Parece-me plausível afirmar que um determinado país contém um potencial autoritário digno de atenção quando as seguintes condições se apresentam conjuntamente:
1) um líder carismático que não compreende, desdenha ou tem propensão a agredir os mecanismos institucionais da democracia; digo “líder carismático” para abreviar o raciocínio, mas é lógico que nenhum líder atua sozinho ; em geral, ele detém o controle de um partido de massas e mantêm à sua sombra aliados que se encarregam de pensar num projeto de poder de médio ou longo prazo;
2) um alto índice de aprovação a esse líder entre os cidadãos de menor renda e menos escolarizados; na escala de preferências desses eleitores, o que mais interessa é o poder aquisitivo (e os benefícios governamentais, no caso dos muito pobres);
3) a democracia pode até ser aprovada em abstrato, mas não é uma prioridade; suas instituições são pouco compreendidas, tanto menos quanto mais baixo o nível de escolaridade; a corrupção na esfera pública e a necessidade de combatê-la também não são bem compreendidas; nos estratos de baixa escolaridade, a rigor nem se pode dizer que a probidade nos assuntos públicos seja um valor;
4) pelas razões acima, o líder carismático não perde – ao contrário, ganha popularidade na medida em que se sobreponha ao Legislativo e ao Judiciário, e os agrida;
5) tudo o que foi dito até aqui se torna mais grave se o Legislativo e o Judiciário estiverem mediocrizados e corroídos pela corrupção (ou pela reputação de serem corruptos, o que dá no mesmo);
6) não há uma oposição forte; ou, dito de outro modo, a oposição passa por uma fase de aguda debilitação;
7) organizações que teoricamente poderiam funcionar como contrapesos ( sindicatos, igrejas, entidades empresariais, associações profissionais e universidades, principalmente) deixam-se cooptar ou são neutralizadas;
8 ) grande parte das classes média e alta não compreende a necessidade de se contrapor à tendência autoritária embutida na situação que estou descrevendo; pior ainda, uma parcela importante dessas camadas retira seu apoio à oposição, aprofundando dessa forma o enfraquecimento referido no item (6);
9) o risco autoritário pode ser alto mesmo se o mencionado líder não ocupa uma posição formal de poder; ele pode, por exemplo, fazer sombra ao chefe de Estado formal, faturando parte de seus êxitos e pintando-o como responsável exclusivo por eventuais fracassos;
10) para as nove condições acima se tornarem letais, o que falta, basicamente, é uma ideologia mobilizadora, de tendência totalitária; na ausência desse tipo de ideologia, a conquista dos corações e mentes só poderá se dar de forma gradual, à medida em que organizações coordenadas pelo líder ou simpáticas a seus propósitos consigam penetrar e estabelecer sua própria “verdade” nos meios educacional, cultural, clerical, militar etc.
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