Ambiente explosivo', diz sociólogo
Estudioso do movimento sindical brasileiro, o sociólogo do Iuperj Adalberto Cardoso afirma que as características das obras, "altamente perigosas", em comunidade e em locais parcialmente isolados, são "ambientes muito explosivos", no mundo inteiro. O caminho é criar canais institucionais para receber queixas desses trabalhadores, diz.
Por que essas rebeliões estão acontecendo?
ADALBERTO CARDOSO: São áreas de fronteira, em condições especiais, como o trabalho em minas, em refinarias e em plataformas de petróleo. É um trabalho altamente perigoso, em comunidade, relativamente isolados. É um ambiente muito explosivo, no mundo inteiro.
Por que não foi possível perceber essa insatisfação?
CARDOSO: Não houve canais institucionais adequados que chamassem a atenção para as queixas dos trabalhadores. Os sindicatos não se mostraram preparados para esse aumento na demanda de trabalhadores.
Na sua opinião, o que houve para o movimento se espalhar pelo Brasil?
CARDOSO: Foi efeito demonstração, na sequência do que aconteceu em Jirau.
Qual é a solução?
CARDOSO: É uma situação explosiva, para qual não há saída a curto prazo. Essas obras trouxeram de volta pessoas que não trabalhavam há tempos. Sem qualificação, é treinado no trabalho. Nesses locais, é preciso ter a presença do sindicato nos canteiros e canais abertos na empresas. Eles têm reivindicações justas ou que percebem justas. Não importa, porque a consequência é a mesma: motim.
E as empresas?
CARDOSO: São grandes empresas que têm know-how com canteiros deste tipo. Não dá para tirar a responsabilidade delas. Há uma culpa grande de não ter instituído canais para os trabalhadores reclamarem e não terem buscado parcerias com os sindicatos. (Cássia Almeida)
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Falta de canais para queixas gerou os motins
Especialistas listam fragilidade sindical, ação errada das empresas e falta de fiscalização
Karina Lignelli e Cássia Almeida
SÃO PAULO e RIO. Uma conjunção de fatores explica a sucessão de rebeliões em grandes canteiros de obras no país: falta de canais de reclamação para os trabalhadores dentro das empresas, atividade muito arriscada, isolamento, falta de estrutura dos sindicatos locais diante do aumento da base de operários e uma ação coordenada do governo para monitorar essas obras no país, afirmam especialistas. O coordenador de Relações Sindicais do Dieese, José Silvestre Prado de Oliveira, acredita que todos têm sua parcela de culpa pela onda de quebra-quebra nos canteiros de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
As construtoras, por contratarem "gatos" para arregimentar operários por todo o país, oferecendo "condições precárias para os trabalhadores, na tentativa de apressar o término das obras"; as centrais sindicais, que demoraram "a acordar" para o problema, revelando falta de informações sobre a situação dos trabalhadores fora das grandes capitais do país; e o governo, por não fiscalizar as obras.
Para Oliveira, foi um movimento espontâneo, já que as reivindicações são muito semelhantes em todas as obras, alimentado pela falta de líderes para negociação.
- Não há uma liderança clara. O positivo disso tudo é que esse problema confirma as condições de trabalho no setor de maneira geral, provocando a necessidade de governo, grandes construtoras e centrais discutirem um pacto que garanta minimamente as condições de trabalho nessas obras - diz o coordenador do Dieese.
Novas lideranças sindicais devem surgir
Segundo o sociólogo do Iuperj Adalberto Cardoso, o saldo desse movimento será positivo. Agora, todos os atores institucionais estão com os olhos voltados para a questão.
- É de se esperar que as condições nessas obras melhorem a partir desses movimentos - afirma.
Para ele, a tendência é que surjam novas lideranças nas bases sindicais, se os atuais dirigentes não conseguirem dar conta das demandas desses trabalhadores:
- A base desses sindicatos mudou. Aumentou muito, e é natural que as lideranças desses movimentos ganhem espaço nos sindicatos.
Mas são os trabalhadores que mais sofrem com essas rebeliões, diz Cardoso. Muitos devem perder seus empregos:
- A empresa tem capacidade de identificar esses líderes. Mas, como o país está crescendo, eles não devem ter problemas em se reempregar.
O consultor sindical João Guilherme Vargas Neto, que acompanha o movimento sindical há décadas e atualmente está ligado à Força Sindical, diz que a pauta trabalhista ficou em segundo plano quando se discutiu o PAC:
- Falou-se da pauta econômica, com a geração de empregos, investimento, e da pauta ambiental. Esquecemos da trabalhista. Essas rebeliões demonstraram a necessidade de equilibrar as três pautas.
Para ele, também faltou estrutura nos sindicatos das bases para lidar com o gigantismo das obras. Havia locais, como Pecém, em que a base representativa do sindicato subiu de 600 para 20 mil da noite para o dia.
FONTE: O GLOBO
quinta-feira, 31 de março de 2011
quarta-feira, 30 de março de 2011
Always In My Heart/Glenn Miller and his Orchestra
Lendo a biografia de Carlos Lindenberg escrita por Amylton de Almeida. Na página 370, falando de Vitória no inicio do anos 50: "Os músicos das orquestras dos clubes usavam traje "passeio completo", como os convidados, para tocar, por exemplo, Always in My Heart. As moças eram chamadas de "brotos" e os rapazes de "boys"."
Heroísmo e resignação (Roberto Damatta)
Alguns jornalistas observaram a calma, a tranquilidade e a "educação" do povo japonês diante da imensa tragédia que os atingiu. Quem fala dos outros fala principalmente de si mesmo. A Antropologia Cultural moderna, nascida da revolução industrial e do evolucionismo anglo-iluminista, situou o ponto mais alto de civilização na Inglaterra e na França, enquanto o termo "cultura" ficou reservado como para todos os costumes, mas principalmente para o que era percebido como exotismos, anomalias e paradoxos (circuncisão, canibalismo, transes, politeísmo, castas, etc...) localizados em outras terras.
Falando dos outros e classificando-os como "primitivos" e "selvagens", posto que não tinham escrita ou tecnologia sofisticada, esses antropólogos que, como os jornalistas modernos, falavam do "outro", dos "fatos" e das "ocorrências", não sabiam que assim fazendo revelavam mais de si do que dos povos que estudavam "cientifica e objetivamente". Não é, pois, por acidente que na escala evolutiva daquela época, escala que ia da "selvageria" à "civilização", terminava na grande epifania histórica constituída pela civilização do comércio, da indústria, da ciência, do progresso e, claro está, do nacionalismo e das grandes guerras que poriam fim a todas as guerras! Tal como as ideologias "científicas" e, por isso radicais, liquidariam todos as contradições sociais. No caso dos ingleses que eram liberais e capitalistas, falava-se de um progresso sem nenhuma ordem. Algo bem diferente da tradição sociológica francesa que, com Comte, acasalava os dois conceitos e criava sem querer um dos paradoxos brasileiro, pois quanto mais progresso menos ordem e vice-versa. Mas isso é uma outra crônica...
Voltando ao desastre japonês, saliento essas observações sobre o dado mais importante da tragédia - aquilo que a sustenta como tal ou a transforma em outra coisa. Refiro-me a como os japoneses a vivenciaram, como eles a interpretaram e deram conta dos fatos tremendos que atingiram a sua sociedade e o seu Estado nacional. A voz dos que lidaram com o desastre, inclusive a do imperador que lá é uma figura situada fora do mundo, bem como suas vítimas, não se centrou numa invocação de castigo como um modo de explicação do infortúnio. Mas exaltou a reconstrução, a honra, a resistência e a serenidade, tudo aquilo que está contido no conceito japonês de giri, conforme escreveu num livro mais do que clássico a antropóloga Ruth Benedict.
Isso é muito diferente do terremoto de 1755 de Lisboa, que foi visto pela sociedade ultracatólica de Portugal como um sinal da ira de Deus. Um aviso pela vida rica e festiva que nossos paisinhos levavam graças ao ouro e aos diamantes vindos das então "minas gerais". Tanta riqueza, que promoveu leis especiais regulando as roupas, já que não se sabia mais com certeza com quem se estava falando... A manifestação da natureza, a surpresa destrutiva do acidente natural foi interpretada como a voz de Deus e o pânico, bem como, uma enorme depressão e sentimento de culpa coletivo dominaram a sociedade no salve-se quem puder, que só voltou a ocorrer em 1808 na fuga da Corte para o Brasil, mas desta feita, diante do terremoto político e liberalizante de Napoleão.
Não há no Japão, como no Oriente como um todo, a figura de um Deus patriarcal que, num outro mundo e como um ditador ou rei, controle pessoalmente o bem-estar e o sofrimento dos seus filhos neste mundo. Mais ligados à natureza do que nós, ocidentais e brasileiros que a vemos como um inimigo perigoso e só agora começamos a modificar nossa visão que oscila entre a representação da natureza como beleza ou como obstáculo ao progresso, os japoneses assumem uma notável resignação diante da catástrofe. É como se eles soubessem que ali está o limite e, nele, o chamado princípio de realidade que, vindo de fora para dentro, dissolve fantasias, desmascara mentiras e mostra como o incerto é parte constitutiva do universo humano. Dimensão que se mostra nos elos e nas obrigações que temos uns para com os outros (e com nossos ambientes "naturais") e que se mostra nos sentimentos de vergonha, dívida, reciprocidade, dever e culpa.
Tais conceitos, a um só tempo intelectuais e emocionais, condicionam e, claro está, restringem o nosso individualismo de raiz. Observa-se bem como para os japoneses o problema não é só sobreviver, mas viver e enfrentar o real e o imprevisto com honra e dignidade.
Por isso, os administradores públicos japoneses, flagrados roubando o dinheiro do povo, suicidam-se numa tentativa desesperada de lavar a sua honra e desfazer suas malfadadas e vergonhosas vidas. No Brasil, tal costume causaria um tsunami nacional, pois o único político de nossa história a resgatar sua honra aviltada por meio de um suicídio altruístico foi Getúlio Vargas. E por isso eu, pessoal e humildemente, tenho por sua pessoa uma respeitosa e perene admiração. Vargas foi uma exceção: foi um Homem entre homens.
E o seu suicídio teve a força de um poderoso tremor que ainda sacode as placas tectônicas da vida política nacional que, inconscientemente até hoje, procuram refazer essa dádiva de honra lavada em sangue. Gesto que deixou de lado a imagem do mapa do Brasil como um presunto a ser canibalizado pelos pilantras de plantão, para transformá-lo num imenso e ferido coração. No Japão, vimos, não há saques, mas como compensação, há o suicídio altruísta. O ato extremo, revelador da consideração e da vergonha para com os outros. Aquilo que o grande Camus deixou passar nas suas reflexões, mas que o velho conservador Durkheim compreendeu com todas as letras.
fonte O Estado de São paulo
Falando dos outros e classificando-os como "primitivos" e "selvagens", posto que não tinham escrita ou tecnologia sofisticada, esses antropólogos que, como os jornalistas modernos, falavam do "outro", dos "fatos" e das "ocorrências", não sabiam que assim fazendo revelavam mais de si do que dos povos que estudavam "cientifica e objetivamente". Não é, pois, por acidente que na escala evolutiva daquela época, escala que ia da "selvageria" à "civilização", terminava na grande epifania histórica constituída pela civilização do comércio, da indústria, da ciência, do progresso e, claro está, do nacionalismo e das grandes guerras que poriam fim a todas as guerras! Tal como as ideologias "científicas" e, por isso radicais, liquidariam todos as contradições sociais. No caso dos ingleses que eram liberais e capitalistas, falava-se de um progresso sem nenhuma ordem. Algo bem diferente da tradição sociológica francesa que, com Comte, acasalava os dois conceitos e criava sem querer um dos paradoxos brasileiro, pois quanto mais progresso menos ordem e vice-versa. Mas isso é uma outra crônica...
Voltando ao desastre japonês, saliento essas observações sobre o dado mais importante da tragédia - aquilo que a sustenta como tal ou a transforma em outra coisa. Refiro-me a como os japoneses a vivenciaram, como eles a interpretaram e deram conta dos fatos tremendos que atingiram a sua sociedade e o seu Estado nacional. A voz dos que lidaram com o desastre, inclusive a do imperador que lá é uma figura situada fora do mundo, bem como suas vítimas, não se centrou numa invocação de castigo como um modo de explicação do infortúnio. Mas exaltou a reconstrução, a honra, a resistência e a serenidade, tudo aquilo que está contido no conceito japonês de giri, conforme escreveu num livro mais do que clássico a antropóloga Ruth Benedict.
Isso é muito diferente do terremoto de 1755 de Lisboa, que foi visto pela sociedade ultracatólica de Portugal como um sinal da ira de Deus. Um aviso pela vida rica e festiva que nossos paisinhos levavam graças ao ouro e aos diamantes vindos das então "minas gerais". Tanta riqueza, que promoveu leis especiais regulando as roupas, já que não se sabia mais com certeza com quem se estava falando... A manifestação da natureza, a surpresa destrutiva do acidente natural foi interpretada como a voz de Deus e o pânico, bem como, uma enorme depressão e sentimento de culpa coletivo dominaram a sociedade no salve-se quem puder, que só voltou a ocorrer em 1808 na fuga da Corte para o Brasil, mas desta feita, diante do terremoto político e liberalizante de Napoleão.
Não há no Japão, como no Oriente como um todo, a figura de um Deus patriarcal que, num outro mundo e como um ditador ou rei, controle pessoalmente o bem-estar e o sofrimento dos seus filhos neste mundo. Mais ligados à natureza do que nós, ocidentais e brasileiros que a vemos como um inimigo perigoso e só agora começamos a modificar nossa visão que oscila entre a representação da natureza como beleza ou como obstáculo ao progresso, os japoneses assumem uma notável resignação diante da catástrofe. É como se eles soubessem que ali está o limite e, nele, o chamado princípio de realidade que, vindo de fora para dentro, dissolve fantasias, desmascara mentiras e mostra como o incerto é parte constitutiva do universo humano. Dimensão que se mostra nos elos e nas obrigações que temos uns para com os outros (e com nossos ambientes "naturais") e que se mostra nos sentimentos de vergonha, dívida, reciprocidade, dever e culpa.
Tais conceitos, a um só tempo intelectuais e emocionais, condicionam e, claro está, restringem o nosso individualismo de raiz. Observa-se bem como para os japoneses o problema não é só sobreviver, mas viver e enfrentar o real e o imprevisto com honra e dignidade.
Por isso, os administradores públicos japoneses, flagrados roubando o dinheiro do povo, suicidam-se numa tentativa desesperada de lavar a sua honra e desfazer suas malfadadas e vergonhosas vidas. No Brasil, tal costume causaria um tsunami nacional, pois o único político de nossa história a resgatar sua honra aviltada por meio de um suicídio altruístico foi Getúlio Vargas. E por isso eu, pessoal e humildemente, tenho por sua pessoa uma respeitosa e perene admiração. Vargas foi uma exceção: foi um Homem entre homens.
E o seu suicídio teve a força de um poderoso tremor que ainda sacode as placas tectônicas da vida política nacional que, inconscientemente até hoje, procuram refazer essa dádiva de honra lavada em sangue. Gesto que deixou de lado a imagem do mapa do Brasil como um presunto a ser canibalizado pelos pilantras de plantão, para transformá-lo num imenso e ferido coração. No Japão, vimos, não há saques, mas como compensação, há o suicídio altruísta. O ato extremo, revelador da consideração e da vergonha para com os outros. Aquilo que o grande Camus deixou passar nas suas reflexões, mas que o velho conservador Durkheim compreendeu com todas as letras.
fonte O Estado de São paulo
Na morte de José de Alencar a historia de Alencarzinha
MINHA HISTÓRIA ROSEMARY DE MORAIS GOMES DA SILVA, 55
Me chamam de Alencarzinha
RESUMO
Professora aposentada, Rosemary de Morais, 55, foi oficialmente declarada filha do vice-presidente José Alencar na última terça-feira. Ela alega ser fruto de um romance entre ele e a enfermeira Francisca Nicolina de Morais, em 1954, e entrou com uma ação de reconhecimento de paternidade em 2001. Alencar não fez exames de DNA e diz que vai recorrer.
ELIANE TRINDADE
DE CARATINGA
Eu tinha 43 anos quando minha mãe me contou que meu pai era José Alencar [o atual vice-presidente do Brasil]. Sempre morei com meus avós paternos. Para mim, meu pai era o Magmar, que me assumiu quando casou com a minha mãe.
Quatro meses depois que minha avó morreu, minha mãe, Tita [Francisca], me chamou na casa dela e apontou para uma foto no jornal: "Tá vendo esse rapaz aí? Ele é seu irmão [Josué Gomes da Silva]". Foi a primeira vez que ouvi falar dessas pessoas.
Em 1998, um amigo da família que pressionou para que ela me contasse a verdade sugeriu que eu fosse encontrá-lo quando ele esteve aqui em campanha para o Senado. Tomei coragem e fui. Consegui me aproximar e disse no pé da orelha dele: "Eu sou sua suposta filha aqui de Caratinga". Ele tomou um sustinho. Respondeu: "Tô à sua disposição".
Dali a pouco, um ex-cunhado dele falou para mim que aquele não era o momento de tratar do assunto, mas que, passadas as eleições, resolveriam o meu problema. Deixei meu nome e telefone com o assessor, mas essa gente só enrola, né?
Eles se conheceram no clube. Ela morava numa rua onde viviam essas mulheres, sabe? Ela era muito bonita e danada. No dia que ele sismava, ia lá dormir. Deixava a escova de dente. Ele tinha uns 20 anos; ela, uns 26.
Logo que minha mãe ficou grávida, ele apareceu noivo. Não mandou tirar a criança, mas também não assumiu. Minha mãe não o procurou mais. Casou depois e se calou. Tinha medo de contar para a família do marido.
O fato de dizerem agora que ela era prostituta a deixava magoada. Ela não sabia ler, mas uma vez lhe mostraram um jornal com essa história. A vontade dela era tapar a boca dele.
Eu ainda procurei o José Alencar outra vez, há uns cinco anos. De novo, era tempo de campanha. Cortei caminho e disse: "O senhor me desculpe de estar aqui, mas é o único jeito de conversar". Me deu uma emoção, comecei a chorar e veio o segurança. Ele disse: "Deixa a menina falar". Veio um deputado e me escanteou: "Vou mandar um helicóptero te buscar". Nunca mais tive notícia.
Achei que ia resolver rápido. Quando saiu para ele fazer o DNA, eu me empolguei. Quando ele não compareceu em 2008, fiquei triste. Mas, por outro lado, o povo começou a dizer que ele tem culpa no cartório.
O fato de ele estar doente, lutando contra um cancer, é do ser humano. Minha mãe também morreu com câncer há sete meses. Também lutou contra o pior tipo dessa doença, que começou na pele e se espalhou. Mas ele é muito forte, vai sair dessa.
Já sonhei duas vezes com ele vindo a minha casa. Ele comia frango com quiabo e angu. Ele estava alegre, mas não tocou em nada de pai. Nunca votei nele. Eu seria hipócrita se votasse.
Em um retrato meu com sete meses, a orelha é igualzinha à dele. Mas o povo aqui me chama de Alencarzinha. No comércio, brincam comigo dizendo que sou a filha do vice. Posso até ser, mas quem tem dinheiro é ele.
Nunca parei para pensar em herança. Mas não gosto de montueira de coisa, quero ter uma vida tranquila, uma casa minha e outras duas de aluguel para deixar para o meu filho. Quero passear. A gente nunca tem um dinheiro para comer uma pizza fora. Só para suprir as necessidades. Não almejo coisas grandes nem palácio...
Na terça, quando soube que o juiz decidiu a meu favor, fiquei um pouco aliviada. Mas, toda vez que penso que acabou, aparece outro recurso e começa tudo de novo. Eu já tava preparada para um não. Tudo que é juiz tem medo dele. Meu sonho era pegar o jornal e ver uma declaração dele. Nem que fosse pra meter o pau em mim. Será que ninguém tem coragem de perguntar nada pra esse homem? Será que ele é tão importante assim?
RAIO-X: ROSEMARY DE MORAIS
QUEM É: Professora aposentada, 55 anos, foi declarada filha de José Alencar
FORMAÇÃO: Licenciada em geografia e história
RENDA: R$ 1.200
ESTADO CIVIL: Divorciada, vive com um companheiro há 14 anos, é mãe de Gladston, 26
OUTRO LADO
Vice nega ser o pai e vai recorrer da sentença
Data de publicação: não consegui identificar a data da publicação.
Me chamam de Alencarzinha
RESUMO
Professora aposentada, Rosemary de Morais, 55, foi oficialmente declarada filha do vice-presidente José Alencar na última terça-feira. Ela alega ser fruto de um romance entre ele e a enfermeira Francisca Nicolina de Morais, em 1954, e entrou com uma ação de reconhecimento de paternidade em 2001. Alencar não fez exames de DNA e diz que vai recorrer.
ELIANE TRINDADE
DE CARATINGA
Eu tinha 43 anos quando minha mãe me contou que meu pai era José Alencar [o atual vice-presidente do Brasil]. Sempre morei com meus avós paternos. Para mim, meu pai era o Magmar, que me assumiu quando casou com a minha mãe.
Quatro meses depois que minha avó morreu, minha mãe, Tita [Francisca], me chamou na casa dela e apontou para uma foto no jornal: "Tá vendo esse rapaz aí? Ele é seu irmão [Josué Gomes da Silva]". Foi a primeira vez que ouvi falar dessas pessoas.
Em 1998, um amigo da família que pressionou para que ela me contasse a verdade sugeriu que eu fosse encontrá-lo quando ele esteve aqui em campanha para o Senado. Tomei coragem e fui. Consegui me aproximar e disse no pé da orelha dele: "Eu sou sua suposta filha aqui de Caratinga". Ele tomou um sustinho. Respondeu: "Tô à sua disposição".
Dali a pouco, um ex-cunhado dele falou para mim que aquele não era o momento de tratar do assunto, mas que, passadas as eleições, resolveriam o meu problema. Deixei meu nome e telefone com o assessor, mas essa gente só enrola, né?
Eles se conheceram no clube. Ela morava numa rua onde viviam essas mulheres, sabe? Ela era muito bonita e danada. No dia que ele sismava, ia lá dormir. Deixava a escova de dente. Ele tinha uns 20 anos; ela, uns 26.
Logo que minha mãe ficou grávida, ele apareceu noivo. Não mandou tirar a criança, mas também não assumiu. Minha mãe não o procurou mais. Casou depois e se calou. Tinha medo de contar para a família do marido.
O fato de dizerem agora que ela era prostituta a deixava magoada. Ela não sabia ler, mas uma vez lhe mostraram um jornal com essa história. A vontade dela era tapar a boca dele.
