domingo, 1 de julho de 2012

Nacionalizadas, mas locais (Jairo Marconi Nicolau)

Jairo Nicolau
Diego Viana

SÃO PAULO - Os movimentos mais importantes a serem observados nas eleições municipais deste ano são o surgimento de lideranças jovens, o crescimento de partidos como o PSB e a flutuação nos pesos dos partidos em câmaras municipais. Esses elementos são apontados pelo cientista político Jairo Nicolau, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autor de "História do Voto no Brasil" (Zahar).

Para Nicolau, o vínculo entre o ciclo eleitoral dos municípios e a disputa eleitoral não é tão forte como aparenta, mas a "nacionalização" do pleito paulistano - termo empregado pelo ex-presidente Lula - expressa a necessidade que os principais partidos têm de produzir novos quadros políticos.

As campanhas nos municípios começam oficialmente no mês que vem, com o encerramento da fase de convenções partidárias, em 30 de junho. Mas o período pré-eleitoral já rendeu momentos de polêmica intensa, como a fotografia em que Lula e Paulo Maluf (PP) aparecem fechando uma aliança na capital paulista. A simbologia da imagem levou a deputada Luiza Erundina (PSB), ex-prefeita da cidade, a abrir mão de sua candidatura como vice na chapa de Fernando Haddad.

Outro elemento que pode influenciar o desenrolar dos pleitos é o julgamento do mensalão, previsto para o início de agosto. Para Nicolau, porém, eleições locais são definidas por fatores locais: o mensalão já fez seu estrago.

A seguir, a entrevista.

"Para o PSDB, mais importante do que ter Serra como prefeito em 2012 é não enfrentar o PT com uma prefeitura tão importante em 2014"

Valor: A fotografia em que Lula cumprimenta Maluf foi reproduzida à exaustão na imprensa e nas redes sociais. Que peso a imagem terá no processo eleitoral?

Jairo Nicolau: Fotos como essa se tornam clássicas porque são autoevidentes. O caso lembra a imagem de 1985 em que Fernando Henrique Cardoso, líder da disputa paulistana, aparecia sentado na cadeira de prefeito antes do fim da disputa. Não sei qual foi o cálculo de Lula, mas a equação eleitoral é clássica: somar o que se ganha ao incorporar Maluf à campanha e subtrair o que se perde com a rejeição dos eleitores. Todos os políticos têm de fazer esse cálculo. Aconteceu quando FHC se aliou ao PFL (Partido da Frente Liberal, hoje DEM) e com o PT quando se aliou ao PL (Partido Liberal) em 2002. Foi a primeira aliança do PT fora da esquerda e gerou muitas críticas.

Valor: E quanto ao caráter simbólico da imagem? Erundina mencionou a simbologia ao anunciar sua desistência.

Nicolau: Certamente os adversários vão usar muito essa imagem, mostrando cenas passadas em que Maluf e os petistas se atacavam com muita virulência, desde o fim da ditadura. É evidente que o eleitor da esquerda fica decepcionado. O impacto dessa foto é político. O que as pessoas estão manifestando agora é: veja onde foi parar o pragmatismo da política brasileira e do PT. Talvez tudo tivesse sido diferente se Lula não tivesse ido à casa de Maluf. Para quem, como eu, acompanhou Maluf no Colégio Eleitoral, o que significou aquela transição, os embates com o PT na década de 90, a imagem foi uma grande surpresa. O diretório nacional petista evita alianças com o PSDB e o DEM, mas não com o PP e outros pequenos. O PP é bastante fiel ao governo nas votações do Congresso.

Valor: O impacto deve perdurar até outubro?

Nicolau: Não creio. Na campanha, os adversários vão se aproveitar, sobretudo à esquerda, para mostrar a incongruência do PT. Assim funciona o marketing político. Mas é difícil medir o efeito desse evento sobre a campanha até o fim. É certo que o episódio vai ser explorado, quanto a isso não restam dúvidas.

Valor: José Serra lidera as pesquisas, mas seu índice de rejeição é alto. O que representa esta disputa para sua carreira?

Nicolau: Deram a carreira de Serra por encerrada após a eleição de 2010. Muita gente já o via como uma figura que não contaria mais para o futuro do PSDB. Ou sairia da política, ou se tornaria um político marginal. Se ele conquistar São Paulo, terminar a carreira como prefeito não seria ruim. Uma nova candidatura a presidente seria improvável: tudo caminha para a candidatura de Aécio Neves.

Valor: E do ponto-de-vista do partido?

Nicolau: Para o PSDB, mais importante do que ter Serra como prefeito em 2012 é não enfrentar o PT com uma prefeitura tão importante em 2014. Creio que as eleições locais têm pouca relação com as nacionais; afinal, quando Lula era presidente, perdeu duas eleições em São Paulo. Mas no xadrez político é bom ter a musculatura oferecida por uma capital desse porte. A vitória em São Paulo ajudaria a fortalecer o PSDB no cenário nacional, mas não é nada diretamente vinculado às eleições de 2014. O partido busca a renovação e Serra já foi testado duas vezes. Em 2010, Aécio ficou para trás, talvez por cálculo político. Mas, na lógica interna do PSDB, não tem por que não ser Aécio em 2014.

