Jairo Nicolau |
Diego Viana
SÃO PAULO - Os movimentos
mais importantes a serem observados nas eleições municipais deste ano
são o surgimento de lideranças jovens, o crescimento de partidos como o
PSB e a flutuação nos pesos dos partidos em câmaras municipais. Esses
elementos são apontados pelo cientista político Jairo Nicolau, professor
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autor de "História
do Voto no Brasil" (Zahar).
Para Nicolau, o vínculo
entre o ciclo eleitoral dos municípios e a disputa eleitoral não é tão
forte como aparenta, mas a "nacionalização" do pleito paulistano - termo
empregado pelo ex-presidente Lula - expressa a necessidade que os
principais partidos têm de produzir novos quadros políticos.
As campanhas nos
municípios começam oficialmente no mês que vem, com o encerramento da
fase de convenções partidárias, em 30 de junho. Mas o período
pré-eleitoral já rendeu momentos de polêmica intensa, como a fotografia
em que Lula e Paulo Maluf (PP) aparecem fechando uma aliança na capital
paulista. A simbologia da imagem levou a deputada Luiza Erundina (PSB),
ex-prefeita da cidade, a abrir mão de sua candidatura como vice na chapa
de Fernando Haddad.
Outro elemento que pode
influenciar o desenrolar dos pleitos é o julgamento do mensalão,
previsto para o início de agosto. Para Nicolau, porém, eleições locais
são definidas por fatores locais: o mensalão já fez seu estrago.
A seguir, a entrevista.
"Para o PSDB, mais importante do
que ter Serra como prefeito em 2012 é não enfrentar o PT com uma
prefeitura tão importante em 2014"
Valor: A fotografia em
que Lula cumprimenta Maluf foi reproduzida à exaustão na imprensa e nas
redes sociais. Que peso a imagem terá no processo eleitoral?
Jairo Nicolau: Fotos como
essa se tornam clássicas porque são autoevidentes. O caso lembra a
imagem de 1985 em que Fernando Henrique Cardoso, líder da disputa
paulistana, aparecia sentado na cadeira de prefeito antes do fim da
disputa. Não sei qual foi o cálculo de Lula, mas a equação eleitoral é
clássica: somar o que se ganha ao incorporar Maluf à campanha e subtrair
o que se perde com a rejeição dos eleitores. Todos os políticos têm de
fazer esse cálculo. Aconteceu quando FHC se aliou ao PFL (Partido da
Frente Liberal, hoje DEM) e com o PT quando se aliou ao PL (Partido
Liberal) em 2002. Foi a primeira aliança do PT fora da esquerda e gerou
muitas críticas.
Valor: E quanto ao caráter simbólico da imagem? Erundina mencionou a simbologia ao anunciar sua desistência.
Nicolau: Certamente os
adversários vão usar muito essa imagem, mostrando cenas passadas em que
Maluf e os petistas se atacavam com muita virulência, desde o fim da
ditadura. É evidente que o eleitor da esquerda fica decepcionado. O
impacto dessa foto é político. O que as pessoas estão manifestando agora
é: veja onde foi parar o pragmatismo da política brasileira e do PT.
Talvez tudo tivesse sido diferente se Lula não tivesse ido à casa de
Maluf. Para quem, como eu, acompanhou Maluf no Colégio Eleitoral, o que
significou aquela transição, os embates com o PT na década de 90, a
imagem foi uma grande surpresa. O diretório nacional petista evita
alianças com o PSDB e o DEM, mas não com o PP e outros pequenos. O PP é
bastante fiel ao governo nas votações do Congresso.
Valor: O impacto deve perdurar até outubro?
Nicolau: Não creio. Na
campanha, os adversários vão se aproveitar, sobretudo à esquerda, para
mostrar a incongruência do PT. Assim funciona o marketing político. Mas é
difícil medir o efeito desse evento sobre a campanha até o fim. É certo
que o episódio vai ser explorado, quanto a isso não restam dúvidas.
Valor: José Serra lidera as pesquisas, mas seu índice de rejeição é alto. O que representa esta disputa para sua carreira?
Nicolau: Deram a carreira
de Serra por encerrada após a eleição de 2010. Muita gente já o via
como uma figura que não contaria mais para o futuro do PSDB. Ou sairia
da política, ou se tornaria um político marginal. Se ele conquistar São
Paulo, terminar a carreira como prefeito não seria ruim. Uma nova
candidatura a presidente seria improvável: tudo caminha para a
candidatura de Aécio Neves.
Valor: E do ponto-de-vista do partido?
Nicolau: Para o PSDB,
mais importante do que ter Serra como prefeito em 2012 é não enfrentar o
PT com uma prefeitura tão importante em 2014. Creio que as eleições
locais têm pouca relação com as nacionais; afinal, quando Lula era
presidente, perdeu duas eleições em São Paulo. Mas no xadrez político é
bom ter a musculatura oferecida por uma capital desse porte. A vitória
em São Paulo ajudaria a fortalecer o PSDB no cenário nacional, mas não é
nada diretamente vinculado às eleições de 2014. O partido busca a
renovação e Serra já foi testado duas vezes. Em 2010, Aécio ficou para
trás, talvez por cálculo político. Mas, na lógica interna do PSDB, não
tem por que não ser Aécio em 2014.
