políticos com supremacia político-eleitoral incontestável e duradoura.

Existiram, e existem, é claro, lideranças com grande penetração em cada momento histórico específico – Setembrino Pelissari, Chrisógono Cruz, Hermes Laranja, Vitor Buaiz, Paulo Hartung, Luiz Paulo Vellozo Lucas, João Coser -, mas não existe o “político de Vitória”, seja um cacique ou coronel à moda antiga, seja uma liderança de massa, seja uma liderança de corte racional-legal, estilo gestor.

Vitória não é, para usar uma expressão em desuso, reduto eleitoral de ninguém. A cidade até projeta governadores – por exemplo Vitor Buaiz e Paulo Hartung. Afinal, ela é capital e tradicionalmente tem uma dimensão política maior do que a sua dimensão eleitoral. Mas ela não é um distrito eleitoral com marcante predominância regular deste ou daquele outro político (a não ser no caso da Câmara de vereadores de Vitória, que tem muitos vereadores, historicamente, que costumam colecionar mandatos). Esta característica de “terra de ninguém” acentuou-se ainda mais depois das mudanças demográficas mais recentes, que promoveram novas chegadas de pessoas de outros municípios capixabas e de outros estados, sem lealdades políticas enraizadas com este ou aquele outro líder político da capital.

Paulo Hartung (PMDB), por exemplo, tem base estadual e local, mas não é um político predominante em Vitória, com “corte” local. Iriny Lopes (PT) também não tem “corte” local de Vitória. Lelo Coimbra(PMDB) também não. Luciano Rezende (PPS) tem bom “recall” em Vitória, mas ainda com dimensão de político para disputa proporcional (isso não quer dizer que ele não possa ganhar uma eleição para prefeito, mas quer dizer que ele não é um líder com supremacia em Vitória). Mesmo Luiz Paulo Vellozo Lucas(PSDB), que foi oito anos prefeito de Vitória, com um grande “recall”, não é um político “puro sangue” de Vitória. Perdeu, naturalmente, densidade política e eleitoral em Vitória nos últimos oito anos.

É mistificação e ilusionismo político pensar que o ex-governador Paulo Hartung já ganhou as eleições em Vitória por antecipação. Só se for por WO. Assim como é um equívoco colossal pensar que, só porque a gestão de João Coser padece hoje do fenômeno da “fadiga de material”, Iriny Lopes já perdeu por antecipação as eleições em Vitória. Só se ela jogar a toalha e se render. Ou se o PT de Vitória perder o juízo político. Isto para citar apenas estes dois exemplos.

Paulo Hartung tem preferência nas intenções de votos sobre apenas um terço dos eleitores que se dizem já decididos hoje na capital. Mas existem dois terços que se dizem indecisos. Ou seja, não há supremacia eleitoral, hoje, do ex-governador. Não enxergar isto é de uma ingenuidade política assustadora. Iriny, por sua vez, tem de saída o “piso” eleitoral do PT na capital, que é em torno de 20% dos votos. Isto é pouca coisa?

Ora, pois pois. Para completar o quadro político de hoje em Vitória, Luciano Rezende afirma, respaldado pela direção nacional do seu PPS, que não vai recuar da intenção e decisão de ir para a disputa pela prefeitura. Luiz Paulo Vellozo Lucas também parece seguir na mesma direção de não recuar. Já está até construindo programa de governo para a cidade e para a prefeitura, colocando-se como contraponto ao PT.

Nestas condições políticas e eleitorais, tudo indica que as eleições de 2012 na capital caminham para um saudável e muito esperado ambiente de disputa, com várias candidaturas colocadas. Sem geopolítica. O que aponta para uma probabilidade de segundo turno. Com ou sem a presença da candidatura do ex-governador Paulo Hartung.

Diante deste contexto e desta tendência, o PT de Vitória poderá cometer um equívoco político histórico se detonar a candidatura de Iriny Lopes, ou se caminhar dividido para as eleições. Equívoco, aliás, que ele já cometeu em 1992, quando detonou a candidatura do então vice-prefeito Rogério Medeiros (que surfava no enorme prestígio do então prefeito Vitor Buaiz e na grande aprovação da gestão na qual ele era o vice-prefeito), oficializou a candidatura de então menor densidade eleitoral de João Coser, foi dividido para a disputa e entregou a prefeitura para Paulo Hartung...

