domingo, 6 de fevereiro de 2011

Correspondência da derradeira viagem (Paulo Sérgio Pinheiro)

Stefan and Lotte Zweig’s Letters (New York, Argentina and Brazil 1940-1942) ajuda a reconstituir a vida do casal aqui

Paulo Sérgio Pinheiro

Nos trópicos ainda era a época das grandes conferências de escritores europeus consagrados, como Stefan Zweig, um dos mais populares autores do começo do século 20 mundo afora, com traduções em 30 línguas. Suas biografias Maria Stuart e Maria Antonieta, seus romances Carta de Uma Desconhecida, Amok, Vinte e Quatro Horas na Vida de Uma Mulher foram best-sellers também em português. Em 1936, a caminho de uma reunião do Pen Club em Buenos Aires, faz escala no Brasil e fica maravilhado com a acolhida. O ministro das Relações Exteriores o recebe no cais do porto, encontra o presidente Getúlio Vargas e faz conferências para salas repletas. Em 1940, retorna ao Brasil para fazer conferências. Em agosto de 1941, decide aqui se exilar, com a segunda mulher Elizabeth Altman (Lotte), sua antiga secretária, 27 anos mais moça do que ele, com quem se casara em 1939.

Uma seleção de cartas inéditas do casal Zweig publicadas e apresentadas com grande rigor por Darién J. Davis e Oliver Marshall, Stefan and Lotte Zweig”s Letters (New York, Argentina and Brazil 1940-1942), da editora Continuum (210 págs., US$ 24), ajuda a reconstituir a vida do casal no Brasil. E a deslindar o enigma do suicídio dos Zweigs na bucólica Petrópolis, em fevereiro de 1942. Nas cartas a seus familiares, entre o sentimento de perda e descoberta, pessimismo e otimismo, revelações inéditas da vida doméstica do casal na casa em Petrópolis. Pela primeira vez irrompe a presença de Lotte, a qual sempre era relegada nas biografias de Zweig um papel silencioso e submisso.

Talvez pesassem na escolha do Brasil para o exílio do escritor aqueles dias “inesquecíveis ” passados aqui, que comparados com a destruição na Europa pareciam um “paraíso”, como no título da insuperável biografia de Alberto Dines. Para o casal nada mudara. Numa carta de Lotte, de 1941: “Nada mudou (aqui no Brasil) enquanto estivemos fora, nós temos o mesmo quarto no mesmo hotel, o mesmo grande terraço com uma esplêndida vista sobre a baía[DE GUANABARA] onde Stefan passa a maior parte do tempo trabalhando”. Na verdade, muito havia mudado, o Brasil estava agora sob o Estado Novo. Não deixa de ser surpreendente que Zweig viva num fascismo tropical e não faça nas cartas nenhum elo entre o Estado Novo e o nazismo. O que também pode ser explicado por temer a censura da correspondência pelo Dops.

Entre a primeira e segunda visita, Zweig tinha publicado Brasil: País do Futuro, exaltação entusiasmada às qualidades humanas do modelo brasileiro em contraste com a Europa que se desmoronava. O livro foi recebido com supremo desfavor tanto à esquerda, acusando Zweig de ter escrito uma obra encomendada, quanto no establishment do Estado Novo, incomodados com as menções às favelas, à pobreza e à situação da população negra no País. No entanto, Zweig jamais recebera qualquer financiamento nem a obra era de encomenda.

Quando voltou ao Brasil em 1941, Zweig estava deprimido e ressentido com sua impotência diante da guerra e do antissemitismo na Europa que o leva ao exílio em Petrópolis. Ali, as chuvas de verão pioravam a asma de Lotte, a falta de acesso a bibliotecas e o isolamento que se impuseram contribuíam para agravar a depressão. Numa carta de janeiro de 1942, Zweig confessa estar profundamente deprimido. O exílio era um agonia. Em fevereiro de 1942, dois dias antes dos suicídios, Lotte demonstrava em uma carta ansiedade e desespero e, referindo-se a seus problemas de saúde, tentava convencer sua irmã que o suicídio era a única solução: “Por fim a isso espero que v. acredite que é a melhor coisa para Stefan, vendo como ele sofre todos esses anos com todos aquele que sofrem com a dominação nazista, e para mim, sempre doente com asma”. Não deixa de ser prosaico colocar no mesmo pé as barbaridades do nazismo e a asma.

Stefan Zweig se suicida com a mesma minúcia com que escrevia e vivia. Na carta que deixou para Friderike, sua primeira mulher, explica que “quando você receber esta carta eu estarei muito melhor do que antes… depois de algum tempo minha depressão se tornou muito aguda. Eu sofria tanto que eu não poderia me concentrar mais… Eu estava muito cansado… e a pobre Lotte não estava bem comigo, especialmente porque sua saúde não estava bem “. Deixa uma Declaração Para o prefeito de Petrópolis, em que exprimia sua gratidão pela acolhida; cartas endereçadas a amigos (uma para Afonso Arinos de Mello Franco) e até para a biblioteca municipal de Petrópolis, além de um grande envelope “Disposições a respeito de meu cachorro “, Bluchy. Parecem providências para uma longa viagem. Dessa vez com um porto fatal.

PAULO SÉRGIO PINHEIRO É PROFESSOR ADJUNTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA BROWN UNIVERSITY, EUA
F0nte:Estado de S.Paulo (22/01/2011)

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