O Rio ganhou um bonito presente no seu aniversário, semana passada: os 56 murais do Profeta Gentileza (1917-1996) nas pilastras do viaduto do Caju, na zona portuária, restaurados e tinindo para apreciação geral. Neles podem-se ler, na letra e grafia ("Amorrr", "Jessuss") que se tornaram sua marca, as frases de Gentileza conclamando ao amor, à natureza, à paz e, claro, à gentileza.
"Gentileza gera gentileza" era o seu mote -do qual ninguém pode discordar, a não ser que queira ser internado. O curioso é que o próprio Gentileza andou sendo preso e internado algumas vezes. Talvez pelo cajado, camisolão e barbas brancas com que se apresentava nas ruas, nos anos 70 e 80, e pela veemência com que vituperava o capeta, o capitalismo, as guerras e a nudez no Carnaval -veemência que se transformava em ferocidade quando ele saía em perseguição às moças de batom e rouge, calças compridas ou minissaias que cruzavam seu caminho.
Gentileza zanzava diariamente entre as barcas, em Niterói, e a praça Quinze e adjacências, no Rio. Ao ver moças de calças compridas, atacava-as de dedo em riste, gritando, "Tira as calças do papai! Tira as calças do papai!". As garotas fugiam, com medo do louco. As de minissaia, que já o conheciam, tentavam esconder as pernocas, mas ele as via e corria atrás delas pelo asfalto, sob vaias da plateia.
Era a prática contra a teoria: Gentileza, em pessoa, não tinha nada de gentil. É curioso como, depois de morto, suas idiossincrasias pessoais se evaporaram diante da "mensagem" que ele deixou em pedra, no Rio, e que já extrapolou para livro, pôster e até camiseta.
Neste processo, para as pessoas de fora ou que não o conheceram, nasceu um personagem quase mítico: um misto de São Francisco de Assis, que ele pensava ser, e Chacrinha, com quem foi identificado e não repudiou a identificação.
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