Valor: E quanto à renovação das lideranças?
Nicolau: Para Haddad,
governar São Paulo promoveria a emergência de um nome novo. O PT precisa
descobrir líderes jovens, porque o partido envelheceu. Poucas
lideranças apareceram, na faixa dos 40 ou 50 anos. Tem Lindbergh Farias
[senador fluminense] no Rio de Janeiro e Fernando Haddad em São Paulo.
Por isso, esta candidatura é uma forma de consolidar seu nome como
liderança no PT. Beto Richa saiu como um nome forte na última eleição
curitibana, porque era uma liderança nova do PSDB. Eduardo Paes, no Rio,
também, pelo PMDB. Se ganhar, Haddad pode ser um desses. Já o PSDB tem
Beto Richa no Paraná e Aécio Neves em Minas. O movimento natural do
partido, nesta eleição, seria buscar um político emergente para tentar
conquistar São Paulo. Mas, sem um nome óbvio, o partido preferiu apostar
na possibilidade da vitória com Serra. Se alguém perguntasse às
lideranças, em 2010, o que seria melhor, se Serra ou um jovem, todos
diriam "o jovem". Mas esse jovem nunca apareceu. Esta disputa é
importante para o PSDB, como um pênalti no fim do jogo. Não querem um
novato para batê-lo: buscam alguém experiente para a cobrança. Ao
decidir participar das prévias, Serra praticamente encerrou o assunto,
mas isso só adia um processo pelo qual o PSDB tem de passar, a
renovação. E o PT também, porque suas lideranças jovens ainda não
mostraram força.
Valor: Lula afirmou
que a disputa paulistana é nacionalizada, ou seja, faz parte do projeto
de poder dos partidos, a começar pelo PT. Mas o pênalti petista vai ser
batido por um jogador novo.
Nicolau: Não creio que o
impacto nacional da eleição em São Paulo seja grande, com Haddad
ganhando ou perdendo. É claro que, se ele ganhar, é uma vantagem
importante. O peso das eleições municipais acontece de outra maneira.
Por exemplo, em 2008, o PT conseguiu algo que nunca tinha conseguido:
interiorizar-se, ganhar em cidades com 10 mil habitantes. Ao fim de
outubro, todos os jornais vão mostrar balanços de "quem subiu" e "quem
desceu". Isso é importante porque mostra quem vai estar forte para o
processo seguinte, mas não significa que conseguir eleger Haddad ou
deixar de conseguir vai ser determinante para o projeto de poder do PT
em 2014.
Valor: Lula está colocando todo o peso de seu nome e todo seu prestígio nessa disputa específica.
Nicolau: Em 2008, o então
presidente Lula esteve em muitos palanques e é difícil determinar
quanto ele influenciou as eleições. Ele e qualquer outro nome. Lula teve
várias derrotas em 2008 em municípios importantes. Porto Alegre,
Salvador, São Paulo, Santo André. Será que os fatores locais não foram
mais determinantes? Lula subiu no palanque com Marta, ela perdeu; sem
ele, ela teria ganho ou teria ido pior? É uma especulação. O que tem de
diferente agora é que Lula, pela primeira vez desde 2000, atua como
alguém que está fora do governo. Ele está em outro patamar de sua
biografia. Essa é a novidade, não a intervenção do diretório nacional em
Recife, ou operações em Fortaleza e São Paulo. Tenho observado que,
neste ano, os diretórios nacionais dos partidos têm agido com mais força
na escolha dos candidatos.
Valor: Se é tão baixa a correlação entre a eleição para prefeito e as nacionais e estaduais, por que a intervenção?
Nicolau: O melhor
termômetro para o PT não é Haddad, mas a ampliação de sua presença nas
câmaras municipais. É isso que fortalece seu enraizamento pelas cidades e
sua posição para a campanha de 2014, na hora de conseguir apoio nos
Estados. Ponto. Toda a exploração de dados de eleições que já fiz,
usando resultados de eleições para prefeito e as presidenciais de dois
anos depois, mostram uma correlação baixa. Os temas predominantes nas
eleições locais também são locais. Cada cidade tem sua especificidade e
sua agenda, tanto os problemas concretos de cada cidade como a
configuração da política naquele local. As eleições municipais são mais
importantes para os deputados estaduais e federais. Eles financiam e
apoiam candidatos às câmaras porque precisam cultivar as bases locais.
Depois de dois anos vem a retribuição. Controlar prefeituras ajuda, sem
dúvida, mas não temos nenhuma comprovação estatística de que o sucesso
de um partido nas eleições municipais de um ano se reflita em sucesso
nas eleições estaduais de dois anos mais tarde.
Valor: Um fator relevante é o crescimento do PSB, que se consolida no Nordeste e pode bater de frente com o PT, seu tradicional aliado.
