domingo, 24 de abril de 2011

Todos Querem Um Reich de Vinte Anos (José Roberto Bonifácio)

[Versao Preliminar]

Em agosto do ano passado o cientista politico Bolivar Lamounier publicou no jornal O Estado de S. Paulo um artigo sugerindo que o Brasil corria um risco de passar por um processo de “mexicanização” (1), isto e de oligarquizacao de suas instituicoes politicas e de graves constrangimentos a competitividade eleitoral dos partidos oposicionistas. Por outro lado, certas declaracoes do ex-presidente Luis Inacio Lula da Silva no sentido de que o PT permanecera 20 anos no poder (2), ao longo da ultima semana, reacenderam a polemica. Estaria o Partido dos Trabalhadores prestes a tornar-se um novo PRI (Partido Revolucionário Institucional)?

O objetivo deste artigo e esmiuçar determinados aspectos da tese veiculada por aquele autor em nosso processo politico e institucional, bem como iluminar uma serie de implicações para a o debate politico e a maneira como isto repercutira sobre o perfil, a qualidade e a solidez da nossa democracia no futuro.

Temos motivos para temer profecias institucionais como esta, assim como outras tais como “venezuelização”, “argentinização” ou de "colombianização", não necessariamente pelo conteúdo imanente de sua mensagem. Nossos temores derivam mais do fato ubíquo na vida social de que de algum modo elas podem se auto-realizar. Uma vez que venhamos assumir uma idéia ou percepção como um risco real à nossa democracia e nos mobilizarmos coletivamente para detê-la isto nos leva, inadvertidamente, a fomentar o que alguns denominam "complexo de sublevação"(3) e outros chamam "atentado institucional" (4).

Ha motivos e evidencias para pensar que tais ameaças, reais ou imaginárias, de parte dos adeptos e seguidores do lulopetismo e dos seus adversários é que os leva a buscarem a autoperpetuação no poder, dados os baixos custos de supressão vis-à-vis os altos custos de tolerância envolvidos nesta reiterada interação entre os campos da situação com os da oposição e vice-versa.

Também já ouvimos muito falar da "arenização" (termo em voga nos anos 70, na época da transição “lenta, gradual e segura”) e também da "estadonovização" (época atual)(5) como congêneres ao que hoje chamamos "mexicanização". Parece que já temos uma longa tradição literária acerca da "técnica do golpe de Estado", de base científica ou não.

A questão que parece ser necessário discutir é que os temores institucionais vem se difundindo e se enraizando no imaginário coletivo dos intelectuais brasileiros como uma espécie de patologia desde que Lula assumiu a presidência em 2003, isto é, apenas um ano antes do quadragésimo aniversário do "atentado institucional" (a maioria hoje diz "golpe", mas há ainda quem já tenha chamado de "revolução" e há um crescente número, influenciado pela trilogia lançada pelo jornalista Élio Gaspari a partir do limiar da década passada, que intitule este evento de "contragolpe")(6) que findou a democracia de 46/64. Muitos foram os cientistas sociais que encararam a Crise do Mensalão em 2005 como uma espécie de "golpe branco" das elites políticas supostamente enciumadas com o "sucesso" do governo petista, que na época era incerto ou ao menos não tão evidente.

O que se pretende afirmar aqui é que estes temores e expectativas são simétricos tanto entre os lulistas quanto entre os não-lulistas, e a idéia do "Reich de Vinte Anos"(7) alimentada por mentalidades políticas formadas, ironicamente, durante os "anos de chumbo" (ninguém ignora que Dirceu e Serjão Motta estiveram juntos em Ibiúna naquele famoso congresso da UNE...) talvez (digamos talvez, dada a magnitude da incerteza potencialmente envolvida) não decorra tanto de um apego inato ao poder ou à riqueza, ao status adscritivo recém-adquiridos, mas do temor de um aniquilamento na rodada subseqüente. Do mesmo modo, como se atribuiu a FHC o papel de "exterminador" dos movimentos sociais na década de 90 (o que era parcialmente verdadeiro dada a transformação das expectativas gerada pelo Plano Real e pela estabilidade) hoje tal papel cabe ao “Sapo Barbudo” com relação aos partidos oposicionistas, PSDB, PPS e DEM.

A debilidade de nossas oposições na atualidade e derivada de fatores endógenos e exogenos. Primeiro, nao ha incentivos para os politicos irem contra o governo federal. Segundo, ha um passivo de fracassos e negatividades associado ao PSDB e ao DEM que o lulismo manipula muito bem e deles extrai sua razão de ser. Terceiro, o governo age decisivamente para manter desunido o centro da direita e coopta facções de ambos de maneira sistemática, de maneira a cimentar seu próprio bloco histórico e inviabilizar outros projetos de poder tanto dentro quanto fora do seu próprio campo.

Usei a expressão "cientistas sociais" acima no sentido lato para abranger uma serie de analistas e estudiosos do processo político brasileiro e internacional que desencadearam uma verdadeira onda de pânico e histeria institucional, como se estivéssemos vivendo novamente o pesadelo (ou o sonho para alguns...) dos últimos dias de Jango... E aquelas previsões geraram implicações concretas na forma de uma unificação do campo lulopetista e uma mobilização geral de todas as facções partidárias em defesa do que supunham ser um "golpe branco" (8) contra seu presidente. Não havia base fatual para aquilo dada a heterogeneidade e as divergências quase estruturais e arraigadas no campo das oposições e ainda assim o petismo comportou-se como se a ameaça fosse real.