Eu ainda procurei o José Alencar outra vez, há uns cinco anos. De novo, era tempo de campanha. Cortei caminho e disse: "O senhor me desculpe de estar aqui, mas é o único jeito de conversar". Me deu uma emoção, comecei a chorar e veio o segurança. Ele disse: "Deixa a menina falar". Veio um deputado e me escanteou: "Vou mandar um helicóptero te buscar". Nunca mais tive notícia.
Achei que ia resolver rápido. Quando saiu para ele fazer o DNA, eu me empolguei. Quando ele não compareceu em 2008, fiquei triste. Mas, por outro lado, o povo começou a dizer que ele tem culpa no cartório.
O fato de ele estar doente, lutando contra um cancer, é do ser humano. Minha mãe também morreu com câncer há sete meses. Também lutou contra o pior tipo dessa doença, que começou na pele e se espalhou. Mas ele é muito forte, vai sair dessa.
Já sonhei duas vezes com ele vindo a minha casa. Ele comia frango com quiabo e angu. Ele estava alegre, mas não tocou em nada de pai. Nunca votei nele. Eu seria hipócrita se votasse.
Em um retrato meu com sete meses, a orelha é igualzinha à dele. Mas o povo aqui me chama de Alencarzinha. No comércio, brincam comigo dizendo que sou a filha do vice. Posso até ser, mas quem tem dinheiro é ele.
Nunca parei para pensar em herança. Mas não gosto de montueira de coisa, quero ter uma vida tranquila, uma casa minha e outras duas de aluguel para deixar para o meu filho. Quero passear. A gente nunca tem um dinheiro para comer uma pizza fora. Só para suprir as necessidades. Não almejo coisas grandes nem palácio...
Na terça, quando soube que o juiz decidiu a meu favor, fiquei um pouco aliviada. Mas, toda vez que penso que acabou, aparece outro recurso e começa tudo de novo. Eu já tava preparada para um não. Tudo que é juiz tem medo dele. Meu sonho era pegar o jornal e ver uma declaração dele. Nem que fosse pra meter o pau em mim. Será que ninguém tem coragem de perguntar nada pra esse homem? Será que ele é tão importante assim?
RAIO-X: ROSEMARY DE MORAIS
QUEM É: Professora aposentada, 55 anos, foi declarada filha de José Alencar
FORMAÇÃO: Licenciada em geografia e história
RENDA: R$ 1.200
ESTADO CIVIL: Divorciada, vive com um companheiro há 14 anos, é mãe de Gladston, 26
OUTRO LADO
Vice nega ser o pai e vai recorrer da sentença
Data de publicação: não consegui identificar a data da publicação.
Poder Judiciário e migração partidária (Rafael Cortez e Vitor Marchetti)
O noticiário político recente dá sinais não apenas de possíveis mudanças de legenda por parte de alguns líderes partidários mas também da criação de novas legendas. O tema, porém, não é novo. Desde a redemocratização, a prática da migração partidária se transformou em algo tão recorrente quanto polêmico.
Num primeiro momento, nos anos 80 e início dos 90, a troca de partidos poderia até ser encarada como uma mostra da vitalidade do recém "inaugurado" pluripartidarismo. Como durante o regime militar o sistema político tinha passado por um longo período de limitações às liberdades, o retorno das liberdades políticas e a progressiva retomada da competição eleitoral acabaram produzindo um natural movimento de acomodação. Tanto foi assim que, em 1985 o Parlamento aprovou uma Emenda Constitucional (EC 25) que retirou da Constituição de 1967 a punição com perda do mandato aos parlamentares que mudassem de partido.
A migração partidária, porém, persistiu mesmo após a superação da transição democrática. A permanência desse padrão veio pela chave do presidencialismo de coalizão. Como efeito de uma estratégia do Executivo na formação de sua coalizão de governo, a mudança de partido serviria como recurso para evitar que governos ficassem reféns de um Congresso fragmentado. Os congressistas, por sua vez, movimentados por interesses imediatos de suas carreiras, transitariam entre as diversas opções partidárias. Se um dia a prática foi sinal de dinamismo democrático, acabou servindo de referência para um diagnóstico recorrente de que os partidos são fracos e que a representação política no país é deficiente. Expressaria, assim, um dos principais custos da governabilidade.
Depois de inúmeras decisões afirmando que a Constituição não previa punição ao representante que mudasse de partido, a justiça eleitoral acabou encontrando uma interpretação que, por vias tortas, chegaria nesse mesmo desfecho - a cassação do migrante.
O TSE, em 2007, respondendo a diferentes consultas, decidiu que os mandatos eletivos pertenceriam aos partidos pelos quais foram eleitos e não aos políticos individuais. Como consequência, o político eleito poderia perder o seu mandato caso mudasse de partido. A propriedade do mandato serviria tanto para as eleições legislativas (principal lócus de mudança partidária), como também, para os cargos executivos. A justiça eleitoral, todavia, legitimou a mudança partidária em alguns casos, com destaque para mudanças decorrentes de criação de novas legendas partidárias ou ligadas à defesa do programa partidário.
O formato dos partidos é resultado dos interesses para a sobrevivência político-eleitoral dos políticos
A interpretação da justiça eleitoral de que o mandato pertence ao partido aumentou os custos da mudança partidária por parte da classe política. Assim, buscam-se estratégias para legitimar tais mudanças aos olhos do TSE. Tome-se o exemplo do atual prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, que anunciou sua saída do partido que o elegeu (DEM) em direção a outra legenda, contrariando os pedidos das demais lideranças dos democratas que ameaçam uma guerra jurídica. Acabou anunciando uma nova legenda, o Partido Social Democrático, que já ameaça atrair vários deputados. Note-se que a estratégia em nada representa um reforço da representatividade do sistema político ou ganho de força das organizações partidárias, mas tão somente um "drible" na determinação judicial.
A interpretação do TSE provocou uma reação da classe política. O poder Legislativo discute a chamada "janela de transferência" a fim de permitir mudanças partidárias, tendo em vista estratégias eleitorais individuais ou partidárias.
O debate em torno dessa agenda reflete um argumento de John Aldrich no clássico trabalho acerca do sistema partidário, "Why Parties?". O formato dos partidos não é resultado de nenhuma medida institucional, mas resultado dos interesses para a sobrevivência político-eleitoral dos políticos. A ação do TSE, no limite, alterou as chances de sobrevivência eleitoral dos políticos. A resposta dos parlamentares (seguindo o receituário da verticalização das coligações, número de vereadores) é alterar a legislação para reacomodar seus interesses.
É porque a reforma política contempla uma complexa diversidade de diagnósticos que a arena parlamentar é o lócus mais adequado para o seu debate. É nessa arena que os consensos podem ser forjados com legitimidade. Sendo forjadas por um ator externo, as mudanças nas regras podem carecer de legitimidade e força para serem cumpridas.
Por que não deixemos os eleitores punirem ou recompensarem políticos pelo seu desempenho e suas estratégias eleitorais?
Rafael Cortez, doutor em Ciência Política pela USP, é professor da PUC-SP e analista político da Tendências Consultoria.
Vitor Marchetti, doutor em Ciências Sociais: Política pela PUC-SP e professor de Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
Num primeiro momento, nos anos 80 e início dos 90, a troca de partidos poderia até ser encarada como uma mostra da vitalidade do recém "inaugurado" pluripartidarismo. Como durante o regime militar o sistema político tinha passado por um longo período de limitações às liberdades, o retorno das liberdades políticas e a progressiva retomada da competição eleitoral acabaram produzindo um natural movimento de acomodação. Tanto foi assim que, em 1985 o Parlamento aprovou uma Emenda Constitucional (EC 25) que retirou da Constituição de 1967 a punição com perda do mandato aos parlamentares que mudassem de partido.
A migração partidária, porém, persistiu mesmo após a superação da transição democrática. A permanência desse padrão veio pela chave do presidencialismo de coalizão. Como efeito de uma estratégia do Executivo na formação de sua coalizão de governo, a mudança de partido serviria como recurso para evitar que governos ficassem reféns de um Congresso fragmentado. Os congressistas, por sua vez, movimentados por interesses imediatos de suas carreiras, transitariam entre as diversas opções partidárias. Se um dia a prática foi sinal de dinamismo democrático, acabou servindo de referência para um diagnóstico recorrente de que os partidos são fracos e que a representação política no país é deficiente. Expressaria, assim, um dos principais custos da governabilidade.
Depois de inúmeras decisões afirmando que a Constituição não previa punição ao representante que mudasse de partido, a justiça eleitoral acabou encontrando uma interpretação que, por vias tortas, chegaria nesse mesmo desfecho - a cassação do migrante.
O TSE, em 2007, respondendo a diferentes consultas, decidiu que os mandatos eletivos pertenceriam aos partidos pelos quais foram eleitos e não aos políticos individuais. Como consequência, o político eleito poderia perder o seu mandato caso mudasse de partido. A propriedade do mandato serviria tanto para as eleições legislativas (principal lócus de mudança partidária), como também, para os cargos executivos. A justiça eleitoral, todavia, legitimou a mudança partidária em alguns casos, com destaque para mudanças decorrentes de criação de novas legendas partidárias ou ligadas à defesa do programa partidário.
O formato dos partidos é resultado dos interesses para a sobrevivência político-eleitoral dos políticos
A interpretação da justiça eleitoral de que o mandato pertence ao partido aumentou os custos da mudança partidária por parte da classe política. Assim, buscam-se estratégias para legitimar tais mudanças aos olhos do TSE. Tome-se o exemplo do atual prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, que anunciou sua saída do partido que o elegeu (DEM) em direção a outra legenda, contrariando os pedidos das demais lideranças dos democratas que ameaçam uma guerra jurídica. Acabou anunciando uma nova legenda, o Partido Social Democrático, que já ameaça atrair vários deputados. Note-se que a estratégia em nada representa um reforço da representatividade do sistema político ou ganho de força das organizações partidárias, mas tão somente um "drible" na determinação judicial.
A interpretação do TSE provocou uma reação da classe política. O poder Legislativo discute a chamada "janela de transferência" a fim de permitir mudanças partidárias, tendo em vista estratégias eleitorais individuais ou partidárias.
O debate em torno dessa agenda reflete um argumento de John Aldrich no clássico trabalho acerca do sistema partidário, "Why Parties?". O formato dos partidos não é resultado de nenhuma medida institucional, mas resultado dos interesses para a sobrevivência político-eleitoral dos políticos. A ação do TSE, no limite, alterou as chances de sobrevivência eleitoral dos políticos. A resposta dos parlamentares (seguindo o receituário da verticalização das coligações, número de vereadores) é alterar a legislação para reacomodar seus interesses.
É porque a reforma política contempla uma complexa diversidade de diagnósticos que a arena parlamentar é o lócus mais adequado para o seu debate. É nessa arena que os consensos podem ser forjados com legitimidade. Sendo forjadas por um ator externo, as mudanças nas regras podem carecer de legitimidade e força para serem cumpridas.
Por que não deixemos os eleitores punirem ou recompensarem políticos pelo seu desempenho e suas estratégias eleitorais?
Rafael Cortez, doutor em Ciência Política pela USP, é professor da PUC-SP e analista político da Tendências Consultoria.
Vitor Marchetti, doutor em Ciências Sociais: Política pela PUC-SP e professor de Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
terça-feira, 29 de março de 2011
Movimento Nova Vila Velha esclarece
Em função de notas e comentários nos meios políticos vinculando o Movimento Nova Vila Velha ora aos “tucanos”, ora aos “petistas”, ora a “peemedebistas”, ora aos “verdes”, ora a “oposição ao prefeito Neucimar Fraga”, vimos informar que:
Uma Nova Vila Velha é um movimento da sociedade civil, apartidário, organizado por moradores, cidadãos, profissionais liberais, professores, funcionários públicos, intelectuais, empresários, artistas e políticos canela verde, preocupados com a discussão pública dos temas que interessam à vida da cidade.
Nosso objetivo é tão somente debater de forma democrática, uma Carta Compromisso de Governo, que atenda as aspirações da sociedade e que possa ser assumido e aplicado por qualquer uma das forças políticas que se disponha a administrar o município em harmonia com suas diretrizes.
Discordamos de qualquer tentativa de jogar o Movimento no jogo eleitoral/partidário com a intenção de nos sectarizar e isolar e com isso desmobilizar a sociedade.
Reafirmamos nosso caráter apartidário e plural e convidamos todas as lideranças políticas, culturais, sociais, comunitárias e históricas canela verde comprometidas com a ética, a transparência, a tolerância, o respeito a sócio biodiversidade, a solidariedade e o exercício da paz; para se juntarem a um processo de construção coletiva, pela sociedade civil, de um programa base de governo para cidade, que seja norte de posicionamento e orientação desta, em meios às propostas apresentadas quando do processo eleitoral.
Para tanto, mantendo nossas atividades, informamos e pedimos publicidade, para o próximo debate dia 15 de abril, que terá como tema a educação. O evento contará com a participação da atriz e poetiza capixaba e canela verde, Elisa Lucinda, e terá, a pedido dela, como público alvo o professorado de Vila Velha.
Por fim, o Movimento estuda a criação de um Conselho Programático, composto por técnicos indicados pelos partidos políticos da cidade, para acompanhar e participar, junto à sociedade civil, na construção desta Carta Compromisso de Governo.
E planeja ainda, quando o processo eleitoral se definir, uma etapa em que os candidatos discutirão os programas de governo, ocasião em que será entregue a Carta Compromisso de Governo com as diretrizes programáticas para uma gestão moderna, eficiente e eficaz da cidade, resultante dos debates que estão sendo realizados.
Comissão Gestora do Movimento Nova Vila Velha:
Rafael Cláudio Simões (Coordenador)
Walace Milis
Thiago Emerich
Marco Valério Guimarães
Maria Clara do Rosário
Orlando Mila.
Uma Nova Vila Velha é um movimento da sociedade civil, apartidário, organizado por moradores, cidadãos, profissionais liberais, professores, funcionários públicos, intelectuais, empresários, artistas e políticos canela verde, preocupados com a discussão pública dos temas que interessam à vida da cidade.
Nosso objetivo é tão somente debater de forma democrática, uma Carta Compromisso de Governo, que atenda as aspirações da sociedade e que possa ser assumido e aplicado por qualquer uma das forças políticas que se disponha a administrar o município em harmonia com suas diretrizes.
Discordamos de qualquer tentativa de jogar o Movimento no jogo eleitoral/partidário com a intenção de nos sectarizar e isolar e com isso desmobilizar a sociedade.
Reafirmamos nosso caráter apartidário e plural e convidamos todas as lideranças políticas, culturais, sociais, comunitárias e históricas canela verde comprometidas com a ética, a transparência, a tolerância, o respeito a sócio biodiversidade, a solidariedade e o exercício da paz; para se juntarem a um processo de construção coletiva, pela sociedade civil, de um programa base de governo para cidade, que seja norte de posicionamento e orientação desta, em meios às propostas apresentadas quando do processo eleitoral.
Para tanto, mantendo nossas atividades, informamos e pedimos publicidade, para o próximo debate dia 15 de abril, que terá como tema a educação. O evento contará com a participação da atriz e poetiza capixaba e canela verde, Elisa Lucinda, e terá, a pedido dela, como público alvo o professorado de Vila Velha.
Por fim, o Movimento estuda a criação de um Conselho Programático, composto por técnicos indicados pelos partidos políticos da cidade, para acompanhar e participar, junto à sociedade civil, na construção desta Carta Compromisso de Governo.
E planeja ainda, quando o processo eleitoral se definir, uma etapa em que os candidatos discutirão os programas de governo, ocasião em que será entregue a Carta Compromisso de Governo com as diretrizes programáticas para uma gestão moderna, eficiente e eficaz da cidade, resultante dos debates que estão sendo realizados.
Comissão Gestora do Movimento Nova Vila Velha:
Rafael Cláudio Simões (Coordenador)
Walace Milis
Thiago Emerich
Marco Valério Guimarães
Maria Clara do Rosário
Orlando Mila.
O dilema do PSDB aos 90 dias de Dilma (Raymundo Costa)
Passou quase despercebido, mas Dilma Rousseff enviou um telegrama a José Serra no dia do aniversário do tucano, sábado retrasado. Para o PSDB, a presidente é uma surpresa incômoda. Está sendo difícil, para o partido, estabelecer uma linha de oposição. Ao contrário de Lula, a presidente não diz que DEM e PSDB são a encarnação do demônio e suas recentes ações na área fiscal, em boa medida, foram aquelas reclamadas pelo partido.
Dilma não saiu da campanha eleitoral propriamente feliz com Serra. Mas foi inteligente, de sua parte, enviar o telegrama. Ele é o tucano mais ouriçado no discurso de oposição que não teve na campanha. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ainda hoje a principal voz do PSDB, está encantado com os primeiros 90 dias de Dilma e não esconde isso dos correligionários.
Para os tucanos, não seria surpresa se FHC e Dilma conversarem em breve. Atento aos signos, observaram o brinde a Fernando Henrique no Itamaraty, no banquete oferecido a Barack Obama. O ex-presidente estava mais distante que José Sarney, presidente do Senado, por exemplo. Ela poderia ter sido formal. Foi cordial.
Lula tratava a oposição como o inimigo a ser "extirpado". Ela, até agora, tira de letra. Não deixou um flanco escancaradamente aberto para o PSDB bater. Um exemplo é a aparente falta de convicção de Dilma sobre o aperto a ser feito. Outro, contradições como o corte de R$ 50 bilhões do Orçamento seguido de aporte semelhante no BNDES, o que obviamente deve gerar aquecimento na economia.
Serra está imobilizado no PSDB porque não existe dentro do partido um movimento contra Dilma Rousseff, até o momento. Não há clima para oposição pessoal. Mesmo em São Paulo, onde é maior a radicalização PT x PSDB, é palpável, entre tucanos, o sentimento de que Dilma não é imune à critica, mas o partido deve evitar ataques à pessoa da presidente da República. As pesquisas comprovam que ela entrou em redutos tradicionais do PSDB paulistano. Os Jardins estão muito satisfeitos, sobretudo, com a conduta de Dilma.
O mundo do PSDB se define no fim de maio, na convenção dos tucanos para eleger a nova direção do partido. Serra faz todos os movimentos possíveis para ser o presidente, substituindo a Sérgio Guerra, ex-senador e atual deputado por Pernambuco, com quem se desentendeu na eleição de 2010. Mas suas articulações não encontram a repercussão esperada nem em São Paulo, a não ser no grupo mais próximo ao qual sempre esteve ligado.
É pouco o tempo decorrido desde a eleição presidencial de 2010 para uma avaliação precisa, mas é evidente Serra sofreu uma derrota que não foi apenas eleitoral. Também foi política, porque saiu do pleito sem bandeiras e estigmatizado por flertar com um discurso que não compõe com a história de um líder forjado na esquerda estudantil.
Por mais que pesquisas posteriores indicassem que a proposta de salário mínimo de R$ 600 tenha sido a mais bem compreendida entre os eleitores, ela pouco ou nada tinha a ver com o fiscalista Serra. Soava demagogia. Serra também nunca foi carola. Mas sua campanha foi um tal de beijar santa e nenhuma hesitação em assumir o discurso antiaborto mais primitivo, quando ele pareceu conveniente em termos de dividendos eleitorais.
Uma das regras básicas de candidatos a presidente é a fidelidade aos princípios. É clássico o exemplo de Winston Churchill, que passou anos no ostracismo advertindo os ingleses sobre o perigo representado pela Alemanha. Só foi ouvido quando o ventou virou e a história o encontrou na mesma posição.
O mínimo que se esperava de Serra na campanha eleitoral de 2010 era uma boa proposta de governo. Ele sempre foi considerado um grande gestor. Mas nem sequer apresentou um programa econômico. Irritava-se quando era cobrado pelos jornalistas. Serra também não queria medir forças com a popularidade de Lula e tratou o então presidente como um estadista. Achava que entre Dilma e ele venceria vence o melhor currículo.
A obstinação de Serra agora é ser presidente do PSDB. Os tucanos conhecem muito bem a tenacidade de Serra. Mas desta vez quem se opõe ao ex-governador de São Paulo conta que o senador Aécio Neves enfrente o colega paulista, provavelmente apoiando a recondução do deputado Sérgio Guerra a presidente. Mas com a persistência de Serra, pode ser que os tucanos tenham que recorrer a um terceiro nome, para não parecer que o paulista, hoje isolado, tenha sofrido uma derrota acachapante.
Atualmente já não há abundância de nomes que havia no PSDB no fim dos anos 80 - Mário Covas, José Richa, Franco Montoro, FHC, José Serra, Euclides Scalco, Tasso Jereissati, entre outros. FHC, ainda hoje o guru, já avisou que não tem mais idade para essas coisas.
Para os tucanos, o ideal seria que Serra fosse candidato a prefeito em 2012, principalmente se o candidato do PT fosse escolhido entre a senadora Marta Suplicy e o ministro Aloizio Mercadante (Ciência e Tecnologia). Serra não gosta nem de ouvir falar do assunto. Sabe que é fim de carreira, e em seus cálculos ainda está a Presidência da República. No momento, ele precisa avançar uma posição, e é neste movimento que está integralmente empenhado.
O PSDB e Aécio Neves não devem subestimar o colega tucano. Sua capacidade para intervir no jogo partidário ainda é efetiva, apesar do isolamento. Já se especula com certa naturalidade, em setores do PSDB, a hipótese sobre a qual o ex-governador evita cogitações - que ele venha a se candidatar ao Planalto pelo PSD, o partido que está sendo criado por Gilberto Kassab.
Sabe-se que Kassab já falou sobre isso com Serra, trata-se de uma porta aberta que o tucano não fechou. É o que no PSDB passou a ser chamado de "bomba atômica", uma espécie de aviso a Aécio Neves sobre o que ele, Serra, pode fazer caso não seja presidente do PSDB. Do ponto de vista de hoje, acredita-se que Serra pode entrar na corrida presidencial de 2014 à frente de Aécio nas pesquisas, devido ao "recall" que tem das eleições passadas.
"Recall", aliás, que deve se tornar um problema para Serra, assim que começarem a ser feitas as pesquisas em relação à sucessão na Prefeitura de São Paulo. Se quiser ser candidato ao lugar de Kassab, ele terá todo o apoio dos tucanos. Mas ele não quer. Quer ser presidente.
Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
Dilma não saiu da campanha eleitoral propriamente feliz com Serra. Mas foi inteligente, de sua parte, enviar o telegrama. Ele é o tucano mais ouriçado no discurso de oposição que não teve na campanha. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ainda hoje a principal voz do PSDB, está encantado com os primeiros 90 dias de Dilma e não esconde isso dos correligionários.