Ainda, diante deste contexto também será um grande equívoco se tanto Luciano Rezende quanto Luiz Paulo Vellozo Lucas vierem a recuar das suas respectivas candidaturas. Luciano Rezende tem grande “recall” e grande potencial para crescer na disputa e ser competitivo. Já mostrou isto recentemente. E Luiz Paulo também tem grande “recall” e grande capacidade para recuperar a sua densidade político-eleitoral e retornar à prefeitura. O jogo não está jogado e o quadro eleitoral está, literalmente, em aberto. Mesmo, vale repetir, com a presença de Paulo Hartung na disputa.

Até o início de junho, quando Paulo Hartung poderá decidir se vai ser candidato ou não, e quando o PT de Vitória reúne-se para decidir se vai ou não com Iriny, muita água ainda vai rolar. Por enquanto, o que é necessário é afastar possibilidades de mistificações e ilusionismos políticos. E, principalmente, não esquecer que Vitória é “terra de ninguém”.

Fonte: Século Diário (17/05/2012) 

sábado, 19 de maio de 2012

Contra o Estado-anunciante (Eugênio Bucci)

No México, os meios de comunicação estão se vendendo - e se rendendo - à força do governo. O diagnóstico é de Rubén Aguilar, professor e jornalista mexicano que foi porta-voz da Presidência da República de seu país entre 2002 e 2006 (governo Vicente Fox). "Tudo está à venda", disse ele durante sua palestra no seminário Meios de Comunicação e Democracia na América Latina, realizado no Instituto Fernando Henrique Cardoso, em São Paulo, no final da tarde de terça-feira. E arrematou: "Só o que se discute é o preço".

No México descrito por Aguilar, a tensão entre a imprensa e o poder, que é natural e desejável nos regimes democráticos, tende a desaparecer para dar lugar a uma relação de troca negocial, um toma lá, dá cá em que os governantes ganham poder (com o apoio dos veículos jornalísticos) e os empresários do setor ganham dinheiro (tendo no Estado um anunciante camarada). Assim, enquanto uns faturam votos e outros faturam lucros, a sociedade perde: a fiscalização do poder some de cena e a imprensa se converte em mercadoria política.

Diante desse cenário, o ex-porta-voz foi coerente e se declarou contrário ao uso de verbas públicas no mercado publicitário. O Estado, quando se converte em anunciante, passa a constranger, seduzir, cercear ou mesmo chantagear órgãos de imprensa, não necessariamente nessa ordem. O jornalismo investigativo perde fôlego - e a democracia, também.

Na abertura do mesmo seminário, Bernardo Sorj, diretor do Centro Edelstein de Pesquisa Social, professor titular aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro e organizador do livro Meios de Comunicação e Democracia: Além do Estado e do Mercado (publicado no ano passado pelo Centro Edelstein), tocou no mesmo ponto. Para ele, devemos considerar a necessidade de impor limites ao crescente investimento de dinheiro público em propaganda de governo. Aos que defendem a publicidade governamental com o tortuoso sofisma de que ela jogaria recursos em pequenos jornais e emissoras, contribuindo assim para a "diversidade" no debate público, Bernardo Sorj argumenta, corretamente, que, se for esse o objetivo, o Estado deveria abrir linhas de financiamento público, a partir de critérios democráticos, impessoais e transparentes. Essa seria a política adequada para apoiar veículos menores e fortalecer a pluralidade e a concorrência saudável.

Aos poucos, ainda que tardiamente, vai nascendo entre nós a percepção de que a publicidade governamental distorce, deforma e degrada o debate público. Ela, que sempre foi uma unanimidade entre os agentes políticos - basta ver que, no Brasil e em todos os países da América Latina, os governos anunciam cada vez mais, qualquer que seja o partido do mandatário -, começa finalmente a ser descrita como problema para os observadores mais críticos.

Já era tempo. Aqui mesmo, neste mesmo espaço, esse problema já foi denunciado mais de uma vez: o que existe hoje nas nossas democracias ainda precárias é uma simbiose promíscua entre Estado e meios de comunicação privados, gerando um ecossistema com o qual é muito difícil romper.

No Brasil, a prática avança numa progressão de enrubescer o erário. Na primeira década do século 21 será difícil encontrar, na administração pública brasileira, uma rubrica orçamentária que tenha crescido mais.

