O Brasil é um país fantástico. Os julgamentos políticos duram algumas semanas, se tanto.
Em dezembro, o PMDB era visto como um anteparo diante do autoritarismo do novo governo do PT.
Dois meses depois, o mesmo partido virou o símbolo maior da corrupção. O mesmo se aplica à presidente Dilma Rousseff. Era considerada uma mera marionete de Lula. Cumpria a missão de segurar por quatro anos o lugar que deveria ser novamente de Lula.
Contudo, nas últimas semanas, foi incensada por políticos e jornalistas. O "poste" ganhou vida. Passou a representar a responsabilidade administrativa, a seriedade no trato da coisa pública e até um certo devotamento à cultura, pois seria uma apreciadora de cinema, de música e de literatura.
Numa hábil manobra, o governo conseguiu minar a oposição sem necessitar dos quinta-colunas, que durante anos fizeram de tudo para desestimular o debate político, usando velhíssimos argumentos regionalistas.
Bastou a presidente fazer alguns acenos -como reafirmar (e é preciso?) a defesa da liberdade de imprensa- para que uma verdadeira onda fosse criada realçando as diferenças entre ela e seu antecessor.
Numa curiosa dialética, seriam opostos mesmo fazendo parte do mesmo partido e tendo as mesmas ideias. A insistência para insuflar a criatura contra seu criador é patética. A oposição está jogando fora 44 milhões de votos ao procurar se aproximar da presidente.
É sabida a falta de combatividade de amplos setores oposicionistas, mas o que está acontecendo nas últimas semanas é mais um desastre anunciado. Dilma continuará fiel a Lula e a oposição vai ficar desmoralizada.
Lula e Dilma são apenas faces de uma mesma moeda. Representam os mesmos interesses partidários e empresariais. No máximo podem ter (e têm) estilos distintos.
Seria inimaginável Lula dar uma longa explicação com o auxílio de um "power point". E no mínimo estranho Dilma passear em um palco relatando casos pitorescos da sua vida. A manobra governamental visa somente dar fôlego a Dilma.
Evitar que tenha de se confrontar com a oposição neste momento de recolhimento de Lula. Nada pior para ela do que fazer um discurso de improviso justificando algum erro do governo. Ou responder a perguntas incômodas de jornalistas.
Iria meter os pés pelas mãos, como ocorreu durante a campanha presidencial. Mas não: foi tratada como uma chefe de Estado exemplar. Isso apesar do apagão, do agravamento da superlotação dos aeroportos, da inoperância diante dos efeitos dos desastres naturais, da inflação, do corte fabuloso de R$ 50 bilhões (revelando enorme incompetência na elaboração do Orçamento) e de um ministério pífio, cinzento, sem cara, fraco e incapaz.
O governo Dilma não tem vida própria. É uma extensão do anterior, mero continuísmo. Não se deu conta de que a manutenção da mesma política econômica e social não será suficiente para enfrentar os desafios desta década.
Não é crível imaginar que seja possível simplesmente viver do prestígio do presidente anterior.
Popularidade tem prazo de validade. E não é transferível para todo um governo, diferentemente de uma campanha eleitoral.
A sorte de Dilma é que a oposição não gosta do batente. Deixa para o dia seguinte a oposição que tem de ser feita hoje. Troca os 44 milhões de votos por um simples prato de lentilhas. Tem medo do poder, do enfrentamento, é adesista. Quando dá sinal de vida, confunde contundência com deselegância. Dessa forma, Dilma encontra um fértil campo para a colheita política.
Marco Antonio Villa, historiador, é professor do departamento de ciências sociais da Universidade Federal de São Carlos e autor, entre outros livros, de "Breve História do Estado de São Paulo" (Imprensa Oficial).
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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