Para os tucanos, não seria surpresa se FHC e Dilma conversarem em breve. Atento aos signos, observaram o brinde a Fernando Henrique no Itamaraty, no banquete oferecido a Barack Obama. O ex-presidente estava mais distante que José Sarney, presidente do Senado, por exemplo. Ela poderia ter sido formal. Foi cordial.
Lula tratava a oposição como o inimigo a ser "extirpado". Ela, até agora, tira de letra. Não deixou um flanco escancaradamente aberto para o PSDB bater. Um exemplo é a aparente falta de convicção de Dilma sobre o aperto a ser feito. Outro, contradições como o corte de R$ 50 bilhões do Orçamento seguido de aporte semelhante no BNDES, o que obviamente deve gerar aquecimento na economia.
Serra está imobilizado no PSDB porque não existe dentro do partido um movimento contra Dilma Rousseff, até o momento. Não há clima para oposição pessoal. Mesmo em São Paulo, onde é maior a radicalização PT x PSDB, é palpável, entre tucanos, o sentimento de que Dilma não é imune à critica, mas o partido deve evitar ataques à pessoa da presidente da República. As pesquisas comprovam que ela entrou em redutos tradicionais do PSDB paulistano. Os Jardins estão muito satisfeitos, sobretudo, com a conduta de Dilma.
O mundo do PSDB se define no fim de maio, na convenção dos tucanos para eleger a nova direção do partido. Serra faz todos os movimentos possíveis para ser o presidente, substituindo a Sérgio Guerra, ex-senador e atual deputado por Pernambuco, com quem se desentendeu na eleição de 2010. Mas suas articulações não encontram a repercussão esperada nem em São Paulo, a não ser no grupo mais próximo ao qual sempre esteve ligado.
É pouco o tempo decorrido desde a eleição presidencial de 2010 para uma avaliação precisa, mas é evidente Serra sofreu uma derrota que não foi apenas eleitoral. Também foi política, porque saiu do pleito sem bandeiras e estigmatizado por flertar com um discurso que não compõe com a história de um líder forjado na esquerda estudantil.
Por mais que pesquisas posteriores indicassem que a proposta de salário mínimo de R$ 600 tenha sido a mais bem compreendida entre os eleitores, ela pouco ou nada tinha a ver com o fiscalista Serra. Soava demagogia. Serra também nunca foi carola. Mas sua campanha foi um tal de beijar santa e nenhuma hesitação em assumir o discurso antiaborto mais primitivo, quando ele pareceu conveniente em termos de dividendos eleitorais.
Uma das regras básicas de candidatos a presidente é a fidelidade aos princípios. É clássico o exemplo de Winston Churchill, que passou anos no ostracismo advertindo os ingleses sobre o perigo representado pela Alemanha. Só foi ouvido quando o ventou virou e a história o encontrou na mesma posição.
O mínimo que se esperava de Serra na campanha eleitoral de 2010 era uma boa proposta de governo. Ele sempre foi considerado um grande gestor. Mas nem sequer apresentou um programa econômico. Irritava-se quando era cobrado pelos jornalistas. Serra também não queria medir forças com a popularidade de Lula e tratou o então presidente como um estadista. Achava que entre Dilma e ele venceria vence o melhor currículo.
A obstinação de Serra agora é ser presidente do PSDB. Os tucanos conhecem muito bem a tenacidade de Serra. Mas desta vez quem se opõe ao ex-governador de São Paulo conta que o senador Aécio Neves enfrente o colega paulista, provavelmente apoiando a recondução do deputado Sérgio Guerra a presidente. Mas com a persistência de Serra, pode ser que os tucanos tenham que recorrer a um terceiro nome, para não parecer que o paulista, hoje isolado, tenha sofrido uma derrota acachapante.
Atualmente já não há abundância de nomes que havia no PSDB no fim dos anos 80 - Mário Covas, José Richa, Franco Montoro, FHC, José Serra, Euclides Scalco, Tasso Jereissati, entre outros. FHC, ainda hoje o guru, já avisou que não tem mais idade para essas coisas.
Para os tucanos, o ideal seria que Serra fosse candidato a prefeito em 2012, principalmente se o candidato do PT fosse escolhido entre a senadora Marta Suplicy e o ministro Aloizio Mercadante (Ciência e Tecnologia). Serra não gosta nem de ouvir falar do assunto. Sabe que é fim de carreira, e em seus cálculos ainda está a Presidência da República. No momento, ele precisa avançar uma posição, e é neste movimento que está integralmente empenhado.
O PSDB e Aécio Neves não devem subestimar o colega tucano. Sua capacidade para intervir no jogo partidário ainda é efetiva, apesar do isolamento. Já se especula com certa naturalidade, em setores do PSDB, a hipótese sobre a qual o ex-governador evita cogitações - que ele venha a se candidatar ao Planalto pelo PSD, o partido que está sendo criado por Gilberto Kassab.
Sabe-se que Kassab já falou sobre isso com Serra, trata-se de uma porta aberta que o tucano não fechou. É o que no PSDB passou a ser chamado de "bomba atômica", uma espécie de aviso a Aécio Neves sobre o que ele, Serra, pode fazer caso não seja presidente do PSDB. Do ponto de vista de hoje, acredita-se que Serra pode entrar na corrida presidencial de 2014 à frente de Aécio nas pesquisas, devido ao "recall" que tem das eleições passadas.
"Recall", aliás, que deve se tornar um problema para Serra, assim que começarem a ser feitas as pesquisas em relação à sucessão na Prefeitura de São Paulo. Se quiser ser candidato ao lugar de Kassab, ele terá todo o apoio dos tucanos. Mas ele não quer. Quer ser presidente.
Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
Cartório (Dora Kramer)
Marina Silva sabia, evidentemente, com quem estava lidando ao entrar para o PV, presidido há dez anos por José Luiz Penna. Isso naquela ocasião. Agora que ele acaba de renovar o mandato mediante o controle da máquina, são 12 anos de presidência.
De ninguém com essa longevidade no poder pode-se dizer que tenha apreço pela democracia interna, que pressupõe alternância.
O grupo da ex-senadora, no entanto, pareceu apostar que o significativo cacife de 20 milhões de votos obtidos na eleição presidencial lhe daria força para renovar o partido.
De fato, seria uma consequência natural, caso não prevalecesse na política brasileira a mais absoluta desconexão entre a vida cotidiana dos partidos e os momentos eleitorais.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
De ninguém com essa longevidade no poder pode-se dizer que tenha apreço pela democracia interna, que pressupõe alternância.
O grupo da ex-senadora, no entanto, pareceu apostar que o significativo cacife de 20 milhões de votos obtidos na eleição presidencial lhe daria força para renovar o partido.
De fato, seria uma consequência natural, caso não prevalecesse na política brasileira a mais absoluta desconexão entre a vida cotidiana dos partidos e os momentos eleitorais.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
Entre Brasília e Vanuatu (Jairo Nicolau)
Convido o leitor a fazer um teste: pergunte a um amigo se ele conhece a regra para a eleição de deputados e vereadores no Brasil. Sei que a pergunta pode soar tão estranha para alguns como se lhes fosse pedido para explicar como os pontos são computados em uma partida de beisebol.
Até onde eu sei, nenhuma pesquisa avaliou o conhecimento que os eleitores têm sobre o sistema eleitoral em vigor no Brasil. Mas, pela minha experiência em fazer esta pergunta em diversas audiências, imagino que o seu interlocutor dirá que não sabe ou, alternativamente, dirá que os mais votados são eleitos; ou seja, numa eleição para deputado federal no Rio de Janeiro, elegem-se os 46 nomes mais votados do estado. Quase ninguém responderá que temos um sistema de representação proporcional e que o mais importante é saber quantos votos cada partido obteve nas eleições.
Sei que é um tema muito específico, mas a desinformação sobre ele é muito grande. Minha sugestão é que a forma de votação no Brasil contribui para essa confusão. No dia da eleição somos convidados a votar em uma lista de nomes para diversos cargos. Se os cargos mais importantes para os eleitores (presidente, governador, prefeito e senador) são eleitos pelo voto majoritário, por que não aconteceria o mesmo com vereadores e deputados? Daí a surpresa de um eleitor do Tiririca, ao saber que seus votos ajudaram a eleger deputados do PT e do PCdoB, partidos que concorreram coligados.
A representação proporcional, na versão que conhecemos, está em vigor no Brasil desde 1945. A meu juízo ela foi fundamental para a democratização do país, pois deu espaço no Legislativo a vozes emergentes (do PT às novas lideranças pentecostais), serviu para renovar a política brasileira e conferiu aos partidos representação aproximada a seu peso eleitoral. Claro que a representação proporcional deve ser aperfeiçoada e existem excelentes ideias em debate no Congresso para fazê-la.
A visão predominante entre os eleitores, de que os deputados são eleitos por um sistema de maioria, recebeu recentemente um nome prosaico: distritão. Além disso, passou a ser defendida por alguns políticos como opção para o Brasil. O principal argumento é que ele é simples e mais democrático, pois garante a eleição dos mais votados no estado, independentemente dos partidos.
O deputado tem razão em um aspecto: o sistema é simples. Mas está longe de ser o mais democrático. Entre os 88 países considerados livres (Freedom House, 2010), o distritão está em vigor em apenas um: Vanuatu. Uma ilha do Pacífico, com apenas 208 mil e que utiliza este sistema há poucas eleições.
Se a experiência de Vanuatu com o distritão não nos ajuda muito, temos bons estudos sobre o Japão - país que utilizou este sistema por mais tempo (1948- 1993). O antigo sistema eleitoral do Japão foi responsabilizado por muitos dos problemas que afetaram o sistema político e levaram a uma grave crise institucional em 1992: clientelismo extremo, dificuldade de os partidos coordenarem os candidatos nas campanhas e corrupção eleitoral.
É sempre difícil antever efeitos de novas regras eleitorais. Mas dois parecem inevitáveis, caso este sistema seja adotado no Brasil: enfraquecimento dos partidos e aumento do custo das campanhas.
Os partidos passariam a servir como organizações apenas para selecionar nomes para a disputa, e as eleições passariam a ser uma corrida entre centenas de candidatos; é interessante lembrar que um candidato com votação expressiva não transfere seus votos para outro nome do partido. Em uma disputa tão personalizada e competitiva entre nomes é bastante provável que as campanhas se tornem muito mais caras do que as que são feitas hoje em dia.
Boa parte do debate sobre reforma eleitoral feito no Brasil nos últimos anos se concentrou na discussão de como tornar os partidos mais fortes e as eleições mais baratas. Se me perguntassem a respeito de um sistema eleitoral no qual eu teria certeza de que isso não aconteceria, não teria dúvida nenhuma em dizer: distritão.
Jairo Nicolau é cientista político e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
FONTE: O GLOBO
Até onde eu sei, nenhuma pesquisa avaliou o conhecimento que os eleitores têm sobre o sistema eleitoral em vigor no Brasil. Mas, pela minha experiência em fazer esta pergunta em diversas audiências, imagino que o seu interlocutor dirá que não sabe ou, alternativamente, dirá que os mais votados são eleitos; ou seja, numa eleição para deputado federal no Rio de Janeiro, elegem-se os 46 nomes mais votados do estado. Quase ninguém responderá que temos um sistema de representação proporcional e que o mais importante é saber quantos votos cada partido obteve nas eleições.
Sei que é um tema muito específico, mas a desinformação sobre ele é muito grande. Minha sugestão é que a forma de votação no Brasil contribui para essa confusão. No dia da eleição somos convidados a votar em uma lista de nomes para diversos cargos. Se os cargos mais importantes para os eleitores (presidente, governador, prefeito e senador) são eleitos pelo voto majoritário, por que não aconteceria o mesmo com vereadores e deputados? Daí a surpresa de um eleitor do Tiririca, ao saber que seus votos ajudaram a eleger deputados do PT e do PCdoB, partidos que concorreram coligados.
A representação proporcional, na versão que conhecemos, está em vigor no Brasil desde 1945. A meu juízo ela foi fundamental para a democratização do país, pois deu espaço no Legislativo a vozes emergentes (do PT às novas lideranças pentecostais), serviu para renovar a política brasileira e conferiu aos partidos representação aproximada a seu peso eleitoral. Claro que a representação proporcional deve ser aperfeiçoada e existem excelentes ideias em debate no Congresso para fazê-la.
A visão predominante entre os eleitores, de que os deputados são eleitos por um sistema de maioria, recebeu recentemente um nome prosaico: distritão. Além disso, passou a ser defendida por alguns políticos como opção para o Brasil. O principal argumento é que ele é simples e mais democrático, pois garante a eleição dos mais votados no estado, independentemente dos partidos.
O deputado tem razão em um aspecto: o sistema é simples. Mas está longe de ser o mais democrático. Entre os 88 países considerados livres (Freedom House, 2010), o distritão está em vigor em apenas um: Vanuatu. Uma ilha do Pacífico, com apenas 208 mil e que utiliza este sistema há poucas eleições.
Se a experiência de Vanuatu com o distritão não nos ajuda muito, temos bons estudos sobre o Japão - país que utilizou este sistema por mais tempo (1948- 1993). O antigo sistema eleitoral do Japão foi responsabilizado por muitos dos problemas que afetaram o sistema político e levaram a uma grave crise institucional em 1992: clientelismo extremo, dificuldade de os partidos coordenarem os candidatos nas campanhas e corrupção eleitoral.
É sempre difícil antever efeitos de novas regras eleitorais. Mas dois parecem inevitáveis, caso este sistema seja adotado no Brasil: enfraquecimento dos partidos e aumento do custo das campanhas.
Os partidos passariam a servir como organizações apenas para selecionar nomes para a disputa, e as eleições passariam a ser uma corrida entre centenas de candidatos; é interessante lembrar que um candidato com votação expressiva não transfere seus votos para outro nome do partido. Em uma disputa tão personalizada e competitiva entre nomes é bastante provável que as campanhas se tornem muito mais caras do que as que são feitas hoje em dia.
Boa parte do debate sobre reforma eleitoral feito no Brasil nos últimos anos se concentrou na discussão de como tornar os partidos mais fortes e as eleições mais baratas. Se me perguntassem a respeito de um sistema eleitoral no qual eu teria certeza de que isso não aconteceria, não teria dúvida nenhuma em dizer: distritão.
Jairo Nicolau é cientista político e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
FONTE: O GLOBO
segunda-feira, 28 de março de 2011
Fraternidade e natureza (Denis Lerrer Rosenfield)
Com grande alarde, a CNBB lançou um documento intitulado Fraternidade e a Vida no Planeta como orientação da Campanha da Fraternidade de 2011. Tratando-se de um documento teológico-político, sua preocupação central consiste em influir no atual debate sobre as relações entre civilização moderna e meio ambiente. Mais especificamente, seu objetivo reside em participar diretamente da discussão atual sobre a revisão do Código Florestal. Não estamos diante de uma preocupação religiosa politicamente neutra, mas que obedece a diretrizes contempladas nas pastorais da Igreja, nos ditos movimentos sociais e na doutrina da Teologia da Libertação.
Em manifestações, aliás, muito sensatas, de alguns altos dignitários da Igreja, aparece uma preocupação muito genuína com a preservação ambiental, sem ranços ideológicos. Cuidados relativos à coleta seletiva de lixo, contra os desperdícios de água, a poluição de rios e do ar e o uso abusivo de agrotóxicos, por exemplo, entram nessa linha de conduta.
Essa é, no entanto, a apresentação pública, em muito distinta do que consta no documento, eivado de ranços contra o capitalismo, a propriedade privada, o lucro e o agronegócio. Convém, preliminarmente, ressaltar que foi graças ao capitalismo e ao agronegócio que a sociedade atual veio a produzir abundantemente alimentos em escala planetária e a baixo custo. Nunca tantos comeram e jamais foram tão boas as condições de vida.
Os países que aboliram a propriedade privada e "produziram" sem o lucro foram os que sucumbiram à miséria. A URSS abandonou à morte milhões de seus cidadãos por falta de comida e pela desorganização completa da agricultura. A China de Mao seguiu o mesmo caminho, com camponeses morrendo de fome nas estradas. Os admiradores atuais de Cuba, muitos dos quais compartilham os pressupostos da Teologia da Libertação, nada têm a dizer de um partido que nem consegue produzir alimentos para a sua população. Outro representante do "socialismo", Hugo Chávez, está conduzindo seu país à bancarrota, também com a desorganização completa da agricultura e da pecuária.
Se tivéssemos de caracterizar a ideologia do documento o qualificaríamos como uma mistura de ludismo e marxismo. Ludismo porque corresponde a uma corrente política e ideológica inglesa do século 19 que recusava toda e qualquer modernização do processo produtivo, no caso, industrial, pela destruição de máquinas, cuja inovação não era aceita. Marxismo porque adota as categorias dessa corrente ideológica, propugnando uma via anticapitalista, que não estaria mais orientada pelas relações de mercado alicerçadas no lucro e nos contratos. Desta última resgata também a ideia socialista, que ganha uma nova denominação, a de uma sociedade "solidária", não consumista, não capitalista, apoiada na "vida", e não na ganância. Mudou de denominação por conveniências retóricas.
Assim, a CNBB postula que os alimentos produzidos para o mercado, sob a forma de "commodities", sejam caracterizados como produtos de um mercado voltado para o "lucro", que não visa à "disponibilização de alimentos para todas as pessoas". Prossegue em suas diatribes criticando um mercado "dominado por poucas empresas que monopolizam o mercado internacional, impondo preços segundo suas conveniências". Mas é obrigada a reconhecer que esse processo, baseado em "distorções", "se reflete nos preços relativamente baixos dos alimentos". Ou seja, na verdade, é o mercado que produz alimentos abundantes e a baixos preços, o que contradiz sua tese de que a escassez seria a resultante desse processo.
O documento retoma a tese do MST e da Comissão Pastoral da Terra de que o agronegócio termina prejudicando e excluindo a agricultura familiar. Ao contrário, porém, o fato é que o excedente da agricultura familiar é vendido no mercado e em alguns setores, como fumo, aves e suínos, há toda uma rede de relações entre o agronegócio e a agricultura familiar, denominada "sistema integrado de produção". Na verdade, a CNBB adota a postura dos assentamentos da reforma agrária, identificando-os com a agricultura familiar, o que é um equívoco, pois eles não possuem títulos de propriedade, não se voltam para o mercado e estão apoiados na economia de subsistência, a qual, aliás, nem conseguem atingir. Vivem de subsídios governamentais como o Bolsa-Família, o que significa dizer: à custa do contribuinte.
Todo o setor da agropecuária e do agronegócio em geral é tido como praticante de "crimes ambientais", como se esse fosse o seu costume. Evidentemente, a prática agrícola, como ocorre em qualquer lugar do mundo, transforma a natureza, tendo em vista a produção de alimentos. Se assim não fosse, a humanidade morreria de fome. Há uma clara confusão entre desmatar por desmatar, sem nenhuma preocupação agropecuária, e a atividade propriamente agrícola, que também conserva a natureza. Agricultura e natureza marcham de mãos dadas. Se não for assim, ambas acabam perdendo. O agricultor ou a empresa que não conserva a natureza dá um tiro no próprio pé.
A CNBB apoia-se numa concepção religiosa segundo a qual tudo o que existe na natureza é resultado da criação divina, que, enquanto tal, deve ser preservada. Trata-se de "cultivar" a "criação". O ambientalismo estaria, nesse sentido, fundado numa cosmovisão religiosa. Eis por que é defendida a ideia de que os comportamentos que contrariam essa cosmovisão devem ser "corrigidos", por serem "pecaminosos", por atentarem precisamente contra a "criação divina". Ou seja, a Igreja assume a política dos que sabem o que é o "correto" comportamento humano, devendo adotar medidas que o implementem. A correção do comportamento humano seria empreendida pela "tirania dos bons", dos "virtuosos". Isso significa que todo aquele que advoga pela atualização do Código Florestal seria pecador.
Fonte: O Estado de São Paulo
Em manifestações, aliás, muito sensatas, de alguns altos dignitários da Igreja, aparece uma preocupação muito genuína com a preservação ambiental, sem ranços ideológicos. Cuidados relativos à coleta seletiva de lixo, contra os desperdícios de água, a poluição de rios e do ar e o uso abusivo de agrotóxicos, por exemplo, entram nessa linha de conduta.
Essa é, no entanto, a apresentação pública, em muito distinta do que consta no documento, eivado de ranços contra o capitalismo, a propriedade privada, o lucro e o agronegócio. Convém, preliminarmente, ressaltar que foi graças ao capitalismo e ao agronegócio que a sociedade atual veio a produzir abundantemente alimentos em escala planetária e a baixo custo. Nunca tantos comeram e jamais foram tão boas as condições de vida.
Os países que aboliram a propriedade privada e "produziram" sem o lucro foram os que sucumbiram à miséria. A URSS abandonou à morte milhões de seus cidadãos por falta de comida e pela desorganização completa da agricultura. A China de Mao seguiu o mesmo caminho, com camponeses morrendo de fome nas estradas. Os admiradores atuais de Cuba, muitos dos quais compartilham os pressupostos da Teologia da Libertação, nada têm a dizer de um partido que nem consegue produzir alimentos para a sua população. Outro representante do "socialismo", Hugo Chávez, está conduzindo seu país à bancarrota, também com a desorganização completa da agricultura e da pecuária.
Se tivéssemos de caracterizar a ideologia do documento o qualificaríamos como uma mistura de ludismo e marxismo. Ludismo porque corresponde a uma corrente política e ideológica inglesa do século 19 que recusava toda e qualquer modernização do processo produtivo, no caso, industrial, pela destruição de máquinas, cuja inovação não era aceita. Marxismo porque adota as categorias dessa corrente ideológica, propugnando uma via anticapitalista, que não estaria mais orientada pelas relações de mercado alicerçadas no lucro e nos contratos. Desta última resgata também a ideia socialista, que ganha uma nova denominação, a de uma sociedade "solidária", não consumista, não capitalista, apoiada na "vida", e não na ganância. Mudou de denominação por conveniências retóricas.
Assim, a CNBB postula que os alimentos produzidos para o mercado, sob a forma de "commodities", sejam caracterizados como produtos de um mercado voltado para o "lucro", que não visa à "disponibilização de alimentos para todas as pessoas". Prossegue em suas diatribes criticando um mercado "dominado por poucas empresas que monopolizam o mercado internacional, impondo preços segundo suas conveniências". Mas é obrigada a reconhecer que esse processo, baseado em "distorções", "se reflete nos preços relativamente baixos dos alimentos". Ou seja, na verdade, é o mercado que produz alimentos abundantes e a baixos preços, o que contradiz sua tese de que a escassez seria a resultante desse processo.
