Sem avanços na reforma agrária, tensão aumenta
SÉRGIO ROXO
O Globo - 19/12/2010
Número de assentamentos foi menor, e conflitos no campo batem recorde
desde a redemocratização
Aligação histórica do PT com os movimentos de briga pela terra não foi
suficiente para garantir avanços significativos na reforma agrária nos
oito anos de governo Lula. Além de ter frustrado as expectativas em
relação ao número de assentamentos, a gestão termina com registro
recorde de conflitos no campo.
— Na nossa avaliação, e na verdade é uma constatação que o próprio
governo reconhece, o tema da reforma da agrária não avançou — diz José
Batista de Oliveira, membro da coordenação nacional do Movimento dos
Trabalhadores Sem-Terra (MST).
Dirceu Fumagalli, da coordenação nacional da Comissão Pastoral da
Terra (CPT), fala em “inércia” do governo.
— Não houve empenho em relação à reforma agrária. Houve retrocesso — disse.
Segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra), foram assentadas no governo Lula, até 10 de dezembro, 596 mil
famílias. Mas movimentos contestam os números por incluírem
regularização de terras na categoria de assentamentos. Com isso,
segundo especialistas do setor, a gestão petista fechará com números
menores no setor do que no governo de Fernando Henrique Cardoso
(PSDB), que assentou 540 mil famílias.
E os novos assentamentos não reduziram confrontos. De acordo com
levantamento do geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves, professor da
Universidade Federal Fluminense (UFF), feito para a Comissão Pastoral
da Terra, o período entre 2003 e 2009 foi o que registrou a maior
média anual de conflitos desde a redemocratização do país, em 1985.
Houve uma média anual de 929 confrontos nos sete primeiros anos da
gestão Lula.
O estudo divide o governo Fernando Henrique em dois momentos — o
primeiro, de 1996 a 2000, e o segundo de 2001 a 2002, depois da edição
de Medida Provisória que tirou as terras invadidas do programa de
reforma agrária. A média anual de confrontos nas duas fases do governo
tucano são, respectivamente, de 800 e 537.
— O fato de não ter havido uma reforma agrária, com o assentamento de
todas as famílias acampadas, é um motivador da permanência do conflito
no governo Lula — avalia José Baptista de Oliveira, do MST.
Porto-Gonçalves, o autor da pesquisa, acredita que a perspectiva
criada no começo do governo Lula de que a reforma agrária avançaria
contribuiu para que proprietários de terra endurecessem no confronto
com os movimentos.
— Sempre que avança a expectativa de que o Brasil vai democratizar o
acesso à terra, a resposta das oligarquias é a violência — disse.
Apesar do aumento dos confrontos, os movimentos avaliam que o governo
Lula foi marcado pela aproximação com as entidades que lutam por
terra, até porque houve um aumento do repasse de recursos para órgãos
ligados aos sem-terra, além do loteamento de superintendências do
Incra entre partidos aliados e, principalmente, grupos ligados ao MST.
— Houve um diálogo permanente com todo o governo. Apesar de o diálogo
não ter significado ações por parte do Incra. Até os compromissos
assumidos pelo próprio presidente não se concretizaram — afirma
Oliveira, do MST.
O diálogo e o aumento do repasse de recursos não serviram para
reduzir as invasões, que haviam caído nos dois últimos anos do governo
Fernando Henrique. A média anual foi de 373 ocupações, contra 198 do
fim da gestão tucana. Nos cinco anos anteriores do governo de Fernando
Henrique (1996-2000), antes da MP que tirou terras invadidas do
programa de reforma agrária, o número de ocupações era maior: 507.
— O governo Lula criou uma expectativa grande, e muitas pessoas se
mobilizaram em grandes acampamentos.
Mas muitas famílias que começaram o governo acampadas seguem
acampadas — afirma o líder do MST.
Em 2002, o movimento contabilizava 200 mil famílias em acampamentos
no Brasil. Hoje, são 100 mil.
O Incra acredita que houve evolução da questão agrária durante o governo Lula.
— Houve um grande avanço na obtenção de terras, e principalmente a
retomada de terras ilegalmente ocupadas.
Também criamos assentamentos diferenciados para cumprir a legislação
ambiental. E o apoio inicial ao assentado, que era de R$ 7,4 mil,
agora chega a até R$ 49 mil — disse Rolf Hackbart, presidente do
órgão, que está no cargo desde o início da gestão.
— Credito muito dessa expectativa a não saber como funciona um
processo de desapropriação judicial. Temos restrições orçamentárias —
acrescenta.
Sobre o aumento dos conflitos, Hackbart diz que os critérios da
Pastoral da Terra são diferentes dos do Incra, mas reconhece um
acirramento das tensões no campo.
— Salvo melhor juízo, a terra nunca foi tão disputada. Há muitos
grupos estrangeiros comprando terra no Brasil. Como é um meio de
produção em disputa, a tendência é haver conflito, sim.
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