quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

As invasões bárbaras - Karina Ninni

A introdução pelo homem de espécies exóticas em determinados ecossistemas ajudou a moldar países como o Brasil, que teve no café (coffea arabica) a base de sua economia. Mas é também a maior causa de extinções no mundo nos últimos quatro séculos. As invasoras competem e, muitas vezes, prevalecem sobre as nativas. Podem também provocar danos à saúde humana. Um exemplo é o mosquito transmissor da dengue, o Aedes aegypti, que, como o nome diz, veio do Egito. O governo estima que o prejuízo provocado pelas espécies invasoras no Brasil ultrapasse R$ 100 bilhões por ano.
A Estratégia Nacional de Espécies Exóticas Invasoras (EEI) foi lançada em 2009. Está baseada em cinco levantamentos sobre as espécies: as que afetam a saúde, as que afetam a produção, as que vivem em ambientes terrestres, em águas continentais e em ambiente marinho. 'Estamos incentivando os Estados a fazer seus inventários', diz Coradin.
Dois deles já lançaram suas listas: Santa Catarina e Paraná. Este último começou o controle pelas Unidades de Conservação (UCs). 'Constatamos que todas as unidades tinham problema com invasoras. Havia UCs com viveiros produzindo invasoras exóticas e distribuindo as mudas', afirma João Batista Campos, diretor de Biodiversidade e Áreas Protegidas do Instituto Ambiental do Paraná.
Isso ocorreu com o pinus. Vindo de lugares como Estados Unidos, México e América Central, foi trazido ao Brasil na década de 50 do século passado para ser usado em reflorestamento e para fins ornamentais. Cultivado no Paraná e em Estados vizinhos, entrou nas UCs. Agora o pinus está sendo removido das áreas protegidas, porque mata plantas menores ao bloquear a luz do sol.
O pinus também se tornou um problema na Argentina. O pesquisador Sergio Szalba começou um programa de erradicação da espécie no Parque Estadual Ernesto Tornquist, com o apoio da comunidade local. 'Fazemos a remoção e ao mesmo tempo mantemos um viveiro de nativas. A lenha das invasoras é distribuída para a comunidade.'
Já a remoção dos javalis que se espalharam pelo Brasil a partir do Rio Grande do Sul não foi tão fácil. Natural da Ásia, Europa e do Norte da África, o animal entrou no Brasil pela Argentina e pelo Uruguai, trazido por criadores. Estragou lavouras e transmitiu doenças, além de ter atacado e matado pessoas.
O Ibama autorizou, mas depois revogou, a caça para controle. Grupos protetores de animais comemoraram. 'Temos de ser racionais. Quem trouxe e soltou deveria se responsabilizar e levar o animal para o seu lugar', afirma a psicóloga Rosana Gnipper, da Associação Ambientalista Ecoforça.
'O problema desse tipo de introdução de espécies é que, quando dá certo, beneficia poucos, mas, quando dá errado, prejudica muita gente', resume Sílvia Ziller, integrante do Conselho do Programa Global de Espécies Invasoras (Gisp). Criado em 1997, o Gisp reúne especialistas que defendem a criação de uma estratégia global para EEIs.
Manejo. 'Controlar as invasoras não é necessariamente exterminar nem proibir o cultivo ou criação. Em boa parte dos casos é tentar delimitar onde podem ou não ocorrer', explica a bióloga Cristina Azevedo, do Departamento de Proteção da Biodiversidade da Secretaria Estadual do Meio Ambiente de São Paulo.
A estratégia paulista para lidar com as EEIs foi entregue ao Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) em dezembro de 2009 e ainda aguarda aprovação. Entre as espécies indicadas para criação ou cultivo sob controle estão o tambaqui (original do Amazonas e do Orinoco), a jaqueira e o lírio-do-brejo (asiáticos). Nos casos do caramujo-gigante-africano - que, trazido para substituir o escargot, virou praga no Brasil inteiro -, do mexilhão dourado asiático e do javali, o documento indica proibição de uso, transporte, criação, propagação e soltura.
Se controlar espécies que ninguém quer é difícil, o manejo das invasoras com valor comercial é uma tarefa hercúlea. É o caso da tilápia-do-nilo, introduzida no Brasil pelo governo nos anos 80.
'O peixe foi trazido pela Companhia Elétrica de São Paulo para uma estação de piscicultura na Bacia do Rio Pardo e depois virou um pesadelo. Compete com as nativas, come o que vê pela frente e aumenta a eutrofização (excesso de nutrientes que causa reprodução descontrolada de algas) da água. Para o produtor, é rápido e fácil criar a tilápia. Mas ela ataca a base da cadeia alimentar de outras espécies', alerta o biólogo Mário Orsi, do Conselho Regional de Biologia do Paraná. Ele afirma que a maior incidência das tilápias está nas bacias do Tietê e Paraná.
'Os peixes estão sendo criados em tanques-rede em águas públicas. Isso não deveria ser permitido. Criar, tudo bem, mas não em tanques-rede, pois o peixe escapa pela malha e vai parar nos rios', diz Orsi. Ele afirma que a tilápia já está chegando à Amazônia. 'O Acre proibiu, mas ela já está em Rondônia.'


