No poder, PT mancha a estrela com escândalos
CHICO DE GOIS
O Globo - 19/12/2010
Desde que chegou ao Planalto, partido se envolveu numa série de casos
como do mensalão e de dossiês
O“santo” deixou-se flagrar em pecado. O PT, que desde sua criação, em
1980, esmerou-se na arte da guerra, atacando quem estava no governo
com uma logística que tinha como principal arma a defesa da ética e a
esgrima contra a verdadeira ou suposta corrupção dos opositores,
sucumbiu à tentação do poder. Uma vez catapultado à cadeira mais macia
do Palácio do Planalto, o vermelho que caracterizava a raiva do
partido deu espaço para o vermelho que envergonhou a muitos. E
descobriu- se o óbvio: o PT é um partido como outro qualquer. A
constatação foi feita por ninguém menos que seu presidente de honra e
então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.
Grandes e barulhentos escândalos de corrupção se sucederam ao longo
dos últimos oito anos.
Ao subir a rampa em janeiro de 2003, depois de três tentativas
frustradas, a legenda foi, aos poucos, demonstrando que no reino da
Esplanada dos Ministérios não há santos. O primeiro sinal de que
pecados havia surgiu logo no início da gestão petista. Atendia pelo
nome de Waldomiro Diniz e estava lotado no Palácio do Planalto,
alojado na Subsecretaria de Assuntos Parlamentares da Presidência. Era
assessor direto do então todo-poderoso ministro da Casa Civil, José
Dirceu — que muitos depois tentaram caracterizar como o “coisa ruim”,
responsável por tudo de mau que aconteceu no primeiro mandato de Lula
e na geração seguinte.
Waldomiro foi flagrado em filmagem pedindo propina para si e dinheiro
para campanha política em 2002, quando presidia a Loteria do Estado do
Rio de Janeiro (Loterj). Queria pouco, para os padrões vigentes na
política: 1% de comissão.
O pedido era dirigido a Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira,
empresário de jogos. Para muitos, era simplesmente bicheiro.
A revelação se deu em fevereiro de 2004 e serviu como roteiro para o
comportamento que o PT e o governo adotariam nos outros escândalos que
se seguiam: negação da prática, ataque à oposição, discurso de que se
pretendia desestabilizar o governo, proteção no Congresso para evitar
a todo custo que o acusado viesse a público prestar esclarecimentos e
exoneração a pedido.
“Soube da notícia às dez e meia da manhã e, ao meio dia, eu já tinha
exonerado o cidadão (Waldomiro Diniz)”, disse Lula em seu programa de
rádio, no 4º dia após a divulgação da denúncia.
Embora o caso Waldomiro tenha abalado a reputação do PT, nada se
comparou ao inferno que estava por vir. O fogo amigo veio de alguém
que se assentava em reuniões com o presidente Lula. Como no roteiro
anterior, o pecado foi gravado em vídeo e exibido em rede nacional,
depois transformando-se no rumoroso escândalo do mensalão.
Começou com um simples funcionário dos Correios, resvalou no
presidente do PTB, então deputado Roberto Jefferson, que se agarrou na
cúpula do governo, quase levando para os confins o presidente Lula.
Maurício Marinho era funcionário de carreira dos Correios e ocupava
posição de mando numa diretoria pelas mãos de Jefferson. Ao ser
pilhado, acusou seu padrinho de estar por trás de um esquema bem
maior, que tirava dinheiro dos cofres públicos para distribuir sabe-se
lá a quem.
Jefferson, percebendo que o caldo engrossara ao seu redor, agiu como
o PT: passou a ver a mão de inimigos políticos na mexida da frigideira
que o fritava.
E fez o que sabe bem: falar.
Numa entrevista ao jornal “Folha de S.Paulo”, acusou o governo de
pagar mensalão para deputados aprovarem projetos de interesse do
Palácio do Planalto. O cabeça do esquema seria José Dirceu. A mão
operadora, o então tesoureiro do PT, Delúbio Soares. Os tentáculos
passavam por Minas, por um “carequinha”, como ele se referiu a Marcos
Valério, o homem que transformou em marketing negativo o jeitinho PT
de governar.
Neste caso, o presidente Lula resistiu a se livrar dos companheiros do PT.
Mas, um a um, nomes que brilhavam no panteão petista acabaram
lançados às profundezas: o presidente do partido José Genoino; o
ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha; o ex-líder do governo Luiz
Carlos Silva, mais conhecido como professor Luizinho; o ex-presidente
do PR Valdemar da Costa Neto; o exsecretário- geral do PT Silvio
Pereira. E o poderoso José Dirceu, a quem Jefferson mandara sair da
cadeira antes que atingisse Lula.
