Uma
nação não deve ser medida pelo PIB, e sim pelo que faz por suas
crianças e adolescentes. A frase de Dilma Rousseff não é de todo uma
fuga da realidade, como querem alguns críticos. Na Rio+20 o PIB foi
muito criticado como indicador. Surgiram até pessoas fascinadas pela
experiência do Butão, pequeno país encravado no Himalaia que trocou o
PIB pelo Índice de Felicidade Nacional.
Quando um líder político fala,
não analisamos apenas o conteúdo do discurso, mas também a oportunidade.
Dilma afirmou que o PIB não é adequado para medir a nação num dia em
que as expectativas de um baixo crescimento do Brasil foram divulgadas.
Tanto no exterior como internamente, as críticas seriam inevitáveis. Ela
procurou se antecipar a elas.
A fábula da raposa e as uvas é
um dos textos de maior sucesso no governo. Quando o PIB cresce, é
trombeteado como prova "de que nunca antes nesse país", etc. Quando cai,
perde importância porque o essencial é cuidar das criancinhas, que num
passado não muito distante éramos acusados de comê-las.
Embora tenha apenas a agenda de
Dilma como referência, não creio que ela tenha dialogado com o rei
Wangchuck, do Butão. Mas tanto quanto ele, num momento de desconforto
com o PIB ela está buscando novos indicadores. O Butão, segundo alguns
estudiosos da felicidade, como Derek Bok, formulou com critérios
interessantes a nova maneira de avaliar o país.
Dilma falou das crianças
dependentes de uma boa educação como passaporte para o futuro. Mas os
índices internacionais nos colocam em 53.º lugar em leitura e 57.º em
matemática, numa lista de 65 países.
Existe um ponto em que a teoria
do Butão daria um socorro a Dilma. Segundo ela, o primeiro fundamento da
felicidade é o desenvolvimento equilibrado. E o programa Bolsa-Família é
um marco internacional na distribuição de renda aos mais pobres.
A ideia de equilíbrio implica
uma noção de conjunto. Numa das pontas, o financiamento do BNDES a
empresários, conhecido como a bolsa dos ricos, ainda é uma incógnita à
espera de um estudo sobre sua adequação às necessidades nacionais. Isso
não é feito porque o BNDES se recusa a fornecer detalhes e o pedido da
imprensa investigativa para ter acesso a eles foi parar na Justiça. Na
semana passada, o BNDES apareceu financiando o Fusca do século 21, o UP
da Volkswagen, com R$ 352 milhões. Talvez seja uma homenagem a Itamar
Franco, que tinha o sonho nostálgico de ressuscitar o Fusca.
Fui muito criticado pelos
adeptos do governo quando alinhei alguns pontos preocupantes na
conjuntura. Governos não gostam de vê-los alinhados, preferem uma visão
cor-de-rosa. No passado era o "ame-o ou deixe-o", consagrado pela
ditadura militar, que fantasiava um País onde todos os críticos se
exilam.
De modo geral, previsões
otimistas sobre o Brasil continuam a surgir. Fernando Henrique Cardoso
disse, em entrevista recente, que o País está no rumo certo. E ele é de
oposição. A OCDE lançou um relatório afirmando que o Brasil tem as
melhores perspectivas estratégicas de crescimento entre os países
emergentes. E um dos pensadores mais aclamados do momento, Parag Khanna,
também acentuou as grandes possibilidades do País na economia do
futuro, a economia híbrida fortemente marcada pela conectividade.
Estrategicamente, estamos bem na foto. Mas o futuro não pode ser visto
como um o reino dos céus, um marco religioso. No universo místico,
derrotas e sofrimentos terrenos não importam porque eles nos levam à
salvação. No mundo real, um conjunto de erros pode nos afastar das
promessas estratégicas. Daí a necessidade do debate, das críticas.
Que papel podemos esperar no
futuro, se o Brasil aparece em 58.º lugar no ranking de invenção da
Organização Mundial de Propriedade Industrial, bem atrás do Chile, o
36.º? Caímos nove posições. O atraso brasileiro não se deve só ao
governo. Mas uma política científica e tecnológica ajudaria muito. E
deveria ter sido inaugurada em 2003, no primeiro governo Lula. O PIB
está lá embaixo, fatores que nos trariam esperança para o futuro, ensino
e invenção, têm desempenho desanimador no ranking internacional.
Alguns adeptos do governo querem
nos convencer de que nunca fomos tão felizes, como quiseram também os
militares, em outras circunstâncias. Para ganhar seu dinheirinho, atacam
os críticos e nos chamam de urubus. No meu caso, deviam ter o salário
descontado. Urubu é o símbolo de parte da torcida do Flamengo. Além
disso, tive a sorte de ouvir Tom Jobim falar de pássaros e ele sempre
destacava a elegância do voo do urubu.
O Brasil está cheio de gente
otimista que nos envia beijos no coração e toda essa ternura de
candidato em campanha. Precisamos de alimento para pensar. O futuro
luminoso não é uma fatalidade à prova de um medíocre oba-oba. Ele pode
chegar tarde ou desaparecer no horizonte. O que mais incomoda é associar
os impasses econômicos à decadência política. A Ferrovia Norte-Sul
virou mais uma piada, a última do Juquinha, ex-presidente da Valec, que
teve os bens bloqueados. Ele ganhava em torno de R$ 20 mil e tinha
vários imóveis, até uma fazenda de R$ 20 milhões.
De fora chegam sinais
animadoras: Paulo Maluf perdeu os recursos na Justiça de Jersey e a São
Paulo pode reaver US$ 22 milhões desviados de suas obras públicas. Na
Suíça, Joseph Blatter pede a João Havelange que deixe a presidência de
honra da Fifa depois do escândalo da propina. Os torcedores do Rio
querem mudar o nome do Estádio João Havelange para João Saldanha.
Dizem os economistas que na maré
alta todos se movem com facilidade, mas quando ela baixa descobrimos
quem tomava banho nu. Agora que a maré baixou, diante da nudez de pouco
adianta o argumento da beleza interior. É preciso coragem e boas ideias
para um mundo em transição. Anos de poder amolecem e deformam quem se
aproveita dele. Onde está a energia para um novo tempo?
Para responder à greve dos
professores universitários o governo levou 36 dias. E se esqueceu do
recesso parlamentar para aprovar incentivos à indústria, quase
estagnada. Sorte dele é o profundo sono da oposição.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
Como sempre a análise política do Gabeira é um aprendizado político e de vida...quem dera fosse ele nosso presidente..ao menos tem uma visão clara e crítica da conjuntura brasileira e estaríamos fazendo justiça a este brasileiro que sempre deu muito de si pela causa democrática.
ResponderExcluirParabéns Beto Belling por postar texto tão inteligente no seu blog. do qual já virei seguidora.
Abraços
Vera Helena