Comecemos pela Prefeitura de São Paulo: num intervalo de seis anos, o montante jogado em publicidade oficial praticamente decuplicou, saltando de R$ 12 milhões em 2005 para R$ 108 milhões em 2010. Na cidade do Rio de Janeiro, a evolução foi ainda mais estonteante: em 2009, ao menos de acordo com os dados oficiais, a soma aplicada em publicidade da prefeitura ficou na casa de R$ 0,47 milhão e, em 2011, o total alcançou a cifra de R$ 74 milhões. O governo estadual do Rio de Janeiro passou de R$ 70 milhões em 2005 para R$ 172,5 milhões em 2011. No governo federal, conforme cifras divulgadas no site da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, a Secom, os gastos da administração direta e indireta (contando, portanto, com as empresas estatais) vêm oscilando em torno da marca do bilhão de reais. No ano de 2009 houve um pico: R$ 1,7 bilhão. Também em 2009, o governo paulista alcançou um ápice de R$ 314,6 milhões, ante apenas R$ 33 milhões em 2003.

A que se destinam tantas fortunas? Elas não geram ambulatórios, não criam vagas nas escolas públicas, não abrem um só quilômetro de metrô, não aumentam o efetivo policial, não melhoram as estradas, nada disso. Nem sequer informação elas oferecem à sociedade. Só o que essa dinheirama produz é fetiche: uma boa imagem - imagem mercadológica - para aqueles que governam. É bom observar, a propósito, que a linguagem, a estética e a forma narrativa da propaganda oficial são idênticas - são as mesmas - às adotadas pelos filmetes partidários exibidos no horário eleitoral. A propaganda governamental é o prolongamento escancarado da propaganda eleitoral - e vice-versa. Ao contrário do que dizem os governantes, não sem cinismo, essas peças de comunicação não informam coisa alguma - apenas contam lorotas publicitárias.

O pior, o mais grave de tudo, é que elas esvaziam a independência dos órgãos jornalísticos de pequeno e de médio porte. Dizem as autoridades da comunicação oficial que, distribuindo seus milhões para os pequenos, os governos fortalecem os jornais locais ou "alternativos". É mentira. A verba pública transformada em verba anunciante nos jornais e nas emissoras locais produz neles uma dependência mortal. O dinheiro público entra pela porta e a independência crítica é expulsa pela janela. Também por isso, a figura novíssima e abrutalhada do Estado-anunciante só enfraquece a democracia.

Têm razão Rubén Aguilar e Bernardo Sorj. Mas que político terá coragem de romper com o ecossistema?

Eugênio Bucci é jornalista e professor da ECA-USP e da ESPM

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO (17/05/12)

Dilma consolida autoridade presidencial (Rosângela Bittar)


Dilma, a presidente, está mais à vontade no cargo este ano do que esteve em todo o ano passado, e seu avanço sobre o próprio governo foi possibilitado por dois fatos inesperados e circunstanciais que acabaram lhe dando maior autonomia: o afastamento temporário do ex-presidente Lula da cena política, por razões de doença, e o afastamento definitivo do ex-ministro Antonio Palocci, uma figura muito forte que acabava impondo seu ritmo e seu estilo no Palácio do Planalto.

Até pouco tempo antes de deixar a cena governamental, Lula já era ouvido mais nos assuntos da política e dos políticos do que de governo, e a sua volta, agora, depois de concluído o tratamento de saúde, já encontra uma outra dinâmica instalada. Não que deixará de ser o mais influente e importante dos mentores, mas inclusive pelo afastamento de vários ministros que havia imposto à sucessora, sua ascendência sobre o governo será naturalmente menor.

No que se pode definir como uma nova abordagem do comando, quase do tipo começar de novo, a presidente radicalizou: passou a fazer só o que quer, a desautorizar quem age em seu nome, a resistir a imposições e timings alheios. Por isso a frequência com que se ouve o dito pelo não dito, as esperas prolongadas no tempo para a tomada de decisões. Dilma vai fazendo ao seu modo, nomeando os seus próximos, restabelecendo a rede de confiança e mandando todo mundo se calar. Eles se calam.

Segundo comentários na aliança governista, onde também se vai desistindo de empurrar a ferro e fogo as demandas goela abaixo da presidente, do jeito que está montado o governo, agora, Dilma terá condições de chegar a julho de 2014, no início efetivo da campanha da reeleição ou da hipótese, menos provável, da eleição de um sucessor, "tendo o que dizer à população".
Além dos programas de promoção social e econômica, a agenda de governo da presidente Dilma está, com uma ou outra exceção - de que o exemplo mais citado é o programa Sem Fronteiras, de formação pós-graduada no exterior - voltada para a economia.

