Os quase 20 milhões de brasileiros que me deram seus votos na eleição
presidencial do ano passado, possivelmente tinham em mente que até
poderiam não estar elegendo, naquele momento, a presidente da
República, mas, com certeza, estavam elegendo uma expectativa de
mudança profunda na política e na adoção do olhar socioambiental como
eixo estratégico de organização da sociedade e de estruturação do
Estado. Precisamos honrar o credito dessa expectativa, sob o risco
de, eu e o PV, nos transformarmos em devedores de credibilidade,
sonhos e esperança. Agora é o momento de mostrar com clareza e
sinceridade que vamos saldar nossa conta.
Construir no país uma nova força política significa muito e não se
pode confundir tal missão com cálculos imediatistas, nem com vaidades,
nem com candidaturas. Não podemos ignorar a oportunidade que a
sociedade brasileira nos deu de fazer História.
Agora é o momento de confirmar o que nos une, acima de divergências,
erros e dificuldades de comunicação. E de traçar, a partir daí, a
estratégia partidária que dialogue com a realidade política do país,
mas como pólo inovador e não como mais uma usina de atraso. A
esperança não pode ser traída pelas tentações do poder ou pela
acomodação aos hábitos, aos costumes, às facilidades. Não estamos
agora discutindo futuras candidaturas à Presidência da República ou a
quaisquer outros cargos. Estamos discutindo de que matéria essas
candidaturas serão feitas: da revitalização da essência democrática do
espaço público, ou de política convencional, sem conexão com a
sociedade, sem alma, sem causas.
Estamos discutindo aquilo que colocamos em perspectiva lá no início da
campanha política de 2010, ou seja, a promessa de reestruturar o PV e,
a partir de sua democracia interna, sua postura e seu programa, arejar
a cultura política brasileira e apresentar propostas de
desenvolvimento compatíveis com o que se espera no futuro, no século
21. Hoje, não há outro assunto mais importante do que esse, porque
ainda não nos acertamos, nos detalhes, para seguir nessa direção. E se
não é esta a direção, estaremos nos desconstituindo enquanto promessa
e negando a própria gênese do PV no mundo.
Muitas vezes falei – falamos – da insatisfação da sociedade, da
frustração da juventude com a incapacidade do sistema político para
promover o bem-comum e para gerar dinâmicas democráticas verdadeiras
em todas as esferas do processo de tomada de decisões de caráter
público. Falei, falamos, dos avanços sociais, democráticos e
econômicos conquistados com o processo de redemocratização do país,
principalmente de FHC a Lula, mas também falei e falamos da
necessidade de ir adiante na prática política e na concepção e
prioridades do desenvolvimento.
O centro vital propositivo de nosso programa moldou-se a partir de
três fontes poderosas de significados: a sustentabilidade, a educação
e a renovação política. Não podemos abrir mão de nenhuma delas, ou
gangrenamos. Em especial, se deixarmos de lado a renovação política
dentro do partido, acabou-se a moral para falar de sonhos, de ética,
de um mundo mais justo e responsável com o meio ambiente. Podemos até
continuar falando, mas soará falso, como voz metálica de robô.
É impossível negar os problemas. É preciso termos mútua tolerância e
respeito à nossa diversidade; é imprescindível termos a paciência para
o desconstruir/reconstruir responsável e paulatino. Só não podemos
deixar de fazer ou abrir mão do que é essencial. E essa é uma decisão
coletiva a ser tomada com clareza, à luz do sol, sem nenhuma dúvida. E
a clareza se constrói no cotidiano de nossas pequenas ações e
intenções, debruçando-nos, dentro do partido, sobre os passos
necessários para atingir aquilo que pregamos para fora: a mudança. Não
há como recuar de nossa própria reforma política, e há que encará-la
com a coragem e o desprendimento que faltam ao sistema como um todo.
Esse novo jeito de fazer política requer enfrentar a crise geral pela
qual passam os partidos, que de instrumentos de representação e avanço
social cristalizaram-se como máquinas burocráticas, amorfas e voltadas
para a conquista do poder pelo poder, muitas vezes não importando os
meios, e abandonando a disputa programática pela simples disputa
pragmática.
Em contraposição, podemos criar um partido em rede, capaz de dialogar
com os núcleos vivos da sociedade para realizar as transformações de
uma forma radicalmente democrática. E a disposição do Partido Verde
não pode ser menor do que iniciar, nele mesmo, esse movimento de
mudança.