Valor: E quanto à renovação das lideranças?

Nicolau: Para Haddad, governar São Paulo promoveria a emergência de um nome novo. O PT precisa descobrir líderes jovens, porque o partido envelheceu. Poucas lideranças apareceram, na faixa dos 40 ou 50 anos. Tem Lindbergh Farias [senador fluminense] no Rio de Janeiro e Fernando Haddad em São Paulo. Por isso, esta candidatura é uma forma de consolidar seu nome como liderança no PT. Beto Richa saiu como um nome forte na última eleição curitibana, porque era uma liderança nova do PSDB. Eduardo Paes, no Rio, também, pelo PMDB. Se ganhar, Haddad pode ser um desses. Já o PSDB tem Beto Richa no Paraná e Aécio Neves em Minas. O movimento natural do partido, nesta eleição, seria buscar um político emergente para tentar conquistar São Paulo. Mas, sem um nome óbvio, o partido preferiu apostar na possibilidade da vitória com Serra. Se alguém perguntasse às lideranças, em 2010, o que seria melhor, se Serra ou um jovem, todos diriam "o jovem". Mas esse jovem nunca apareceu. Esta disputa é importante para o PSDB, como um pênalti no fim do jogo. Não querem um novato para batê-lo: buscam alguém experiente para a cobrança. Ao decidir participar das prévias, Serra praticamente encerrou o assunto, mas isso só adia um processo pelo qual o PSDB tem de passar, a renovação. E o PT também, porque suas lideranças jovens ainda não mostraram força.

Valor: Lula afirmou que a disputa paulistana é nacionalizada, ou seja, faz parte do projeto de poder dos partidos, a começar pelo PT. Mas o pênalti petista vai ser batido por um jogador novo.

Nicolau: Não creio que o impacto nacional da eleição em São Paulo seja grande, com Haddad ganhando ou perdendo. É claro que, se ele ganhar, é uma vantagem importante. O peso das eleições municipais acontece de outra maneira. Por exemplo, em 2008, o PT conseguiu algo que nunca tinha conseguido: interiorizar-se, ganhar em cidades com 10 mil habitantes. Ao fim de outubro, todos os jornais vão mostrar balanços de "quem subiu" e "quem desceu". Isso é importante porque mostra quem vai estar forte para o processo seguinte, mas não significa que conseguir eleger Haddad ou deixar de conseguir vai ser determinante para o projeto de poder do PT em 2014.

Valor: Lula está colocando todo o peso de seu nome e todo seu prestígio nessa disputa específica.

Nicolau: Em 2008, o então presidente Lula esteve em muitos palanques e é difícil determinar quanto ele influenciou as eleições. Ele e qualquer outro nome. Lula teve várias derrotas em 2008 em municípios importantes. Porto Alegre, Salvador, São Paulo, Santo André. Será que os fatores locais não foram mais determinantes? Lula subiu no palanque com Marta, ela perdeu; sem ele, ela teria ganho ou teria ido pior? É uma especulação. O que tem de diferente agora é que Lula, pela primeira vez desde 2000, atua como alguém que está fora do governo. Ele está em outro patamar de sua biografia. Essa é a novidade, não a intervenção do diretório nacional em Recife, ou operações em Fortaleza e São Paulo. Tenho observado que, neste ano, os diretórios nacionais dos partidos têm agido com mais força na escolha dos candidatos.

Valor: Se é tão baixa a correlação entre a eleição para prefeito e as nacionais e estaduais, por que a intervenção?

Nicolau: O melhor termômetro para o PT não é Haddad, mas a ampliação de sua presença nas câmaras municipais. É isso que fortalece seu enraizamento pelas cidades e sua posição para a campanha de 2014, na hora de conseguir apoio nos Estados. Ponto. Toda a exploração de dados de eleições que já fiz, usando resultados de eleições para prefeito e as presidenciais de dois anos depois, mostram uma correlação baixa. Os temas predominantes nas eleições locais também são locais. Cada cidade tem sua especificidade e sua agenda, tanto os problemas concretos de cada cidade como a configuração da política naquele local. As eleições municipais são mais importantes para os deputados estaduais e federais. Eles financiam e apoiam candidatos às câmaras porque precisam cultivar as bases locais. Depois de dois anos vem a retribuição. Controlar prefeituras ajuda, sem dúvida, mas não temos nenhuma comprovação estatística de que o sucesso de um partido nas eleições municipais de um ano se reflita em sucesso nas eleições estaduais de dois anos mais tarde.

Valor: Um fator relevante é o crescimento do PSB, que se consolida no Nordeste e pode bater de frente com o PT, seu tradicional aliado.