O documento retoma a tese do MST e da Comissão Pastoral da Terra de que o agronegócio termina prejudicando e excluindo a agricultura familiar. Ao contrário, porém, o fato é que o excedente da agricultura familiar é vendido no mercado e em alguns setores, como fumo, aves e suínos, há toda uma rede de relações entre o agronegócio e a agricultura familiar, denominada "sistema integrado de produção". Na verdade, a CNBB adota a postura dos assentamentos da reforma agrária, identificando-os com a agricultura familiar, o que é um equívoco, pois eles não possuem títulos de propriedade, não se voltam para o mercado e estão apoiados na economia de subsistência, a qual, aliás, nem conseguem atingir. Vivem de subsídios governamentais como o Bolsa-Família, o que significa dizer: à custa do contribuinte.
Todo o setor da agropecuária e do agronegócio em geral é tido como praticante de "crimes ambientais", como se esse fosse o seu costume. Evidentemente, a prática agrícola, como ocorre em qualquer lugar do mundo, transforma a natureza, tendo em vista a produção de alimentos. Se assim não fosse, a humanidade morreria de fome. Há uma clara confusão entre desmatar por desmatar, sem nenhuma preocupação agropecuária, e a atividade propriamente agrícola, que também conserva a natureza. Agricultura e natureza marcham de mãos dadas. Se não for assim, ambas acabam perdendo. O agricultor ou a empresa que não conserva a natureza dá um tiro no próprio pé.
A CNBB apoia-se numa concepção religiosa segundo a qual tudo o que existe na natureza é resultado da criação divina, que, enquanto tal, deve ser preservada. Trata-se de "cultivar" a "criação". O ambientalismo estaria, nesse sentido, fundado numa cosmovisão religiosa. Eis por que é defendida a ideia de que os comportamentos que contrariam essa cosmovisão devem ser "corrigidos", por serem "pecaminosos", por atentarem precisamente contra a "criação divina". Ou seja, a Igreja assume a política dos que sabem o que é o "correto" comportamento humano, devendo adotar medidas que o implementem. A correção do comportamento humano seria empreendida pela "tirania dos bons", dos "virtuosos". Isso significa que todo aquele que advoga pela atualização do Código Florestal seria pecador.
Fonte: O Estado de São Paulo
O PSD, de JK a GG (José Roberto de Toledo)
Na política brasileira, quase tudo que se recicla se degrada. De Kubitschek a Kassab, o PSD é mais um na longa lista de siglas repaginadas para confundir o eleitor e vender raposa por cordeiro.
O prefeito da cidade de São Paulo foi pego numa mentirinha para alavancar seu novo partido. Disse que conversara com a filha do presidente Juscelino Kubitschek sobre batizar a fundação partidária com o nome do pai dela. Maria Estela Kubitschek desdisse Gilberto Kassab e ameaçou processá-lo.
É bom desencorajar o prefeito antes que ele mude a letra do primeiro nome para tomar emprestada também a sigla presidencial. Assim como Muamar Kadafi tem mil grafias, haverá sempre um especialista disposto a provar que, em árabe, Gilberto se escreve com "J".
O único problema é que haverá outros dizendo que Kassab é, na verdade, Gassab (afinal, Kadafi pode ser Gaddafi). E aí, em vez de JK, o prefeito viraria GG.
Ele não é o único às voltas com palavras cruzadas. A senadora Marina Silva trocou o PT pelo PV para disputar a Presidência da República . Agora, descobriu que o verde do partido vem da cor que ficam os filiados ao tentarem desalojar alguns aprendizes de Mubarak da cúpula do PV. Abriu uma dissidência.
O grupo marinista tem até nome: Transição Democrática. Transição para quê? Para um novo partido, pelo jeito. Não seria surpresa. É da tradição brasileira.
Aqui, partido tem dono. Eles se eternizam no poder asfixiando a concorrência interna. Fecham as brechas que poderiam arejar as estruturas partidárias. Vedam o acesso a cargos, a vagas nas chapas eleitorais e aos cofres da agremiação.
Quando um político de expressão se vê sem espaço na legenda que o abriga, ele joga as letras da sigla partidária no liquidificador e sai com uma nova combinação. Vide o PSDB que brotou do PMDB.
Franco Montoro, Mario Covas e Fernando Henrique Cardoso estavam emparedados por Orestes Quércia em São Paulo. Da crise local surgiu um novo partido nacional. Foram-se os caciques, mas ficaram os índios, hoje confederados.
Num país em que a maioria da população prefere nenhum partido (57%, no mais recente Datafolha), os políticos brasileiros têm uma estranha fixação pelos nomes das legendas passadas. Como se letras se transubstanciassem em votos.
Ao fim da ditadura, Leonel Brizola brigou pelo legado político-eleitoral de Getúlio Vargas encarnado na sigla PTB. Derrotado, fundou uma variação sobre o tema, o PDT. O novo PTB ficou com Ivete Vargas e, após sua morte, deu no que deu.
Finados. Kassab e o vice-governador paulista Afif Domingos estão interessados em outra herança do período Vargas, o conceito de linha auxiliar.
Os dois compartilham mais do que o comando do novo PSD e a carteirinha da Associação Comercial de São Paulo. São experientes em dissidência partidária. Participaram do finado PL, que se ramificou de outro defunto, o PFL.
Desencantada com os dividendos eleitorais do "liberalismo" de fachada partidária, a dupla voltou-se para o apelo do mito "democrata" no DEM e, agora, no PSD - um partido ideológico, nascido para agradar dilmistas e tucanos.
Com a popularidade do prefeito em queda (saldo negativo de 14 pontos no Datafolha) e a previsão de chuvas abundantes em São Paulo (leiam-se inundações), é desafiador imaginar qual "sex appeal" tem atraído políticos para a nova legenda.
A Prefeitura de São Paulo tem o terceiro maior orçamento público do País, mas será só isso? "Tudo isso", responderão os cínicos. "Nada disso", dirão os crédulos, "É o carisma de GG (ou GK)".
Status. Virar sigla ou ser conhecido pelo primeiro nome na política brasileira é uma ambição perseguida por candidatos e seus marqueteiros em toda eleição. Desde 2000 Alckmin luta para virar Geraldo. Serra tentou ser Zé em 2010, sem sucesso.
Uns mimetizam Getúlio, Jango, Lula (apelidos que viraram marca). Outros aspiram a JK, ACM, FHC. Mas esse status não se fabrica, se conquista.
Enquanto homens suam para ter intimidade com o eleitor e serem conhecidos pelo primeiro nome, as mulheres ganham o prenome de guerra sem esforço. São chamadas apenas assim na machista política brasileira. Dilma é "presidente Rousseff" só na boca do líder americano Barack Obama.
Fonte: O Estado de São Paulo
O prefeito da cidade de São Paulo foi pego numa mentirinha para alavancar seu novo partido. Disse que conversara com a filha do presidente Juscelino Kubitschek sobre batizar a fundação partidária com o nome do pai dela. Maria Estela Kubitschek desdisse Gilberto Kassab e ameaçou processá-lo.
É bom desencorajar o prefeito antes que ele mude a letra do primeiro nome para tomar emprestada também a sigla presidencial. Assim como Muamar Kadafi tem mil grafias, haverá sempre um especialista disposto a provar que, em árabe, Gilberto se escreve com "J".
O único problema é que haverá outros dizendo que Kassab é, na verdade, Gassab (afinal, Kadafi pode ser Gaddafi). E aí, em vez de JK, o prefeito viraria GG.
Ele não é o único às voltas com palavras cruzadas. A senadora Marina Silva trocou o PT pelo PV para disputar a Presidência da República . Agora, descobriu que o verde do partido vem da cor que ficam os filiados ao tentarem desalojar alguns aprendizes de Mubarak da cúpula do PV. Abriu uma dissidência.
O grupo marinista tem até nome: Transição Democrática. Transição para quê? Para um novo partido, pelo jeito. Não seria surpresa. É da tradição brasileira.
Aqui, partido tem dono. Eles se eternizam no poder asfixiando a concorrência interna. Fecham as brechas que poderiam arejar as estruturas partidárias. Vedam o acesso a cargos, a vagas nas chapas eleitorais e aos cofres da agremiação.
Quando um político de expressão se vê sem espaço na legenda que o abriga, ele joga as letras da sigla partidária no liquidificador e sai com uma nova combinação. Vide o PSDB que brotou do PMDB.
Franco Montoro, Mario Covas e Fernando Henrique Cardoso estavam emparedados por Orestes Quércia em São Paulo. Da crise local surgiu um novo partido nacional. Foram-se os caciques, mas ficaram os índios, hoje confederados.
Num país em que a maioria da população prefere nenhum partido (57%, no mais recente Datafolha), os políticos brasileiros têm uma estranha fixação pelos nomes das legendas passadas. Como se letras se transubstanciassem em votos.
Ao fim da ditadura, Leonel Brizola brigou pelo legado político-eleitoral de Getúlio Vargas encarnado na sigla PTB. Derrotado, fundou uma variação sobre o tema, o PDT. O novo PTB ficou com Ivete Vargas e, após sua morte, deu no que deu.
Finados. Kassab e o vice-governador paulista Afif Domingos estão interessados em outra herança do período Vargas, o conceito de linha auxiliar.
Os dois compartilham mais do que o comando do novo PSD e a carteirinha da Associação Comercial de São Paulo. São experientes em dissidência partidária. Participaram do finado PL, que se ramificou de outro defunto, o PFL.
Desencantada com os dividendos eleitorais do "liberalismo" de fachada partidária, a dupla voltou-se para o apelo do mito "democrata" no DEM e, agora, no PSD - um partido ideológico, nascido para agradar dilmistas e tucanos.
Com a popularidade do prefeito em queda (saldo negativo de 14 pontos no Datafolha) e a previsão de chuvas abundantes em São Paulo (leiam-se inundações), é desafiador imaginar qual "sex appeal" tem atraído políticos para a nova legenda.
A Prefeitura de São Paulo tem o terceiro maior orçamento público do País, mas será só isso? "Tudo isso", responderão os cínicos. "Nada disso", dirão os crédulos, "É o carisma de GG (ou GK)".
Status. Virar sigla ou ser conhecido pelo primeiro nome na política brasileira é uma ambição perseguida por candidatos e seus marqueteiros em toda eleição. Desde 2000 Alckmin luta para virar Geraldo. Serra tentou ser Zé em 2010, sem sucesso.
Uns mimetizam Getúlio, Jango, Lula (apelidos que viraram marca). Outros aspiram a JK, ACM, FHC. Mas esse status não se fabrica, se conquista.
Enquanto homens suam para ter intimidade com o eleitor e serem conhecidos pelo primeiro nome, as mulheres ganham o prenome de guerra sem esforço. São chamadas apenas assim na machista política brasileira. Dilma é "presidente Rousseff" só na boca do líder americano Barack Obama.
Fonte: O Estado de São Paulo
A universidade brasileira e a excelência internacional (Luiz Cláudio Costa )
Em uma sociedade do conhecimento, as universidades de excelência internacional são instituições cruciais para a formação de profissionais criativos e cidadãos plenos, capazes de promoverem avanços na ciência e tecnologia, bem como na construção de um sistema eficiente de inovação tecnológica. A inserção das universidades de um país no ranking das universidades de excelência internacional é um indicador claro da importância dessas instituições como agentes de desenvolvimento de uma nação. No Brasil, apesar do claro entendimento e dos investimentos do governo federal nos últimos anos na área de educação, a inserção das universidades entre as melhores do mundo ainda não é realidade.
Diversos índices foram criados para comparar e ranquear as universidades de diferentes países do mundo. Desde então, tornar-se uma universidade de excelência internacional deixou de ser simplesmente uma questão de tradição ou desejo. Entre os índices mais aceitos e divulgados pela comunidade internacional estão o Times Higher Education (THES) e o Shanghai Jiao Tong University (SJTU). Apesar das críticas e dos questionamentos sobre a filosofia e a metodologia desses índices, algumas delas muito legítimas, um fato é evidente, as universidades mais bem ranqueadas por eles são aquelas que ao longo da história mais têm contribuído para o desenvolvimento social e econômico de seus países e, na maioria dos casos, da humanidade.
Os avanços do Brasil na área de educação vêm sendo, nos últimos anos, destaque em diferentes organismos internacionais. Relatórios do Banco Mundial apontam o Brasil como o país que mais avançou em aumento de escolaridade e, segundo dados da OCDE, o terceiro país que mais evoluiu em qualidade da educação básica. O último relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), publicado em novembro de 2010, destaca, em capítulo pela primeira vez dedicado a um país da América do Sul, a grande evolução da produção científica brasileira nos últimos anos.
Segundo o relatório, o Brasil produziu 26.482 artigos científicos em 2008, colocando o país na destacada posição de 13º produtor de conhecimento novo do mundo. O relatório indica ainda que 90% das publicações científicas brasileiras são oriundas das universidades públicas, que ao mesmo tempo detém 57% dos pesquisadores brasileiros, outros 6% estão em institutos de pesquisas e 37% em instituições privadas. Da mesma forma, o Brasil conseguiu avançar em muito a sua formação de doutores, alcançando, em 2008, 10.711 titulados, contra apenas 554 em 1981. Com tais indicadores, seria de se esperar que as universidades brasileiras figurassem entre as melhores universidades do mundo. No entanto, isso não ocorre. O índice THES foi publicado pela primeira vez em 2004 e desde então nenhuma universidade brasileira esteve entre as 200 primeiras.
Acadêmicos que se dedicam a definir o que seria uma universidade de excelência internacional identificam algumas características básicas: professores altamente qualificados; excelência em pesquisa; alto nível de investimento do governo e privado; estudantes altamente qualificados com alto nível de internacionalização; autonomia acadêmica, estrutura de gestões eficientes e autônomas e bem estruturadas instalações de ensino, pesquisa, extensão, administração e assistência estudantil.
Uma agenda estratégica de incentivo à internacionalização, com fluxo de professores e estudantes de excelência internacional, e o fortalecimento da agenda da autonomia na gestão das atividades de ensino, pesquisa e extensão podem levar, dentro em breve, o Brasil a ter algumas de suas universidades figurando entre as melhores do mundo.
Buscar o reconhecimento internacional para o ensino superior brasileiro não é simplesmente uma questão de status, mas uma ação estratégica para um país que tem dado ao longo dos anos uma efetiva contribuição científica e tecnológica para a melhoria das condições de vida no planeta.
* Ex-reitor da Universidade Federal de Viçosa, é secretário de Ensino Superior do MEC
Fonte: Correio Braziliense
Diversos índices foram criados para comparar e ranquear as universidades de diferentes países do mundo. Desde então, tornar-se uma universidade de excelência internacional deixou de ser simplesmente uma questão de tradição ou desejo. Entre os índices mais aceitos e divulgados pela comunidade internacional estão o Times Higher Education (THES) e o Shanghai Jiao Tong University (SJTU). Apesar das críticas e dos questionamentos sobre a filosofia e a metodologia desses índices, algumas delas muito legítimas, um fato é evidente, as universidades mais bem ranqueadas por eles são aquelas que ao longo da história mais têm contribuído para o desenvolvimento social e econômico de seus países e, na maioria dos casos, da humanidade.
Os avanços do Brasil na área de educação vêm sendo, nos últimos anos, destaque em diferentes organismos internacionais. Relatórios do Banco Mundial apontam o Brasil como o país que mais avançou em aumento de escolaridade e, segundo dados da OCDE, o terceiro país que mais evoluiu em qualidade da educação básica. O último relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), publicado em novembro de 2010, destaca, em capítulo pela primeira vez dedicado a um país da América do Sul, a grande evolução da produção científica brasileira nos últimos anos.
Segundo o relatório, o Brasil produziu 26.482 artigos científicos em 2008, colocando o país na destacada posição de 13º produtor de conhecimento novo do mundo. O relatório indica ainda que 90% das publicações científicas brasileiras são oriundas das universidades públicas, que ao mesmo tempo detém 57% dos pesquisadores brasileiros, outros 6% estão em institutos de pesquisas e 37% em instituições privadas. Da mesma forma, o Brasil conseguiu avançar em muito a sua formação de doutores, alcançando, em 2008, 10.711 titulados, contra apenas 554 em 1981. Com tais indicadores, seria de se esperar que as universidades brasileiras figurassem entre as melhores universidades do mundo. No entanto, isso não ocorre. O índice THES foi publicado pela primeira vez em 2004 e desde então nenhuma universidade brasileira esteve entre as 200 primeiras.
Acadêmicos que se dedicam a definir o que seria uma universidade de excelência internacional identificam algumas características básicas: professores altamente qualificados; excelência em pesquisa; alto nível de investimento do governo e privado; estudantes altamente qualificados com alto nível de internacionalização; autonomia acadêmica, estrutura de gestões eficientes e autônomas e bem estruturadas instalações de ensino, pesquisa, extensão, administração e assistência estudantil.
Uma agenda estratégica de incentivo à internacionalização, com fluxo de professores e estudantes de excelência internacional, e o fortalecimento da agenda da autonomia na gestão das atividades de ensino, pesquisa e extensão podem levar, dentro em breve, o Brasil a ter algumas de suas universidades figurando entre as melhores do mundo.
Buscar o reconhecimento internacional para o ensino superior brasileiro não é simplesmente uma questão de status, mas uma ação estratégica para um país que tem dado ao longo dos anos uma efetiva contribuição científica e tecnológica para a melhoria das condições de vida no planeta.
* Ex-reitor da Universidade Federal de Viçosa, é secretário de Ensino Superior do MEC
Fonte: Correio Braziliense
Aborto e tabu (Fernando de Barros e Silva)
Dilma Rousseff tem se empenhado para fazer do início de seu mandato uma vitrine de valorização da mulher. A despeito do cálculo de marketing implicado no esforço, o resultado é positivo e joga a favor de uma sociedade mais emancipada. Ainda na sexta, a presidente recebeu no Alvorada mais de 30 cineastas e artistas, além de jornalistas, todas mulheres.
Nesse mesmo espírito, a edição de 20 anos da revista "Marie Claire" reuniu as nove ministras mulheres do governo. Fez com cada uma delas pequenas entrevistas, entre as quais há apenas uma pergunta comum: "A senhora é a favor da legalização do aborto?".
É surpreendente que apenas duas delas -Miriam Belchior (Planejamento) e Ana de Hollanda (Cultura)- tenham respondido, sem eufemismos: "Sou". Há matizes nas demais respostas. Mas mesmo aquelas que se inclinam pela legalização tergiversam, procuram meios de atenuar sua posição, como se pisassem em ovos.
Há também respostas francamente escapistas, como a de Ideli Salvatti (Pesca): "Sou a favor da vida.
Não só dos fetos, mas também das mulheres que correm risco ao fazer abortos em clínicas clandestinas". Esqueceu de dizer que também é a favor das ovas de peixes...
Luiza Bairros (Igualdade Racial) vai mais longe ao explicitar seu constrangimento: "Essa coisa de opinião pessoal de ministro causa problema. A forma como isso foi tratado nas eleições é um problema!". De fato. É um problema que respostas como essa não enfrentam, ajudando a reforçar o tabu.
José Serra explorou o tema na campanha da forma mais obscurantista. Apelou à convicção religiosa do eleitorado, apesar de saber que se trata de um grave problema de saúde pública. Dilma, que já havia defendido a legalização, recuou e aceitou o debate nesses termos. Essa é uma discussão que regrediu no país.
Basta ver o comportamento das ministras do governo da primeira presidente mulher do Brasil.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
Nesse mesmo espírito, a edição de 20 anos da revista "Marie Claire" reuniu as nove ministras mulheres do governo. Fez com cada uma delas pequenas entrevistas, entre as quais há apenas uma pergunta comum: "A senhora é a favor da legalização do aborto?".
É surpreendente que apenas duas delas -Miriam Belchior (Planejamento) e Ana de Hollanda (Cultura)- tenham respondido, sem eufemismos: "Sou". Há matizes nas demais respostas. Mas mesmo aquelas que se inclinam pela legalização tergiversam, procuram meios de atenuar sua posição, como se pisassem em ovos.
Há também respostas francamente escapistas, como a de Ideli Salvatti (Pesca): "Sou a favor da vida.
Não só dos fetos, mas também das mulheres que correm risco ao fazer abortos em clínicas clandestinas". Esqueceu de dizer que também é a favor das ovas de peixes...
Luiza Bairros (Igualdade Racial) vai mais longe ao explicitar seu constrangimento: "Essa coisa de opinião pessoal de ministro causa problema. A forma como isso foi tratado nas eleições é um problema!". De fato. É um problema que respostas como essa não enfrentam, ajudando a reforçar o tabu.
José Serra explorou o tema na campanha da forma mais obscurantista. Apelou à convicção religiosa do eleitorado, apesar de saber que se trata de um grave problema de saúde pública. Dilma, que já havia defendido a legalização, recuou e aceitou o debate nesses termos. Essa é uma discussão que regrediu no país.
Basta ver o comportamento das ministras do governo da primeira presidente mulher do Brasil.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
Os dois lados da glória lulista (César Felício)
Produziu certo alvoroço entre petistas nas redes sociais o longo artigo sobre Lula e o Brasil publicado nos últimos dias pelo historiador inglês Perry Anderson na "London Review of Books". Petistas atuantes no "twitter" chamaram a atenção ao artigo como se ele fosse uma chancela internacional ao ex-presidente, um sinal de reconhecimento acadêmico do exterior ao ineditismo e à excelência do ex-sindicalista como governante. Algo muito apropriado para a semana em que Lula se tornará doutor em Coimbra.
Um dos expoentes da escola britânica marxista e hoje professor na UCLA, na Califórnia, Anderson de fato coloca Lula em um alto pedestal no artigo singelamente chamado de "Lula"s Brazil". A leitura completa do texto mostra, contudo, que Anderson passou a uma distância muito grande da realização de um panegírico.
Marxista britânico elogia Lula, mas relativiza êxitos
O autor inicia afirmando que "por qualquer critério que se analise, Lula é o mais bem sucedido político de seu tempo". Isto, segundo Anderson em razão de "um conjunto excepcional de qualidades pessoais, uma mistura de sensibilidade social acolhedora e um cálculo político frio, para não falar de seu bom humor e de seu charme pessoal". E o símbolo mais evidente do sucesso seria o fato de Lula ter conseguido a rara façanha em regimes democráticos de terminar a sua administração com mais popularidade do que no momento que entrou. É realmente uma soma de adjetivos elogiosos que poucos acadêmicos no Brasil ousariam enfileirar em um artigo para uma revista erudita.
Mas Anderson dedica um generoso espaço a analisar em seu artigo os piores momentos do lulismo. O historiador assume como um dado factual a existência de um esquema mensal de propinas a políticos, o chamado "mensalão", que provocou a crise política de 2005. Anderson não procura negar a existência do "mensalão", como faz Lula, mas apenas busca colocá-lo em uma perspectiva histórica.