Nos discursos dos primeiros meses deste segundo ano Dilma tem reafirmado os problemas que se transformaram em objeto de sua obsessão, todos no trilátero da economia: juros, câmbio e impostos. O enfrentamento dos juros altos se dá às claras e, segundo um intérprete das intenções presidenciais, ela vai até o limite para não ver mais, no Brasil, lucros bancários de um bilhão por mês. Os bancos terão que trabalhar mais para ganhar a dinheirama com que estão acostumados, em resumo. Embora já se admita, depois do primeiro tranco, concessões para que resolvam os problemas que alegam na sua estrutura, não haverá abertura de guarda, será pressão integral. Quanto ao câmbio, o mundo se encarregou de sacudir, e os impostos, Dilma começa a tratar deles agora. A presidente quer não apenas reduzir a carga tributária, mas simplificá-la. Pretende começar negociando com Estados - por exemplo, a renegociação da dívida em troca de uma alíquota única de ICMS - é uma ideia.

O governo se vangloria de ter obtido, até agora, sucesso em 6 das 7 questões que discutiu com empresários em duas reuniões de grupo de representantes com a presidente. O único que não avançou, reconhece, foi o barateamento da energia, por isso escolhido para ser o seu próximo passo. A economia, para crescer, precisa de condições internas e externas, diz-se o axioma no Palácio do Planalto, e as internas serão construídas, como já estão.

Para realizar seu plano e poder chegar a julho de 2014 na situação ideal que deseja, a presidente acredita que não precisará de embates políticos radicais. Ao contrário, pretende evitá-los. Há dois conceitos muito lembrados nos gabinetes do governo. Um, é que "não somos a Argentina, trabalhamos em paz", e suas variações, como a que evita comparações entre Dilma e Cristina Kirchner.

Que ela irá brigar lá na frente com a oposição, não há dúvida, mas agora sua prioridade é governar. "Ninguém governa na guerra", é um dos preferidos lemas no Palácio do Planalto.

Nessa linha de raciocínio o governo gosta de exemplificar a partir da relação da presidente com os principais políticos da oposição, notadamente filiados ao PSDB. Recebeu os sábios do mundo, grupo de que faz parte o ex-presidente Fernando Henrique, para jantar no Palácio da Alvorada; trata o ex-presidente do partido adversário com educação, até com deferência; aprovou a entrega da relatoria da Comissão da Verdade no Senado, assunto delicado e seu grande interesse, ao senador do PSDB de São Paulo, Aloysio Nunes Ferreira; sua conversa com o governador Geraldo Alckmin, de São Paulo, flui. Enfim, um rosário de exemplos para provar que sua ação, toda, é intencional e formulada com esmero. Ou seja, Dilma também não é Lula.

Por isso, o desgosto com a CPI do Cachoeira, criada com o incentivo do ex-presidente para atender a demandas do PT e do PMDB (Renan Calheiros renasceu com o poder na comissão), além do ex-presidente Fernando Collor. Esse tipo de ocorrência, a CPI, pode levar, ao segundo ano de mandato, o risco que as demissões sucessivas de ministros levaram ao primeiro. Principalmente, o da paralisia do governo.

E o que cria mais tensão para Dilma, hoje, na CPI, é a já histórica ideia fixa, do PT e de Collor, de aproveitar a oportunidade para uma vingança e criminalizar o trabalho da imprensa. "A agenda do PT não é a agenda do governo", diz um interlocutor da presidente. O que se conta, em Brasília, é que a sanha tem dias contados: "Quem mandou começar já mandou parar com essa história da imprensa".

Mas embora não tenha levado adiante ainda o projeto de controle da mídia, deixado a este pelo governo anterior e atualmente revitalizado pelo PT no contexto da CPI, Dilma não o engavetou. Acredita que a lei em vigor é da era pré-Internet e é necessário uma atualização, mas não pode ser algo escrito com o fígado, logo depois da disputa eleitoral, eivada de idiossincrasias e de fissura por controle, como o texto em causa. O projeto será podado de tudo o que ferir a democracia para, um dia, ser lançado adiante. Não será no clima de desvios do foco da CPI do Cachoeira, muito menos num contexto de vinganças, que esse marco regulatório se realizará.

