O interessante é aprender a aceitar nossas limitações, ao mesmo tempo em que tentamos transcendê-las
IMAGINE UMA pílula que ofereça poderes intelectuais ilimitados, que cause uma avalanche de atividade neuronal, elevando o cérebro a um nível de percepção incomparável. Você toma aquilo e, por algumas horas, vira uma espécie de deus.
Essa é a premissa do novo filme "Sem Limites", dirigido por Neil Burger e baseado no romance de Alan Glynn. O enredo nos apresenta Bradley Cooper no papel de um escritor fracassado que é transformado num gênio pelos poderes de uma milagrosa droga psicotrópica.
Imagine se o cérebro tivesse um poder tremendo, uma capacidade ilimitada de percepção e dedução anestesiada pela rotina? O que chamamos de criatividade, de "insights" geniais, são meras fagulhas do que poderia ocorrer, a percepção de uma realidade que tudo engloba, uma nova dimensão da existência.
Será possível abrirmos as portas para essa realidade, libertando-nos da "trivialidade" a que somos acorrentados pelo uso de apenas uma fração do nosso córtex?
Na verdade, a ideia de que usamos apenas 10% do cérebro é um mito. Usamos o órgão por inteiro, cada parte com uma função bem conhecida. Caso contrário, teríamos evoluído de forma diversa, com cérebros menores e mais econômicos.
Portanto, o ponto não é ativar áreas adormecidas do cérebro, mas criar conexões mais eficientes entre os neurônios: o segredo está em aumentar o número de pontes entre eles, intensificar o trânsito, por assim dizer, criando novas ressonâncias que levem a um patamar mais elevado de consciência.
Será que uma pílula pode realmente fazer isso?
Ninguém sabe. Mas vejamos onde estamos hoje. Milhões de pessoas, incluindo crianças, tomam vários medicamentos à base de anfetaminas, todos estimulantes.
As drogas aumentam a quantidade de dopamina no cérebro, otimizando o foco e a atenção, a libido e o nível geral de eficiência cognitiva do paciente. Essas drogas são, de certa forma, versões simplificadas da NZT 48, a pílula mágica do filme: a ficção ampliando o que já existe. Será que a ciência pode chegar a algo assim? E, se puder, quem a tomaria?
Vemos aqui mais uma versão moderna da lenda de Fausto. Agora o Diabo veste as roupas da indústria farmacêutica, ou as de um traficante de drogas.
No romance "A Pedra Filosofal", de 1969, Colin Wilson imaginou um cenário semelhante: com o implante de eletrodos em pontos estratégicos do córtex pré-frontal, seria possível catapultar o cérebro a um nível de funcionamento inimaginável.
O "homem liberado" que resulta do experimento é transformado num profeta, num gênio, num deus, capaz de ver o passado e o futuro, de decifrar significados profundos sobre o Universo que as pessoas mais comuns nem sonham existir.
Será que nós podemos acender todas as luzes sem queimar o fusível central? Qual a vantagem de uma mente ilimitada?
No filme, as vantagens que temos permanecem: quem é mais inteligente continua mais inteligente. Talvez possamos extrair uma lição importante do filme e do livro: o que torna a vida interessante não é atingir níveis fantasiosos de percepção, mas aprender a aceitar nossas limitações ao mesmo tempo em que tentamos transcendê-las.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita
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