Temos que chegar a uma proposta que reflita esse destino histórico
escolhido, apregoado e aceito e abraçado por quase 20 milhões de
pessoas.
Considero esse projeto que emergiu da campanha eleitoral de 2010 como
um legado. Não é uma espécie de espólio a ser dividido entre
herdeiros, mas, sim, um conjunto de propostas que podem e devem ser
apropriadas pela sociedade e até mesmo por outros partidos e
políticos. Meu maior desejo e, creio, de muitos novos e antigos
filiados que participaram ativamente dessa campanha, é que o PV
discuta profundamente o significado dessa eleição e incorpore novas
práticas ao seu longo e rico percurso de construção partidária.
Por isso, parecia natural que o caminho adotado na reunião da
Executiva Nacional, em Brasília, fosse o da adoção inconteste do novo
jeito de fazer política. Mas essa não foi a tônica. Ao contrário, a
decisão da Executiva Nacional de ampliar seu mandato por até um ano e,
assim, postergar qualquer mudança endógena imediata, vai na contramão
do que foi dito na campanha e do compromisso feito perante o país.
A ampliação do mandato, segundo seus proponentes, é necessária para a
realização de seminários, discussões e aprovação de propostas de
democratização do partido. Não creio que o aprofundamento da
democracia possa ser feito através da supressão, mesmo que temporária,
da pouca democracia ainda existente.
No PV, a maiorias das Executivas Estaduais são provisórias, designadas
pelo presidente do partido. O mesmo acontece com a totalidade das
Executivas Municipais, designadas pelos presidentes estaduais.
Praticamente não há convenções municipais e estaduais ou eleições
diretas de dirigentes. Esses mecanismos provisórios têm sido vistos
como forma de proteger o partido de atitudes oportunistas e da pressão
do poder econômico. Agora, eles nos isolam da sociedade, nos
fragilizam no que pode nos tornar mais fortes que é a nossa coerência
e não nos protegem nem de nós mesmos.
Quero participar das discussões para propor formas mais democráticas
de organização partidária, juntamente com todos que estiverem de fato
motivados a abrir o partido para a energia revitalizante que vem da
sociedade. Lembro que a proposta de adequar o PV a esses novos tempos
foi feita pela própria Executiva Nacional, quando do convite feito a
mim para ingressar no partido. Ouvi do próprio presidente que a
atualização programática e democratização do PV já eram um movimento
em curso, uma determinação da própria direção e, acrescento agora, uma
imposição da realidade, um desaguadouro natural dos 25 anos de Partido
Verde no Brasil.
Por isso, o que está em jogo é se o PV vai fortalecer tudo de positivo
que foi construído nesses 25 anos, afastando de vez a zona sombria que
ainda envolve o partido. Se beberá da fonte do impulso criativo de
milhões de jovens, homens e mulheres que voltam a se apaixonar pela
política e se dispõem a colaborar com os verdes. Se vai pegar a trilha
civilizatória que se abre no mundo todo, apesar das forças
reacionárias de todo tipo que teimam em manter seus status quo à custa
de um futuro melhor para a humanidade e para o planeta.
Estou no PV não como plataforma para candidaturas. Estou porque o
respeito e vi no partido, pela sua história e pelo que conversamos
antes de minha entrada, uma coragem, um arejamento, um frescor juvenil
no melhor sentido de ousar mudar, de querer o aparentemente
impossível. Reafirmo meu desejo de permanecer neste Partido Verde,
contribuindo para o seu crescimento e qualidade política. Estou
confiante que a militância verde, seus amigos e simpatizantes, além de
todas as pessoas que querem o jeito novo de fazer política,
contribuirão para o reencontro do PV consigo mesmo. Tenho plena
convicção, como dizia Victor Hugo, de que forte é “a idéia cujo tempo
chegou”. Não vamos deixar o nosso tempo passar. Ele está aqui, em
nossas mãos e em nossos corações
Marina Silva, 53, ex-senadora do Acre pelo PV, foi candidata do
partido à Presidência da República nestas eleições e ministra do Meio
Ambiente do governo Lula (2003-2008).
http://www.transicaodemocratica.com/politica/o-tempo-do-pv/
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