"Excesso de adesão" é problema para Dilma, diz analista
Professor vê "peemedebização" na política do país e diz que presidente precisará rever acordos feitos por Lula
Para Marcos Nobre, será impossível manter compromissos com partidos, sindicatos, bancos e empresários
UIRÁ MACHADO
DE SÃO PAULO
O recém-criado PSD, definido por seu artífice, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, como um partido "nem de direita nem de esquerda nem de centro", é a maior expressão da "peemedebização" que o professor de filosofia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Marcos Nobre, 45, observa na política brasileira.
O peemedebismo, diz Nobre, é uma herança dos anos 80 que combina adesismo e lógica do veto (ou seja, fazer política é mais vetar propostas do que formulá-las).
Na entrevista a seguir, Nobre ainda explica por que a presidente Dilma Rousseff precisará renegociar os generosos acordos feitos por Lula: "Ela vai ter que mostrar que não há espaço para todo mundo". Para ele, o "passivo político" herdado de Lula é "quase inadministrável".
Como vê a decisão do Supremo que anulou a validade da Lei da Ficha-Limpa?
O episódio mostra claramente o que acontece quando a sociedade e o sistema político estão divorciados.
Não é à toa que o STF se dividiu: ficou entre um sistema político fechado sobre si mesmo, uma sociedade que não se vê politicamente representada e a tradição interpretativa da Constituição.
Não é nem "judicialização da política" nem "politização do Judiciário": é uma cultura política peemedebizada.
Em que sentido?
O peemedebismo -que não se confunde com o PMDB, embora este partido seja sua ponta mais visível- tem como característica estar no poder o tempo todo. É uma cultura política que evita o confronto aberto e opera com uma lógica de veto.
Ou seja, os grupos se organizam para, nos bastidores, conquistar o direito de vetar determinadas posições. Não há um discurso positivo, não há uma tentativa de formar maioria e partir para o confronto. O que há é o veto e a tentativa de contornar os vetos. Há um bloqueio das discussões públicas que dissocia a política da sociedade.
Esse modelo político, que se iniciou na década de 1980, havia perdido espaço no governo Fernando Henrique Cardoso, mas retornou com força após o mensalão.
Por quê?
O Plano Real organizou a política em dois polos: PSDB e PT. No centro, o peemedebismo, comandado pelo polo vencedor. Depois do mensalão, os dois principais partidos mudaram, perderam consistência.
O mensalão levou Lula a se afastar do modelo polarizado e estabelecer o poder num centro difuso.
A diminuição do confronto permitiu que a lógica do peemedebismo retomasse um papel central. O fim da polarização é a vitória do peemedebismo.
Como a presidente Dilma lida com o problema?
O problema de Dilma é que ela recebeu um passivo político quase inadministrável.
Como assim?
Ela recebeu uma quantidade enorme de acordos feitos por Lula, e todos muito generosos. São acordos com centrais sindicais, partidos, empresários, mercado etc. Mas Dilma não tem como manter todos. Há um limite.
Se todo mundo está dentro e se todo mundo pode vetar propostas, o resultado é a paralisia. Isso é preocupante, porque são necessárias medidas na área econômica para conter um cenário de inflação e porque o país precisa andar no que diz respeito à infraestrutura.
Dilma vai ter que comprar briga com setores trazidos para o governo por Lula?
Vai ter que mostrar que não há espaço para todo mundo. Vai ter que renegociar esses acordos por um preço mais baixo. Não é brincadeira, tanto que ela coloca o peso do início do mandato nessas negociações.
Foi assim com as centrais sindicais. Está sendo assim com o mercado financeiro, embora ainda não esteja claro o que ela vai fazer.
Aparentemente, tem mais gente querendo aderir...
Pois é, mas alguém tem que ficar de fora. E esse é o problema de [Gilberto] Kassab [prefeito de São Paulo]. Quem for para o novo partido [PSD] pensando em aderir ao governo Dilma vai perder a viagem. O problema de Dilma é o excesso de adesão.
Ou seja, o PSD é mais um resultado do peemedebismo?
Exatamente. É a maior expressão do peemedebismo. É a banalização da política. É um partido com discurso anódino, sem consistência, que gosta de se afirmar sem posição ideológica definida.
RAIO-X
MARCOS NOBRE, 45
FORMAÇÃO
Mestrado e doutorado em filosofia pela USP e pós-doutorado na Universidade de Frankfurt (Alemanha)
ATUAÇÃO É pesquisador sênior do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e professor do Departamento de Filosofia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)
Nenhum comentário:
Postar um comentário