Relata que a corrupção é disseminada no sistema político brasileiro e uma evidência disso seria o fato de cerca de um quarto do Congresso sofrer acusações judiciais no final do segundo mandato do ex-presidente. Ressalta que as eleições no Brasil, em proporção com a renda do País, são as mais dispendiosas do continente. Lembra que a força de Lula nas urnas não era proporcional ao tamanho da base governista no parlamento. Comenta que o então ministro José Dirceu queria estabelecer uma aliança com o PMDB, mas que Lula preferiu pactuar com partidos pequenos. "O mensalão, ou o pagamento mensal de propina, foi concebido para eles", afirma Anderson, que se arrisca a uma avaliação: " em termos financeiros, a corrupção da qual o PT se beneficiou e presidiu foi provavelmente mais sistemática do que qualquer uma que a tenha precedido".
O historiador relembra que Lula só não sofreu um pedido de impeachment porque Fernando Henrique e José Serra avaliaram que o PSDB poderia ter sucesso nas urnas se enfrentasse um Lula enfraquecido em 2006. "Raras vezes na história houve um cálculo político tão equivocado", comenta.
Anderson matiza o alcance social e político das mudanças que teriam sido desencadeadas na era Lula, ao traçar a diferença entre o ex-presidente e Getúlio Vargas: "no poder, Lula não mobilizou nem incorporou o eleitorado que o aclamou. Não houve novas estruturas que deram forma à participação popular. A assinatura de seu mando foi a desmobilização. Os sindicatos organizavam mais de 30% da força de trabalho formal nos anos 80, hoje é 17%. Este declínio o procedeu, mas ele não o alterou", assinala. Considera também que as loas à criação de uma "nova classe média" repousam no que chamou de um "artifício de categorização, no qual não se considera pobre famílias que chegam a receber menos de US$ 7 mil por ano, ao contrário do que ocorre em outros lugares". Anderson questiona até mesmo a redução da desigualdade de renda durante o período de Lula. "Esta crença deve ser vista com ceticismo", afirma, citando duas razões: os dados estatísticos não conseguem distinguir a faixa dos "super-ricos" do topo da pirâmide social e sub-avaliam os ganhos de capital da parcela investidora da população.
Na parte final do artigo, Anderson discorre sobre as diferenças de análise dos dois principais estudiosos do lulismo, o ex-porta-voz da presidência André Singer e o sociólogo Chico de Oliveira e chama a atenção para o relativo emudecimento do PT sobre a polêmica entre ambos. "O PT virou uma máquina de gerar votos, mas perdeu suas asas intelectuais", observa.
O saldo geral da avaliação de Anderson sobre os oito anos de Lula é evidentemente positivo. Não apenas pelos atributos pessoais citados pelo autor logo no início, mas pela capacidade do Brasil de ter atravessado de maneira relativamente indolor a maior crise econômica global desde 1929. Destaca que sua legado histórico se amplificou no momento em que evitou a moderação e radicalizou suas políticas. Evita compará-lo a Perón ou Chávez e o aproxima de Roosevelt e Mandela. Mas o autor de amplos estudos da evolução histórica como "Linhagens do Estado Absolutista", sobretudo com orientação marxista que tem, jamais deixaria de relativizar o êxito de um líder político face às condições que propiciaram seu protagonismo.
César Felício é correspondente em Belo Horizonte. O titular da coluna, Luiz Werneck Vianna, não escreve hoje excepcionalmente
FONTE: VALOR ECONÔMICO
Um dos expoentes da escola britânica marxista e hoje professor na UCLA, na Califórnia, Anderson de fato coloca Lula em um alto pedestal no artigo singelamente chamado de "Lula"s Brazil". A leitura completa do texto mostra, contudo, que Anderson passou a uma distância muito grande da realização de um panegírico.
Marxista britânico elogia Lula, mas relativiza êxitos
O autor inicia afirmando que "por qualquer critério que se analise, Lula é o mais bem sucedido político de seu tempo". Isto, segundo Anderson em razão de "um conjunto excepcional de qualidades pessoais, uma mistura de sensibilidade social acolhedora e um cálculo político frio, para não falar de seu bom humor e de seu charme pessoal". E o símbolo mais evidente do sucesso seria o fato de Lula ter conseguido a rara façanha em regimes democráticos de terminar a sua administração com mais popularidade do que no momento que entrou. É realmente uma soma de adjetivos elogiosos que poucos acadêmicos no Brasil ousariam enfileirar em um artigo para uma revista erudita.
Mas Anderson dedica um generoso espaço a analisar em seu artigo os piores momentos do lulismo. O historiador assume como um dado factual a existência de um esquema mensal de propinas a políticos, o chamado "mensalão", que provocou a crise política de 2005. Anderson não procura negar a existência do "mensalão", como faz Lula, mas apenas busca colocá-lo em uma perspectiva histórica.
Relata que a corrupção é disseminada no sistema político brasileiro e uma evidência disso seria o fato de cerca de um quarto do Congresso sofrer acusações judiciais no final do segundo mandato do ex-presidente. Ressalta que as eleições no Brasil, em proporção com a renda do País, são as mais dispendiosas do continente. Lembra que a força de Lula nas urnas não era proporcional ao tamanho da base governista no parlamento. Comenta que o então ministro José Dirceu queria estabelecer uma aliança com o PMDB, mas que Lula preferiu pactuar com partidos pequenos. "O mensalão, ou o pagamento mensal de propina, foi concebido para eles", afirma Anderson, que se arrisca a uma avaliação: " em termos financeiros, a corrupção da qual o PT se beneficiou e presidiu foi provavelmente mais sistemática do que qualquer uma que a tenha precedido".
O historiador relembra que Lula só não sofreu um pedido de impeachment porque Fernando Henrique e José Serra avaliaram que o PSDB poderia ter sucesso nas urnas se enfrentasse um Lula enfraquecido em 2006. "Raras vezes na história houve um cálculo político tão equivocado", comenta.
Anderson matiza o alcance social e político das mudanças que teriam sido desencadeadas na era Lula, ao traçar a diferença entre o ex-presidente e Getúlio Vargas: "no poder, Lula não mobilizou nem incorporou o eleitorado que o aclamou. Não houve novas estruturas que deram forma à participação popular. A assinatura de seu mando foi a desmobilização. Os sindicatos organizavam mais de 30% da força de trabalho formal nos anos 80, hoje é 17%. Este declínio o procedeu, mas ele não o alterou", assinala. Considera também que as loas à criação de uma "nova classe média" repousam no que chamou de um "artifício de categorização, no qual não se considera pobre famílias que chegam a receber menos de US$ 7 mil por ano, ao contrário do que ocorre em outros lugares". Anderson questiona até mesmo a redução da desigualdade de renda durante o período de Lula. "Esta crença deve ser vista com ceticismo", afirma, citando duas razões: os dados estatísticos não conseguem distinguir a faixa dos "super-ricos" do topo da pirâmide social e sub-avaliam os ganhos de capital da parcela investidora da população.
Na parte final do artigo, Anderson discorre sobre as diferenças de análise dos dois principais estudiosos do lulismo, o ex-porta-voz da presidência André Singer e o sociólogo Chico de Oliveira e chama a atenção para o relativo emudecimento do PT sobre a polêmica entre ambos. "O PT virou uma máquina de gerar votos, mas perdeu suas asas intelectuais", observa.
O saldo geral da avaliação de Anderson sobre os oito anos de Lula é evidentemente positivo. Não apenas pelos atributos pessoais citados pelo autor logo no início, mas pela capacidade do Brasil de ter atravessado de maneira relativamente indolor a maior crise econômica global desde 1929. Destaca que sua legado histórico se amplificou no momento em que evitou a moderação e radicalizou suas políticas. Evita compará-lo a Perón ou Chávez e o aproxima de Roosevelt e Mandela. Mas o autor de amplos estudos da evolução histórica como "Linhagens do Estado Absolutista", sobretudo com orientação marxista que tem, jamais deixaria de relativizar o êxito de um líder político face às condições que propiciaram seu protagonismo.
César Felício é correspondente em Belo Horizonte. O titular da coluna, Luiz Werneck Vianna, não escreve hoje excepcionalmente
FONTE: VALOR ECONÔMICO
Voto de confiança
De todas as propostas para a reforma política, a melhor é a adoção do voto distrital. Um movimento da• sociedade civil fará força para tirá-la do papel
Laura Diniz
A política brasileira vive um tempo de sombras. Poucas vezes o interesse da população e o de seus representantes estiveram tão dissociados. No cerne dessa crise de representatividade está o sistema eleito•al usado no Brasil. Ele é tão complexo injusto que faz com que um eleitor vote em determinado candidato mas ajude a eleger outro. Enterrar essa distorção bizarra é fundamental para resgatar a credibilidade da política. Uma grande oportunidade foi aberta: o Congresso decidiu discutir a realização de uma reforma política. A melhor ideia sobre a mesa é a adoção do voto distrital. Por esse sistema, usado na Inglaterra e nos Estados Unidos, entre outras nações do Primeiro Mundo, o país seria dividido em distritos, e cada um deles teria o direito de eleger um representante. Algumas vantagens: o custo das campanhas cairia dramaticamente, pois os candidatos disputariam votos em uma área delimitada, e o eleitor escolheria com mais clareza, já que em cada distrito haveria só um candidato por partido, e não centenas, como ocorre hoje. Por último, mas não menos essencial, o cidadão teria a oportunidade de fiscalizar de peno o trabalho de seu representante. A proposta é tão boa que surgiu um movimento na sociedade civil para apoiá-la. O "Eu Voto Distrital" pretende pressionar o Congresso a encampar a
ideia. "Colocamos um site no ar na semana passada (www.euvotodistrital. org.br) para colher assinaturas. Também vamos às ruas defender a proposta com abaixo-assinados. A meta é conseguir ao menos 5 milhões de apoiadores", diz Luiz Felipe d" Avila, presidente do Centro de Liderança Pública, que resolveu canalizar a aspiração dos cidadãos mais preocupados com os destinos da nação (leia arTigo em veja.com e na versão da revista para o iPad). Por enquanto, só o PSDB fechou questão em favor da proposta. Os adversários do sistema criaram alguns mitos sobre ele, que não se sustentam, como se verá a seguir.
MITO 1
Os deputados vão se transformar em vereadores de luxo, preocupados apenas com questões paroquiais
Argumenta-se que o sistema distrital levaria os políticos a prestar mais atenção no eleitorado de sua região do que nas questões nacionais. Mentira. Com o embate direto em cada distrito, os políticos terão de ter mais repertório para diferenciar-se uns dos outros. Além disso, seria brigar com a história dizer que um poli tico identificado com um distrito não tem cacife ou disposição para atuar em questões de
relevância nacional. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), é um exemplo: depois de ser vereador, prefeito e depurado estadual por Pindamonhangaba, sua terra natal, foi eleito depurado constituinte em 1986. "Participei ativamente da elaboração do Código de Defesa do Consumidor. Meus eleitores ficaram orgulhosos de ver um representante deles trabalhando num assunto tão relevante para o país",
Mito 2
O sistema para minorias.
Alguns temem que grupos minoritários que vivam dentro de um distrito fiquem sem representante. No Brasil, é um temor sem sentido. "Esse raciocínio só pode ser considerado quando há minorias permanentemente alijadas, como os sunitas, em alguns países árabes. Felizmente, não temos nada parecido", afirma o cientista político Amamy de Souza. Na prática, os candidatos de um distrito terão de buscar o apoio de todos os grupos de eleitores. se quiserem vencer - como fazem os prefeitos, por exemplo.
Mito 3
Dinastias locais serão eternizadas
Alega-se que, ao ser regionalizada a votação, os grupos locais de maior poder econômico e político se perpetuarão nos cargos por anos a fio. Mas é no sistema de hoje que o dinheiro faz mais diferença, porque os políticos precisam disputar votos em grandes territórios. Ao concentrarem a campanha em um distrito, os candidatos menos poderosos terão mais facilidade de chegar aos eleitores no corpo a corpo. Além disso, o sistema distrital fará surgir nas eleições parlamentares algo que atualmente só existe para disputas por cargos no Executivo: o voto estratégico_ "Se o eleitor não ficar satisfeito com a atuação de seu representante. na eleição seguinte poderá votar em outro candidato para impedir a reeleição do anteJior, algo impossível pelo atul sistema", explica o senador Aécio Neves (PSDB-MG).
Mito 4
Os partidos ficarão enfraquecidos
Outra afirmação desprovida de sentido é a de que o sistema"distrital personalizará tanto as disputas que debilitará os partidos políticos. Existe algo mais personalista do que o sistema de hoje, em que famosos da TV se elegem apenas por ter o rosto conhecido? O voto distrital forçará, isto sim, uma depuração dos partidos. Os nanicos não poderão mais se apoiar em coligações e muitos desaparecerão, aclarando o cenário politico. Diz José Serra (PSDB-SP), ex-governador de São é Paulo: "O nosso sistema eleitoral é o á mais individualista do mundo. Os candidatos de um mesmo partido disputam (- votos entre si. No sistema distrital, é toe do mundo solidário: você quer ver seu :r colega eleito no distrito vizinho".
Mito 5
Não haverá espaço para formuladores de ideias
Na atual legislatura na Câmara dos Deputados, apenas 36 dos 13 depurados se elegeram com votos próprios. O restante entrou graças a uma estrovenga chamada coeficiente eleitoral. Desses, quantos são grandes pensadores? E o que dizer dos 477 caronistas? Não é possível partir, portanto, do pressuposto de que o Brasil elegeu um time de cabeças brilhantes e não se deve alterar esse quadro. Atualmente, muitos candidatos monotemáticos conseguem se eleger. "Quando se tem centenas de concorrentes, você pode falar sozinho. Se houver um embate direto nos distritos, o candidato será obrigado a enfrentar questões de política nacional colocadas pelos concorrentes", explica o sociólogo Demétrio Magnoli. Em outras palavras, o sistema distrital politizará ainda mais o debate.
FONTE: REVISTA VEJA
Laura Diniz
A política brasileira vive um tempo de sombras. Poucas vezes o interesse da população e o de seus representantes estiveram tão dissociados. No cerne dessa crise de representatividade está o sistema eleito•al usado no Brasil. Ele é tão complexo injusto que faz com que um eleitor vote em determinado candidato mas ajude a eleger outro. Enterrar essa distorção bizarra é fundamental para resgatar a credibilidade da política. Uma grande oportunidade foi aberta: o Congresso decidiu discutir a realização de uma reforma política. A melhor ideia sobre a mesa é a adoção do voto distrital. Por esse sistema, usado na Inglaterra e nos Estados Unidos, entre outras nações do Primeiro Mundo, o país seria dividido em distritos, e cada um deles teria o direito de eleger um representante. Algumas vantagens: o custo das campanhas cairia dramaticamente, pois os candidatos disputariam votos em uma área delimitada, e o eleitor escolheria com mais clareza, já que em cada distrito haveria só um candidato por partido, e não centenas, como ocorre hoje. Por último, mas não menos essencial, o cidadão teria a oportunidade de fiscalizar de peno o trabalho de seu representante. A proposta é tão boa que surgiu um movimento na sociedade civil para apoiá-la. O "Eu Voto Distrital" pretende pressionar o Congresso a encampar a
ideia. "Colocamos um site no ar na semana passada (www.euvotodistrital. org.br) para colher assinaturas. Também vamos às ruas defender a proposta com abaixo-assinados. A meta é conseguir ao menos 5 milhões de apoiadores", diz Luiz Felipe d" Avila, presidente do Centro de Liderança Pública, que resolveu canalizar a aspiração dos cidadãos mais preocupados com os destinos da nação (leia arTigo em veja.com e na versão da revista para o iPad). Por enquanto, só o PSDB fechou questão em favor da proposta. Os adversários do sistema criaram alguns mitos sobre ele, que não se sustentam, como se verá a seguir.
MITO 1
Os deputados vão se transformar em vereadores de luxo, preocupados apenas com questões paroquiais
Argumenta-se que o sistema distrital levaria os políticos a prestar mais atenção no eleitorado de sua região do que nas questões nacionais. Mentira. Com o embate direto em cada distrito, os políticos terão de ter mais repertório para diferenciar-se uns dos outros. Além disso, seria brigar com a história dizer que um poli tico identificado com um distrito não tem cacife ou disposição para atuar em questões de
relevância nacional. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), é um exemplo: depois de ser vereador, prefeito e depurado estadual por Pindamonhangaba, sua terra natal, foi eleito depurado constituinte em 1986. "Participei ativamente da elaboração do Código de Defesa do Consumidor. Meus eleitores ficaram orgulhosos de ver um representante deles trabalhando num assunto tão relevante para o país",
Mito 2
O sistema para minorias.
Alguns temem que grupos minoritários que vivam dentro de um distrito fiquem sem representante. No Brasil, é um temor sem sentido. "Esse raciocínio só pode ser considerado quando há minorias permanentemente alijadas, como os sunitas, em alguns países árabes. Felizmente, não temos nada parecido", afirma o cientista político Amamy de Souza. Na prática, os candidatos de um distrito terão de buscar o apoio de todos os grupos de eleitores. se quiserem vencer - como fazem os prefeitos, por exemplo.
Mito 3
Dinastias locais serão eternizadas
Alega-se que, ao ser regionalizada a votação, os grupos locais de maior poder econômico e político se perpetuarão nos cargos por anos a fio. Mas é no sistema de hoje que o dinheiro faz mais diferença, porque os políticos precisam disputar votos em grandes territórios. Ao concentrarem a campanha em um distrito, os candidatos menos poderosos terão mais facilidade de chegar aos eleitores no corpo a corpo. Além disso, o sistema distrital fará surgir nas eleições parlamentares algo que atualmente só existe para disputas por cargos no Executivo: o voto estratégico_ "Se o eleitor não ficar satisfeito com a atuação de seu representante. na eleição seguinte poderá votar em outro candidato para impedir a reeleição do anteJior, algo impossível pelo atul sistema", explica o senador Aécio Neves (PSDB-MG).
Mito 4
Os partidos ficarão enfraquecidos
Outra afirmação desprovida de sentido é a de que o sistema"distrital personalizará tanto as disputas que debilitará os partidos políticos. Existe algo mais personalista do que o sistema de hoje, em que famosos da TV se elegem apenas por ter o rosto conhecido? O voto distrital forçará, isto sim, uma depuração dos partidos. Os nanicos não poderão mais se apoiar em coligações e muitos desaparecerão, aclarando o cenário politico. Diz José Serra (PSDB-SP), ex-governador de São é Paulo: "O nosso sistema eleitoral é o á mais individualista do mundo. Os candidatos de um mesmo partido disputam (- votos entre si. No sistema distrital, é toe do mundo solidário: você quer ver seu :r colega eleito no distrito vizinho".
Mito 5
Não haverá espaço para formuladores de ideias
Na atual legislatura na Câmara dos Deputados, apenas 36 dos 13 depurados se elegeram com votos próprios. O restante entrou graças a uma estrovenga chamada coeficiente eleitoral. Desses, quantos são grandes pensadores? E o que dizer dos 477 caronistas? Não é possível partir, portanto, do pressuposto de que o Brasil elegeu um time de cabeças brilhantes e não se deve alterar esse quadro. Atualmente, muitos candidatos monotemáticos conseguem se eleger. "Quando se tem centenas de concorrentes, você pode falar sozinho. Se houver um embate direto nos distritos, o candidato será obrigado a enfrentar questões de política nacional colocadas pelos concorrentes", explica o sociólogo Demétrio Magnoli. Em outras palavras, o sistema distrital politizará ainda mais o debate.
FONTE: REVISTA VEJA
domingo, 27 de março de 2011
Acende o Lampião ( Xico Sá)
No centenário de nascimento de Maria Bonita, fica a pergunta: afinal, os cafunés que Lampião adorava receber fortaleciam ou enfraqueciam o bando?
Essa menina enjoou da boneca mais cedo do que as outras. Era o que se define no Nordeste como baixinha invocada. Tipo que a gente gama pela brabeza e pelo destemor de se jogar lindamente em nossos braços.
– Como é, quer me levar ou quer que eu lhe acompanhe? –sapecou a baiana, idos de 1929, dos 18 para 19 anos, deixando Virgulino Ferreira, o Lampião, acossado, sem saída.
O temido bandoleiro, que já havia deixado um rastro de sangue pelos sertões, estava diante de uma mulher que o fazia tremer como vara verde de canafístola:
– Como você quiser, Maria; eu também quero. Se estiver disposta a me acompanhar, vambora" –respondeu, assombrado com a danação da pequena.
E lá estava formado, com esse diálogo fumegante, o casal mais lendário dos sertões. Bonnie & Clyde, a versão americana desta parelha, é nada diante da aventura na caatinga.
A moreninha mignon, olhos enfeitiçadores –charmosamente estrábicos–, era a primeira fêmea a participar de um bando de cangaceiros, uma história dominada pelos homens desde que o século 18, quando o pernambucano José Gomes (1751-1776), o Cabeleira, deu início a este ramo.
O pioneirismo de Maria Gomes de Oliveira enfrentou resistência. A suspeita dos cabras de Lampião era que a presença feminina enfraqueceria o cangaço, facilitando a captura dos fora-da-lei por parte das forças policiais ou "volantes", como eram batizadas.
"Homem de batalha não pode andar com mulher. Se ele tem uma relação, perde a oração, e seu corpo fica como uma melancia: qualquer bala atravessa", declarou Balão, um dos seguidores do grupo.
O sociólogo e psicanalista cearense Daniel Lins, no seu livro "Lampião, o Homem que Amava as Mulheres" (ed. Annablume) mostra o contrário. A tropa ganhou mais força com a presença delas. Um depoimento do bandoleiro Volta Seca sustenta o argumento: "Elas se mostravam sempre corajosas, era raro que criassem problemas".
Há quem entenda a participação de Maria Bonita e suas amigas, companheiras de outros integrantes do bando, como um marco precursor do feminismo no Brasil. "Pela primeira vez na história, as mulheres dividiam as tarefas com os homens igualitariamente. E o comprimento da saia subiu para acima do joelho", diz um dos principais especialista do ciclo do cangaço, o historiador Frederico Pernambucano de Melo, da Fundação Joaquim Nabuco, do Recife, autor do clássico "Guerreiros do Sol" (ed. Girafa).
Quando conheceu Virgulino Ferreira, na fazenda Malhada do Caiçara, hoje município de Paulo Afonso (BA), onde Lampião se refugiava, Maria era casada, desde os 15, com o sapateiro José Miguel da Silva, o Zé do Neném, contra quem pesava, naquele cenário machista, a suspeita de ser estéril. A convicção que estava diante do amor da sua vida foi fatal para o fim do relacionamento de quase quatro anos.
O rei e a rainha do cangaço se grudaram, entre batalhas, dengos e cafunés –um capricho de Virgulino–, durante nove anos, até que a morte os separou, em 28 de julho de 1938, quando Lampião foi morto pela PM e Maria, degolada, na mesma ocasião, na gruta de Angicos, em Poço Redondo, Sergipe.