FONTE: VALOR ECONÔMICO (16/05/12)

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Retratos da educação no ES

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) divulgou os dados do Censo Escolar 2011, que coloca o Estado em quarto lugar no índice de reprovação no Ensino Médio em 2011.
No ano passado, 18,4% dos alunos do Ensino Médio ficaram reprovados no Estado, sendo 20,4% do total deles alunos de escolas públicas e 5,4% de escolas particulares.
Esses números dramáticos provocaram as seguites tuitadas:

1.No Espírito Santo, dois em cada dez alunos da rede estadual não conseguem avançar de série no ensino médio.

2.A reprovação no ensino médio no Brasil é a maior registrada desde 2007: 13,1%.
No ES foi de 20,7% em 2011.  Aonde estamos errando?

3.O ES é o quarto estado que mais reprova no ensino médio, taxa de 18,4%. Enquanto o Amazonas tem índice de 6%, Ceará 6,7%, SC 7,5%. Pode?

4.Não bastasse , o ES foi o estado da federação onde a reprovação mais cresceu: 4,7%. Para 3.2% da Bahia, 2,8% do Amapá e 2,3% de Roraima.

5.No ensino fundamental as coisas não andam melhores. Para uma média nacional de 6,9% de reprovação, o ES aparece com 11,2%. Quase o dobro.

6.Parafraseando um ex-Secretário estadual de educação: o Espírito Santo saiu mal na foto.

7.Esse resultado desastroso apontado pelos dados do Inep/Mec não pode ser creditado na conta do governador Casagrande mas mostram que seu governo não conseguiu virar o jogo.

8.Os números do Inep/MEC representam muito mais um legado de governos dos últimos 10 anos, ou seja, o "Novo Espírito Santo" não chegou a educação.

9. Assim como não chegou na Saúde, não chegou na Segurança Pública, não chegou na .....

A geopolítica do mal (Renata Oliveira)

O termo geopolítica vem sendo utilizado indiscriminadamente nesse período pré-eleitoral para determinar um arranjo político que garanta a um grupo, o grupo ligado ao ex-governador Paulo Hartung (PMDB), para ser mais precisa, a conquista dos espaços políticos na eleição deste ano.

Mas se os aliados de Hartung se guindam ao termo para defender o processo, forçando a barra na defesa de um arranjo, que teria tirado da política o chamado crime organizado, muita gente não pode nem ouvir a palavra geopolítica.

Para alguns observadores, geopolítica significa um novo tipo de crime organizado, o crime organizado partidário, que decide a eleição antes mesmo de o processo ser deflagrado, tirando da população o direito de escolha.

O candidato, independentemente de sua competitividade, do prestígio e do projeto político, fica refém dos interesses do grupo em que está. Se a candidatura não interessa ao grupo, o candidato é ameaçado, pressionado, os recursos e as alianças lhe são arrancados para que fique isolado, sem condições de disputar.

E quem aceita o jogo, aceita mais do que meramente um leque de apoio que garanta uma eleição tranquila. Aceita também a mudança na esfera política. Em vez de um comprometimento com o eleitor, passa a ter comprometimento com um grupo político. Isso coloca em risco não só o processo democrático, mas também a finalidade dele, que é o bem-estar da população.

Entrar em uma eleição em que não é necessário disputa, estimula o desleixo com o projeto de governo. Não é preciso convencer o eleitor de que o seu projeto para a educação, a saúde, a segurança, etc. é o melhor, porque não terá com quem comparar. E mais grave, coloca o eleitor dentro de um sistema perverso de escolha. Ao mexer nos quadros colocados, fica o eleitor com as alternativas que lhe são permitidas, com o quadro restringindo.

Ganha um grupo que tenta manter seu privilégio político, mas perde o eleitor, perde a política e perde, principalmente, a democracia.

Fonte: Século Diário (16/05/12) 

terça-feira, 15 de maio de 2012


Zygmunt Bauman (entrevista)

Marcos Flamínio Peres

Bauman: “Viver sob pressão de mudanças constantes e, em geral, imprevisíveis favorece uma cultura do esquecimento, em vez de uma cultura do aprendizado e da lembrança”.

Zygmunt Bauman é hoje uma grife da sociologia, lido, citado e compartilhado em toda parte. Esse status se deve em grande medida ao seu conceito de “modernidade líquida”, aplicado às sociedades pós-industriais que perderam o sentido de “pertencimento”.

