domingo, 26 de dezembro de 2010

O LEGADO DO FENÔMENO LULA A CONSTRUÇÃO DO MITO LULA (I)

O Globo - 19/12/2010

A principal definição da Era Lula foi feita pelo próprio presidente
Lula. No meio do primeiro mandato, citando Raul Seixas, ele afirmou:
“Eu sou uma metamorfose ambulante”. Foi o momento em que as políticas
que o PT sempre condenara na economia começavam a mostrar resultado
sob Lula. Há 15 dias, traçando um retrato de seu governo, ele disse:
“O segredo do meu sucesso é ter feito apenas o óbvio”. Um balanço por
dentro da administração Lula mostra que isso é verdade. O que revela
um paradoxo: um presidente com uma popularidade recorde e um governo
com poucos avanços em áreas-chave para o país, como educação, saúde,
saneamento, infraestrutura e as reformas política, previdenciária,
trabalhista e sindical.

Presidente deixa o poder após oito anos como fenômeno político, apesar
de seu governo pouco ter avançado em áreas fundamentais da
administração, como educação, saúde, saneamento, infraestrutura,
reforma agrária e sem ter feito as reformas política, previdenciária,
trabalhista e sindical

A13 dias de deixar o Planalto, o presidente Lula exibe uma inédita
popularidade na História da República. Seu governo foi marcado por um
avanço sem precedentes na educação do país; na saúde, ele consolidou o
SUS, deixa serviços de qualidade para a população e uma gestão mais
eficiente dos recursos; como se esperava de um governo de esquerda,
Lula universalizou o saneamento básico; da mesma forma, cumpriu a
promessa histórica do PT e fez a reforma agrária; na área da
infraestrutura, deixa aeroportos novos, estradas duplicadas e portos
desburocratizados; além disso, usou a sua ampla maioria no Congresso
para avançar na reforma política e na atualização da legislação
previdenciária, das relações trabalhistas e sindicais.

Infelizmente, nenhuma das afirmações anteriores é verdadeira — com
exceção da estratosférica popularidade de Lula. Mas como podem
conviver um presidente bom e um governo ruim? Só a estabilidade
econômica (herdada do governo anterior) explica isso? Seria o Bolsa
Família? Ou é tudo fruto do carisma pessoal do ex-operário, com quem o
povo brasileiro se identifica? Para debater essas e outras questões e
contradições da riquíssima Era Lula, O GLOBO publica este caderno
especial. Míriam Leitão, Merval Pereira, Marco Antonio Villa e Carlos
Alberto Sardenberg analisam esses últimos anos, em que “nunca antes na
História deste país...” houve paradoxos tão grandes. Articulistas que
escreveram no primeiro caderno especial sobre o governo Lula, ainda
sobre as expectativas que o rondavam naquele 2002, reexaminam seus
textos e analisam o que foi feito e o que ficou para depois. O
presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e o ex-ministro de
Desenvolvimento Social Patrus Ananias, responsáveis pelos resultados
que mais ajudaram a alavancar a popularidade do presidente, na
economia e no social, falam de suas experiências. Da mesma forma, o
chanceler Celso Amorim, um dos poucos ministros a atravessar os oito
anos ao lado de Lula, fala sobre a política externa do período. O
jornalista José Casado revisitou as promessas eleitorais de Lula e
também faz um balanço do que foi cumprido ou não. Um resumo de oito
anos de um governo é trabalho para a História. O presidente Lula já
começou a fazer o seu: na quarta-feira, fez um balanço cor-de-rosa de
sua gestão numa solenidade oficial. O GLOBO deixa a sua contribuição,
ainda no calor do governo, neste momento em que Lula deixa o Planalto
e entra para a História.

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