Essa menina enjoou da boneca mais cedo do que as outras. Era o que se define no Nordeste como baixinha invocada. Tipo que a gente gama pela brabeza e pelo destemor de se jogar lindamente em nossos braços.
– Como é, quer me levar ou quer que eu lhe acompanhe? –sapecou a baiana, idos de 1929, dos 18 para 19 anos, deixando Virgulino Ferreira, o Lampião, acossado, sem saída.
O temido bandoleiro, que já havia deixado um rastro de sangue pelos sertões, estava diante de uma mulher que o fazia tremer como vara verde de canafístola:
– Como você quiser, Maria; eu também quero. Se estiver disposta a me acompanhar, vambora" –respondeu, assombrado com a danação da pequena.
E lá estava formado, com esse diálogo fumegante, o casal mais lendário dos sertões. Bonnie & Clyde, a versão americana desta parelha, é nada diante da aventura na caatinga.
A moreninha mignon, olhos enfeitiçadores –charmosamente estrábicos–, era a primeira fêmea a participar de um bando de cangaceiros, uma história dominada pelos homens desde que o século 18, quando o pernambucano José Gomes (1751-1776), o Cabeleira, deu início a este ramo.
O pioneirismo de Maria Gomes de Oliveira enfrentou resistência. A suspeita dos cabras de Lampião era que a presença feminina enfraqueceria o cangaço, facilitando a captura dos fora-da-lei por parte das forças policiais ou "volantes", como eram batizadas.
"Homem de batalha não pode andar com mulher. Se ele tem uma relação, perde a oração, e seu corpo fica como uma melancia: qualquer bala atravessa", declarou Balão, um dos seguidores do grupo.
O sociólogo e psicanalista cearense Daniel Lins, no seu livro "Lampião, o Homem que Amava as Mulheres" (ed. Annablume) mostra o contrário. A tropa ganhou mais força com a presença delas. Um depoimento do bandoleiro Volta Seca sustenta o argumento: "Elas se mostravam sempre corajosas, era raro que criassem problemas".
Há quem entenda a participação de Maria Bonita e suas amigas, companheiras de outros integrantes do bando, como um marco precursor do feminismo no Brasil. "Pela primeira vez na história, as mulheres dividiam as tarefas com os homens igualitariamente. E o comprimento da saia subiu para acima do joelho", diz um dos principais especialista do ciclo do cangaço, o historiador Frederico Pernambucano de Melo, da Fundação Joaquim Nabuco, do Recife, autor do clássico "Guerreiros do Sol" (ed. Girafa).
Quando conheceu Virgulino Ferreira, na fazenda Malhada do Caiçara, hoje município de Paulo Afonso (BA), onde Lampião se refugiava, Maria era casada, desde os 15, com o sapateiro José Miguel da Silva, o Zé do Neném, contra quem pesava, naquele cenário machista, a suspeita de ser estéril. A convicção que estava diante do amor da sua vida foi fatal para o fim do relacionamento de quase quatro anos.
O rei e a rainha do cangaço se grudaram, entre batalhas, dengos e cafunés –um capricho de Virgulino–, durante nove anos, até que a morte os separou, em 28 de julho de 1938, quando Lampião foi morto pela PM e Maria, degolada, na mesma ocasião, na gruta de Angicos, em Poço Redondo, Sergipe.
Massa nua & crua (Daniela Araújo)
Quem são e o que desejam os divertidos (e às vezes agressivos) ativistas pró-bicicleta que formam a Massa Crítica –movimento que ficou famoso depois de ser atropelado pelo motorista gaúcho em dia de fúria
Começou na China, e sem bicicleta. Como não havia sinalização para pedestres, atravessar as ruas naquele país exigia a força da massa. O pessoal então ia se juntando na calçada –um, dois, dez, cem, 200 chinesinhos. Quando se julgavam um bloco suficientemente coeso, metiam o pé no asfalto e iam em frente.
A Massa Crítica, movimento mundial e espontâneo de ciclistas que lutam pelo direito de não virar patê, nasceu na Califórnia, em 1992, inspirada nesse atravessar de ruas "made in China". No Brasil, ganhou as manchetes quando um grupo de adeptos foi atropelado pelo funcionário do Banco Central Ricardo Neis, em Porto Alegre, há um mês. Neis está no Presídio Central de Porto Alegre e pode responder por 17 tentativas de homicídio triplamente qualificado.
Desde o seu surgimento, a Massa Crítica se expande como um movimento anárquico, sem liderança, cujo QG é a internet. Como se fosse uma Praça Tahir (no Egito) que se pusesse em marcha sobre duas rodas. Está presente em 325 cidades do mundo, de Montreal a Budapeste. Em São Paulo, começou a se formar com os "nightbikers" que percorrem a noite desde o fim dos anos 80, ensina Renata Falzoni, bike-repórter da Rádio Eldorado e cicloativista –palavra que o dicionário ainda não registra.
Na capital paulista, a Massa Crítica ganhou o nome de Bicicletada. "Em 2006 já conseguíamos manter um grupo de 40 pessoas. Dava uma massinha", conta André Pasqualini. "Hoje são cerca de 400 ciclistas." Pasqualini é o fundador do blog CicloBr, que virou Instituto CicloBR de Fomento à Mobilidade Sustentável –ONG que, de certa forma, faz a voz da Massa Crítica no Brasil.
Antes de qualquer coisa, a Massa é um ajuntamento de gente e de bicicletas. Nas principais capitais do mundo, as brasileiras inclusas, seus encontros acontecem na última sexta-feira do mês –em Porto Alegre, o atropelamento se deu em 25 de fevereiro. Se por algum motivo for necessário cancelar a reunião, esqueça, uma maioria de desavisados certamente vai aparecer. "A Massa Crítica", diz Felipe Aragonez Benevides, secretário geral do CicloBR, "é uma coincidência organizada".
Em sites como o www.massacriticapoa.wordpress.com (de Porto Alegre) há uma espécie de manual para montar uma Bicicletada na sua cidade. Ali também somos informados de que "rolhas" são ciclistas destacados para bloquear a passagem de carros enquanto a massa atravessa um cruzamento. E que "lesmas" são os retardatários. Se quiser entrar num mailing da turma, consulte o www.bicicletada.org.
A Massa Crítica tem por mote o slogan "Um carro a menos" – no trânsito da cidade, uma bicicleta a mais significaria um carro a menos, motivo pelo qual o ciclista deveria ser tratado com gentileza. "O movimento é mais uma ferramenta para a mobilidade sustentável", defende Falzoni. "O que se propõe não é uma guerra contra o motorista. Somos contra a 'carrodependência' a que a política pública nos obriga."
Para além da justa reivindicação de mais democracia no trânsito, a Massa Crítica floresce com a preocupação ambiental e a demanda por qualidade de vida. Cidades como Nova York e Barcelona parecem convertidas à causa –a primeira construiu mais de 400 km de ciclovias nos últimos quatro anos; a segunda investiu no modelo francês de empréstimo de bicicletas, colocando 6.000 unidades nas ruas e agregando perto de 200 mil usuários desde 2007.
Em São Paulo, os 37,5 km de ciclovias foram ampliados na marra, quando ativistas pintaram bicicletinhas indicativas por algumas das ruas mais movimentadas da cidade. A avenida Sumaré está cheia delas, assim como a ponte da Cidade Universitária. Não se sabe quem deu a ideia.
Uma das marcas da Massa Crítica em todo o mundo é o humor. Na capital paulista, a Bicicletada já reuniu ciclistas de terno e gravata. Numa outra ocasião, trajaram-se para uma festa junina. Em 2008, aderiram ao World Naked Bike Ride, a Bicicletada Pelada. Um fica pelado, o outro também, e Pasqualini foi parar na delegacia. Lá fora, a massa bradava: "Ô seu delegado, libera o pelado!".
No ano passado, a ação dos descamisados foi registrada no calendário "Como Nus Sentimos", que pretendia levantar fundos para a CicloBR. Vinte e quatro pessoas, entre anônimos e famosos, toparam o nu ciclístico (aqui reproduzido). Uma delas foi a ex-petista Soninha Francine, ex-vereadora e ex-motoqueira, hoje no PPS.
Em São Paulo, o ponto de encontro da Massa Crítica é a praça do Ciclista (nome oficializado em 2007), no cruzamento da Paulista com a Consolação. Pedalar com a turma é divertido –em um grupo tão grande, você se sente 100% seguro para admirar a cidade da perspectiva, que não nos ouçam, de um carro conversível.
Já o ativismo praticado por seus adeptos não é uma unanimidade. Bárbara Gancia, colunista da Folha, sentiu-se vítima de "bullying via Twitter" ao defender ponto vista diferente dos "radicais" da bicicleta. "Não sou contra ciclistas, mas tem gente que não admite o contrário", diz, "e parte para uma atitude totalitária, que nada tem a ver com democracia". Pedala, Massa Crítica!
Começou na China, e sem bicicleta. Como não havia sinalização para pedestres, atravessar as ruas naquele país exigia a força da massa. O pessoal então ia se juntando na calçada –um, dois, dez, cem, 200 chinesinhos. Quando se julgavam um bloco suficientemente coeso, metiam o pé no asfalto e iam em frente.
A Massa Crítica, movimento mundial e espontâneo de ciclistas que lutam pelo direito de não virar patê, nasceu na Califórnia, em 1992, inspirada nesse atravessar de ruas "made in China". No Brasil, ganhou as manchetes quando um grupo de adeptos foi atropelado pelo funcionário do Banco Central Ricardo Neis, em Porto Alegre, há um mês. Neis está no Presídio Central de Porto Alegre e pode responder por 17 tentativas de homicídio triplamente qualificado.
Desde o seu surgimento, a Massa Crítica se expande como um movimento anárquico, sem liderança, cujo QG é a internet. Como se fosse uma Praça Tahir (no Egito) que se pusesse em marcha sobre duas rodas. Está presente em 325 cidades do mundo, de Montreal a Budapeste. Em São Paulo, começou a se formar com os "nightbikers" que percorrem a noite desde o fim dos anos 80, ensina Renata Falzoni, bike-repórter da Rádio Eldorado e cicloativista –palavra que o dicionário ainda não registra.
Na capital paulista, a Massa Crítica ganhou o nome de Bicicletada. "Em 2006 já conseguíamos manter um grupo de 40 pessoas. Dava uma massinha", conta André Pasqualini. "Hoje são cerca de 400 ciclistas." Pasqualini é o fundador do blog CicloBr, que virou Instituto CicloBR de Fomento à Mobilidade Sustentável –ONG que, de certa forma, faz a voz da Massa Crítica no Brasil.
Antes de qualquer coisa, a Massa é um ajuntamento de gente e de bicicletas. Nas principais capitais do mundo, as brasileiras inclusas, seus encontros acontecem na última sexta-feira do mês –em Porto Alegre, o atropelamento se deu em 25 de fevereiro. Se por algum motivo for necessário cancelar a reunião, esqueça, uma maioria de desavisados certamente vai aparecer. "A Massa Crítica", diz Felipe Aragonez Benevides, secretário geral do CicloBR, "é uma coincidência organizada".
Em sites como o www.massacriticapoa.wordpress.com (de Porto Alegre) há uma espécie de manual para montar uma Bicicletada na sua cidade. Ali também somos informados de que "rolhas" são ciclistas destacados para bloquear a passagem de carros enquanto a massa atravessa um cruzamento. E que "lesmas" são os retardatários. Se quiser entrar num mailing da turma, consulte o www.bicicletada.org.
A Massa Crítica tem por mote o slogan "Um carro a menos" – no trânsito da cidade, uma bicicleta a mais significaria um carro a menos, motivo pelo qual o ciclista deveria ser tratado com gentileza. "O movimento é mais uma ferramenta para a mobilidade sustentável", defende Falzoni. "O que se propõe não é uma guerra contra o motorista. Somos contra a 'carrodependência' a que a política pública nos obriga."
Para além da justa reivindicação de mais democracia no trânsito, a Massa Crítica floresce com a preocupação ambiental e a demanda por qualidade de vida. Cidades como Nova York e Barcelona parecem convertidas à causa –a primeira construiu mais de 400 km de ciclovias nos últimos quatro anos; a segunda investiu no modelo francês de empréstimo de bicicletas, colocando 6.000 unidades nas ruas e agregando perto de 200 mil usuários desde 2007.
Em São Paulo, os 37,5 km de ciclovias foram ampliados na marra, quando ativistas pintaram bicicletinhas indicativas por algumas das ruas mais movimentadas da cidade. A avenida Sumaré está cheia delas, assim como a ponte da Cidade Universitária. Não se sabe quem deu a ideia.
Uma das marcas da Massa Crítica em todo o mundo é o humor. Na capital paulista, a Bicicletada já reuniu ciclistas de terno e gravata. Numa outra ocasião, trajaram-se para uma festa junina. Em 2008, aderiram ao World Naked Bike Ride, a Bicicletada Pelada. Um fica pelado, o outro também, e Pasqualini foi parar na delegacia. Lá fora, a massa bradava: "Ô seu delegado, libera o pelado!".
No ano passado, a ação dos descamisados foi registrada no calendário "Como Nus Sentimos", que pretendia levantar fundos para a CicloBR. Vinte e quatro pessoas, entre anônimos e famosos, toparam o nu ciclístico (aqui reproduzido). Uma delas foi a ex-petista Soninha Francine, ex-vereadora e ex-motoqueira, hoje no PPS.
Em São Paulo, o ponto de encontro da Massa Crítica é a praça do Ciclista (nome oficializado em 2007), no cruzamento da Paulista com a Consolação. Pedalar com a turma é divertido –em um grupo tão grande, você se sente 100% seguro para admirar a cidade da perspectiva, que não nos ouçam, de um carro conversível.
Já o ativismo praticado por seus adeptos não é uma unanimidade. Bárbara Gancia, colunista da Folha, sentiu-se vítima de "bullying via Twitter" ao defender ponto vista diferente dos "radicais" da bicicleta. "Não sou contra ciclistas, mas tem gente que não admite o contrário", diz, "e parte para uma atitude totalitária, que nada tem a ver com democracia". Pedala, Massa Crítica!
Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia/Doc Viva Rio.
Versão condensada do documento divulgada pelo Viva Rio
Hora de Debater e Inovar
Reunidos na Fiocruz, os participantes da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD) vêm a público apresentar as suas conclusões em seguida a 18 meses de trabalhos. Somos um grupo que reúne especialistas de vários domínios, como a Saúde, o Direito, a Economia, as Finanças, o Jornalismo, a Segurança Pública, a Ciência, as Religiões, as Artes, os Esportes, os Movimentos Sociais.
Constatamos que alcançar um mundo sem drogas, como proclamado pela ONU em 1998, revelou-se um objetivo ilusório. A produção e o consumo clandestinos mantêm-se apesar do imenso esforço repressivo. Além dos cultivos, uma nova geração de drogas sintéticas espalhou-se mundo afora. O estigma dificulta a prevenção e o tratamento, que são fundamentais. Contribui, na prática, para um afastamento de parcelas da juventude das instituições públicas. Os altos ganhos do negócio ilícito reforçam o crime organizado e a corrupção, gerando situações insustentáveis, no Brasil e internacionalmente.
No Brasil, o mercado de drogas ilícitas age abertamente, oferecendo seus produtos à luz do dia. Esse mercado, altamente capitalizado, consegue sobreviver inclusive graças a seu poder de corromper nossas instituições. A associação entre drogas ilícitas e armas gera um ambiente de grande violência e insegurança.
Propomos, portanto, que se abra o debate de maneira franca, sobretudo nos ambientes de convivência jovem. Enquanto as drogas forem encaradas como um tabu, não se discutirá a sério sobre elas na escola, na igreja, na mídia, nas unidades de saúde, nem mesmo em casa com nossos filhos. Necessitamos de boa informação, cientificamente ancorada, que nos ajude a encontrar alternativas. Apelamos às redes sociais, às autoridades (Executivo, Legislativo, Judiciário) e aos órgãos de imprensa para que acolham e estimulem este debate, com destemor.
A mudança do enfoque, com o reforço do papel da saúde pública, deve levar a melhores resultados. As políticas atuais contra o tabagismo são um bom exemplo. A limitação dos espaços e da idade de consumo permitido, as campanhas abertas e bem feitas, o foco na saúde, a participação das pessoas mais próximas, sobretudo de crianças e jovens, tudo isto gera um movimento de opinião que intervém de fato nas consciências e no comportamento. É mais efetivo e menos traumático.
Há diversos exemplos a observar - Holanda, Bélgica, Alemanha, Espanha, entre outros. A experiência de Portugal é particularmente interessante: desde 2001, a posse e o porte para consumo pessoal de todas as drogas foram descriminalizados naquele país irmão. Descriminalizar não significa legalizar. Significa dizer que, muito embora seu consumo ainda seja proibido, os infratores não são encaminhados à Justiça Criminal. São acolhidos por comissões especiais cujo objetivo é auxiliar o usuário a preservar sua saúde. Após dez anos desta política, Portugal reduziu a criminalidade, produziu baixa expressiva na população prisional e, sobretudo, diminuiu o consumo de drogas entre os adolescentes.
Não se deve tratar igualmente drogas de efeitos diversos. O caso da maconha merece atenção específica. É a substância ilícita mais consumida e a de menores efeitos perniciosos. A produção para consumo próprio tem sido regulamentada em outros países, inclusive nos EUA, e está prevista até mesmo na lei brasileira.
No outro extremo, temos o crack, motivo da maior preocupação. Nas ruas e nas comunidades, crianças e adolescentes são consumidos pelo vício, formando grupos de pequenas figuras humanas que vivem em condição deplorável. Aí está um dos maiores desafios para a criatividade das políticas de contenção, assistência e saúde, que dependem, evidentemente, de uma intimidade com o problema, suas vítimas, suas famílias e seus vizinhos, para que se vislumbrem caminhos de resgate e reabilitação, enquanto é tempo.
Sabemos, enfim, que drogas como o cigarro, o álcool e as psicotrópicas, estão próximas e fazem parte do dia a dia. Importa encarar esse fato de frente e indagar sobre como reduzir os danos que cada substância pode provocar. Fazer de conta que vão desaparecer e entregar os seus rastros à polícia, para que delas se ocupe em nosso lugar, já não é admissível. Acreditamos que uma política de drogas mais inovadora e eficaz facilitará o combate ao crime organizado.
Pedimos à sociedade o esforço da discussão serena e equilibrada de um tema que não pode esperar.
Hora de Debater e Inovar
Reunidos na Fiocruz, os participantes da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD) vêm a público apresentar as suas conclusões em seguida a 18 meses de trabalhos. Somos um grupo que reúne especialistas de vários domínios, como a Saúde, o Direito, a Economia, as Finanças, o Jornalismo, a Segurança Pública, a Ciência, as Religiões, as Artes, os Esportes, os Movimentos Sociais.
Constatamos que alcançar um mundo sem drogas, como proclamado pela ONU em 1998, revelou-se um objetivo ilusório. A produção e o consumo clandestinos mantêm-se apesar do imenso esforço repressivo. Além dos cultivos, uma nova geração de drogas sintéticas espalhou-se mundo afora. O estigma dificulta a prevenção e o tratamento, que são fundamentais. Contribui, na prática, para um afastamento de parcelas da juventude das instituições públicas. Os altos ganhos do negócio ilícito reforçam o crime organizado e a corrupção, gerando situações insustentáveis, no Brasil e internacionalmente.
No Brasil, o mercado de drogas ilícitas age abertamente, oferecendo seus produtos à luz do dia. Esse mercado, altamente capitalizado, consegue sobreviver inclusive graças a seu poder de corromper nossas instituições. A associação entre drogas ilícitas e armas gera um ambiente de grande violência e insegurança.
Propomos, portanto, que se abra o debate de maneira franca, sobretudo nos ambientes de convivência jovem. Enquanto as drogas forem encaradas como um tabu, não se discutirá a sério sobre elas na escola, na igreja, na mídia, nas unidades de saúde, nem mesmo em casa com nossos filhos. Necessitamos de boa informação, cientificamente ancorada, que nos ajude a encontrar alternativas. Apelamos às redes sociais, às autoridades (Executivo, Legislativo, Judiciário) e aos órgãos de imprensa para que acolham e estimulem este debate, com destemor.
A mudança do enfoque, com o reforço do papel da saúde pública, deve levar a melhores resultados. As políticas atuais contra o tabagismo são um bom exemplo. A limitação dos espaços e da idade de consumo permitido, as campanhas abertas e bem feitas, o foco na saúde, a participação das pessoas mais próximas, sobretudo de crianças e jovens, tudo isto gera um movimento de opinião que intervém de fato nas consciências e no comportamento. É mais efetivo e menos traumático.
Há diversos exemplos a observar - Holanda, Bélgica, Alemanha, Espanha, entre outros. A experiência de Portugal é particularmente interessante: desde 2001, a posse e o porte para consumo pessoal de todas as drogas foram descriminalizados naquele país irmão. Descriminalizar não significa legalizar. Significa dizer que, muito embora seu consumo ainda seja proibido, os infratores não são encaminhados à Justiça Criminal. São acolhidos por comissões especiais cujo objetivo é auxiliar o usuário a preservar sua saúde. Após dez anos desta política, Portugal reduziu a criminalidade, produziu baixa expressiva na população prisional e, sobretudo, diminuiu o consumo de drogas entre os adolescentes.
Não se deve tratar igualmente drogas de efeitos diversos. O caso da maconha merece atenção específica. É a substância ilícita mais consumida e a de menores efeitos perniciosos. A produção para consumo próprio tem sido regulamentada em outros países, inclusive nos EUA, e está prevista até mesmo na lei brasileira.
No outro extremo, temos o crack, motivo da maior preocupação. Nas ruas e nas comunidades, crianças e adolescentes são consumidos pelo vício, formando grupos de pequenas figuras humanas que vivem em condição deplorável. Aí está um dos maiores desafios para a criatividade das políticas de contenção, assistência e saúde, que dependem, evidentemente, de uma intimidade com o problema, suas vítimas, suas famílias e seus vizinhos, para que se vislumbrem caminhos de resgate e reabilitação, enquanto é tempo.
Sabemos, enfim, que drogas como o cigarro, o álcool e as psicotrópicas, estão próximas e fazem parte do dia a dia. Importa encarar esse fato de frente e indagar sobre como reduzir os danos que cada substância pode provocar. Fazer de conta que vão desaparecer e entregar os seus rastros à polícia, para que delas se ocupe em nosso lugar, já não é admissível. Acreditamos que uma política de drogas mais inovadora e eficaz facilitará o combate ao crime organizado.
Pedimos à sociedade o esforço da discussão serena e equilibrada de um tema que não pode esperar.
