quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A teodicéia de cada um: o Brasil, de onde veio, para onde vai? (Bolívar Lamounier)

Sim, é verdade, o mundo em que vivemos parece ser cada vez mais secular, utilitário e racional. O sociólogo Max Weber referiu-se a essa tendência como uma desmagicalização (alguns autores preferem “desencantamento”) do mundo.

Mas fato é que todo ser humano tem indagações que vão além desse universo de racionalidade. A origem do mal, por exemplo; todos queremos saber de onde ele vem e o que é preciso fazer para acabar com ele. Por que nossa sociedade é tão conflituosa? A sociedade brasileira, por que é tão sem ética? Por que há tantos corruptos devorando os recursos públicos, como se fossem cupins?

Eu perguntei a um grande número de pessoas de todas as classes e regiões o que falta neste momento ao Brasil, e depois agrupei as respostas nas três rubricas abaixo:

* Uma crença religiosa ou filosófica com a qual nos ponhamos todos de acordo, para que possamos viver em paz uns com os outros.
* Um jeito qualquer, nem que seja um “estalo de Vieira” coletivo, de nos livrarmos da crise ética que impregna o país de alto a baixo.
* Um plano ou projeto de desenvolvimento capaz de alicerçar um consenso tanto no aspecto econômico-social como no político.

Uma vez classificados desta forma os dados, tentei fazer algumas reflexões sobre eles.

Uma crença religiosa ou filosófica com a qual nos ponhamos de acordo…etc como base para a paz civil e a aceitação do governo: eis um caminho complicado. Durante cerca de 200 anos, de Hobbes a Rousseau e deste a Hegel, os filósofos queimaram sobrancelhas tentando encontrar uma solução desse tipo. Não direi que falharam ou que a empreitada em si carecesse de sentido, mas que é um exercício sujeito a frustrações, não tenho dúvida.

Aí me pus a pensar na situação ética do Brasil. De fato, quase todos os brasileiros andam angustiados com essa questão (embora muitos achem que anti-éticos são os outros…). Mas enfim, é verdade. De “cívica” nossa cultura tem muito pouco.

A transgressão campeia, e a impunidade também. Nem preciso me estender sobre isto. Aqui, o próprio volume e a complexidade do problema já assustam e paralisam. Se ninguém concorda com ninguém, só pode ser porque não temos sequer em abstrato um padrão ético comum. Mas se assim é, não temos como batalhar por padrão algum. A própria batalha criará mais dissensos. Descartemos pois como utópica qualquer sugestão baseada na idéia de um “estalo” coletivo ou um entendimento rápido para mudar a situação. Isso não vai acontecer.

Mas qual seria a chance de uma parcela apenas da sociedade assumir uma atitude ética mais homogênea e constante, e de se manter independente do governo e da máquina do Estado, constituindo, como direi, uma “comunidade moral” à distância, informal, interligada só pela internet?

Seria absurdo pensar numa melhoria do entendimento ético entre – digamos – os 10 ou 20% mais (ou medianamente, ou menos) escolarizados? Deixo a interrogação para vocês pensarem.

Passemos à idéia de um projeto de desenvolvimento econômico-social e político. Como sabemos, as questões fundamentais são, na economia, como sustentar um crescimento real (acima do crescimento da população), distribuindo uma parte importante dos bens e serviços produzidos através de uma combinação apropriada de remunerações (salários, lucros etc) e serviços (educação, saúde etc).

De início, é preciso lembrar dois pontos. Primeiro, numa perspectiva histórica ampla, a economia brasileira cresceu muito. Segundo, tal crescimento teve pouco a ver com planos preconcebidos.

Nosso crescimento relativamente sustentado remonta ao café. Começamos lá atrás, no século 19, como uma típica plantation economy, um país voltado para a exportação desse produto e dele dependendo para quase tudo.

Dos anos 30 em diante – graças principalmente à crise de 1929 -, conseguimos afrouxar a dependência em relação ao café e encetar um processo de industrialização e modernização repleto de erros, mas enfim, o encetamos, e nos livramos daquela dependência.

Para sair da prolongada crise do modelo econômico que se instalou durante os governos militares, experimentamos parcialmente duas alternativas. Uma no governo Fernando Henrique, mais liberal, com privatizações, reforma do Estado e tentativa de criar um ambiente econômico mais compatível com o funcionamento dos mercados. Outra agora, nos últimos anos do governo Lula e no modelo em que estamos nos metendo agora,ao que tudo indica meio estatizante – sul-coreano ou que nome tenha – e atrelado à China.

Atrelado à China: este ponto é importante. Como eu não consigo ver a China se tornando democrática, devo admitir que o modelo Lula-Dilma me preocupa, mas tenho o consolo de pensar que a influência cultural chinesa será sempre modesta, dada a gigantesca barreira que a separa da nossa – desde logo a barreira do idioma.

Se o Brasil conseguir sustentar taxas elevadas de crescimento durante um bom período, creio que a complexidade de estrutura social a que chegaremos, aliada ao arejamento cultural e político que já possuímos, manterá a situação dentro dos conformes.

Portanto, na questão política, eu me considero mais otimista que a média dos meus colegas acadêmicos, por três razões.

Primeiro, não sou dado a utopias. O que dá para fazer, a meu juízo, é mesmo um regime representativo, sabendo-se desde sempre que tal sistema tem muitas qualidades mas também um monte de defeitos. Como disse Churchill em frase famosa, a democracia seria o pior regime, se não fossem todos os outros.

Segundo, eu acredito piamente num destino democrático manifesto – não sei se de toda a América Latina, mas certamente do Brasil. Vem crise vai crise, vem golpe vai golpe, toda vez que parecemos fadados a despencar num despenhadeiro autoritário, eis-nos subindo de novo, agarrando-nos a qualquer beirada, de um jeito ou de outro. Sempre optamos por mirar o amplo horizonte da democracia, turvo como ele possa estar em dado momento.

Por último, mas não menos importante, eu penso que construir a democracia é fundamentalmente construir instituições, e neste sentido o Brasil já percorreu bem mais que a metade do caminho.

Para dizer isto eu peço data vênia ao José Dirceu, ao Tarso Genro e a “companheirada” petista. A democracia brasileira não começou em 1979, com a fundação do PT. Começou em 1822, com a Independência, em 1824, com o fim do absolutismo, e em 1826, com a instalação do Congresso Nacional. São quase dois séculos.

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