"País não está pronto para erradicar miséria", diz especialista
Renato Dagnino diz que Brasil não tem conhecimento tecnológico e científico adequado e critica falta de integração com políticas sociais
UIRÁ MACHADO
DE SÃO PAULO
O Brasil não está pronto para erradicar a miséria nem para absorver a chamada nova classe média, avalia Renato Dagnino, professor titular no Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp.
De acordo com ele, falta ao país o conhecimento tecnológico e científico adequado para a inclusão social ocorrer de forma sustentável social e ambientalmente. Por outro lado, Dagnino vê na erradicação da miséria uma "oportunidade de ouro" para repensar o tipo de conhecimento produzido no país.
A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha.
Folha - As políticas sociais do governo se articulam com as de ciência e tecnologia?
Renato Dagnino - No mundo inteiro, a pesquisa feita na universidade é direcionada para o interesse das empresas. Muito pouco atende aos interesses do Estado.
Se olharmos para as demandas que têm a ver com o projeto de erradicação da miséria, veremos uma carência enorme de conhecimento técnico-científico.
Entre outras razões, porque as necessidades básicas das populações nos países desenvolvidos foram atendidas há muito tempo.
Hoje, a expansão da fronteira do conhecimento está conectada ao interesse das pessoas de mais alta renda.
Esse conhecimento de que necessitamos não existe, temos que produzir, com soluções tecnicamente perfeitas, ou as melhores possíveis, além de social e ambientalmente adequadas.
Como seria possível fazer a integração entre as políticas?
É possível utilizar o poder de compra do Estado de uma forma mais coerente com a ideia de inclusão social.
A latinha de alumínio é um exemplo. Por que não podemos transformar a latinha em esquadria de alumínio com uma tecnologia social, completando a cadeia da janela de alumínio com a economia solidária?
O Minha Casa, Minha Vida poderia ser usado de outra forma. Quase todos os recursos vão para empreiteiras, quando uma parte grande poderia ir para mutirões.
Há alguma diferença entre os governos FHC, Lula e Dilma no que diz respeito às políticas de ciência e tecnologia?
Não. Na verdade, o que os dados disponíveis mostram é que vem diminuindo o gasto percentual das empresas em pesquisa e desenvolvimento.
Isso é totalmente esperado. É uma questão estrutural. Existem três bons negócios com tecnologia: roubar, copiar ou comprar. Desenvolver, só em último caso.
E qual é a solução?
No caso brasileiro, não tem solução. Costuma-se dizer que o empresário brasileiro é "atrasado". Ora, se tem empresário competente no mundo, é o brasileiro. Basta ver o dinheiro que ganha.
Agora, o processo de erradicação da miséria é uma oportunidade de ouro. Esse processo desvela enorme demanda reprimida por conhecimento. E não só conhecimento desincorporado, mas incorporado em bens, serviços, capacidade produtiva.
Para fazer um país onde caiba todo o povo brasileiro, é preciso construir outro país do tamanho do que já existe.
Não dá para fazer sem planejar. Está na hora de pensar esse processo de construção do Brasil que a gente quer, e isso não está sendo feito.
Quanto dessa situação se deve ao atual momento social e econômico do país?
Essa situação existe há muito tempo, mas, na medida em que há um dado novo, e esse dado exige expansão da capacidade produtiva, é hora de inovar com qualidade, e não fazer simples aumento quantitativo. Quando se dobra a capacidade produtiva, o impacto indesejável pode até quintuplicar.
O país está pronto para erradicar a miséria?
Do ponto de vista cognitivo, do ponto de vista de conhecimento científico-tecnológico, o país não está pronto de jeito nenhum.
E para absorver a chamada nova classe média?
Também não. Esse processo terá consequências ambientais e sociais. Acaba desfazendo de um lado o que faz do outro. Os programas compensatórios, como o Bolsa Família, são um caso típico.
Sem gerar oportunidade de trabalho e renda para essas pessoas, não se está fazendo muita coisa.
FOLHA.com
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folha.com.br/po884966
RAIO X
RENATO DAGNINO, 62
FORMAÇÃO
Graduado em engenharia, é mestre e doutor em economia
ATUAÇÃO
Professor titular do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)
LIVROS
- "Ciência e Tecnologia no Brasil"
- "Planejamento Estratégico Governamental"
frases
"Se olharmos para as demandas que têm a ver com a erradicação da miséria, veremos uma carência enorme de conhecimento técnico-científico"
"Na medida em que há um dado novo, e ele exige expansão da capacidade produtiva, é hora de inovar com qualidade, e não fazer simples aumento quantitativo"
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