A peãozada deu uma lição aos comissários (Elio Gaspari)
Reapareceu no meio da mata amazônica, dentro do canteiro de obras da Camargo Corrêa, o eterno conflito dos trabalhadores da fronteira econômica com as arbitrariedades e tungas a que são submetidos por grandes empreiteiros, pequenos empresários, gatos e vigaristas.
Num só dia, incendiaram-se 45 ônibus e um acampamento na obra da hidrelétrica de Jirau, em Rondônia. Em poucos dias, a peãozada zangou-se também nos canteiros de Santo Antônio (RO), nas obras da Petrobras de Suape (PE) e em Pecém (CE).
Ocorreram problemas até em Campinas (SP). Estima-se que entraram em greve 80 mil trabalhadores da construção civil. Esse setor da economia emprega 2,4 milhões de brasileiros. Do nada (ou do tudo que fica escondido nas relações de trabalho nos acampamentos), estourou um dos maiores movimentos de trabalhadores das últimas décadas. Sem articulação, redes sociais ou ativismo político, apanhou o governo de surpresa.
Assustado, ele mandou a tropa da Força Nacional de Segurança. Demorou uma semana para que o Planalto acordasse. Numa época em que os sindicalistas andam de carro oficial, o representante da CUT foi a Rondônia com um discurso de patrão, dizendo que os trabalhadores não podiam parar uma obra do PAC.
(Essa mesma central emitiu uma nota condenando o bombardeio da Líbia.) Paulo Pereira da Silva, marquês da Força Sindical, disse que nenhuma das duas grandes centrais está habituada a lidar com multidões. De fato, nas obras de Jirau e Santo Antônio juntam-se 38 mil trabalhadores.
Há sindicatos na área, mas eles mal lidam com as multidões dos associados. Disputam sobretudo o ervanário de R$ 1 milhão anual que rende a coleta do imposto sindical da patuleia. As lideranças políticas e sindicais nascidas no rastro dos movimento de operários do final dos anos 70, quando pararam 200 mil trabalhadores no ABC por conta de um barbudo chamado Lula, mudaram de andar.
Preocupados com a distribuição de cargos e de Bolsas Ditadura, esqueceram-se dos sujeitos que precisam da cesta básica. Não perceberam que as mudanças sociais ocorridas no país haveriam de chegar aos alojamentos dos peões das grandes obras. Ou as grandes empreiteiras se dão conta de que devem zelar pela qualidade e pelo cumprimento de seus contratos trabalhistas, ou marcas como a da Camargo Corrêa, da Odebrecht e da OAS ficarão marcadas pelas patas dos gatos que entram no recrutamento de seus trabalhadores.
Entre as reivindicações de Santo Antônio estava a instalação de banheiros exclusivos para mulheres. Alô, doutora Dilma. Nenhuma dessas empresas foi fundada por um empreendedor genial nem tentou um empreendimento de ambição comparável à Fordlândia. Foi na matas da Amazônia que, no século passado, Henry Ford atolou seu projeto de extração e industrialização da borracha.
Maus modos, incompreensão e complexo de superioridade resultaram numa revolta que destruiu boa parte das instalações do empreendimento. Isso em dezembro de 1930. (As grandes empreiteiras deveriam obrigar seu diretores a ler "Fordlândia", do professor americano Greg Grandin.)
Felizmente os tempos mudaram, e a Força Nacional de Segurança disparou balas de borracha. Em 1996, diante dos sem-terra de Eldorado do Carajás, a PM paraense disparou tiros de verdade e matou 19 pessoas.
FONTE: O GLOBO
Num só dia, incendiaram-se 45 ônibus e um acampamento na obra da hidrelétrica de Jirau, em Rondônia. Em poucos dias, a peãozada zangou-se também nos canteiros de Santo Antônio (RO), nas obras da Petrobras de Suape (PE) e em Pecém (CE).
Ocorreram problemas até em Campinas (SP). Estima-se que entraram em greve 80 mil trabalhadores da construção civil. Esse setor da economia emprega 2,4 milhões de brasileiros. Do nada (ou do tudo que fica escondido nas relações de trabalho nos acampamentos), estourou um dos maiores movimentos de trabalhadores das últimas décadas. Sem articulação, redes sociais ou ativismo político, apanhou o governo de surpresa.
Assustado, ele mandou a tropa da Força Nacional de Segurança. Demorou uma semana para que o Planalto acordasse. Numa época em que os sindicalistas andam de carro oficial, o representante da CUT foi a Rondônia com um discurso de patrão, dizendo que os trabalhadores não podiam parar uma obra do PAC.
(Essa mesma central emitiu uma nota condenando o bombardeio da Líbia.) Paulo Pereira da Silva, marquês da Força Sindical, disse que nenhuma das duas grandes centrais está habituada a lidar com multidões. De fato, nas obras de Jirau e Santo Antônio juntam-se 38 mil trabalhadores.
Há sindicatos na área, mas eles mal lidam com as multidões dos associados. Disputam sobretudo o ervanário de R$ 1 milhão anual que rende a coleta do imposto sindical da patuleia. As lideranças políticas e sindicais nascidas no rastro dos movimento de operários do final dos anos 70, quando pararam 200 mil trabalhadores no ABC por conta de um barbudo chamado Lula, mudaram de andar.
Preocupados com a distribuição de cargos e de Bolsas Ditadura, esqueceram-se dos sujeitos que precisam da cesta básica. Não perceberam que as mudanças sociais ocorridas no país haveriam de chegar aos alojamentos dos peões das grandes obras. Ou as grandes empreiteiras se dão conta de que devem zelar pela qualidade e pelo cumprimento de seus contratos trabalhistas, ou marcas como a da Camargo Corrêa, da Odebrecht e da OAS ficarão marcadas pelas patas dos gatos que entram no recrutamento de seus trabalhadores.
Entre as reivindicações de Santo Antônio estava a instalação de banheiros exclusivos para mulheres. Alô, doutora Dilma. Nenhuma dessas empresas foi fundada por um empreendedor genial nem tentou um empreendimento de ambição comparável à Fordlândia. Foi na matas da Amazônia que, no século passado, Henry Ford atolou seu projeto de extração e industrialização da borracha.
Maus modos, incompreensão e complexo de superioridade resultaram numa revolta que destruiu boa parte das instalações do empreendimento. Isso em dezembro de 1930. (As grandes empreiteiras deveriam obrigar seu diretores a ler "Fordlândia", do professor americano Greg Grandin.)
Felizmente os tempos mudaram, e a Força Nacional de Segurança disparou balas de borracha. Em 1996, diante dos sem-terra de Eldorado do Carajás, a PM paraense disparou tiros de verdade e matou 19 pessoas.
FONTE: O GLOBO
Fantasmas poderosos (Marco Aurélio Nogueira)
Nenhum ‘ex’ dorme em paz depois de ter entrado em contato com os prazeres do poder
Fantasmas e pesadelos costumam atormentar todos os que tiveram poder um dia. O universo dos "ex" é heterogêneo, mas nenhum deles dorme inteiramente em paz depois de ter entrado em contato com os prazeres que integram o cotidiano de um poderoso. Mesmo suas agruras e aborrecimentos são de um tipo especial. Viciam, causam dependência.
A maldição não perdoa ninguém, ainda que nem todos reajam do mesmo modo. Há os que sofrem em público e os que se recolhem, os discretos e os escandalosos, os que retomam a vida de antes e seguem em frente e os que não se conformam e não sabem o que fazer. Quanto mais alto o grau de poder, maior o problema. Quem já foi presidente da República tem mais dificuldade para assimilar a perda súbita ou anunciada de poder do que um chefe de seção desalojado do cargo.
O filósofo inglês Thomas Hobbes escreveu no século 17 que a tendência geral dos humanos era "um perpétuo e irrequieto desejo de poder, que cessa apenas com a morte". Segundo ele, isso acontecia não porque os homens buscassem um prazer sempre mais intenso, mas porque intuíam que a conservação e a ampliação constante do poder eram essenciais para que mantivessem o que possuíam. Maquiavel, na Itália, se inquietava diante da dificuldade para "determinar com clareza que espécie de homem é mais nociva numa república, a dos que desejam adquirir o que não possuem ou a dos que só querem conservar as vantagens já alcançadas". Não economizaria palavras: "A sede de poder é tão forte quanto a sede de vingança, se não for mais forte ainda". Idêntica preocupação teria Max Weber, que dizia que quem mexe com o poder faz um "pacto com potências diabólicas" e vai descobrindo que o bem e o certo nem sempre têm significado unívoco.
O poder tem razões que a razão desconhece. Alguém que deixa o poder defronta-se antes de tudo com o fantasma daquilo que perde: os rituais, a vida distinta, os mimos e mesuras dos subordinados, o conforto do palácio. Precisa se acostumar com os ruídos alheios e esquecer o som da própria voz. Há quem diga que sente certo alívio ao voltar ao anonimato e se libertar da agenda carregada, das liturgias cansativas, do excesso de exposição. Mas a ausência disso pode se assemelhar a uma crise de abstinência, que termina por levar o ex-poderoso à busca inglória de um lugar ao sol semelhante ao que desfrutava nos dias de fausto.
Talvez para compensar tais dissabores, mas também para dignificar personagens que tiveram um papel na história, a República brasileira concede regalias vitalícias aos ex-presidentes: automóveis, funcionários e homenagens, além dos salários. Algo semelhante ocorre nos Estados Unidos. Uma vez presidente, sempre presidente.
Um fantasma mais assustador é saber o que fazer com as longas horas do dia, dar rumo à vida, retomar a atividade anterior ou iniciar novo percurso. O esforço para recuperar o que ficou para trás quase sempre é em vão. Muito tempo se passou, novos hábitos se cristalizaram, carreiras profissionais foram interrompidas. Aí mora o desejo de permanecer ativo na mesma área em que obteve fama e prestígio, falando e agindo como se ainda fosse o mandatário. É instigado a analisar falas e estilo de quem está no lugar que um dia foi seu. Chovem-lhe oportunidades para que atue como sombra ou alter ego, alguém que pode ser conselheiro, ponderar, sugerir, auxiliar. Ex-presidentes costumam valer muito no mercado das palestras e conferências, por exemplo. Precisam se esforçar para não cair em tentação.
Nesse ponto, o ex-poderoso depara-se com seu pior pesadelo: o de sair perdendo ao ser comparado com o sucessor. As comparações são inevitáveis. Inimigos as incentivam, rasgam elogios ao rei posto para despertar o ciúme do rei morto e intrigar os dois.
Não é, portanto, acidental que o ex-presidente Lula esteja repetindo que "o sucesso da Dilma é o meu sucesso; seu fracasso é o meu fracasso". Ele não pode correr o risco de ser visto como estando a ofuscar sua sucessora, nem deixar que sugiram que a nova presidente o supera em algum quesito. Tem razão em reclamar da malandragem de seus adversários, que, depois de terem passado anos dizendo que ele dava continuidade ao governo FHC, agora não param de falar que a gestão Dilma - carne de sua carne - está rompendo com os oito anos da sua Presidência. Mas também é verdade que ele, ao fazer isso, procura se aproximar da imagem positiva que Dilma possa estar obtendo junto à opinião pública. Não se trata só de mágoa, há muito cálculo no gesto.
Amado e odiado indistintamente, o poder perturba, corrompe e alucina. Reprime, castiga e prejudica, mas também acalenta, protege e beneficia. Costuma ser utilizado para conservar e para transformar. É instrumento e objeto de desejo, encargo e meio de vida. Sua "face demoníaca" não perdoa os que com ela convivem, sejam eles presidentes da República, governadores de Estado ou CEOs de uma multinacional. O poder sobe à cabeça, cega, embriaga. Pode ser letal.
Marco Aurélio Nogueira é professor de Teoria Política da UNESP. Autor de O encontro de Joaquim Nabuco com a política (Paz e Terra) FONTE: O ESTADO DE S. PAULO/ALIÁS
Fantasmas e pesadelos costumam atormentar todos os que tiveram poder um dia. O universo dos "ex" é heterogêneo, mas nenhum deles dorme inteiramente em paz depois de ter entrado em contato com os prazeres que integram o cotidiano de um poderoso. Mesmo suas agruras e aborrecimentos são de um tipo especial. Viciam, causam dependência.
A maldição não perdoa ninguém, ainda que nem todos reajam do mesmo modo. Há os que sofrem em público e os que se recolhem, os discretos e os escandalosos, os que retomam a vida de antes e seguem em frente e os que não se conformam e não sabem o que fazer. Quanto mais alto o grau de poder, maior o problema. Quem já foi presidente da República tem mais dificuldade para assimilar a perda súbita ou anunciada de poder do que um chefe de seção desalojado do cargo.
O filósofo inglês Thomas Hobbes escreveu no século 17 que a tendência geral dos humanos era "um perpétuo e irrequieto desejo de poder, que cessa apenas com a morte". Segundo ele, isso acontecia não porque os homens buscassem um prazer sempre mais intenso, mas porque intuíam que a conservação e a ampliação constante do poder eram essenciais para que mantivessem o que possuíam. Maquiavel, na Itália, se inquietava diante da dificuldade para "determinar com clareza que espécie de homem é mais nociva numa república, a dos que desejam adquirir o que não possuem ou a dos que só querem conservar as vantagens já alcançadas". Não economizaria palavras: "A sede de poder é tão forte quanto a sede de vingança, se não for mais forte ainda". Idêntica preocupação teria Max Weber, que dizia que quem mexe com o poder faz um "pacto com potências diabólicas" e vai descobrindo que o bem e o certo nem sempre têm significado unívoco.
O poder tem razões que a razão desconhece. Alguém que deixa o poder defronta-se antes de tudo com o fantasma daquilo que perde: os rituais, a vida distinta, os mimos e mesuras dos subordinados, o conforto do palácio. Precisa se acostumar com os ruídos alheios e esquecer o som da própria voz. Há quem diga que sente certo alívio ao voltar ao anonimato e se libertar da agenda carregada, das liturgias cansativas, do excesso de exposição. Mas a ausência disso pode se assemelhar a uma crise de abstinência, que termina por levar o ex-poderoso à busca inglória de um lugar ao sol semelhante ao que desfrutava nos dias de fausto.
Talvez para compensar tais dissabores, mas também para dignificar personagens que tiveram um papel na história, a República brasileira concede regalias vitalícias aos ex-presidentes: automóveis, funcionários e homenagens, além dos salários. Algo semelhante ocorre nos Estados Unidos. Uma vez presidente, sempre presidente.
Um fantasma mais assustador é saber o que fazer com as longas horas do dia, dar rumo à vida, retomar a atividade anterior ou iniciar novo percurso. O esforço para recuperar o que ficou para trás quase sempre é em vão. Muito tempo se passou, novos hábitos se cristalizaram, carreiras profissionais foram interrompidas. Aí mora o desejo de permanecer ativo na mesma área em que obteve fama e prestígio, falando e agindo como se ainda fosse o mandatário. É instigado a analisar falas e estilo de quem está no lugar que um dia foi seu. Chovem-lhe oportunidades para que atue como sombra ou alter ego, alguém que pode ser conselheiro, ponderar, sugerir, auxiliar. Ex-presidentes costumam valer muito no mercado das palestras e conferências, por exemplo. Precisam se esforçar para não cair em tentação.
Nesse ponto, o ex-poderoso depara-se com seu pior pesadelo: o de sair perdendo ao ser comparado com o sucessor. As comparações são inevitáveis. Inimigos as incentivam, rasgam elogios ao rei posto para despertar o ciúme do rei morto e intrigar os dois.
Não é, portanto, acidental que o ex-presidente Lula esteja repetindo que "o sucesso da Dilma é o meu sucesso; seu fracasso é o meu fracasso". Ele não pode correr o risco de ser visto como estando a ofuscar sua sucessora, nem deixar que sugiram que a nova presidente o supera em algum quesito. Tem razão em reclamar da malandragem de seus adversários, que, depois de terem passado anos dizendo que ele dava continuidade ao governo FHC, agora não param de falar que a gestão Dilma - carne de sua carne - está rompendo com os oito anos da sua Presidência. Mas também é verdade que ele, ao fazer isso, procura se aproximar da imagem positiva que Dilma possa estar obtendo junto à opinião pública. Não se trata só de mágoa, há muito cálculo no gesto.
Amado e odiado indistintamente, o poder perturba, corrompe e alucina. Reprime, castiga e prejudica, mas também acalenta, protege e beneficia. Costuma ser utilizado para conservar e para transformar. É instrumento e objeto de desejo, encargo e meio de vida. Sua "face demoníaca" não perdoa os que com ela convivem, sejam eles presidentes da República, governadores de Estado ou CEOs de uma multinacional. O poder sobe à cabeça, cega, embriaga. Pode ser letal.
Marco Aurélio Nogueira é professor de Teoria Política da UNESP. Autor de O encontro de Joaquim Nabuco com a política (Paz e Terra) FONTE: O ESTADO DE S. PAULO/ALIÁS
Hoje tem arrastão (José de Souza Martins)
Com estrutura e dinâmica de guerrilha, os ataques, embora aparentemente desestruturados, na verdade se baseiam na eficiência da delinquência estruturada
Faz 45 anos que Arrastão, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes, revelou-nos Elis Regina na mística poesia da pesca de arrastão, na ternura do tempo da espera e da esperança: "Eh! tem jangada no mar. Eh! eh! eh! Hoje tem arrastão". Curiosa trajetória das palavras nas nossas conturbadas travessias, da esperança ao desespero dos arrastões em prédios, praias, hotéis, congestionamentos e até restaurantes, como se viu nas últimas semanas. Mas também no oportunismo publicitário em cima da desgraça alheia: "Arrastão de saldos!", li num anúncio há pouco tempo.
Tornamos equivalente o que equivalente não é, no autoengano que expressa nosso imaginário rico e criativo e transita com facilidade entre carnaval e quaresma, sem gradações nem indagações. Num dos assaltos de arrastão, nestes últimos dias, em restaurante da Vila Madalena, um dos ladrões até julgou oportuno explicar-se a suas vítimas: se tivesse alternativa, não estaria fazendo aquilo. É o ladrão bonzinho, o bom ladrão da nossa cruz de cada dia. Uma de minhas alunas, assaltada na Avenida Paulista por um adolescente armado, à luz do dia, vendo-o atrapalhado e temendo o pior, ajudou-o a roubá-la, indicando o que tinha, quanto tinha e onde tinha, para facilitar e apressar o assalto. Como o dinheiro era pouco, ainda lhe deu a passagem do metrô, para completar-lhe "a renda". Vítima complacente, mas prudente.
Coisa de uma sociedade edificada sobre o princípio do tributo e da servidão nele disfarçada: temos que pagar para viver e sobreviver. A prática do arrastão vem de longe, já foi um dia procedimento rotineiro do Estado, nas derramas que nos tempos coloniais confiscavam para o rei o quinto do ouro extraído das catas com o suor do negro cativo, tempos em que quem trabalhava não recebia a não ser o angu da sobrevivência e as chibatadas da disciplina.
Alguns exageram na conivência. Num dos arrastões, vários chamaram a polícia, depois se queixaram de que ela tardara mais de meia hora para comparecer ao local. Uma das pessoas, porém, indicou que a polícia tardara apenas 17 minutos para atender a ocorrência. Fato acontecido na tarde do almoço, só alguns foram à delegacia fazer a ocorrência e somente o fizeram à noite. Grande número de vítimas nem sequer faz a ocorrência, o que protege os bandidos e atrapalha a polícia. Cultura da cumplicidade na omissão anticidadã de que a vida é assim mesmo.
Muitos exibem seus ouros praticamente pedindo para ser assaltados. Mesmo quem se cuida, menos por precaução do que por falta de meios, não está mais protegido do que os incautos. Há alguns anos houve curioso assalto no bairro do Bixiga. Duas irmãs moravam sozinhas num daqueles nostálgicos casarões antigos, antigas também elas. Todas as manhãs, uma delas punha-se no seu melhor traje, enfeitava-se com suas joias de fantasia, não para ir à missa, mas para ir à padaria comprar o pão nosso de cada dia e o leite do café da manhã. Um dia, um jovem bem vestido aproximou-se, puxou conversa e num empurrão roubou-lhe o colar. Refeita do susto, a boa senhora antiga, na manhã seguinte, repetiu a rotina de tantos anos para o mesmo trajeto até a mesmíssima padaria. Um jovem se aproximou, como se estivesse indo na mesma direção, puxou conversa como se fosse um vizinho e perguntou-lhe se era ela a pessoa que tinha sido assaltada no dia anterior. Ela disse que sim. Levou um safanão, foi atirada violentamente ao chão e ainda ouviu a reprimenda: "Isso é para você aprender a não usar joias falsas!" Nem se reconheceram à primeira vista. Como acontece com a imensa maioria das pessoas na rua, desligaram o registro da memória, traço próprio da cultura urbana moderna, organizada sobre a premissa do estranho e do estranhamento até de quem estranho não é ou não deveria ser. As pessoas se veem todos os dias no ônibus, no trem, no metrô e não se conhecem nem se reconhecem, ensimesmadas no transitório da rua. Em todas as partes, a rua é o lugar da solidão urbana.
A diversificação e a multiplicação dos arrastões nas grandes cidades brasileiras têm estrutura e dinâmica de guerrilha urbana: violência errática, aparentemente sem regras, tira vantagem dessa cultura da distração, da desatenção, própria do lazer e do estar à vontade, como quando estamos em casa. O conjunto já imenso de ocorrências mostra que os momentos aparentemente desestruturados desses espaços têm contrapartida eficiente na delinquência estruturada. Os participantes dos arrastões são muito jovens, alguns deles menores de idade. Os filmes das câmeras de vigilância os mostram como se fossem rapazes a caminho de uma partida de futebol, mas que no meio do trajeto decidem fazer uma pescaria. Há evidente diferença quando se compara arrastões juvenis em restaurantes e arrastões de profissionais em prédios de apartamento. Tudo sugere que os arrastões de restaurantes são o vestibular do crime, a escola, o treinamento. Os que passarem já estarão diplomados para o segundo tipo de ação e outras mais. Crime também tem escola, já é evidente.
José de Souza Martins é Professor Emérito da Universidade de São Paulo e autor de A sociabilidade do homem simples (Contexto) FONTE: O ESTADO DE S. PAULO/ALIÁS
Faz 45 anos que Arrastão, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes, revelou-nos Elis Regina na mística poesia da pesca de arrastão, na ternura do tempo da espera e da esperança: "Eh! tem jangada no mar. Eh! eh! eh! Hoje tem arrastão". Curiosa trajetória das palavras nas nossas conturbadas travessias, da esperança ao desespero dos arrastões em prédios, praias, hotéis, congestionamentos e até restaurantes, como se viu nas últimas semanas. Mas também no oportunismo publicitário em cima da desgraça alheia: "Arrastão de saldos!", li num anúncio há pouco tempo.
