sexta-feira, 8 de abril de 2011

O discurso da oposição - parte 1 (Alberto Carlos Almeida)

Em entrevista na TV no dia 22 de dezembro de 1988, David Brinkley fez a seguinte pergunta ao então presidente Ronald Reagan: existe alguma coisa que você tenha aprendido quando foi ator que esteja sendo útil no exercício da Presidência? Reagan respondeu: às vezes eu me pergunto como alguém pode ser presidente sem antes ter sido ator. Esse episódio está registrado no livro de Fred I. Greenstein "The Presidential Difference". Reagan foi muito claro na resposta: os grandes papéis políticos exigem uma forte dose de teatralidade. O grande político, o estadista, é de fato um ator.

Registre-se aqui a crítica e oposição de Lula em 1994 ao Plano Real batizado pelo PT de o Plano Cruzado dos ricos, em uma referência direta à popularidade que teve o Plano Cruzado entre a população pobre. Lula lutara a vida inteira contra a inflação; no momento em que ela despenca Lula faz oposição ao plano que a derrubou. A postura de Lula foi a postura de um ator à la Ronald Reagan. Afirma-se que, na época, em caráter privado, Lula admitia que o Plano Real estava sendo bom para o país e para os mais pobres.

Não há incoerência entre as duas posturas de Lula. Como cidadão ele considerava que o Plano Real era um sucesso e alcançava aquilo de que o país precisava: uma redução significativa da inflação que corroía o poder de compra dos salários. Contudo, quando vestia o papel de oposicionista, Lula não poderia admitir jamais o sucesso do Plano Real. Lula estava agindo como um ator, Lula estava falando para a plateia. Ele desejava deixar claro para o eleitorado que o governo sofria oposição, e que a oposição era ele e o PT. Em 1994 a estratégia oposicionista fracassou, Lula foi derrotado fragorosamente no primeiro turno. A história que se seguiu todos conhecemos: Lula e o PT continuaram a fazer oposição incessante ao governo, jamais oposição responsável. Eles foram premiados com a vitória eleitoral em 2002, quando o governo estava muito mal avaliado.

Em novembro de 1997, durante o primeiro mandato de Tony Blair, o governo trabalhista britânico decidiu dar independência operacional ao seu banco central, o Bank of England. A partir dali, ele teria total autonomia frente ao governo para aumentar juros com o objetivo de combater a inflação. Tão ou mais impressionante do que essa medida foi a reação do Partido Conservador: ele fez oposição (sem ser responsável). O então líder do Partido Conservador, Ken Clarke, afirmou que aumento de juros resultariam em redução de empregos. Por isso, a autonomia do Bank of England não era bem-vinda.

Eis mais um exemplo da necessidade de ser um ator antes de ser um político. É bem provável que Clarke e outros importantes líderes "tories", em caráter privado, reconhecessem o acerto da decisão dos trabalhistas. Todavia, no papel de oposicionistas eles jamais poderiam admiti-lo. Os conservadores tiveram e têm agora a chance de desfazer a autonomia de seu banco central, agora eles estão no governo com David Cameron. Por enquanto, nada. A autonomia está mantida. Trata-se de uma prova adicional de que o discurso oposicionista era para a plateia, era um ato teatral e útil na disputa política.

De 1980, ano de sua fundação, até 2002, o PT foi só oposição ao governo federal. Foram 22 anos de oposição. O PT foi fundado em torno de uma ideia geral: defender os trabalhadores, defender os assalariados e melhorar as condições sociais da população brasileira. O PT foi fundado em torno de uma ideologia: mais intervenção do governo para melhorar a vida das pessoas, mais governo para conduzir a economia e investir no social. O PT não nasceu como um partido contra outro partido. Na época de seu surgimento, existiam partidos contrários à ditadura militar, como também o partido que a apoiava. É claro que o PT era contra a ditadura, mas não foi esse o principal motivador de sua fundação. Repito, a principal motivação estava em torno dos valores de esquerda, de intervencionismo estatal com a finalidade de distribuir renda em favor dos mais pobres.

A noção de que o PT nasceu em torno de uma visão de mundo, e não por conta de uma dissidência partidária, é importante para entender como o partido ficou 22 anos fazendo oposição. A oposição feita por pouco mais de duas décadas tinha um fio condutor: a defesa dos trabalhadores de um ponto de vista de esquerda. Foi por isso que o PT bateu duro no FMI, fez plebiscito contra a dívida externa, defendeu a redução da jornada de trabalho, foi a favor de aumentos reais para o salário mínimo, afirmou que Collor, ACM e Jader Barbalho eram farinha do mesmo saco, opôs-se à adesão de Erundina ao governo Itamar etc.