USP vai tirar palmeiras de reserva
Hoje e amanhã a Universidade de São Paulo promove palestras de conscientização para iniciar a erradicação de uma palmeira australiana. Introduzida com fins ornamentais há cerca de 20 anos, ela ameaça a reserva nativa da Faculdade de Biologia, que guarda uma amostra de Mata Atlântica de Planalto.
O projeto, adiado há anos, vai sair do papel. Está orçado em R$ 300 mil. "Vamos retirar 6 mil palmeiras adultas de uma área de 20 hectares", diz Márcia Regina Mauro, diretora do Serviço Técnico de Gestão Ambiental da Coordenadoria do Câmpus da Capital. "Mas temos de informar as pessoas, que ignoram o assunto e podem pensar que estamos depredando o câmpus."
"As espécies que hoje causam estragos foram introduzidas sem protocolo ou plano de manejo. E o pior é que continuamos fazendo isso, com novas e velhas espécies invasoras", alerta Sílvia Ziller, do Global Invasive Species Program.
Ela cita os casos da braquiária e da algaroba. "A braquiária foi trazida para alimentação de gado e em alguns lugares é semeada por meio de avião", diz Sílvia. A espécie que chegou ao Brasil é nativa da África do Sul.
Já a algaroba vem causando estragos na Caatinga, onde acaba com a pouca água que encontra. "Na África, comunidades nômades pastoris estão perdendo pastagens e plantéis porque a fava que ela produz tem uma toxina que, ingerida pelos animais, provoca perda de dentição e morte por inanição."
A prevenção é o melhor remédio contra as espécies exóticas invasoras, dizem especialistas.
Mesmo sem ser um deles, Alex Carneiro, morador do condomínio Pedra de Itaúna, no Rio, procurou ajuda ao perceber que o número de saguis havia crescido no local. "Os pássaros estavam diminuindo e os saguis, aumentando", diz Carneiro, que entrou em contato com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
A ecóloga Helena Bergallo atendeu ao chamado. "O Estado do Rio está infestado por duas espécies que não são nativas: o sagui-do-nordeste e o sagui-do-cerrado." Além de competir com uma espécie nativa, eles comem ovos e filhotes de pássaros. "Temos um sagui da região serrana. E estamos perdendo essa espécie geneticamente, pois as invasoras podem cruzar com a nativa e formar híbridos." Helena diz que os invasores chegaram por meio de tráfico de animais. "Tentaremos castrar os machos para ver se conseguimos frear a invasão no condomínio."
Nova Zelândia é campeã de espécies ‘forasteiras’
Na Europa sem fronteiras após a criação da União Europeia e com sua tradição de livre comércio, a questão das espécies invasoras foi eleita prioridade.

"A Europa perde por ano mais de U$ 15 bilhões com as espécies invasoras", afirma Piero Genovesi, chefe do Grupo de Especialistas em Espécies Invasoras da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). Problemas na saúde pública, perdas nas lavouras e o próprio manejo das invasoras entram nessa conta.

De acordo com Genovesi, os países ricos são mais vulneráveis porque têm maior volume de comércio e turismo. "Mas nenhum país ou região está imune às invasões", alerta. "E, se os ricos são mais vulneráveis, os pobres dispõem de menos recursos para lidar com o problema."
A última epidemia de cólera na América do Sul é um exemplo clássico. O vibrião que transmite a doença, originário da Ásia, voltou para cá em 1991 por causa de um navio chinês que trouxe água de lastro contaminada e aportou no Peru. Naquele ano, só no Brasil, a doença fez 33 mortos, número que subiu nos dois anos seguintes para, respectivamente, 462 e 650 casos.
Longa experiência
Nas ilhas, a introdução de invasoras provoca estrago maior do que em terras continentais. "Elas são hotspots de biodiversidade isoladas. A evolução única das espécies que ali se encontram faz com que a alteração desses ecossistemas tenha efeitos terríveis", explica Genovesi.

Não por acaso, o país com maior expertise no assunto espécies invasoras no mundo é a Nova Zelândia.

"Foram introduzidos na Nova Zelândia 65 mamíferos terrestres pelos colonizadores europeus nos últimos 200 anos, e muitos se tornaram pragas: o gambá-cauda-de-escova, a lebre europeia, o arminho", explica Alan Saunders, diretor do Invasive Species International Landcare Research.

Pássaros com pouca ou nenhuma habilidade de voar, como o kiwi, o kakapo e o kokako – espécies símbolos do país – eram bastante vulneráveis aos mamíferos introduzidos. "Hoje, estão extintos ou ameaçados."

Saunders afirma que, nos últimos mil anos, foram extintas ao todo 43 espécies endêmicas de pássaros terrestres – ou seja, 46% do total.
"O maior impacto econômico da introdução de mamíferos é a ameaça da transmissão da tuberculose bovina entre os gambás e bois. Cerca de 50 milhões de dólares neozelandeses são gastos por ano para controle das populações do gambá." O gasto total do país com controle de espécies invasoras é da ordem de170 milhões por ano.

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