As teses da "mexicanização" e da "estadonovização", ainda que não se pretenda exagerar seus poderes preditivos, por outro lado, tem base factual SIM na forma da distorção ou estrangulamento das bases da competição política, na forma de processos que podem durar décadas e modificar de um modo muito perene e talvez perverso nossa democracia. A similitude com a tese do "golpe branco" e dos "atentados institucionais" é do ponto de vista LÓGICO e que isto fique bem claro.

Por outro lado, não comparamos PT e PSDB enquanto partidos ou organizações, mas determinados aspectos do imaginário político do qual deriva o pensamento político e a ação estratégica de ambos, daí a referencia a ao esquecido vinculo biográfico entre Sergio Motta e a José Dirceu... Do mesmo modo, ao criticar racionalmente a tese da "mexicanização" supomos haver uma simetria fundamental com a tese do "golpe branco" nos mesmos e diversos outros, tal qual o cientista político Jairo Nicolau (9) combatera outrora.

A mesma busca anular um cenário apocalíptico mediante a simples conjuração de sua imagem nefasta. É bem verdade, que o primeiro argumento profético é coerente com uma serie de teorias que vem emergindo para explicar o atual momento político como a tese da "estadonovização" (proposta ironicamente por alguns que outrora eram propugnadores da tese do "golpe branco"... (10)) etc que vem ganhando cada vez mais adeptos, dentre os quais o próprio FHC em seu artigo mais recente (11).

O saldo da analise depõe contra um antigo dito do cientista politico e Francisco Weffort (12), o qual dizia que as esquerdas somente aprenderam a ser democráticas apos a experiência do Ato Institucional 05 (AI 5). Aquele grave episodio de encurralamento das forcas de resistência ao regime de exceção teriam deixado marcas duradouras segundo a visão do ex-ministro da Cultura do governo Fernando Henrique, mas, pelo que se observa, não teriam sido o suficiente para moldar preferências consistentemente democráticas, ao menos não na acepção destas como uma propensão deliberada ao risco envolvido no convívio entre situações e oposições ao longo de uma sucessão de períodos eleitorais incertos (13).

Enfim, o que vimos são apenas afinidades eletivas entre campos opostos e nada mais que isto de maneira que, se este paper tem ajudado as pessoas a enxergarem isto, então terão alcançado sua meta.



Notas:

(1) BOLÍVAR LAMOUNIER. A 'mexicanização' em marcha. O Estado de S.Paulo - 24/08/10.

2) Entrevista exclusiva para o "Seu Jornal" com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, presidente de honra do PT .

(3) REIS, F. W. Consolidação democrática e construção do estado: Notas Introdutórias e uma Tese. In: REIS & O’DONNELL (org.). A Democracia no Brasil: dilemas e perspectivas. São Paulo: Vértice. 1988, p. 13-14.

(4) A expressao foi cunhada por Wanderley Guilherme dos Santos e tem sido empregada significativamente em diversas das suas obras, especialmente: Sessenta e quatro: anatomia da crise - de Wanderley Guilherme dos Santos. São Paulo, Vértice, 1986; Quem Dará o Golpe no Brasil ? In Cadernos do Povo Brasileiro, PINTO, Álvaro Vieira e SILVEIRA, Ênio (organizadores), volume cinco. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, fevereiro de 1962. Disponivel em: ; e Regresso. Máscaras institucionais do liberalismo oligárquico. Rio de Janeiro, Opera Nostra Ed., 1994 . Vejamos um breve levantamento destes nos paises da America Latina em LABORATÓRIO DE ESTUDOS EXPERIMENTAIS (LEEX). Datas de Atentados Institucionais para 19 países da América Latina, entre 1900 e 1997. .

(5) Luiz Werneck Vianna. País vive “Estado Novo do PT”. Especial para Gramsci e o Brasil- Julho 2007. .

(6) A Ditadura Envergonhada, volume 1. Coleção As Ilusões Armadas, São Paulo: Companhia da Letras, 2002; A Ditadura Escancarada, volume 2. Coleção As Ilusões Armadas, São Paulo: Companhia da Letras, 2002; A Ditadura Derrotada, volume 3. Coleção O Sacerdote e o Feiticeiro, São Paulo: Companhia da Letras, 2003;A Ditadura Encurralada, volume 4. Coleção O Sacerdote e o Feiticeiro, São Paulo: Companhia da Letras, 2004.

(7) BEIRAO, , Nirlando, PRATA, José & TOMIOKA,Teiji. Sergio Motta: O Trator em Acao. São Paulo: Geração Editorial, 1999., pp. 113-114.

(8) Wanderley Guilherme dos Santos. O "lacerdismo" transferiu domicílio eleitoral para São Paulo. Valor Econômico do dia 2 de junho de 2005. ; Maria Inês Nassif. Efeito colateral do neo-udenismo de Serra. Valor Econômico...

(9) Jairo Nicolau. Golpe branco tem fundamento fabulário.O Estado de S. Paulo, 22/06/05.

(10) Ver: Maria Cristina Fernandes."A outra Era Vargas", por Wanderley Guilherme. Valor Econômico - 25/03/2011. .

(11) CARDOSO, Fernando Henrique. O Papel da Oposição. Disponivel em: .

(12) WEFFORT, Francisco. Por que democracia? 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1984.

(13) PRZEWORSKI, A. Amas a incerteza e serás democrático. Novos Estudos , CEBRAP,São Paulo, jul, 1984, p. 37, 38 e 41.

Obs.:José Roberto Bonifácio graduou em Ciências Sociais na Ufes. Não sei o que está aprontando no RJ, só sei que é um dos meus interlocutores preferidos nas redes sociais.

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