sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Reforma política: para valer ou só mais um capítulo de uma novela sem ibope e sem fim? (Bolívar Lamounier)

Há fortes indícios de que os partidos que compõem a base de apoio do governo vão ressuscitar o tema da reforma política. Estão tirando das gavetas os projetos que de tempos em tempos agitam o Congresso, e propala-se que o próprio vice-presidente, Michel Temer, teria alinhavado mais um.

Em sua mensagem de anteontem, a presidente Dilma Rousseff também tocou no assunto. Disse que é preciso reforçar a espinha dorsal programática de nossa estrutura partidária.

Desta feita, a novidade é que o PT e o PMDB ter-se-iam convertido ao chamado voto em lista fechada. Vou deixar para falar disso amanhã, juntamente com o voto distrital, outra sugestão que vem sendo debatida. Hoje eu quero traçar alguns antecedentes, remontando aos anos 80.

Mas adianto, para ser sincero, que ando escaldado com toda essa questão de reforma política. Como relator das propostas sobre o assunto, me dediquei a ela apaixonadamente na Comissão Afonso Arinos (1985-86); depois, na condição de “espectador engajado”, acompanhei com muita atenção os trabalhos da Assembléia Constituinte (1987-88) e participei de muitos debates por ocasião do plebiscito sobre o parlamentarismo (1993).

Com a derrota do parlamentarismo, a discussão sobre reformas encolheu. O ímpeto de reformar arrefeceu, creio eu que por duas razões principais: a perda de espaço decorrente do resultado do plebiscito e a crescente urgência da estabilização da economia, problema que Fernando Henrique Cardoso começou a enfrentar como ministro de Itamar Franco e em seguida como presidente.

Daquele momento até hoje, nunca mais o substantivo reforma circulou por aí sozinho. Onde quer que ele vá, podem reparar, ele está sempre de braço dado com o adjetivo fatiada. Afirmava-se, suponho que com razão, que o Congresso só aprovaria projetos que por lá aparecessem disfarçados de salame. Mesmo assim, fato é que ele não aprovou muita coisa.

Modestos os objetivos, modestíssimos os resultados. Com duas exceções: a admissão da reeleição para cargos executivos, aprovada em janeiro de 1997, e cláusula de barreira (exigência de um percentual mínimo de votos para um partido se fazer representar na Câmara), aplicada em 2006 mas a seguir declarada inconstitucional pelo Supremo, no que me pareceu um medonho equívoco.

Para não sermos injustos, é preciso reconhecer que um bom número de parlamentares, em vários partidos, continuaram a procurar meios e fórmulas para o aprimoramento da estrutura partidária.

Mas é claro que o estado de coisas acima evocado não teria como ser alterado sem o empenho sincero e decidido do Presidente da República. Fernando Henrique não pôde entrar nessa questão, presumivelmente pelas razões que indiquei acima, e Lula tampouco o quis fazer em seus 8 anos de mandato, só vindo a falar em reforma política quando se preparava para descer a rampa do Planalto.

Consta que o PT está agora disposto a apoiar uma reforma, especialmente uma que introduza o voto em lista fechada, ao qual fiz referência acima. Antes, porém, quero explicar por que escrevi que o PT está “agora” disposto a apoiar uma reforma. No Brasil – com exceções honrosas, que não disponho de espaço para nominar -, os partidos de esquerda, a esquerda intelectualizada, o clero militante e as lideranças dos chamados “movimentos sociais” tendem a sustentar opiniões no mínimo pitorescas a respeito de toda a gama de questões institucionais.

Faz tempo que eles se colocaram numa posição de intransigente defesa do status quo, encontrando mérito até na regra constitucional que super-representa os estados menos populosos e sub-representa os de grande população. Somos portanto um país cheio de democratas que se recusam a reconhecer o princípio “uma pessoa, um voto”.

Mas, como comecei a relatar, os agrupamentos soi-disant de esquerda – por desconhecimento dos assuntos ou em vista da condição minoritária em que se encontravam naquela época – posicionavam-se contra toda e qualquer reforma política.

Atrevo-me a sugerir que a crise do mensalão foi um divisor de águas no debate da reforma política. Até aquele momento, prevalecia no meio político, na imprensa e entre lideranças sociais de modo geral uma moderada receptividade a uma reforma que melhorasse o funcionamento interno do Legislativo, dilatando-lhe em alguma medida as prerrogativas, mas não a ponto de complicar as relações Legislativo/Executivo. Por esse ângulo, o tema recorrente era a regulamentação das MPs (Medidas Provisórias).

Foi o mensalão, ao alvejar em cheio a imagem do PT e esparramar estilhaços pelo Congresso inteiro, que colocou a questão da reforma política noutro patamar e sob uma luz diferente. Por um lado, o aspecto ético ganhou uma dimensão enorme; por outro, um intento de reforma que não fale aos corações e mentes dos eleitores – dos mais informados e participantes, pelo menos – poderá ser assaz contraproducente para a reputação a esta altura assaz combalida do Congresso Nacional.

Realmente, a crise do mensalão deixou pelo menos três lições amargas:

- no tocante à corrupção, por mais que as instituições estatais tenham evoluído, o sistema de que dispomos para a investigação e penalização dos envolvidos ainda deixa muito a desejar;

- no presidencialismo, mesmo que os problemas tenham origem no Executivo, este consegue transferir o ônus para o Legislativo sem grandes dificuldades, caracterizando-o como um Poder ocioso e corrupto e dessa forma desgastando-o por mais alguns longos anos;

- superada a conjuntura crítica, todos voltam a falar em reforma política – a candidata Marina Silva propôs até a convocação de uma constituinte exclusiva para esse fim -, mas nada acontece.

Por que é que nada acontece? Primeiro, porque mesmo os cidadãos a que há pouco me referi, os mais informados e participativos, carecendo de uma reflexão amadurecida sobre tais questões, mantêm-se indiferentes ou se dividem em função de preconceitos ou de afiliações ideológicas que nada têm a ver com as matérias em debate.

Segundo, porque os próprios congressistas temem a reforma. Temem mudanças que incidam de maneira imprevisível na correlação de forças entre os partidos e dentro de seus próprios partidos. Temem piorar sua imagem já bastante negativa na opinião pública.

Desta forma, o assunto reforma vai e volta, some e reaparece, e eles lá permanecem com os olhos fixos em sua caixa de Pandora, paralisados, sem coragem de levantar-lhe a tampa.
Em 03/02/11

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