Desde os anos 1960, explica, houve uma aceleração radical das mudanças sociais e tecnológicas, o que acentuou os sentimentos de mobilidade e individualidade em todos os setores da vida cotidiana: família, posição social, emprego, orientação sexual, relacionamentos amorosos etc.

Bauman desenvolveu essa tese em “Modernidade Líquida” (2000), desdobrada em vários outros títulos que o levariam a conquistar um público fora dos muros da academia: “Amor Líquido”, “Vida Líquida”, “Medo Líquido” e “Tempos Líquidos” (todos publicados pela editora Zahar).

Essas sociedades “leves” e “líquidas” perderam o sentido de solidez e estabilidade, defende o sociólogo. Em consequência, o ser humano tornou-se mais autônomo, o que é um ganho, mas passou a conviver com um fardo pesado: o sentimento de incerteza. E esse estado, diz Bauman na entrevista abaixo, é “provavelmente irreversível”.

Outras mudanças acentuaram mais drasticamente esse quadro: a globalização, a internet e o consumismo.

Professor emérito da Universidade de Leeds (Reino Unido), Bauman deixou a Polônia em 1971, fugindo da perseguição antissemita promovida pelos comunistas. Talvez tenha sido esse olhar “de fora”, de alguém vindo da periferia do continente europeu, que lhe permitiu apreender as transformações agudas por que vinha passando as sociedades ocidentais do capitalismo avançado.

Também deriva desse ponto de vista periférico seu entusiasmo, às vezes ingênuo, com o papel que países emergentes como o Brasil podem exercer na nova geopolítica que se configura. “Eles são laboratórios nos quais novos modos de coabitação humana são concebidos e testados.”

Na entrevista a seguir, Bauman fala igualmente do recém-lançado “Ensaios sobre o Conceito de Cultura” (Zahar, trad. Carlos Alberto Medeiros, 328 págs., R$ 49,90), obra de sociologia “dura” e leitura atenta, mas onde discute os fundamentos teóricos destes novos tempos “líquidos”.

Valor: “Ensaios sobre o Conceito de Cultura” foi escrito 37 anos atrás, quando os estudos culturais estavam apenas começando a se consolidar nos departamentos de ciências humanas, enquanto hoje são hegemônicos. Tantos anos depois, o que mudou no debate intelectual?

Zygmunt Bauman: Alguns anos atrás, quando este livro foi reeditado, me pediram para escrever uma nova “Introdução” justamente para responder a essa pergunta. Mas o aspecto interessante é que as mudanças verdadeiramente seminais ocorridas na sociedade e no papel da cultura se cristalizaram somente poucos anos atrás, após essa “Introdução” haver sido escrita e publicada… Tentei traçar e interpretar essas mudanças em “Culture in a Liquid Modern World” [que sai no Brasil em 2013 pela Zahar]. As mudanças que observei ali são, antes de tudo, uma transformação progressiva da cultura em commodity. A cultura passou de uma função “homeostática”, estabilizadora, para servir ao mercado consumidor e promover a flexibilidade, a fome por novidades e a nova “onivoria cultural” das elites formadoras de opinião.

Valor: O senhor diz ali que vivemos hoje em uma “era da reciclagem”, na qual as ideias são “enterradas vivas”. Quais as consequências disso para o modo como vivemos?

Bauman: Viver sob pressão de mudanças constantes e, em geral, imprevisíveis favorece uma cultura do esquecimento, em vez de uma cultura do aprendizado e da lembrança. Não temos tempo para digerir e assimilar novas informações antes que sejam afastadas de nossa atenção, espremidas por novidades mais recentes – do mesmo modo como substituímos velhos aparelhos pelos novos, recém-distribuídos nas lojas, e que possuem um ou dois recursos que seus predecessores não têm… Na sociedade consumista da modernidade líquida, as coisas começam a envelhecer já no momento em que nascem, e a distância temporal entre acolhê-las entusiasticamente e rejeitá-las como ultrapassadas vem se encurtando em uma velocidade cada vez maior.

Valor: O avanço da internet e das redes sociais tem algo a ver com sua afirmação segundo a qual “nada parece estar verdadeiramente morto ou vivo”?