Cada ação isolada de oposição do PT pode ser remetida a essa ideologia geral de defesa dos interesses dos trabalhadores. Ao defender essa ideologia, o PT conferiu narrativa à sua oposição. Em outras palavras, a oposição feita pelo PT não foi uma história desconexa, mas uma história com início, meio e fim. Sempre houve valores por trás de cada ação oposicionista, sempre houve uma visão de mundo ou uma ideologia que guiou os 22 anos de oposição.

Está composto o quadro teatral da política: é preciso que haja um ator e é preciso uma narrativa. O ator representa em público e a narrativa é seu conjunto de crenças. A oposição de hoje, para ter sucesso, não precisa ir longe. Precisa, sim, seguir a lição do PT, mas com o sinal trocado. Da mesma maneira que um importante pilar ideológico do Brasil é composto por milhões de brasileiros que acreditam que para melhorar de vida precisam da ajuda do governo, há também outros tantos milhões de brasileiros que pensam o oposto disso. Eles acham que para melhorar a vida o governo tem que deixar de atrapalhar.

Ao privatizar, o governo de Fernando Henrique estava retirando o Estado da vida das pessoas. Exatamente por isso a vida melhorou. Por exemplo, com menos governo aumentou a oferta de telefones. Há muitos outros exemplos dessa ideologia simples e forte que foi levada a cabo de forma muito prática durante os oito anos do governo Fernando Henrique: diminua-se o governo que a vida das pessoas melhora. Eis o valor que deve guiar a oposição contra um governo que pensa exatamente o contrário disso. Eis o fio condutor de uma oposição sem tréguas.

Com essa ideologia como guia é possível apresentar várias críticas, todas com apelo eleitoral, ao governo Dilma. Eis os discursos possíveis:

1) para reduzir a inflação que vem corroendo o poder de compra da população é preciso que o governo gaste menos; assim, é preciso cortar mais do que os R$ 50 bilhões prometidos pelo governo;

2) Dilma e Lula são ambos farinha do mesmo saco. Nos dois governos o que mais acontece é aumento de impostos; somente na semana passada o governo Dilma aumentou três impostos: bebidas frias, IOF para compras no exterior e IOF para obtenção de empréstimos no exterior. Saiba, eleitor, que no fim das contas mais imposto significa menos dinheiro no seu bolso, é sempre você que no fim paga os impostos que o governo aumenta;

3) os aeroportos do Brasil estão em crise pelo mesmo motivo que havia crise na nossa telefonia; assim, vamos privatizar a aviação brasileira; dessa forma, você terá acesso a mais voos e mais aeroportos;

4) em oito anos e três meses de governo, o PT não reduziu os impostos que incidem sobre a folha de pagamento. Se isso for feito, serão gerados mais e melhores empregos, mais gente será contratada com carteira assinada. Agora que o governo passou a falar nesse assunto, é preciso aprovar quanto antes essa medida; e

5) quanto mais o governo interferir na vida das empresas, menos elas vão empregar. Por isso, é um absurdo que o governo influencie na escolha do presidente da Vale.

Todos os exemplos estão costurados por uma ideologia clara: quanto menos governo, mais a vida das pessoas vai melhorar. O maior emblema desse tipo de discurso é a redução de impostos. Aliás, a pesquisa publicada recentemente pela CNI mostra que o governo Dilma tem sua pior avaliação justamente no tema dos impostos. Causa espanto que na semana anterior tenham sido instituídos três aumentos de impostos de uma só vez e nenhuma voz de destaque na oposição tenha criticado essas medidas.

Outros aumentos de impostos virão. Criticá-los é o mesmo que defender a sociedade. Criticá-los é o mesmo que fazer oposição. Tudo indica que a próxima vítima, provavelmente sem grande resistência de sua futura diretoria, será a Vale. Quem vai defender a Vale? Quem vai defender o modelo de administração que levou a empresa a trazer os benefícios que trouxe para o Brasil? No momento, só a oposição poderá fazer isso, mas uma oposição que tenha clara para si que defende, mesmo que teatralmente, a ideia geral de que quanto menos governo há na vida das pessoas, mais as pessoas são capazes de atingir seus objetivos.

Esse discurso foi testado, ainda que uma parte pequena dele, às vésperas da última eleição presidencial. Praticamente 90% dos eleitores disseram que votariam em um candidato a presidente que defendesse a redução de impostos. Essa proporção cai para 55% quando se pergunta se a redução de impostos seria aceita mesmo se isso implicasse a diminuição de benefícios sociais. O mais importante desse dado é que ele mostra que um enorme contingente de brasileiros apoia a redução de impostos, isto é, menos governo em suas vidas, mesmo que o "trade off" seja negativo: menos benefícios sociais.

A defesa da redução do tamanho do governo como maneira de melhorar a vida das pessoas encontra apoio social amplo, inclusive em segmentos expressivos da base de nossa pirâmide social. Esse seria o primeiro passo de uma oposição contínua (e não responsável) ao PT. Os passos seguintes serão abordados no próximo artigo.

Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: Menos Imposto, Mais Consumo"

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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