Nicolau: O crescimento paulatino do PSB é um fato inequívoco do quadro partidário brasileiro. É o único partido que cresce consistentemente desde sua fundação, há menos de 30 anos. É uma força que passa a ser cada vez mais um rival do PT. No Nordeste, é uma força considerável, tomando a posição do PMDB. É um partido a ser observado. Seu desafio, neste momento, é o mesmo que o PDT já teve em outras épocas. Precisa entrar em São Paulo, Rio, Minas, embora tenha alguma relevância nesses lugares, a começar pela Prefeitura de Belo Horizonte. Ainda assim, por enquanto é um partido muito circunscrito ao Nordeste.

Valor: O julgamento do mensalão deve mesmo influir decisivamente nestas eleições?

Nicolau: Não creio. Vai ser um julgamento histórico, com enorme impacto sobre a política brasileira, também um impacto retrospectivo de avaliação do governo Lula e sobre o comportamento da elite política brasileira. Mas eleições locais são movidas por temas locais, alianças montadas em função dos conflitos e da história da política local. A não ser, claro, para João Paulo Cunha, que é candidato a prefeito em Osasco, porque ele está diretamente envolvido e o resultado do julgamento pode acabar com sua candidatura. O estrago da imagem do PT já foi feito, o impacto maior aconteceu nas próprias eleições de 2006. Independe do resultado do julgamento e envolve outros elementos, como o pragmatismo que mudou a rota daquele partido doutrinário dos anos 80 e 90. O eleitor brasileiro não é tão partidário, no âmbito local, a ponto de punir o PT. O efeito não deverá ser mais que marginal.

Valor: No Rio de Janeiro, o atual prefeito conta com uma ampla coalizão e a expectativa é de reeleição ainda no primeiro turno. O senhor compartilha dessa expectativa?

Nicolau: Compartilho, salvo se os adversários conseguirem tirar fotos comprometedoras de Paes, como as do governador Sergio Cabral em Paris. São muitos candidatos com perfil de classe média para cima, mas ninguém que se conecte com os pobres. Em 2008, havia Marcelo Crivella. A não ser, também, que algum dos outros candidatos, do PV, do DEM, do PSDB, do PSOL, acabe descobrindo uma vocação para isso. Nenhum deles nunca foi testado em eleições municipais e pode descobrir algo inesperado. Paes, por exemplo, quando surgiu, era um candidato da zona sul, mas acabou ganhando graças à zona oeste, onde está o grosso do eleitorado.

Valor: Marcelo Freixo tem sido a novidade no Rio. Ele pode se tornar um fenômeno durável ou é só uma onda passageira, como foi Gabeira?

Nicolau: O eleitor do Rio não vê um candidato da esquerda realmente competitivo desde 1992, quando Benedita da Silva disputou o segundo turno contra Cesar Maia. Freixo vai desenvolver alguns temas, como a segurança pública, que é eminentemente estadual, e o carisma pessoal, a renovação. Mas qual é a agenda da esquerda para a cidade? Nem sabemos mais. Há 20 anos a agenda administrativa, a gestão, domina a pauta.

Valor: Em Belo Horizonte, Márcio Lacerda, do PSB, disputa a reeleição com uma coligação que vai desde o PT, partido de seu vice, até Aécio Neves. Tudo isso depois das disputas virulentas entre PT e PSDB em Minas Gerais.

Nicolau: O que determina essa aproximação em Belo Horizonte é uma questão local, como sempre. Aécio precisa obter sua tranquilidade estadual com uma aliança que possa governar a capital. PT e PSDB fizeram campanhas ríspidas um contra o outro na última eleição estadual, mas na capital do Estado estão juntos. No nosso sistema partidário, o alinhamento do nacional com o local é pequeno, embora esteja aumentando. A relação entre o nacional e o estadual, com alianças replicadas nesses dois níveis, como houve em 2010, foi uma novidade em relação ao que acontecia nos anos 90, e certamente ainda não é generalizada.

Valor: Em Salvador, Antônio Carlos Magalhães Neto lidera as pesquisas. O carlismo continua sendo dominante na Bahia?

Nicolau: O carlismo tinha sido dado como morto pelos analistas, inclusive os baianos, na última eleição. Vejo em ACM Neto um carlismo renovado. Não quero negar o alinhamento familiar e a agenda tradicional, conservadora, de seu grupo político. Mas ele é de uma outra geração, tem um outro discurso, tenta se descolar do avô. Ele quer ser aquilo que o DEM não conseguiu ser, o partido de classe média, liberal, que o PFL não era. E, mesmo naquela época, o PFL ganhou algumas e perdeu outras. A gestão do carlismo era tensa em Salvador, tinha até brigas internas. O domínio na capital nunca foi óbvio. Salvador é uma das poucas cidades onde Lula sempre venceu. O carlismo não tinha tanta força lá quanto no interior.

FONTE: VALOR ECONÔMICO (29/06/2012)

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