Bauman: A tecnologia digital, com seu espaço infinito para armazenar informação, intensificou esse processo a que me referi acima: não temos mais necessidade de expandir nossa memória pessoal, na medida em que toda informação existente está mantida em segurança em servidores da Web e pode ser recuperada quando o desejarmos. Hoje podemos esquecer sem nos sentirmos culpados… E fazemos isso. As coisas esquecidas não estão mortas – ou, ao menos, parece. Entretanto, se essa ideia é reconfortante, ao mesmo tempo é enganadora e potencialmente danosa. Nenhuma de suas consequências de longo prazo são realmente encorajadoras. Já seus resultados imediatos são a fragilidade dos limites do homem e o status provisório de quaisquer soluções para os problemas, além das sensações de desconhecimento – mais do que a capacidade de entender- e de impotência – mais do que a capacidade de agir efetivamente e com confiança no resultado.

Valor: Vivemos em um tempo mítico, sem passado nem futuro?

Bauman: Hoje, o “tempo real” se constitui no padrão em relação ao qual todos os outros tempos são comparados. O valor supremo é a imediatez. Não há nada “mítico” nisso. Trata-se, antes, do fato de que essa preferência atual faz com que todos os outros tempos imagináveis pareçam serem percebidos como míticos! Somente o tempo vivido cotidianamente parece e é sentido como “real”. Tudo aquilo que reside no “passado” e no “futuro” foi descartado. Nossas vidas, por assim dizer, são uma sucessão de “momentos presentes” – chamei tal percepção temporal de “pontilhista”, para distingui-la da percepção até então dominante, a de imagens “cíclicas” ou “lineares”. A história é hoje uma série de presentes, e esse presente transitório é a única constância… Em consequência, a incerteza é a única certeza…

Valor: Outro tema que desenvolve é a crise das ideias de nação e nacionalismo no mundo líquido. Em certa medida, “a doçura de se sentir incluído”, o sentimento de pertencimento a uma dada comunidade, se transferiu para as mídias sociais?

Bauman: Para as mídias sociais, para o mercado consumidor e para os Carnavais… Mídias sociais são “redes” fazendo o papel das comunidades enfraquecidas. Mercados consumidores: a partir dele, podemos comprar os ícones do pertencimento, mas sem o genuíno auto-sacrifício e a autoimolação que o pertencimento na vida real requer… E os Carnavais são similares às Copas do Mundo, aos jogos internacionais e às Olimpíadas. Esses três territórios “off-shore” resgatam a vida diária do “demasiadamente real”, do pesado fardo do pertencimento corporal/espiritual…

Valor: Vê-se na Europa Ocidental, berço da ideia de nacionalismo, o fortalecimento de retórica e medidas anti-imigratórias, como na recente campanha presidencial francesa, ou ainda contra trabalhadores, mesmo que qualificados, como a proibição de pesquisadores estrangeiros de lecionarem em território francês. O nacionalismo, na verdade, não está recrudescendo?

Bauman: O nacionalismo tem muitas causas – todas elas muito diferentes… Na Europa, o nacionalismo não está em crise porque o que está em crise é justamente a soberania do Estado-nação. A responsabilidade pela incerteza atual é posta na recente mudança de situação [econômica]. Essa é a razão por que o capital político tenta se construir a partir dos medos nascidos de um processo mais amplo de separação entre o poder, a capacidade de fazer as coisas, e a política, a capacidade de decidir que coisas precisam ser feitas. Na verdade, a União Europeia é um escudo que protege os Estados membros de calamidades muito piores, caso ocorresse um divórcio entre eles. Os problemas que os políticos nacionalistas prometem resolver por meio da ressurreição da “soberania plena” do Estado-nação são fadados a se aprofundar, e não serem sanados, pela desmontagem desse escudo protetor. A imigração, outro alvo dos políticos nacionalistas, também não poderia ser suprimida sem minar a economia europeia, seriamente dependente da capacidade e da mão-de-obra importadas…

Valor: Como potência emergente, o Brasil – e os Brics em geral – são bem diferente das sociedades “líquidas” e pós-industriais que o senhor abordou em seus livros, o que ele pode apresentar de novo ao mundo no que diz respeito à cultura e ao modo de vida?