Tornamos equivalente o que equivalente não é, no autoengano que expressa nosso imaginário rico e criativo e transita com facilidade entre carnaval e quaresma, sem gradações nem indagações. Num dos assaltos de arrastão, nestes últimos dias, em restaurante da Vila Madalena, um dos ladrões até julgou oportuno explicar-se a suas vítimas: se tivesse alternativa, não estaria fazendo aquilo. É o ladrão bonzinho, o bom ladrão da nossa cruz de cada dia. Uma de minhas alunas, assaltada na Avenida Paulista por um adolescente armado, à luz do dia, vendo-o atrapalhado e temendo o pior, ajudou-o a roubá-la, indicando o que tinha, quanto tinha e onde tinha, para facilitar e apressar o assalto. Como o dinheiro era pouco, ainda lhe deu a passagem do metrô, para completar-lhe "a renda". Vítima complacente, mas prudente.
Coisa de uma sociedade edificada sobre o princípio do tributo e da servidão nele disfarçada: temos que pagar para viver e sobreviver. A prática do arrastão vem de longe, já foi um dia procedimento rotineiro do Estado, nas derramas que nos tempos coloniais confiscavam para o rei o quinto do ouro extraído das catas com o suor do negro cativo, tempos em que quem trabalhava não recebia a não ser o angu da sobrevivência e as chibatadas da disciplina.
Alguns exageram na conivência. Num dos arrastões, vários chamaram a polícia, depois se queixaram de que ela tardara mais de meia hora para comparecer ao local. Uma das pessoas, porém, indicou que a polícia tardara apenas 17 minutos para atender a ocorrência. Fato acontecido na tarde do almoço, só alguns foram à delegacia fazer a ocorrência e somente o fizeram à noite. Grande número de vítimas nem sequer faz a ocorrência, o que protege os bandidos e atrapalha a polícia. Cultura da cumplicidade na omissão anticidadã de que a vida é assim mesmo.
Muitos exibem seus ouros praticamente pedindo para ser assaltados. Mesmo quem se cuida, menos por precaução do que por falta de meios, não está mais protegido do que os incautos. Há alguns anos houve curioso assalto no bairro do Bixiga. Duas irmãs moravam sozinhas num daqueles nostálgicos casarões antigos, antigas também elas. Todas as manhãs, uma delas punha-se no seu melhor traje, enfeitava-se com suas joias de fantasia, não para ir à missa, mas para ir à padaria comprar o pão nosso de cada dia e o leite do café da manhã. Um dia, um jovem bem vestido aproximou-se, puxou conversa e num empurrão roubou-lhe o colar. Refeita do susto, a boa senhora antiga, na manhã seguinte, repetiu a rotina de tantos anos para o mesmo trajeto até a mesmíssima padaria. Um jovem se aproximou, como se estivesse indo na mesma direção, puxou conversa como se fosse um vizinho e perguntou-lhe se era ela a pessoa que tinha sido assaltada no dia anterior. Ela disse que sim. Levou um safanão, foi atirada violentamente ao chão e ainda ouviu a reprimenda: "Isso é para você aprender a não usar joias falsas!" Nem se reconheceram à primeira vista. Como acontece com a imensa maioria das pessoas na rua, desligaram o registro da memória, traço próprio da cultura urbana moderna, organizada sobre a premissa do estranho e do estranhamento até de quem estranho não é ou não deveria ser. As pessoas se veem todos os dias no ônibus, no trem, no metrô e não se conhecem nem se reconhecem, ensimesmadas no transitório da rua. Em todas as partes, a rua é o lugar da solidão urbana.
A diversificação e a multiplicação dos arrastões nas grandes cidades brasileiras têm estrutura e dinâmica de guerrilha urbana: violência errática, aparentemente sem regras, tira vantagem dessa cultura da distração, da desatenção, própria do lazer e do estar à vontade, como quando estamos em casa. O conjunto já imenso de ocorrências mostra que os momentos aparentemente desestruturados desses espaços têm contrapartida eficiente na delinquência estruturada. Os participantes dos arrastões são muito jovens, alguns deles menores de idade. Os filmes das câmeras de vigilância os mostram como se fossem rapazes a caminho de uma partida de futebol, mas que no meio do trajeto decidem fazer uma pescaria. Há evidente diferença quando se compara arrastões juvenis em restaurantes e arrastões de profissionais em prédios de apartamento. Tudo sugere que os arrastões de restaurantes são o vestibular do crime, a escola, o treinamento. Os que passarem já estarão diplomados para o segundo tipo de ação e outras mais. Crime também tem escola, já é evidente.
José de Souza Martins é Professor Emérito da Universidade de São Paulo e autor de A sociabilidade do homem simples (Contexto) FONTE: O ESTADO DE S. PAULO/ALIÁS
Poder autoritário (Suely Caldas)
Quando Lula tomou posse em 2003 muita gente festejou com o argumento de que era necessário passar pela experiência do PT no poder para o País apressar o passo na construção do futuro com mais harmonia e menos beligerância. Em seus 23 anos de existência até então, o PT fizera oposição agressiva, belicosa e sistemática a todos os governos que passaram pelo Planalto. Foi contra a Constituição de 1988, contra a eleição de Tancredo Neves, contra o Plano Real, contra o pagamento da dívida pública, contra as privatizações, contra o fim dos monopólios, contra as políticas monetária e cambial de FHC, contra o Proer, contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, contra a reeleição, enfim contra tudo o que não vinha do PT. E, é preciso reconhecer, na maioria das vezes foi bem-sucedido na adesão popular ao estilo "sou contra".
Ao chegar ao poder o partido tratou de esquecer os seus "contras" e renegou seus credos: não mudou uma vírgula na política econômica de FHC, que tanto combatera, não desfez as privatizações, respirou aliviado com o Proer, aprofundou o Plano Real, elevou juros, pagou e multiplicou a dívida pública, para alegria dos banqueiros, que tanto xingara no passado. Aprendeu? "
A prática é o critério da verdade", ensinou Karl Marx. Foi a prática de governar que levou Lula e o PT a enxergarem a verdade que repudiaram quando eram oposição. E aprenderam. Algumas vezes bem rápido, como ao conduzir a política econômica de FHC. Outras, nem tanto. Do acervo de lento aprendizado faz parte o estilo autoritário na relação com a sociedade, que explica o apoio político de Lula a ditadores e o desprezo pelos direitos humanos violados em países como Irã e Cuba. O autoritarismo está também na tentativa de Lula de criar conselhos para controlar a imprensa, a cultura e a liberdade de expressão e criação. Nisso sua sucessora aprendeu mais rápido. Para não deixar dúvidas, ela vive repetindo preferir "o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras". E critica abertamente a violação dos direitos humanos no Irã.
Por isso, se partiu de Dilma Rousseff, surpreendeu a tentativa de interferir na diretoria de uma empresa privada, a Vale, e tirar da presidência um executivo que já foi e deixou de ser o preferido do governo. Lula tentou e não conseguiu degolar Roger Agnelli desde a crise financeira de 2008, que levou a Vale a demitir funcionários. Por mais que as novas contratações na empresa tenham superado as demissões, alguns meses depois, Lula persistiu na degola porque a direção da Vale se recusou a instalar usinas siderúrgicas em Estados governados pelo PT e onde não fazia nenhum sentido econômico construí-las.
Se o desempenho de Agnelli não é satisfatório, cabe aos acionistas da Vale decidirem afastá-lo. Para o governo é constrangedor seu ministro da Fazenda, de quem se espera conduta séria e transparente, procurar às escondidas o dono do Bradesco, maior acionista da empresa, e pedir a cabeça de seu presidente. Não se sabe se o ministro da Fazenda foi incentivado por Lula, por Dilma ou se agiu por sua conta e risco. Mas, das três alternativas, a que causa surpresa e decepção seria ter a iniciativa partido da presidente Dilma. Trata-se de um descabido gesto autoritário que se imaginava página virada em sua conduta.
Se o governo não respeita o direito de uma empresa privada ser administrada por seus acionistas, imagine como age em empresas públicas, onde o acionista controlador não é identificado - porque são todos os brasileiros - e o presidente da República se considera o dono, por ter sido eleito pelo voto. Por isso as empresas estatais são usadas para abrigar políticos derrotados nas urnas (vide Geddel Vieira Lima, do PMDB, que acaba de ser nomeado vice-presidente da Caixa), privilegiar empresas amigas com empréstimos e prestar favores a políticos. Servem, enfim, a toda sorte de negociação de interesse de quem está no poder. Uma empresa pública deve servir ao interesse público, à população. No livro Em Brasília, 19 horas, o jornalista Eugênio Bucci narra sua saga em levar à Radiobrás o conceito de empresa pública. Não conseguiu.
Jornalista, é professora da PUC-Rio
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
Ao chegar ao poder o partido tratou de esquecer os seus "contras" e renegou seus credos: não mudou uma vírgula na política econômica de FHC, que tanto combatera, não desfez as privatizações, respirou aliviado com o Proer, aprofundou o Plano Real, elevou juros, pagou e multiplicou a dívida pública, para alegria dos banqueiros, que tanto xingara no passado. Aprendeu? "
A prática é o critério da verdade", ensinou Karl Marx. Foi a prática de governar que levou Lula e o PT a enxergarem a verdade que repudiaram quando eram oposição. E aprenderam. Algumas vezes bem rápido, como ao conduzir a política econômica de FHC. Outras, nem tanto. Do acervo de lento aprendizado faz parte o estilo autoritário na relação com a sociedade, que explica o apoio político de Lula a ditadores e o desprezo pelos direitos humanos violados em países como Irã e Cuba. O autoritarismo está também na tentativa de Lula de criar conselhos para controlar a imprensa, a cultura e a liberdade de expressão e criação. Nisso sua sucessora aprendeu mais rápido. Para não deixar dúvidas, ela vive repetindo preferir "o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras". E critica abertamente a violação dos direitos humanos no Irã.
Por isso, se partiu de Dilma Rousseff, surpreendeu a tentativa de interferir na diretoria de uma empresa privada, a Vale, e tirar da presidência um executivo que já foi e deixou de ser o preferido do governo. Lula tentou e não conseguiu degolar Roger Agnelli desde a crise financeira de 2008, que levou a Vale a demitir funcionários. Por mais que as novas contratações na empresa tenham superado as demissões, alguns meses depois, Lula persistiu na degola porque a direção da Vale se recusou a instalar usinas siderúrgicas em Estados governados pelo PT e onde não fazia nenhum sentido econômico construí-las.
Se o desempenho de Agnelli não é satisfatório, cabe aos acionistas da Vale decidirem afastá-lo. Para o governo é constrangedor seu ministro da Fazenda, de quem se espera conduta séria e transparente, procurar às escondidas o dono do Bradesco, maior acionista da empresa, e pedir a cabeça de seu presidente. Não se sabe se o ministro da Fazenda foi incentivado por Lula, por Dilma ou se agiu por sua conta e risco. Mas, das três alternativas, a que causa surpresa e decepção seria ter a iniciativa partido da presidente Dilma. Trata-se de um descabido gesto autoritário que se imaginava página virada em sua conduta.
Se o governo não respeita o direito de uma empresa privada ser administrada por seus acionistas, imagine como age em empresas públicas, onde o acionista controlador não é identificado - porque são todos os brasileiros - e o presidente da República se considera o dono, por ter sido eleito pelo voto. Por isso as empresas estatais são usadas para abrigar políticos derrotados nas urnas (vide Geddel Vieira Lima, do PMDB, que acaba de ser nomeado vice-presidente da Caixa), privilegiar empresas amigas com empréstimos e prestar favores a políticos. Servem, enfim, a toda sorte de negociação de interesse de quem está no poder. Uma empresa pública deve servir ao interesse público, à população. No livro Em Brasília, 19 horas, o jornalista Eugênio Bucci narra sua saga em levar à Radiobrás o conceito de empresa pública. Não conseguiu.
Jornalista, é professora da PUC-Rio
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
sábado, 26 de março de 2011
"A Vida Imortal de Henrietta Lacks"
Livro resgata mulher que transformou a biomedicina
Obra é passeio assustador por ética em pesquisas e estigmas raciais dos EUA
Família não sabia de experimentos com células de paciente, relata "A Vida Imortal de Henrietta Lacks"
REINALDO JOSÉ LOPES
EDITOR DE CIÊNCIA
Por anos, a americana Deborah Lacks teve pesadelos com os experimentos macabros que cientistas do mundo todo andavam fazendo com sua pobre mãe, Henrietta.
A mãe de Deborah tinha sido inoculada com o vírus da poliomielite, clonada milhões de vezes, submetida a explosões atômicas e à microgravidade do espaço sideral. Tudo isso depois de morrer de câncer e ressuscitar, tornando-se imortal.
É claro que há um mal-entendido trágico nessa história. Henrietta Lacks morreu em 4 de outubro de 1951. Mas o câncer de colo de útero que a matou deu origem, em laboratório, às células HeLa, a mais importante linhagem "imortal" de células humanas, que viraram ferramentas indispensáveis para a biomedicina. Essa revolução tecnológica aconteceu sem o conhecimento ou o consentimento da morta ou de sua família, conta a bióloga e escritora Rebecca Skloot em "A Vida Imortal de Henrietta Lacks", que acaba de chegar ao país.
NÓDOA
A obra é um passeio esclarecedor -e assustador- pelo nascimento da biotecnologia e da (falta de) ética em pesquisa com seres humanos. E também pelas mazelas raciais do sul dos EUA: os Lackses eram negros da zona rural da Virgínia, nascidos e criados numa cabana de escravos, plantando tabaco.
"Aparentemente os cientistas nunca se deram ao trabalho de explicar o que foi feito das células de Henrietta porque achavam que os Lackses seriam incapazes de entender aquilo", disse Skloot à Folha.
"Isso foi antes do movimento dos direitos civis, no atendimento a negros pobres numa ala de indigentes do hospital [da Universidade Johns Hopkins], então a transparência nem era uma consideração para os médicos", lembra a autora.
"Aliás, mesmo pacientes brancos tinham seus tecidos retirados e usados para pesquisa sem consentimento." A coisa piorou décadas depois, quando o marido e os filhos de Lacks foram procurados para estudos genéticos, dada a importância crescente das células HeLa.
"Para pessoas como eles e para o público em geral, a diferença entre clonar uma pessoa e clonar apenas suas células fica completamente borrada", diz Skloot. "Mas, no fim das contas, eles conseguiram entender a importância das células, e o fato de que a mãe deles não sofria com os experimentos."
Obra é passeio assustador por ética em pesquisas e estigmas raciais dos EUA
Família não sabia de experimentos com células de paciente, relata "A Vida Imortal de Henrietta Lacks"
REINALDO JOSÉ LOPES
EDITOR DE CIÊNCIA
Por anos, a americana Deborah Lacks teve pesadelos com os experimentos macabros que cientistas do mundo todo andavam fazendo com sua pobre mãe, Henrietta.
A mãe de Deborah tinha sido inoculada com o vírus da poliomielite, clonada milhões de vezes, submetida a explosões atômicas e à microgravidade do espaço sideral. Tudo isso depois de morrer de câncer e ressuscitar, tornando-se imortal.
É claro que há um mal-entendido trágico nessa história. Henrietta Lacks morreu em 4 de outubro de 1951. Mas o câncer de colo de útero que a matou deu origem, em laboratório, às células HeLa, a mais importante linhagem "imortal" de células humanas, que viraram ferramentas indispensáveis para a biomedicina. Essa revolução tecnológica aconteceu sem o conhecimento ou o consentimento da morta ou de sua família, conta a bióloga e escritora Rebecca Skloot em "A Vida Imortal de Henrietta Lacks", que acaba de chegar ao país.
NÓDOA
A obra é um passeio esclarecedor -e assustador- pelo nascimento da biotecnologia e da (falta de) ética em pesquisa com seres humanos. E também pelas mazelas raciais do sul dos EUA: os Lackses eram negros da zona rural da Virgínia, nascidos e criados numa cabana de escravos, plantando tabaco.
"Aparentemente os cientistas nunca se deram ao trabalho de explicar o que foi feito das células de Henrietta porque achavam que os Lackses seriam incapazes de entender aquilo", disse Skloot à Folha.
"Isso foi antes do movimento dos direitos civis, no atendimento a negros pobres numa ala de indigentes do hospital [da Universidade Johns Hopkins], então a transparência nem era uma consideração para os médicos", lembra a autora.
"Aliás, mesmo pacientes brancos tinham seus tecidos retirados e usados para pesquisa sem consentimento." A coisa piorou décadas depois, quando o marido e os filhos de Lacks foram procurados para estudos genéticos, dada a importância crescente das células HeLa.
"Para pessoas como eles e para o público em geral, a diferença entre clonar uma pessoa e clonar apenas suas células fica completamente borrada", diz Skloot. "Mas, no fim das contas, eles conseguiram entender a importância das células, e o fato de que a mãe deles não sofria com os experimentos."
Má Companhia, da Cia. das Letras, relança autores que marcaram época
Coleção terá "malditos" de bolso a cada dois meses
Má Companhia, da Cia. das Letras, relança autores que marcaram época
"Tanto Faz & Abacaxi", de Reinaldo Moraes, e "O Invasor", escrito por Marçal Aquino, inauguram a coleção
DANIEL BENEVIDES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
"Livros únicos, malditos, que marcaram época e depois sumiram." A definição do editor André Conti para a nova coleção da Companhia das Letras, a Má Companhia, dá uma boa noção do que vem por aí.
Em formato de bolso e com preços acessíveis, os "maus acompanhantes" devem ser lançados a cada dois meses.
Podem ser títulos cult como "Tanto Faz & Abacaxi", de Reinaldo Moraes, e "O Invasor", de Marçal Aquino, que inauguram a coleção. Ou clássicos "marginais", como os "Sonetos Luxuriosos", de Pietro Aretino.
A ideia surgiu num jantar com Luiz Schwarcz, dono da Companhia das Letras, e os autores Joca Reiners Terron e Marçal Aquino. Terron, cuja obra "Não Há Nada Lá" também deve ganhar a sedutora alcunha "má", teria sugerido o nome, meio brincando.
Schwarcz abraçou a causa. Não à toa, a Má Companhia tem semelhança com a coleção Cantadas Literárias, da Brasiliense, que o próprio Schwarcz ajudou a criar, no começo dos anos 80.
"Tanto Faz", de 1981, foi o segundo lançamento da Cantadas. História de "um Ulisses avacalhado que vive atrás de umas nereidas" na definição de Moraes, o livro marcou uma geração. Escatológico e confessional, teve as três primeiras edições esgotadas em pouco tempo.
Para a Má Companhia, o autor do recente "Pornopopeia" retocou alguns trechos.
"Não tirei nenhuma das bobagens arqueológicas de época, só fiz umas mudanças pontuais, para o texto fluir melhor", explica. "Me diverti muito relendo os livros de cara limpa, com o superego mais afiado."
Sobre a expectativa, diz: "Vai ter gente jurando que o escritor de "Abacaxi" copiou o "Pornonopoéia'".
Com "Tanto Faz" está a continuação, "Abacaxi", de 1985, em que Moraes mexeu mais: "Tinha muita encheção de linguiça, que atrasava o andamento". Trocou até o nome do protagonista, para não haver dúvida de que é o mesmo da obra de estreia.
Marçal Aquino conta que escreveu "O Invasor" cinco anos depois do roteiro do filme epônimo, mas "de outro ponto de vista narrativo".
Como a primeira edição, de 2002, está esgotada, acha "legal que as pessoas possam ter acesso de novo ao livro. É um policial puro-sangue, com um olhar sobre São Paulo de que gosto muito".
Questionado sobre a coleção, Aquino pondera: "São livros que têm em comum uma inquietação diferente".
Leitor daqueles que garimpam preciosidades, já tem várias sugestões para entrar no time, como os "contraculturais" Jamil Snege e João Batista Reimão.
Má Companhia, da Cia. das Letras, relança autores que marcaram época
"Tanto Faz & Abacaxi", de Reinaldo Moraes, e "O Invasor", escrito por Marçal Aquino, inauguram a coleção
DANIEL BENEVIDES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
"Livros únicos, malditos, que marcaram época e depois sumiram." A definição do editor André Conti para a nova coleção da Companhia das Letras, a Má Companhia, dá uma boa noção do que vem por aí.
Em formato de bolso e com preços acessíveis, os "maus acompanhantes" devem ser lançados a cada dois meses.
Podem ser títulos cult como "Tanto Faz & Abacaxi", de Reinaldo Moraes, e "O Invasor", de Marçal Aquino, que inauguram a coleção. Ou clássicos "marginais", como os "Sonetos Luxuriosos", de Pietro Aretino.
A ideia surgiu num jantar com Luiz Schwarcz, dono da Companhia das Letras, e os autores Joca Reiners Terron e Marçal Aquino. Terron, cuja obra "Não Há Nada Lá" também deve ganhar a sedutora alcunha "má", teria sugerido o nome, meio brincando.
Schwarcz abraçou a causa. Não à toa, a Má Companhia tem semelhança com a coleção Cantadas Literárias, da Brasiliense, que o próprio Schwarcz ajudou a criar, no começo dos anos 80.
"Tanto Faz", de 1981, foi o segundo lançamento da Cantadas. História de "um Ulisses avacalhado que vive atrás de umas nereidas" na definição de Moraes, o livro marcou uma geração. Escatológico e confessional, teve as três primeiras edições esgotadas em pouco tempo.
Para a Má Companhia, o autor do recente "Pornopopeia" retocou alguns trechos.
"Não tirei nenhuma das bobagens arqueológicas de época, só fiz umas mudanças pontuais, para o texto fluir melhor", explica. "Me diverti muito relendo os livros de cara limpa, com o superego mais afiado."
Sobre a expectativa, diz: "Vai ter gente jurando que o escritor de "Abacaxi" copiou o "Pornonopoéia'".
Com "Tanto Faz" está a continuação, "Abacaxi", de 1985, em que Moraes mexeu mais: "Tinha muita encheção de linguiça, que atrasava o andamento". Trocou até o nome do protagonista, para não haver dúvida de que é o mesmo da obra de estreia.
Marçal Aquino conta que escreveu "O Invasor" cinco anos depois do roteiro do filme epônimo, mas "de outro ponto de vista narrativo".
Como a primeira edição, de 2002, está esgotada, acha "legal que as pessoas possam ter acesso de novo ao livro. É um policial puro-sangue, com um olhar sobre São Paulo de que gosto muito".
Questionado sobre a coleção, Aquino pondera: "São livros que têm em comum uma inquietação diferente".
Leitor daqueles que garimpam preciosidades, já tem várias sugestões para entrar no time, como os "contraculturais" Jamil Snege e João Batista Reimão.
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