sexta-feira, 15 de abril de 2011

Um campo político fragmentado (Silvio Caccia Bava)

Fui convidado, recentemente, a participar de algumas discussões em privado que me chamaram a atenção. Elas tentam romper o que se poderia identificar como a interdição de um debate sobre a política e seus atores, sobre o futuro do país. Com formulações instigantes, essas discussões apontam impasses e desafios que não aparecem na cena pública.

Não existe mais uma esquerda no Brasil. Não existem partidos políticos que defendam rupturas com a ordem instituída. Os sindicatos estão desmobilizados e sem capacidade de pressão. Os movimentos sociais, criminalizados, ou se acomodaram com o pouco que lhes foi concedido ou estão isolados e sem forças. O que antes era reconhecido como um campo político popular e democrático, com peso político para influir nas decisões nacionais, está fragmentado e sem capacidade de falar para o conjunto da sociedade ou influir nas decisões de governo.

Essa avaliação, com pequenas variações, está sendo produzida por pequenos grupos de militantes sociais e políticos que se formam aqui e ali, inconformados com a ausência de um projeto estratégico de transformação social para o Brasil, e que começam a discutir, de uma maneira molecular e atomizada, como criar condições para que o tema seja retomado e se coloque de uma maneira mais ampla em nossa sociedade.

Eles se perguntam qual o Brasil que queremos para daqui a 20 anos. Conseguiremos superar esse enorme fosso da desigualdade entre uma grande maioria pobre e a minoria super-rica? Conseguiremos interromper a devastação ambiental que o modelo atual de desenvolvimento provoca? Conseguiremos construir um Estado democrático capaz de impor uma regulação e limites à voracidade do capital, um controle público sobre o mercado? Qual o lugar e o papel da cidadania – organizada em suas associações, sindicatos, entidades, movimentos sociais – na definição do futuro de nosso país?

O fato é que há um reconhecimento de que não há uma disputa pública por alternativas de desenvolvimento. Nem mesmo os candidatos à Presidência nas últimas eleições registraram planos de governo. Os partidos políticos não incorporaram nem o ambientalismo nem o feminismo e continuam chamando de desenvolvimento o que nada mais é que crescimento econômico.

O que era uma tradição no campo das esquerdas, as análises de conjuntura, não se fazem mais. A produção do conhecimento que permitia orientar a ação política está debilitada. Como interpretar então as contradições deste momento, buscar produzir as pequenas e grandes rupturas que abram espaço para o novo? Afinal, quem são hoje os protagonistas da transformação social?

Aparentemente, segundo esses pequenos grupos, o cenário é desolador. O diagnóstico das razões dessas fragilidades está na incapacidade de se exercer a crítica às políticas que reafirmam a exclusão social e política das maiorias, assim como a concentração da riqueza e a produção da desigualdade. A produção de conhecimento é identificada como a questão nevrálgica. E as dificuldades residem na ausência de uma reflexão teórica e coletiva, o que priva esses militantes de um ferramental analítico indispensável para a formulação de alternativas.

Anticapitalista, antipatriarcal, antirracista, anti-homofóbica. Essa é a plataforma mínima da qual partem as discussões. Há uma compreensão de que as atividades econômicas, para que tenham como objetivo satisfazer às necessidades das pessoas, precisam superar o modelo de desenvolvimento que coloca o lucro como o objetivo máximo da produção de bens e serviços. E essa mudança só se consegue com muita pressão social, com amplas mobilizações, com controle social sobre os governos e as políticas públicas.

Há um reconhecimento de que as formas de opressão que garantem o funcionamento desse modelo se fundam em discriminações que criam os cidadãos de segunda categoria, com destaque para o lugar que nossa sociedade reserva para as mulheres e os negros. Isso só se supera com muita democracia e participação cidadã.

Como dizia Amilcar Herrera, “é óbvio que o novo desenvolvimento não pode levar-se a cabo com as estruturas capitalistas prevalecentes na maioria dos países em desenvolvimento, baseadas no benefício privado e na exploração da maioria da população”.1

É interessante observar qual é a aposta destes pequenos grupos que hoje se reúnem em privado: se eles se multiplicarem e levarem estes temas para o debate público, a produção do conhecimento pode articular um novo campo político popular e democrático.

Silvio Caccia Bava é editor de Le Monde Diplomatique Brasil e coordenador geral do Instituto Pólis.
Notas
1 Amilcar O. Herrera; “A geração de tecnologias nas zonas rurais”; in Tecnologia Social; ferramenta para construir outra sociedade, Renato Dagnino (org), Campinas, Ed. Komedi, 2010.

Nenhum comentário:

Postar um comentário