Cinco meses após o início de um governo que, contrariando o tom da campanha eleitoral, vivia em lua de mel com a imprensa que antes lhe torcia o pescoço, e 23 dias após a Folha de S. Paulo estampar em uma manchete de domingo a multiplicação do seu patrimônio em mais de 20 vezes durante quatro anos de mandato parlamentar, o todo poderoso ministro da Casa Civil de Dilma Roussef pediu para sair. Pediu, como se sabe, é modo de dizer, eufemismo do mundo da política, pois de coração partido ou não, o fato é que foi a presidente Dilma que o demitiu. De nada adiantou o apadrinhamento do ex-presidente Lula, que daria até mais um dedo para a permanência de Palocci. Assim que as primeiras pesquisas de popularidade apontaram que o gato subira no telhado, ou seja, que o enriquecimento fenomenal de Palocci em dois tempos começara a arranhar sua imagem perante a população, Dilma sabia que era ele ou ela.
Em um país em que se perde o respeito pelas pessoas do poder e pelas instituições todos os dias, mas não se perde nunca a piada, houve quem tenha achado uma sacanagem imperdoável o fato de que, na mesma noite em que todos os telejornais deveriam se deter em anunciar a despedida de Ronaldo Fenômeno dos gramados, Palocci tenha roubado parte da cena anunciando, também, a própria despedida. O mundo da política é mesmo indecifrável para o telespectador comum. Se era para ser demitido na terça-feira, fingindo demitir-se, por que e para que, então, tanto salamaleque e postergação para dar a primeira entrevista para a televisão na sexta-feira anterior, quando supostamente explicaria seu enriquecimento? Esperou a crise explodir, a presidente ficar com pecha de que Lula será uma sombra eterna em seu mandato, falou e não disse nada para no fim sair do mesmo jeito.
CHIQUEIRO - Como se não bastasse arrastar o escândalo tanto tempo com a barriga, Palocci saiu dizendo coisas esquisitas na TV. Disse, entre outras coisas que fazem pouco sentido para quem é pego pela terceira vez de calças curtas, senão abaixadas, no exercício do poder (escândalo em licitações na Prefeitura de Ribeirão Preto, frequência a uma casa de lobby e saliências em Brasília seguida da quebra de sigilo bancário de um caseiro pobre de marré deci que o viu por lá e enriquecimento assombroso em quatro anos), que se orgulhava da própria retidão moral e ética no Governo, que saía de cabeça erguida e que o está fazendo para preservar o diálogo. Só se foi para preservar o diálogo com os seus clientes da empresa miraculosa de consultoria, em nome dos quais ele preferiu cair de pobre a revelar os nomes. E ele tem razão de erguer a cabeça, pois com tantos milhões no bolso que motivos teria, em se tratando de Brasil, para andar cabisbaixo e sorrateiro?
Embora ainda seja cedo para diagnósticos acerca do perfil de uma gestão que dura quatro anos, a queda de Palocci, uma indicação das vísceras do ex-presidente Lula, e a decisão de Dilma em nomear para substituí-lo uma mulher de perfil técnico e curta carreira política (como ela mesma), talvez seja um indicador da marca Dilma, visto que a montagem da equipe se deu sob a influência plena de Lula. Com Palocci fora do Governo, vai pelo ralo a história dos três porquinhos da equipe de transição que enchiam os olhos da presidente, responsável pelo apelido. José Eduardo Dutra, que não ganhou nenhum ministério, saiu da presidência do PT por razões de saúde. Palocci acabou de cair por ter milhões demais para quem compartilha da intimidade do chiqueiro do poder e agora resta apenas José Eduardo Cardozo, o ministro da Justiça, que outro dia demitiu ao vivo, no Fantástico, um integrante da Polícia Rodoviária Federal porque o coitado, defendendo o seu trabalho, foi exibido no Fantástico, graças ao expediente de uma fala gravada com câmera escondida, dizendo que homens de sua equipe haviam sido tirados dos postos nas estradas para fazer firula no Rio de Janeiro, durante a invasão do Complexo do Alemão. Como se isso, a firula, não fosse verdade.
BOLERÃO - Saem os três porquinhos e entra a Narizinho de Tailleur Chanel. Gleisi Hoffmann é uma mulher do tipo que Dilma adora: nariz empinadíssimo, literalmente, técnica, pulso firme do tipo que em menos de seis meses estreando um mandato no Senado já foi apelidada de pit bull e ganhou fama de ser um trator, por, entre outras coisas, colocar o dedo em riste para mandar calar a boca senadores com caspas nas ombreiras, desses dados a defender seus argumentos aos gritos quando a interlocutora é mulher. E, para contrariar quem adora traçar características estereotipadas de mulheres poderosas, tem um casamento estável de mais de 15 anos, dois filhos pequenos, um currículo de executiva invejável, guarda-roupa impecável, é louríssima e está muitíssimo longe de ser feia e burra. Sim, e apesar de estar no PT desde criancinha, Gleisi não tem língua presa, ostenta uma dicção doce e nos trinques. As revistas femininas, que precisam de uma musa por estação, vão adorar e fazer a festa. Dá um perfil do consumidor e tanto.
Para dar uma mãozinha aos humoristas palacianos, Gleisi Hoffmann é casada com o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. Não se via um casalzinho de ministros desde o affair de péssimo gosto entre Zélia Cardoso de Melo e o adúltero Bernardo Cabral, que caíram de amores ao som do bolerão datado Besame Mucho durante o Governo Collor, aquele que, para Sarney, caiu por um acidente da História do Brasil, algo que não deveria ter acontecido.
Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado originalmente em 12 de junho de 2011, no jornal A Tarde, Salvador/BA.
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