Em 2011 o Brasil vai comemorar o Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho) sob o signo do retrocesso. A acabrunhante aprovação, pela Câmara Federal, de modificações que mutilam o Código Florestal, deu o tom da ofensiva conservadora que vem, nos últimos anos, impondo duros golpes à legislação e às políticas públicas ambientais.
É certo que medidas absurdas como a anistia para desmatadores e a diminuição do espectro das áreas protegidas, como é o caso das matas ciliares, ainda serão objeto de grandes disputas no Senado Federal e de possíveis vetos anunciados pela presidenta da República. Mas, independente dessas possibilidades restauradoras, a simples sinalização negativa dada pela maioria dos deputados federais é já o bastante para aumentar a preocupação em torno do futuro imediato da política ambiental brasileira.
Em outra ocasião pude ressaltar que o Código Florestal não é a uma espécie de Bíblia Sagrada ou de Alcorão. Se debatido com seriedade e bons propósitos, poderia ser aperfeiçoado para atender a certas realidades da pequena agricultura familiar, sem necessariamente redundar em sacrifício das áreas florestadas e da vegetação de topos de morros, encostas e margens de rios, que são fundamentais para maior regularidade da oferta de água, melhor regime de chuvas, melhor qualidade do solo e outras condicionantes essenciais à própria agricultura.
A pressa suspeita e os métodos impositivos que cercaram a votação na Câmara, impediram que o debate do Código incorporasse princípios, tais como pagamentos ou subsídios por serviços ambientais, que poderiam trazer a discussão para os termos em que a questão ambiental está sendo debatida no mundo inteiro, nesse começo de século. Ao invés, portanto, de conduzir essa discussão, como terminou acontecendo, para os estreitos marcos do suposto dilema entre preservar ou produzir, poderíamos ter caminhado, em alguma medida, para a solução do verdadeiro impasse atual, estimulando modelos e legislações capazes de preservar e conservar mais a natureza e, ao mesmo tempo, produzir também mais, um desafio extremamente complexo, mas possível de ser enfrentado através da junção da ciência e da tecnologia com as boas práticas produtivas e mudanças significativas de comportamento.
Ao contrário dessa nova agenda mundial, proposta pela economia verde, o Brasil, notadamente através do setor público e do setor privado, ainda insiste numa agenda produtivista insustentável, que nos coloca em novo ciclo de dependência como exportadores de commodities baratas, produzidas sob altíssimos custos ambientais e sociais, em função de um retorno financeiro que, para a nata do ruralismo, é, hoje, sedutor, mas para a maioria do povo brasileiro, inalcançável, além de futuramente impraticável.
Isso explica, como subproduto ideológico dessa maneira de pensar e agir, a insistência recorrente com que grande parte dos governos, empresas, políticos, mídia e ruralistas alimentam continuamente a falsa incompatibilidade entre políticas ambientais e as atividades da economia, escondendo da opinião pública a incompatibilidade verdadeira, que não é outra senão aquela existente entre a velha maneira de produzir e as novas necessidades de ajustar a produção e o consumo humanos à capacidade de suporte do ecossistema planetário, sob pena de aprofundarmos uma crise ambiental que, no limite, poderá mostrar-se muitíssimo mais adversa, do que é hoje, para a própria espécie humana.
Essa é a razão pela qual a questão ambiental continua a ser tratada como assunto apenas de ambientalistas. E também o motivo pelo qual as políticas ambientais continuam a ser relegadas a um segundo plano ou restringidas aos guetos de especialistas e vistas como estorvo ao chamado progresso e ao crescimento, o que posterga a necessidade inadiável de torná-las transversais a todos os governos e todas as sociedades.
Na esteira das mudanças que a Câmara aprovou golpeando o Código Florestal, há uma longamente orquestrada campanha que vem desmontando a legislação e a política ambientais no Brasil, baseada em falsos diagnósticos e falsas premissas. Tal fato não somente agrava os perigos de maiores desequilíbrios e degradação da natureza, como também compromete seriamente a possibilidade de utilizarmos as políticas ambientais como um potente instrumento de indução à modernização, racionalização e eficiência da economia.
Se quiser consolidar efetivamente um papel de liderança mundial duradoura, o Brasil deve seguir a sua vocação de potencia política pacifista e perseguir o ideal de tornar-se uma sociedade mais igualitária e mais democrática, um centro referência mundial da ciência e da tecnologia, além de abraçar a possibilidade de ser vanguarda da economia verde, sustentável e descarbonizada
do futuro. É ilusão saudosista e reacionária imaginar que seremos grandes copiando o modelo militarista, hegemonista e predatório que caracterizou o perfil das grandes potências até o advento da crise ambiental planetária. O futuro nos aponta outro destino e outro caminho. É pegar ou largar!
(*) Anivaldo Miranda é jornalista e mestre em meio ambiente e desenvolvimento sustentável pela Universidade Federal de Alagoas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário