FH diz que ficou surpreso com queda de Abramovay e teme que país assuma posição reacionária sobre o tema
Deborah Berlinck
GENEBRA. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que lança hoje em Genebra, com outras personalidades, uma comissão global em busca de políticas alternativas de combate às drogas, se disse preocupado com o rumo do Brasil após a saída de Pedro Abramovay, que defendeu o fim da prisão para pequenos traficantes, da Secretaria Nacional de Política sobre Drogas. O ex-presidente, que teme que o país se volte à repressão em vez de combater o consumo, revela suas dúvidas em relação à liberalização da maconha, e faz um mea-culpa de seu governo.
Não era novidade que Pedro Abramovay defendia penas alternativas para pequeno traficante. A demissão dele foi surpresa para o senhor?
FERNANDO HENRIQUE: Foi, pois pensei que havia um pré-consenso no governo. Quando vi que o governo atual levou a Senad do Gabinete de Segurança Institucional para o Ministério da Justiça, imaginei que teria uma integração. Quem criou a Senad fui eu, para dar uma resposta à questão das drogas através da prevenção, deixando para a Polícia Federal a repressão. Existia uma resistência no Ministério da Justiça contra a Senad.
E com a saída do Pedro Abramovay?
FH: O lado da repressão pode ficar mais forte.
Não há o risco de transformar o pequeno traficante num instrumento do tráfico organizado?
FH: Ele já é. Não acredito que o pequeno traficante possa não ser penalizado. A questão é: que penalização? Se você pega um jovem de 15 anos que é avião e põe na cadeia, ele vai sair mais treinado em bandidagem. Seria bom penas alternativas.
E o que aconteceu no Rio?
FH: O governo tem que fazer o que está sendo feito, combater o tráfico e não permitir que ele tome conta de áreas territoriais. Mas é preciso uma ação social contínua. O que acontece nesse momento? Você não está acabando com o tráfico, está levando para outros lugares. Você está dispersando o tráfico. Sai do Rio e vai para o Espírito Santo, para Bahia... Não estou criticando o que foi feito. É positivo. O Sérgio Cabral, ao mesmo tempo, está propondo a liberalização da maconha, pois sabe que o problema é imenso e que não basta ocupar a região.
O que o Brasil deve fazer sobre o tráfico internacional?
FH: A raiz do mal não é a produção, é o consumo. O que tem que haver é uma política de redução do consumo.
A liberação da maconha também não é solução?
FH: Não. Tem que haver regulação. Tem que descriminalizar, quer dizer, não passa a ser crime, pode até em certos casos legalizar, desde que regule.
O que deu errado na política do Brasil? Por que o crack aumentou tanto?
FH: Porque fizemos, todos nós, muito pouco na prevenção.
O senhor faz sua mea-culpa?
FH: Lógico. Fizemos muito pouco na prevenção, ninguém imaginou que (a droga) fosse tomar essa proporção tão grande. Outra coisa muito perigosa, e por isso que pessoas defendem a legalização da maconha: o traficante que vende maconha é o mesmo que vai levar o jovem a provar outras drogas. Talvez, se você regulasse o uso da maconha ao invés de proibí-la, talvez tirasse a pessoa da mão do traficante e diminuísse o risco de ela ir para o crack.
O Ministério da Justiça havia preparado um projeto para acabar com a prisão de traficantes de baixa periculosidade. Por que a reviravolta?
FH: Paulo Teixeira ia representar este projeto. O ministro Tarso Genro estava nesta mesma linha. Imagino que a presidente tenha tomado esta posição. É preciso esclarecê-la sobre a questão das drogas. É importante que o Brasil não siga um caminho reacionário. Não é conservador, é errado. Não pode ser dogmático e dizer: reprimir resolve. Não resolve. Liberar resolve? Também não.
Qual a ideia desta reunião em Genebra ?
FH: Fizemos uma comissão latino-americana sobre drogas. Ela teve impacto, porque a situação na América Latina é muito dramática, mas mudou. Mesmo esta posição que estava sendo tomada pelo Brasil é boa. E no Brasil já há descriminalização da droga: não é crime ser usuário.
FONTE: O GLOBO
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