Bauman: Os centros onde as inovações culturais estão sendo gestadas, de onde se irradiam as inspirações e estímulos culturais, são famosos por suas mudanças de rota. O tempo presente não oferece nenhuma exceção. Outra questão é que os padrões da “periferia” importados dos centros atuais e aparentemente imitados e copiados tendem a ser -com a ajuda do conhecimento acumulado – adaptados, reformados e reajustados criativamente para diferentes realidades. De um ponto de vista histórico, há uma deficiência ligada ao fato de “ser o primeiro” e há uma vantagem em “juntar-se mais tarde”. Se as sociedades que já passaram de seu apogeu, objeto de meus livros sobre a modernidade, podem estar vivendo o “ocaso da civilização” – como intuído cem anos atrás por Oswald Spengler em seu “O Declínio do Ocidente” -, os Brics exalam o ar de uma ressurreição. O Brasil, os demais do Brics e outros países são os centros potenciais de irradiação cultural.

Valor: O consumismo é o pior aspecto das sociedades líquidas?

Bauman: Os candidatos ao primeiro posto são muitos, mas o consumismo é certamente um deles. Ele coloca em questão a sustentabilidade do planeta e, logo, as chances de sobrevivência da humanidade. Enquanto isso, corrói a solidariedade humana necessária para a defesa do futuro do planeta assim como pressiona e enfraquece os limites do ser humano. O consumismo também provoca muita dor e humilhação a uma massa de pessoas ameaçadas pela exclusão ao direito de uma vida decente e digna e relegadas ao status de “subclasse” – os frágeis consumidores…

Valor: Como o senhor desenvolveu o conceito de “sociedade líquida”?

Bauman: Ao longo de um século de sua breve história, a sociologia lutou para se estabelecer como “ciência/tecnologia da não-liberdade”: como uma oficina para formatar as questões sociais que seriam resolvidas na teoria, mas, sobretudo, para colocar em prática o que Talcott Parsons articulou de maneira memorável como “a questão Hobbesiana”. Em outras palavras, tratava-se de saber como levar os seres humanos, abençoados com a ambígua dádiva do livre arbítrio, a serem guiados de maneira normativa em direção a um fluxo de ações previsível; ou, ainda, como reconciliar o livre arbítrio com a vontade de se submeter à vontade dos outros – isto é, elevar a “servidão voluntária”, antecipada por La Boétie no limiar da modernidade, a princípio supremo da organização social. Em resumo: como levar as pessoas a quererem fazer aquilo que elas devem fazer… Em nossa sociedade individualizada, a sociologia encara a oportunidade excitante de se transformar em uma “ciência/tecnologia da liberdade”. Acho que a sociologia não tem muita escolha a não ser seguir, agora como sempre, o mundo em transformação. A alternativa seria a perda de relevância. No entanto, esse caminho “sem escolha” não deveria ser causa de desespero, muito ao contrário. A modernidade líquida de fato coloca os indivíduos, e isso significa todos nós, num estado de indeterminação e incerteza provavelmente irreversível, pois, em nossa condição de fragilidade e transitoriedade, a contingência se tornou nosso habitat natural. Entretanto, é com esse tipo de experiência humana que a sociologia precisa se envolver, em um diálogo contínuo.

Valor: Seus livros sobre a sociedade líquida, escritos em estilo muito menos acadêmico do que “Ensaios sobre o Conceito de Cultura”, tornaram-se um sucesso junto a um público mais amplo. Como lida com esses diferentes perfis de leitores?

Bauman: O diálogo é certamente uma arte difícil. Significa esclarecer as questões em conjunto, mais do que conduzi-las por meio de seu próprio caminho; multiplicar as vozes, mais do que reduzi-las; ampliar as possibilidades, mais do que ter em vista um consenso total; perseguir o entendimento, em vez de visar a derrota do outro; e tudo isso deve estar animado pelo desejo de manter a conversa fluindo. Dominar essa arte consome um tempo terrível e não promete tornar nossa vida mais fácil. No entanto, promete torná-las mais excitante, mais útil aos outros, e transformar nossas escolhas profissionais em uma viagem de descobrimento contínua e interminável.

Valor: Qual a importância das teorias do sociólogo Pierre Bourdieu, que morreu há dez anos, para o desenvolvimento da disciplina?

Bauman: Na minha opinião, a grande contribuição de Bourdieu está em haver ressuscitado o comprometimento das ciências sociais, assim como seus conceitos de capitais cultural e social. Além disso, atualizou os argumentos para a crítica da economia capitalista centrada nos lucros dos acionistas.

FONTE: VALOR ECONÔMICO/CULTURA – 11/05/2012