quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Reforma política (IV): vamos tentando ver algo, mas a visibilidade ainda é pouca

Bolívar Lamounier

Na fase preliminar em que se encontram, ainda não dá para prever qual será o eixo principal das discussões sobre reforma política. Nesta altura, o que os parlamentares estão passando para a imprensa é o que gostariam que ocorresse, não o que provavelmente vai ocorrer.

Dias atrás, refletindo sobre o tema, o senador Aécio Neves começou por defender o fortalecimento da federação; fez referência específica a perdas que isenções tributárias federais têm causado às já combalidas finanças estaduais e municipais.

No terreno eleitoral, Aécio avaliou que a chamada cláusula de barreira (ou de desempenho, como se queira) e o financiamento público de campanhas estarão entre as questões a considerar. No meu caso pessoal e de grande parte do meu partido, prosseguiu, “…defendemos o voto distrital misto como instrumento de aperfeiçoamento do processo legislativo”.

A esse rol, os jornais de hoje acrescentaram o voto em lista fechada, regras de fidelidade partidária e regulamentação do lobby.

Noticiou-se também que os trabalhos contarão com a participação de três ex-presidentes, os atuais senadores José Sarney, Fernando Collor de Melo e Itamar Franco. Este me parece ser um dado positivo, dada a inegável importância da experiência presidencial em nosso sistema político.


Acadêmico incorrigível, o que eu acho complicado é um trabalho dessa natureza ter início sem uma elaboração mais cuidadosa quanto aos problemas que supostamente precisam ser equacionados, aos conceitos que em tese lhe darão consistência, e a medidas concretas de reforma.

Se me permitem, vou dar abaixo as respostas às indagações que eu mesmo acabo de fazer.

O problema a equacionar parece-me ser a distância sideral que hoje existe entre representantes e representados; ou, dito de outro modo, a necessidade de uma incorporação mais efetiva dos cidadãos relativamente desprovidos de recursos e de instrução ao sistema político. Isto significa melhorar a inteligibilidade do processo político e das políticas públicas para o eleitor, tornar mais densos os vínculos verticais dele com seus representantes, e proporcionar-lhe uma sensação de maior eficácia no exercício do voto e na apresentação de eventuais pleitos.

Meu conceito-chave seria accountability. Eu usei e abusei desta expressão inglesa nos meus três posts recentes sobre reforma política. Traduzi-la para o português com uma só palavra é impossível. Por extenso, ela significa que o trabalho dos políticos e dos agentes públicos de modo geral é balizado por obrigações jurídicas e culturais (vale dizer éticas) de transparência, probidade e respeito pelos cidadãos.

Portanto, se digo que o governo de determinado país é accountable, estou dizendo que os cidadãos podem nutrir uma bem fundada expectativa de que serão tratados de forma adequada naquelas três dimensões. Que existe uma convicção generalizada e realista de que os representantes e as instituições os ouvirão com atenção e respeito e tomarão as providências devidas no caso de algum malfeito de caráter público.

Fácil compreender que é uma questão de grau; posso dizer que o país “A” é mais accountable que o país “B”, ou que o Brasil de hoje é menos (ou mais) accountable que o Brasil de ontem.

Por favor, me entendam: accountability nada tem a ver com mandato imperativo – uma idéia de inspiração medieval que implica restringir a autonomia do representante no exercício do mandato-, nem com obrigação por parte de quem quer que seja de se desdobrar para atender demandas exageradas, inatendíveis ou irresponsáveis.

Accountability significa que o cidadão médio, se quiser, ficará mais bem informado, mais interessado e mais vigilante, e que, do outro lado da mesa, os políticos e agentes públicos o irão tratar como um verdadeiro cidadão, porque nisto, querendo ou não exercer os seus direitos, ele é igual a qualquer outro .

Num país carente como o Brasil, existe um problema insolúvel: a fantasia do tudo ou nada. Não passam dez minutos sem que ele venha à tona, perto ou longe das campanhas eleitorais. Percebendo que não obtiveram ou não têm chance de obter tudo o que esperavam, muitos cidadãos resolvem jogar pedras na vidraça. Enfiam na cabeça que todo mundo é corrupto e que as instituições não passam de fachadas dispendiosas.

Multiplicada por milhões, essa atitude individual tem como único efeito a redução da legitimidade delas. Sem esquecer que em muitos casos a frustração ocorre por motivos puramente individuais, geralmente algum pedido de emprego.

Não, o que na democracia se pode e deve esperar dos partidos e do legislativo é zelo pelo interesse público, atenção a interesses coletivos legítimos, diligência, transparência e responsabilidade. E probidade, evidentemente; mas na vida pública, como Mário Covas gostava de dizer, honestidade não pode ser objetivo, pois é um pressuposto.

Quanto a medidas concretas de reforma, eu apresentei em meu post anterior alguns argumentos favoráveis ao chamado voto distrital puro (majoritário uninominal).

Voltando ao começo deste texto, eu não sei se o voto distrital vai ou não ser considerado nas discussões que ora se iniciam no Congresso. Espero que sim, mas não sei. Há algo que possamos fazer a esse respeito? Eis uma boa pergunta.

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