Nicolau: O crescimento
paulatino do PSB é um fato inequívoco do quadro partidário brasileiro. É
o único partido que cresce consistentemente desde sua fundação, há
menos de 30 anos. É uma força que passa a ser cada vez mais um rival do
PT. No Nordeste, é uma força considerável, tomando a posição do PMDB. É
um partido a ser observado. Seu desafio, neste momento, é o mesmo que o
PDT já teve em outras épocas. Precisa entrar em São Paulo, Rio, Minas,
embora tenha alguma relevância nesses lugares, a começar pela Prefeitura
de Belo Horizonte. Ainda assim, por enquanto é um partido muito
circunscrito ao Nordeste.
Valor: O julgamento do mensalão deve mesmo influir decisivamente nestas eleições?
Nicolau: Não creio. Vai
ser um julgamento histórico, com enorme impacto sobre a política
brasileira, também um impacto retrospectivo de avaliação do governo Lula
e sobre o comportamento da elite política brasileira. Mas eleições
locais são movidas por temas locais, alianças montadas em função dos
conflitos e da história da política local. A não ser, claro, para João
Paulo Cunha, que é candidato a prefeito em Osasco, porque ele está
diretamente envolvido e o resultado do julgamento pode acabar com sua
candidatura. O estrago da imagem do PT já foi feito, o impacto maior
aconteceu nas próprias eleições de 2006. Independe do resultado do
julgamento e envolve outros elementos, como o pragmatismo que mudou a
rota daquele partido doutrinário dos anos 80 e 90. O eleitor brasileiro
não é tão partidário, no âmbito local, a ponto de punir o PT. O efeito
não deverá ser mais que marginal.
Valor: No Rio de
Janeiro, o atual prefeito conta com uma ampla coalizão e a expectativa é
de reeleição ainda no primeiro turno. O senhor compartilha dessa
expectativa?
Nicolau: Compartilho,
salvo se os adversários conseguirem tirar fotos comprometedoras de Paes,
como as do governador Sergio Cabral em Paris. São muitos candidatos com
perfil de classe média para cima, mas ninguém que se conecte com os
pobres. Em 2008, havia Marcelo Crivella. A não ser, também, que algum
dos outros candidatos, do PV, do DEM, do PSDB, do PSOL, acabe
descobrindo uma vocação para isso. Nenhum deles nunca foi testado em
eleições municipais e pode descobrir algo inesperado. Paes, por exemplo,
quando surgiu, era um candidato da zona sul, mas acabou ganhando graças
à zona oeste, onde está o grosso do eleitorado.
Valor: Marcelo Freixo tem sido a novidade no Rio. Ele pode se tornar um fenômeno durável ou é só uma onda passageira, como foi Gabeira?
Nicolau: O eleitor do Rio
não vê um candidato da esquerda realmente competitivo desde 1992,
quando Benedita da Silva disputou o segundo turno contra Cesar Maia.
Freixo vai desenvolver alguns temas, como a segurança pública, que é
eminentemente estadual, e o carisma pessoal, a renovação. Mas qual é a
agenda da esquerda para a cidade? Nem sabemos mais. Há 20 anos a agenda
administrativa, a gestão, domina a pauta.
Valor: Em Belo
Horizonte, Márcio Lacerda, do PSB, disputa a reeleição com uma coligação
que vai desde o PT, partido de seu vice, até Aécio Neves. Tudo isso
depois das disputas virulentas entre PT e PSDB em Minas Gerais.
Nicolau: O que determina
essa aproximação em Belo Horizonte é uma questão local, como sempre.
Aécio precisa obter sua tranquilidade estadual com uma aliança que possa
governar a capital. PT e PSDB fizeram campanhas ríspidas um contra o
outro na última eleição estadual, mas na capital do Estado estão juntos.
No nosso sistema partidário, o alinhamento do nacional com o local é
pequeno, embora esteja aumentando. A relação entre o nacional e o
estadual, com alianças replicadas nesses dois níveis, como houve em
2010, foi uma novidade em relação ao que acontecia nos anos 90, e
certamente ainda não é generalizada.
Valor: Em Salvador, Antônio Carlos Magalhães Neto lidera as pesquisas. O carlismo continua sendo dominante na Bahia?
Nicolau: O carlismo tinha
sido dado como morto pelos analistas, inclusive os baianos, na última
eleição. Vejo em ACM Neto um carlismo renovado. Não quero negar o
alinhamento familiar e a agenda tradicional, conservadora, de seu grupo
político. Mas ele é de uma outra geração, tem um outro discurso, tenta
se descolar do avô. Ele quer ser aquilo que o DEM não conseguiu ser, o
partido de classe média, liberal, que o PFL não era. E, mesmo naquela
época, o PFL ganhou algumas e perdeu outras. A gestão do carlismo era
tensa em Salvador, tinha até brigas internas. O domínio na capital nunca
foi óbvio. Salvador é uma das poucas cidades onde Lula sempre venceu. O
carlismo não tinha tanta força lá quanto no interior.
FONTE: VALOR ECONÔMICO (29/06/2012)
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