domingo, 30 de janeiro de 2011

Tudo que tuitar pode ser usado contra você, até no tribunal

Postagens consideradas ofensivas acabam na Justiça ou em boa dor de cabeça para internautas falastrões

Anônimos ou famosos, ninguém está livre dos ecos de comentários inconsequentes nas redes sociais da internet
JAMES CIMINO – FOLHA SP

DE SÃO PAULO

O vendedor Pedro Henrique Santos, 19, está pagando, a prestação, o preço de uma tuitada inconsequente.
Morador de Ipameri, cidadezinha do interior de Goiás, ele não viu nenhum problema em postar no seu perfil do microblog uma foto de uma garota em trajes sumários.
Processado por danos morais, teve de pagar à vítima -maior de idade- R$ 3.000.
Como não tinha todo o dinheiro, vai desembolsar por mês R$ 150, em 20 vezes.
O caso ilustra uma situação cada vez mais corriqueira: os desabafos, os comentários e as brincadeiras de mau gosto facilmente esquecíveis se ditos em mesa de bar se amplificam se feitos nas redes sociais, com consequências na vida profissional e legal do internauta desbocado.
Antes de Pedro, outras pessoas, incluindo aí os famosos, tiveram problema.
O comediante Danilo Gentilli foi investigado pelo Ministério Público por acusação de racismo após ter feito uma piada em que comparava, no Twitter, o gorila King Kong a jogadores de futebol.
Há casos em que a tuitada não vira caso de Justiça, mas acaba em boa dor de cabeça.
Rita Lee criticou a construção do estádio do Corinthians em Itaquera. Chamou o bairro da zona leste paulistana de “c… de onde sai a bosta do cavalo do bandido”. Gal Costa disse que os conterrâneos baianos eram preguiçosos. As duas ouviram poucas e boas do público.
As empresas têm ficado de olhos nos perfis de seus funcionários. Dois rapazes, um da região de Campinas, outro de Piracicaba, acabaram demitidos por justa causa após postagens inconsequentes.
O primeiro publicou no Orkut que estava furtando notas fiscais da empresa onde trabalhava. O segundo postou no YouTube um vídeo em que dava cavalos de pau com a empilhadeira da empresa.
Ambos entraram com ações na Justiça do Trabalho a fim de reverter o caráter da demissão, mas perderam.
Juliana Abrusio, professora de direito eletrônico da universidade Mackenzie, aponta que o afã de fazer um desabafo, de exprimir uma opinião ou de simplesmente demonstrar atitude crítica em relação a algo faz com que as pessoas percam a ideia do alcance da internet.
“Se você fala mal de alguém numa mesa de bar com seis pessoas, ele fica ofendido, mas é suportável. Quando vai para 6.000 ou 6 milhões de pessoas, a pessoa pode ser destruída”, afirma.
Renato Opice Blum, advogado especializado em crimes digitais, diz que o Brasil tem mais de 30 mil decisões judiciais relacionadas à internet. Só em seu escritório há cerca de 5.000 mil ações.
Um fotógrafo colaborador do Grupo Folha acabou afastado após publicar no Twitter uma declaração considerada ofensiva aos torcedores do Palmeiras, na sede do clube. Foi agredido fisicamente.
Tuitar pelos cotovelos só é vantagem para quem não tem nada a perder

