Do jeito que se apresenta, além de dissipar os restos de campanha eleitoral que poluíram a atmosfera do novo governo, a política brasileira deixa a impressão de sair pela tangente em relação ao modo tradicional de entender o que se passou e o que virá por aí. É fora de dúvida que, sem sair do lugar, Lula passou desta para a próxima sucessão presidencial. Neste momento, a situação não está como pareceu que iria ficar. E daí? A oposição ainda não sabe como proceder, mas – dependendo do que acontecer fora das previsões – tem tudo para atravancar o caminho do governo e criar alternativa para a apatia.
A reflexão atual se reserva para depois do Carnaval, que se afastou da política desde os governos militares e não sentiu condições favoráveis nos governos eleitos pelo voto direto. O Carnaval não toma conhecimento da política e mantém distância dos políticos, ao contrário do que ocorria no passado de que se perdeu a lembrança. Com mais ou menos democracia, e até com ditadura, a política já teve presença bem humorada no reinado de Momo. Mas desistiu sem dar explicação.
O ex-presidente Lula, na pressa de entrar para a História do Brasil, não deixou registro de presença em marchinha carnavalesca. Já o presidente Getulio Vargas, desde o governo exageradamente provisório (1930/34), foi bem tratado pelos compositores, e os tenentes interventores foram personagens de marchinhas e caíram no que se chamava de fuzarca.
Mais tarde, quando voltou – pelo voto – em 1950, Getulio Vargas foi saudado pelo estribilho que recomendava a volta ao “mesmo lugar” do “retrato do velhinho (que) faz a gente trabalhar”. Mudou o Carnaval ou mudou a política? Ambos mudaram, e a política para pior. A música popular se retraiu da política e dos políticos. Nem Lula foi aproveitado.
A esta altura incapaz de sofrer vertigem, Lula já pode desistir de se considerar o mais popular dos presidentes. Quem marcou presença com sentido político em Carnaval foi Juscelino Kubitschek, num episódio que a censura suprimiu da história.
Além de ter muito a ver com o espírito da Bossa Nova, JK foi o personagem de uma noite memorável de Carnaval no Teatro Municipal do Rio. A ida do ex-presidente ao baile não constava do programa nem do noticiário, porque a censura não faria exceção para ele. O SNI não tirava os olhos de JK, depois de voltar ao Brasil disposto a correr riscos. Ninguém podia imaginar que Kubitschek, tendo voltado por não se adaptar ao exílio, poucos dias depois comparecesse ao baile do Municipal, que era onde o Carnaval carioca alcançava a plenitude social.
Pelas tantas, circulou nos corredores do Municipal apinhado de carnavalescos, e se espalhou pelo salão, a informação de que JK estava a caminho. Por ser lugar carregado de eletricidade política, a informação foi entendida como sondagem do SNI para medir o efeito do teor de boato e provocação. O resultado foi que, sem aviso prévio, assim que JK pisou no salão, a orquestra engrenou o Peixe-vivo , e o resto foi uma apoteose. No camarote presidencial, o ministro Mário Andreazza, a figura pública de maior destaque no baile, se portou de maneira politicamente correta: não desviou a cabeça para o lado oposto, nem fingiu não ver o que estava acontecendo. Sorriu com a simpatia de futuro candidato à espera de eleição. O bloco de foliões em torno de JK sustentou um fato republicano sem precedentes.
Na Quarta-Feira de Cinzas, o noticiário das revistas que já sobreviviam para o Carnaval e, mais tarde, sairiam de circulação, não puderam registrar o que se passara no Municipal. Mas não deixou de ser o fato politicamente de maior peso no Carnaval brasileiro.
E só não foi para a história do Brasil porque (como dizia Samuel Wainer), se os jornais não publicaram, o fato não existiu.
FONTE: JORNAL DO BRASIL (05/03/11)
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