O problema do PSDB é que a memória do eleitor arquivou o balanço das administrações FHC na coluna dos empreendimentos que deram prejuízo. No exame final o governo dele foi mal avaliado. Tirou nota vermelha
O resgate da herança de FHC vai tomando ares de contravetor na luta política, um antídoto a anos de fustigamento sistemático.
Na operação para reabilitar o ex-presidente tucano ganham novo fôlego as versões a respeito da suposta injustiça histórica de que é vítima, e sobre a suposta essencialidade da sua passagem pela História do Brasil.
As duradouras campanhas do PT contra Fernando Henrique Cardoso não têm maior importância fora da pequena política. A História não registrará FHC como presidente dos ricos, nem como entreguista.
Nesse particular, a simpática missiva de Dilma Rousseff nos 80 anos do tucano deixa em maus lencóis os militantes da mistificação. O que Dilma escreveu é até certo ponto verdadeiro: FHC teve sua importância na empresa anti-inflacionária e, no essencial, sempre foi um democrata.
E daí? Daí nada, ou muito pouco. Não nasce da ideologia, ou da demonização, o principal ônus político-eleitoral imposto ao PSDB pela memória das administrações federais tucanas.
Por isso, a contraofensiva ideológica tampouco fará a mágica de tapar o ralo por onde escapam as oportunidades de os tucanos voltarem ao poder.
O problema do PSDB é que a memória do eleitor arquivou o balanço das administrações FHC na pasta dos empreendimentos que deram prejuízo. No exame final o governo dele foi mal avaliado. Tirou nota vermelha.
Um veredito registrado na derradeira pesquisa Datafolha de 2002. Na qual apenas um em cada quatro consultados classificaram como boa ou ótima a gestão que terminava.
Antes de concluir mal o governo, FHC vinha de duas vitórias eleitorais em primeiro turno para o Palácio do Planalto.
Na primeira, personificou a luta exitosa contra a inflação. Na segunda, vendeu o peixe de que por ter batido a inflação era o mais indicado para fazer o país voltar a crescer e gerar empregos.
FHC cumpriu satisfatoriamente o primeiro contrato, tanto que acabou renovando. Mas não cumpriu o segundo, e a frustração foi profunda.
Inclusive pelas barbeiragens gerenciais que levaram à desvalorização tardia da moeda e à crise energética, esta decisiva para abortar a decolagem econômica prometida por aquela.
Ao ponto de o período FHC oferecer ao adversário um discurso vitorioso por três eleições seguidas.
Em 2002, 2006 e 2010 o eleitor levou a decisão para o segundo turno. Não quis carimbar direto o passaporte do PT. Mas, no fim das contas, entre ceder a caneta ao PT e arriscar-se a um novo governo de tipo FHC preferiu sempre a primeira opção.
Há duas maneiras de olhar esse fato. Uma é dizer que o eleitor anda anestesiado pelas campanhas contra o ex-presidente tucano. Equivale à tese de que o povo está sendo enganado, que não sabe votar.
A segunda é admitir que a maior dificuldade tucana está em o PT ter se saído melhor no governo federal do que o PSDB. Admitir que o eleitor tem seus motivos para a escolha que vem fazendo.
O realismo manda cravar a alternativa b.
Todos estão sujeitos ao autoengano, inclusive o PSDB. FHC, por exemplo, pode dizer que teria vencido a eleição de 1998 mesmo se desvalorizasse o real antes de o eleitor ir às urnas.
Os resultados daquela eleição deram a FHC 53% dos votos válidos no primeiro turno. Ele passou raspando. Estaria em sério risco eleitoral caso precisasse enfrentar numa nova rodada Luiz Inácio Lula da Silva apoiado por Ciro Gomes.
Será que a devalorização do real antes das urnas não tiraria de FHC os míseros três pontos percentuais que evitaram naquele ano o segundo turno?
Uma nova rodada em que FHC não teria a possibilidade de novas alianças. E precisaria encarar um Lula revigorado, e destinatário natural dos votos não dados ao tucano.
Entre o fim de 2001 e meados de 2002 o PT tratou de superar a herança programática petista no terreno econômico, e a iniciativa da Carta aos Brasileiros foi o marco simbólico. Uma ruptura necessária, sem trocadilhos.
Só assim o PT chegou ao poder. E o movimento foi tão consistente que vem intocado, uma longa década depois.
É o caso de especular se o PSDB, em vez de persistir no autoengano, não deveria quebrar a cabeça para encontrar uma maneira de romper explicitamente com a herança de FHC que tanta sobrevida tem proporcionado aos adversários.
terça-feira, 21 de junho de 2011 (Correio Braziliense)
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