Faltam
pouco mais de dois meses para as eleições municipais, em todo o País
menos Brasília e Fernando de Noronha, e só mudará o quadro dos
candidatos no caso, excepcional, de renúncia ou morte. Nas capitais dos
Estados, o panorama não é positivo para o Partido dos Trabalhadores. A
situação melhora se passarmos às cento e poucas cidades mais populosas,
ou aos 5565 municípios brasileiros. Mas o que chama a atenção
politicamente são as capitais. Em poucas delas o PT é competitivo.
Renunciou a concorrer no Rio de Janeiro e em Curitiba. Está fraco em
Porto Alegre. Só disputa a prefeitura de Belo Horizonte porque falhou a
aliança com o PSB. No Recife e em Fortaleza, vai sem os aliados
prováveis, PCdoB e o PSB. Ganhará em São Paulo apenas se seu
representante saltar várias posições. Isso, para ficar nas maiores
capitais.
Quem ganha, quem perde com isso?
Quem mais se arrisca com as
candidaturas do PT é o ex-presidente Lula. Foram dele duas apostas de
alto risco, ambas em São Paulo: a candidatura do desconhecido e
não-favorito Fernando Haddad e a aliança com o velho inimigo Paulo
Maluf. As duas decisões, monocráticas, impostas sem discussão, são bem
diferentes entre si. Podemos divergir do nome de Haddad em nome da
viabilidade política, mas não por questões morais. Na educação, mesmo
pesquisadores anti-petistas respeitam e até elogiam o ex-ministro. Se os
problemas do Enem fazem pairar sobre ele a suspeita de voluntarismo,
não há o menor indício de que tenha sido desonesto. Já a lamentável
aliança com Maluf desperta forte condenação moral. Não me impressiono
quando a sentença é proferida pelos concorrentes do PT; os tucanos já se
valeram de Maluf, inclusive num famoso outdoor com FHC, quando
precisaram de seu tempo na televisão e de seus eleitores. Mas me
preocupo com a opção nela mesma. Maluf e os petistas sempre estiveram em
campos opostos da política paulista e paulistana. É verdade que ele
hoje é uma sombra do que foi. Sequer pode sair do Brasil, único país em
que está a salvo do mandado de prisão da Interpol. Sua importância está
nos minutos de televisão. É pouco provável que seu nome, mesmo, traga
votos. Ainda assim, as fotos dele com Lula e Haddad, para dizer o
mínimo, constrangem.
Um cenário bom para Dilma, mas não para Lula
Lula, com suas opções
paulistanas, está numa situação sem meio termo. Ou ganha, e muito, ou
perde, e muito. Tudo depende da vitória ou derrota de Haddad. Se ele
vencer as eleições - o que significa, em dez semanas, galgar dezenas de
pontos na preferência dos votantes - Lula será o gênio eleitoral,
intuitivo, do País. Terá conseguido, em dois pleitos sucessivos, levar à
vitória um nome desconhecido, nunca testado em eleições e escolhido só
por ele. A opção moral, mas imprudente, de lançar Haddad será saudada. A
opção pouco moral, embora prudente, de unir-se a Maluf será esquecida.
Já se o candidato do PT perder o
pleito paulistano, o prestígio de Lula sofrerá seu maior revés desde o
sucesso presidencial. Lembro a carta que Francisco I, rei de França,
escreveu à mãe em 1525, depois de aprisionado em Pávia pelos exércitos
de Carlos V, imperador alemão e rei de Espanha: "Madame, tudo está
perdido, menos a honra". (Por sinal, geralmente se omite que o rei
acrescentou "e a vida", o que reduz a grandeza da frase). Pois é. Quando
se vence, a honra passa a segundo plano. O grande exemplo foi a vitória
de Collor na eleição de 1989, recorrendo na última hora a uma acusação
sórdida a Lula. Venceu. Mesmo assim, sua imagem ficou maculada. A
oposição jamais reconheceu a legitimidade de quem ganhara, mercê de
expediente tão duvidoso. O "impeachment" de Collor, três anos depois,
teve outra causa - o malogro do combate à inflação. Mas foi fortemente
adjetivado pela aversão que parte significativa da sociedade brasileira
sentia pela cena primitiva de seu acesso ao poder.
Uma aliança com um político hoje
em desaceleração não tem o mesmo peso que o episódio de Collor em 1989.
Mas resta que, se a aposta de Lula der errado, sua imagem - tão boa,
depois de dois mandatos em lua de mel com o Brasil - pagará um preço.
E a presidenta Dilma Rousseff?
Até o momento, ela conseguiu marcar uma distância, simpática aos olhos
do eleitorado, perante os partidos políticos. Vários ministros seus
foram acusados de práticas pouco éticas, no primeiro ano de mandato.
Nada ou pouco foi provado que fosse criminoso. Mas ela afastou
rapidamente os nomes queimados.
Poucos observam que, em função
disso, pararam as acusações. Ao longo de 2011, cada vez que caía um
ministro, outro era atacado. Este ano, a cena mudou. Os ataques se
voltaram contra Lula e se associaram às eleições municipais. A
presidenta se preserva e está preservada. Nos setenta dias que faltam
para o primeiro turno, e nos três meses que nos separam do resultado
final nos municípios em que houver segunda volta de votação, isso pode
se modificar. Dilma pode arregaçar as mangas, pedir votos, ir para a
arena política. Tem, como todo cidadão e como todo político, pleno
direito de fazê-lo. Mas, por enquanto, estamos numa situação em que ela
parece apta a colher os bônus das eleições sem pagar os ônus de suas
preferências eleitorais. Terá, porém, que medir se as vantagens dessa
posição, digamos, de magistrado, compensam algumas derrotas que serão
possíveis, caso não desça à planície das urnas. Por ora, contudo, o que
temos é uma possível depreciação do renome de Lula e uma valorização do
nome Dilma Rousseff. Ele polariza de frente com o PSDB, ela joga
discretamente em todas as frentes. O balanço depende, para ela, dos
eleitores brasileiros; para Lula, dos paulistanos.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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