Entrevista concedida por Juca Magalhães a Elis Carvalho do jornal A Tribuna.
Achou que a pena de dezenove anos foi justa?
Acho
que a pena aplicada ao Narcizo foi justa. Injusto é o tempo que ela
levou para ser decretada. O réu tem amplo direito à defesa e todo tipo
de recursos para demonstrar sua inocência. Porém, o que teve a vítima
Maria Nilce e sua família por parte do Estado Brasileiro e da justiça
nesses 23 anos? Qual foi a resposta que tivemos? E a sociedade, o
conjunto de pessoas que forma o Estado do Espírito Santo, o que teve?
Como será que esse tipo de crime e sua flagrante impunidade repercute
para as pessoas de bem e para os criminosos? São questões a se ponderar,
não é? Todo esse processo envia mensagens para o povo: noção de ação e
reação, crime e castigo. Qual o recado que a justiça tem nos dado desde
então? Vendo por esse lado é uma situação socialmente lamentável e pode
seguramente ajudar a explicar o atual crescimento da violência.
Durante
seu julgamento o acusado Cezar Narciso disse que o crime de Maria Nilce
estigmatizou sua vida, que ele passou a ser conhecido em São Mateus –
cidade onde reside - como "o matador de Maria Nilce". Pois cabe
perguntar, qual foi o estigma da família de Maria Nilce desde então?
Quando um crime fica em aberto, sem solução, sem resposta concreta e
imediata abre-se campo para todo o tipo de especulações e comentários
maldosos que sempre querem desclassificar, curiosamente, a vítima. Por
que será que em Vitória Maria Nilce só é lembrada pela mídia como uma
pessoa "polêmica", para dizer o mínimo? Ora, ela era mãe, empresária,
uma mulher à frente de seu tempo. Era jornalista conhecida nacionalmente
por sua beleza e competência, tinha cinco livros publicados e escrevia
diariamente a coluna social mais lida do estado no momento em que morreu
(5 de julho de 1989). Então ela era só uma pessoa polêmica?
Como avalia a atuação da promotoria?
A
Dra. Carla Mendonça que atuou na promotoria do caso demonstrou ser uma
profissional firme, determinada e muito aplicada aos estudos. Basta
levarmos em consideração que ela teve apenas quinze dias para se
inteirar de todo o processo que é, para dizer o mínimo, quilométrico e
bastante intrincado. Sua atuação foi clara, direta e sem apelos emotivos
ou grandiloquentes. Muito diferente do advogado da defesa que por duas
ocasiões disse que não ia “denegrir” a vítima, mas o tempo todo olhava
para nosso lado como se pensasse em o fazer, parecia lamentar inibido
nossa presença. No pior destes momentos chegou a bater em cima do
processo e dizer algo como: se eu for falar o que tem sobre Maria Nilce
aqui... Deveria ter se concentrado mais em conseguir provar a inocência
de seu cliente que, por essas e outras, acabou condenado. Fico pensando
quantas vezes esses advogados “de porta de cadeia”, para encher lingüiça
em suas preleções de hora e meia, não ficaram falando bobagens e
inventando fofocas sobre Maria Nilce para desviar a atenção do júri e
emprestar um verniz de lógica aos crimes injustificáveis de seus
clientes.
Narcizo
vai continuar solto até a decisão final, pois respondeu todo o processo
em liberdade. Você teme uma fuga como ocorreu com Adreatta?
Não
entendo como pessoas que já foram claramente tipificadas como "ameaças à
sociedade" possam estar soltas livremente por aí. É o caso do mandante
condenado José Alayr Andreata e agora do Narcizo. Se formos pensar bem a
justiça põe a vida em risco dos jurados do processo, dos familiares da
vítima, da promotora. Ou será que não existe o perigo de sofrermos algum
tipo de coação, vingança ou represália? É assim que a justiça protege
os inocentes? Por outro lado essa condenação é importante, porque ela
esclarece e determina uma situação. Mesmo com o recurso, a partir
daquele momento a pessoa passa a ser não mais um acusado, mas um
condenado. E se empreender a fuga terá que viver uma vida na
clandestinidade sem os mesmos direitos de um cidadão de bem.
Hoje
temos livre um homem perigoso como o Ex-Delegado Claudio Guerra, que
tanto contribuiu para o tumulto das investigações desse caso. A
promotora Carla Mendonça relatou que várias peças e páginas do processo
do caso Maria Nilce simplesmente desapareceram ao longo desse tempo,
inclusive uma fita contendo a gravação e sua respectiva transcrição
feita com o pistoleiro José Sasso - morto em 1992 como “queima de
arquivo” - na qual ele confessava o crime e a participação de outros
acusados como o Andreatta. Essa gravação teria sido feita por um
policial civil conhecido como Pêjota que resolvera atuar como informante
da polícia Federal e que posteriormente foi também assassinado. Esse é
um crime “de repercussão nacional” que deixou um rastro enorme de outros
crimes, com um custo muito alto em vidas e reputações. O advogado de
defesa afirmou ter feito um cálculo, baseado em declarações de época, de
que o montante operacional do assassinato de Maria Nilce teria sido
orçado em mais de oito milhões e duzentos mil reais, atualizados os
respectivos valores.
Qual a expectativa pelo julgamento do Japonês em novembro?
Ontem
durante o julgamento do caso Maria Nilce, o acusado Romualdo Eustáquio,
o "Japonês", após conseguir adiar pela enésima vez a sua chance de
provar que é inocente, saiu jogando as mãos para o alto e clamando por
justiça divina. Eu digo Amém, só que nós da família de Maria Nilce
queremos a justiça terrena também! Não posso emitir juízo, quem tem que
fazer isso é a justiça no dia 06 de novembro, mas, esse tal "Japonês"
parece ser uma daquelas pessoas, que vez por outra vemos até em filmes,
que quando jovem se meteu com a "bandidagem" e fez um bocado de coisas
erradas; depois deu sorte de sobreviver ao passar dos anos - muitos de
sua época não conseguiram - constituiu família, empreendeu um negócio e
se estabeleceu como "pessoa de bem" e agora parece pensar não ter mais
que responder pelos erros que cometeu no passado. É uma situação triste,
sua família estava presente no júri prestando apoio. Agora, o grande
culpado de toda essa situação é o sistema judiciário brasileiro - e o
próprio acusado com as protelações que conseguiu - porque o tal Japonês
deveria ter sido julgado há mais de 20 anos e até hoje isso não
aconteceu. Inocente ou culpado? Quem vai determinar é a justiça.
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