Menos de dois meses depois de estourado o escândalo, muitos já tinham
caído. E Lula começou a adotar o discurso que exploraria muitas vezes
ao longo do seu governo. Primeiro, dizendo que o PT estava fazendo o
que todos os partidos fizeram a vida toda.
Depois, insistindo que no seu governo a diferença é que havia combate
à corrupção e punição.
“Nesses 29 meses de governo mais de mil pessoas foram presas no
Brasil, ou seja, presas de verdade, por sonegação, por prática de
corrupção. (...) Goste quem gostar, doa a quem doer, nós vamos
continuar sendo implacáveis na apuração da corrupção e quem tiver que
ficar bravo com o governo, que fique. Mas se tiver, nós vamos apurar”,
disse em julho de 2005.
O mensalão nem tinha acabado e, às vésperas das eleições de 2006, o
Brasil conheceu outros personagens: os aloprados.
Alcunha dada pelo próprio Lula aos petistas paulistas que se meteram
na compra de falso dossiê contra tucanos — especialmente contra José
Serra, que disputava o governo paulista.
A ação da turma, que parecia roteiro de filme policial, teve direito
a maletas de dinheiro em quarto de hotel. Como no caso anterior, os
envolvidos frequentavam os arredores do Planalto.
Em alguns casos, até a intimidade da churrasqueira do presidente.
Antes do “dossiê dos aloprados”, um outro escândalo abalou o governo
e o Congresso, em maio de 2006, quando a Operação Sanguessuga da
Polícia Federal tornou público um grande esquema de superfaturamento
de ambulâncias compradas com dinheiro de emendas parlamentares ao
Orçamento da União para prefeituras. A PF prendeu 48 pessoas, mas
todos foram soltos e respondem a processos em liberdade. O Congresso
abriu uma CPI, e as investigações resultaram na abertura de 67
processos contra deputados e três senadores acusados de envolvimento.
Nenhum dos parlamentares foi punido pelo Congresso. Nem o processo
judicial teve ainda condenação. A pena foi aplicada pelas urnas. Na
Câmara, apenas cinco dos que responderam a processos no Conselho de
Ética foram reeleitos naquele ano de 2006. O esquema que envolveu
dezenas de parlamentares e prefeitos era comandado por Luiz Antonio
Vedoin e Darci Vedoin, sócios da empresa Planam.
O então ministro da Saúde, o petista pernambucano Humberto Costa,
perdeu o cargo e chegou a ser indiciado, a pedido do Ministério
Público. Recentemente, foi absolvido. E, em outubro, ganhou um mandato
de senador.
Segundo a Controladoria Geral da União (CGU) e o Departamento
Nacional de Auditoria do Ministério da Saúde, a máfia dos sanguessugas
causou prejuízo de mais de R$ 15 milhões, com a compra de ambulâncias
superfaturadas em mil convênios assinados com cerca de 600 municípios.
Apesar de todo o terremoto, a terra não se abriu sob os pés de Lula.
Ao contrário.
Foi reeleito.
Só teve que esperar a vitória no 2º turno. N o 2 o - mandato, os
pecados continuaram. Em vez de vídeos de pessoas recebendo dinheiro e
de intrincadas operações de distribuição, os escândalos surgiram em
forma de dossiês.
E atingiram a “guardiã da porta do céu”, a então ministra Dilma
Rousseff — que negou qualquer ação contra as práticas republicanas.
Começou com a revelação de que sua braço direito, Erenice Guerra,
pedira um levantamento de todos os gastos do presidente Fernando
Henrique Cardoso (PSDB) e sua mulher, Ruth, com cartões corporativos.
A ideia do ataque era neutralizar a exploração do fato de que a
Presidência estava utilizando os cartões para compras que pouco tinham
a ver com questão de segurança nacional.
Erenice Guerra, a amiga, se envolveu em mais casos rumorosos e, este
ano, quase levou Dilma à derrota nas eleições presidenciais. Seu fogo
amigo por pouco não se transformou em incêndio sem controle. E o
ingrediente inflamável foi o mesmo de escândalos anteriores: dossiê.
Começou com levantamentos clandestinos de Imposto de Renda de tucanos.
E acabou com a demonstração de que a assessora mais poderosa de Dilma
tinha tanto poder que conseguiu encaixar no governo uma parentada que
ia dos filhos ao marido, passando por irmãos e amigos. Todos acusados
de tráfico de influência. E muitos exonerados no rastro das denúncias.
Inclusive a própria Erenice, que já era apontada, antes da vitória
petista, como “a toda-poderosa” do futuro governo Dilma.
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