quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Novo Senado, velho Senado (Marco Antonio Villa)

Postado por Villa em 31/01/2011

Este artigo foi publicado na FSP em 2 de janeiro de 2003. Estava começando o governo Lula. Escrevi que nada mudaria se o Executivo buscasse uma aliança com as oligarquias. Confesso que errei. A presidência Lula mais do que uma eventual aliança, entregou parte do governo aos oligarcas. E pior: deu novo alento às oligarquias que estavam perdendo espaço político nos seus estados.

O Senado e as oligarquias

MARCO ANTONIO VILLA

Nos programas de auditório já virou rotina apresentar testes de DNA para descobrir quem é o pai de uma criança. O público participa, ri, xinga; os casais brigam e o apresentador conduz o programa até o clímax, quando abre o envelope e diz se o cidadão é ou não o pai. No Congresso Nacional, não é preciso toda essa mise-en-scène, pois são visíveis as relações de parentesco entre senadores e deputados federais; e destes com governadores, prefeitos, deputados estaduais e vereadores. Se realizarmos um apurado levantamento, da esfera municipal à federal, encontraremos um grupo seleto de famílias que controlam o mundo político brasileiro.
O caso mais evidente é do senador José Sarney. Eleito pelo Amapá em um exercício de ficção digno da sua obra literária e fazendo parte do PMDB, viu sua filha, Roseana Sarney, eleita senadora representando o Maranhão, pela legenda do PFL. Assim, pela primeira vez na história republicana, temos pai e filha no Senado Federal e, além disso, representando Estados distintos e por partidos diferentes. Sem esquecer que Sarney Filho foi reeleito deputado federal e o candidato da família herdou o Maranhão. Tão Brasil, diria Manuel Bandeira.
No Império também tivemos no Senado um pai e um filho: Francisco de Lima e Silva e o então conde de Caxias. Este tomou posse em 1846 e conviveu oito anos com o pai na mais alta Casa legislativa. Porém o número de eleitores era muito restrito e, no final, cabia ao imperador escolher, de uma lista tríplice, o senador. Além de tudo, o mandato era vitalício. Contudo, em um regime republicano e democrático, é muito raro que isso aconteça. Evidente que há casos de pais e filhos eleitos representantes do povo em épocas distintas, como os Bushs, nos EUA, mas é exceção.
No Brasil foi a República que petrificou as oligarquias. A adoção do federalismo logo no primeiro ato do Governo Provisório, em 15 de novembro de 1889, transfigurou monarquistas reacionários em republicanos sinceros: queriam ter poder local, o que era dificultado pela rígida estrutura centralizada do Império. Desde então tivemos famílias que se perpetuaram no poder em seus Estados.
A República Velha foi caracterizada pelo poder oligárquico -contra ele se levantaram os tenentes. Contudo conseguiu se preservar no primeiro governo Vargas, especialmente durante o Estado Novo. A redemocratização de 1945 resguardou o poder dos oligarcas, então mais influentes graças à expansão do aparelho de Estado. A ditadura militar acabou se apoiando politicamente nas oligarquias regionais, que aderiram à Arena logo após a sua criação, em 1965, e serviram fielmente ao regime, fingindo participar dos grandes temas nacionais, que eram efetivamente decididos no Palácio do Planalto.

Se fizermos um apurado levantamento, veremos um grupo seleto de famílias que controlam o mundo político brasileiro


Imaginava-se que o fim da ditadura permitiria a formação de uma nova elite política. Ledo engano. Filhos, sobrinhos, netos e esposas de políticos tradicionais foram eleitos em 1986. Dizia-se que tinham vocação para a política, uma espécie de "virtu" genética. E foi no Nordeste que o domínio oligárquico se manifestou de forma mais límpida, com os Alves, Maias, Francos e Magalhães, entre outros. Era como se William Faulkner estivesse pensando o Nordeste quando escreveu que "o passado nunca morre; ele nem sequer passa".
A permanência da oligarquia deve ser creditada às décadas de controle político nos Estados, o que possibilitou a consolidação de uma máquina eleitoral municipal; ao controle dos meios de comunicação de massa; às relações com o poder econômico regional; e, principalmente, ao papel de intermediário para obtenção de verbas e apoio político do governo federal.
As eleições se sucederam e, em vez de diminuir o poder oligárquico, ele se fortaleceu. E é no Senado que fica mais transparente a sua presença, agravada pela excessiva representação de três senadores por cada Estado. É rotineiro que, no final de mandato, um governador reserve a "sua" vaga no Senado: os oito longos anos de mandato servem como um refrigério para novas aventuras políticas. Caso fracasse, permanece no Senado. Assim, nossa mais alta Casa legislativa é uma espécie de sala de espera para uns e de aposentadoria dourada para outros. A longa duração do mandato cria um descompasso com os novos cenários políticos gerados a cada quatro anos. Para piorar, há a figura do suplente, desconhecido do eleitor, mas escolhido a dedo pelo candidato.
Um Senado que se preze não pode conviver com esse avassalador domínio das famílias. Por outro lado, não é possível, como sempre, imputar à tradição ibérica a causa dessa anomalia política; inclusive porque em Portugal não há Senado, o Parlamento é unicameral e hoje não é possível falar em oligarquia.
Romper o domínio dos senhores do baraço e cutelo é o caminho para a efetiva consolidação da democracia. Esta tarefa começa no centro, em Brasília, com um governo que não se concilie com os mandões locais, fechando os condutos federais que alimentam e preservam o coronelismo.

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