domingo, 27 de fevereiro de 2011

Scliar consolidou a temática judaica na literatura brasileira (Michel Laub)

É sempre difícil falar da obra de um escritor tão prolífico quanto Moacyr Scliar.

Da estréia com "O Carnaval dos Animais (1968) até o elogiado "Eu Vos Abraço Milhões" (2010), foram algo como 70 livros entre romances, coletâneas de contos, crônicas, ensaios e infanto-juvenis. Um conjunto heterogêneo, naturalmente, tanto nos temas e na forma quanto no resultado --que, em seus melhores momentos, teve registros que iam do fantástico/mítico em "O Centauro no Jardim" (1980) ao realismo histórico de "A Majestade do Xingu" (1997).
Os manuais e enciclopédias do futuro devem creditar a ele, na esteira do pioneirismo de Samuel Rawet (1929-1984), a consolidação da temática judaica na literatura brasileira. Mais amplamente, das questões que envolvem imigrantes na sociedade moderna do país.
Nos anos 70, quando Scliar se firmou na geração que tinha João Antonio, Ignácio de Loyola Brandão, Ivan Angelo e outros tantos nomes menos ou mais engajados, os sentimentos característicos desse tipo de personagem --sua estranheza e ambiguidade diante de uma realidade muitas vezes hostil-- de alguma forma ganharam ressonâncias políticas condizentes com o espírito da época.
Mas o traço que mais define o autor talvez seja o de contador de histórias. Influenciado por tradições ancestrais como a narrativa oral e a parábola bíblica, poucas vezes ele se colocou acima de seus enredos, tanto em termos de estilo quanto de uma suposta sofisticação psicológica.
Para muitos que o conheceram ou trabalharam com ele --amigos, colegas, as dezenas de jovens escritores para quem ele escreveu prefácios, os editores de jornais e revistas que ele salvou de inúmeras emergências em prazos exíguos--, era como se esse procedimento literário, que transpirava interesse pelos pequenos dramas e comédias humanos, fazendo com que isso chegasse ao leitor da maneira mais despojada e saborosa possível, reproduzisse um traço pessoal seu: a generosidade.

Michel Laub é autor dos romances "O Segundo Tempo" (2006) e "O Gato Diz Adeus" (2009), ambos lançados pela Companhia das Letras

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