“CASES” COMO O DAS ELEIÇÕES DOS EUA DEIXARAM IDEIA DE QUE É PRECISO TUITAR A GRANEL

DANIEL BERGAMASCO
EDITOR-ADJUNTO DE COTIDIANO

Uma das primeiras grandes ilusões sobre as vantagens de tuitar pelos cotovelos veio da campanha de Barack Obama à Casa Branca, em 2008. Tornaram-se simbólicas as fotos do democrata pendurado no Blackberry.
Com mais seguidores que os concorrentes, ele também acabou por colocar mais voluntários pelas ruas e arrecadar mais dinheiro.
Ficou a falsa ideia de que uma coisa possa ter sido consequência direta da outra e, pela distorção de “cases” como esse, propagou-se a imagem de que tuitar a granel pode ser uma boa maneira de cativar a internet, fazer negócios e influenciar pessoas.
Obama, contudo, nunca tuitou pelos cotovelos, nem pelo fígado. Suas mensagens refletiam um discurso estudado, gerado em laboratório.
Foram as suas causas políticas, propagadas também via TV e grandes comícios, que deram assunto para que seus admiradores espalhassem seu nome no ventilador.
Estratégia diferente tinham alguns dos candidatos pequenos ou nanicos que, sem medo de dar tiro no pé, acabaram acertando na mosca em posições mais controversas e saindo da corrida melhor do que entraram.
Da mesma forma, a lista de celebridades brasileiras com maior número de seguidores está cheia de casos em que esse público todo não faz soma de bons contratos.
A atriz Fernanda Paes Leme, com seu mais de meio milhão de seguidores, está entre os top da rede social, mas na publicidade está muito longe do status de uma Grazi Massafera -que, por sua vez, nem Twitter tem.
Há casos ainda de gente traída pelo dedo leve, pelo esquecimento de que as mensagens são documentos e pelo anseio do desabafo.
A cantora Claudia Leitte alfinetou “alguns” fãs “muito malas” de Ivete Sangalo e acabou por colocar em xeque sua imagem de boa moça.
Celebridades que se deram melhor são as quase-famosas, como a modelo Angela Bismarchi, conhecida pelas muitas cirurgias plásticas.
Ela já agrega mais de 50 mil seguidores tecendo comentários sobre temas como as especificidades sexuais das hienas. No embalo, vai lançar um livro sobre sexo.

PARA TODOS
Cabe, assim, o exemplo também para advogados, vendedores, professores.
Fazer propagar informações sobre um produto que se quer vender ou compartilhar assuntos do qual se é especialista pode ser um gol.
O escritor Fabrício Carpinejar ganhou 84 mil seguidores divulgando sua obra em textos breves.
Já dar bom dia a cavalo para tornar o perfil atraente a um monte de curiosos pode esquentar o ego, mas só tem se mostrado vantagem para quem não tem nada a perder.

É preciso ter bom senso nas redes, dizem advogados

DE SÃO PAULO

As crescentes ações na Justiça fomentadas pelo mau uso da internet podem ser facilmente evitadas, segundo advogados consultados pela Folha. Basta ter bom senso.
“As pessoas não podem esquecer que a lei não mudou. Na dúvida, não fale mal do companheiro de trabalho, não faça piada com o chefe, não se deixe fotografar em situação vexatória. Tudo vira evidência”, afirma a advogada Gilda Figueiredo Ferraz.
Segundo Alessandro Barbosa Lima, dono da empresa E.Life, que oferece serviços de monitoramento de marcas, semanalmente surgem casos de uso indevido das redes sociais por funcionários.
O advogado Eli Alves da Silva, presidente da comissão de direito trabalhista da OAB-SP, diz que não apenas os empregados podem se dar mal com o uso indevido das redes sociais. Empregadores também podem ser punidos e sofrer consequências caso os funcionários reclamem de condições de trabalho.
“Se o empregado reclamar de condições de trabalho que revelem um descumprimento da lei trabalhista, o patrão pode vir a ser punido, caso haja prova dessa ação.”
O advogado Renato Opice Blum descreve o que pode ser o limite entre a liberdade de expressão e o crime.
“Se o internauta avançar o limite da crítica normal e partir para o lado da ofensa, pode ser processado pelos crimes de calúnia, injúria e difamação, sem prejuízo de uma indenização. Tem sempre que evitar fazer juízo de valor”, afirma o advogado.
Para Brum, a primeira coisa que a pessoa deve fazer ao aderir a uma rede social é ler as regras de uso e conhecer os recursos que o programa oferece ao usuário.
Ele cita como simbólico o casos do diretor da Locaweb, patrocinadora do São Paulo, que criticou o time durante um jogo e foi demitido.
(JAMES CIMINO e EVANDRO SPINELLI)

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