Amigos e amigas, como diriam os políticos mais desavisados, A Letra Elektrônica anda muito ocupada participando secretamente de passeatas pela cidade e quer com isso justificar a sua recente ausência internáutica. Segundo apuramos até o momento, o corpo a corpo com a PM não está sendo fácil, várias adolescentes de caras pintadas e excitada de indignação dizem em tom de revolta que "se um tiro de bala de borracha pegar no olho cega" e, apesar da miopia, preferimos continuar com os dois.
Enquanto isso, estão querendo mudar o nome de Fundão para "Fundão do Poço", numa alusão à Fundão dos Índios da qual falaremos a seguir. A população fez festa e aplaudiu quando foram presos seus representantes públicos e A Letra Elektrônica paga inteira para andar de ônibus. O prefeito de Fundão deu entrevista hoje cedo, logo depois seria afastado, o que, pelo jeitão cabrunco, deve ter-lhe sido um verdadeiro alívio. Negou tudo, mesmo afirmando não saber de nada. Nunca vi um senhorzinho tão apático e inoperante em face de uma situação tão periclitante. Se bobear eu vou pra lá...
Quero compartilhar um texto enviado por meu querido primo Felipe e escrito pelo amigo Marcus Machado que há tempo não vejo. Marquinhos tem uma onda parecida com a nossa de dar uma futucada no passado e invocar memórias de tempos em que as coisas pareciam mais bacanas. Nem sei, aliás, tenho dúvidas. Ganhei de Reinaldo Santos Neves o livro de Basílio Carvalho Daemon sobre a província do Espírito Santo.
Senhores (e senhoras) vocês sabiam que em 1810, os índios mataram a flechadas o comandante de uma força de milicianos nas cercanias de Vitória e no ano seguinte descobriram que muitas pessoas empregadas na Junta da Real Fazenda desfalcavam os cofres públicos? Por essas e por outras podemos ver o quanto avançamos de lá para cá... Segue o texto:
Fundão dos índios
Por Antonio Marcus Machado
02/06/2011 A Gazeta
Houve um tempo, no Espirito Santo, em que uma jornalista marcou sua época pela forma como escrevia e comentava o cotidiano capixaba. Polêmica, ela tingia com tons fortes a fotografia urbana, o cenário em que se inseriam os novos ricos e a dinâmica social movida pelos bailes esvoaçantes da cidade.
Pertenceu a uma era em que as mulheres ainda não tinham a personalidade empreendedora de hoje, e de modo geral era possível dizer que muitas realmente eram madames, boas esposas, filhas comportadas aguardando o baile de debutante e as mais requintadas, boas para casar.
Vitória, a capital, tinha no Teatro Carlos Gomes o som dos Mamíferos, no Mar e Terra as ironias de Carmélia e no Britz Bar a vida libertária da ilha. Os velhos canhões do Saldanha na verdade protegiam os namorados e frequentadores da boate Buteko. A vida corria assim. Os jornais locais eram de vanguarda. Bons jornalistas esquivavam-se dos golpes contundentes da ditadura e a Universidade Federal caminhava sem lenço e sem documento.
O centro da cidade abrigava seus trabalhadores com a mesma paixão que acalentava os boêmios, aspirantes a intelectuais, teatrólogos e cineastas potenciais. Esse era o palco em que Maria Nilce personificava sua coluna jornalística. Tinha uma grafia felina e provocante, muitas vezes. Creio que não tinha por preocupação agradar a todos. Nem a poucos.
Seu compromisso era com a sua percepção da realidade e das pessoas. Marcou época. Seja pela sua peculiar beleza, pela maneira ousada como se vestia e se portava ou pela expectativa matinal que os leitores carregavam até lerem seu texto, sempre imprevisível. Cultivou afetos e desafetos. Plantou sementes que lhe trouxeram tanto o bem quanto o mal. Como aquele definitivo, que lhe tirou covardemente a vida. A Vitória da Rua sete, do Miramar, do Praia tênis e do Álvares, do Caldo Lira, do Cine São Luís, do Jairo Maia e Golias, não mais a leria.
A leitura de jornais antigos permite perceber que ela tinha muito orgulho de onde nascera. Pode ser até uma percepção equivocada minha, mas vi alguns textos em que isso era cristalino como água de fonte límpida. Dizia com orgulho que nascera em Fundão. Fundão dos índios, acrescentava.
Não era comum àquela época pessoas emergentes valorizarem sua origem interiorana. Talvez fosse assim que ela gostava de provocar a elite emergente, as socialites de então. Mas o que é possível afirmar é que ela tinha muito orgulho de sua cidade natal. E tinha razão para isso.
Aquele município tem uma significativa história na formação da vida capixaba. O trem, ao chegar, passava solenemente pela alegria de seus moradores, trazendo e levando seus sonhos e esperanças. A estrada de ferro Vitória-Minas cortava uma cidade que já recebeu duas visitas importantes: o imperador Pedro II e o presidente Dutra.
Considerando todo o amor de Maria Nilce pelo seu município, certamente, se fosse viva ainda, hoje ela usaria seus tons mais contundentes para registrar sua indignação pelos indícios de corrupção e de formação de quadrilha. A expectativa dela certamente seria, caso os indiciados sejam julgados culpados, que seus crimes não fiquem impunes, como o dela parece que ficou.
Antonio Marcus Machado é economista e professor universitário
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