Na saúde, mais escândalos que resultados
EVANDRO ÉBOLI
O Globo - 19/12/2010
Vampiros e sanguessugas marcaram oito anos de administração, enquanto
medidas moralizadoras na gestão pouco avançaram
No governo Lula, o Ministério da Saúde foi ocupado por quatro
diferentes titulares, todos ligados ao chamado Movimento Sanitarista,
comprometido com o desenvolvimento do Sistema Único de Saúde (SUS). No
dois mandatos, porém, o presidente patrocinou uma gestão sem marcas na
saúde, com a manutenção da desigualdade no atendimento à população. O
volume de dinheiro privado investido no setor é maior que o público, o
governo perdeu a receita da CPMF e medidas consideradas moralizadoras
na gestão de hospitais públicos, como a criação de fundações estatais,
não avançaram. O projeto esbarrou no corporativismo do próprio PT no
Congresso Nacional.
O partido foi obrigado a dividir o ministério com o aliado PMDB ao
longo dos oito anos da Era Lula. O primeiro ministro da Saúde, o hoje
senador eleito Humberto Costa (PTPE), não poupa críticas aos
peemedebistas que o sucederam. Ele considera que os avanços na gestão
Lula ocorreram todos nos seus dois anos e meio à frente da pasta.
— Se comparado a outras políticas sociais do governo Lula, a área de
saúde ficou a desejar. Deveria ter melhorado mais. Atribuo esse fato à
descontinuidade, com as mudanças no ministério. Poderiam ter melhorado
a qualidade do atendimento e do serviço de emergência, entre outros
gargalos — disse Humberto Costa.
Entre as ações que implementou, o petista enaltece o Samu (sistema de
gerência do serviço de ambulâncias), o Farmácia Popular, o Brasil
Sorridente e a expansão do Saúde da Família.
Costa afirmou ter sido vítima de perseguição, até mesmo de “fogo
amigo”, de gente do PT.
— A área da saúde foi muito cobiçada, até por muita gente do PT, que
aspirava o cargo e buscou me desestabilizar.
Por ser do Nordeste, fui vítima de um preconceito muito forte.
Foi na gestão de Humberto Costa o registro do primeiro escândalo na
saúde no mandato de Lula. A Operação Vampiro, da Polícia Federal,
desvendou um esquema de fraudes na compra de coagulantes usados no
tratamento de hemofílicos. O desvio teria chegado a R$ 2 bilhões e
levou 17 pessoas à prisão e vários outros foram investigados, além de
36 servidores que enfrentaram o afastamento.
— Apesar de ter sido responsável pela deflagração dessa investigação,
terminei sendo indiciado. Por isso, perdi uma eleição. Somente agora
fui inocentado e o Ministério Público pediu minha absolvição.
Depois de Costa, o ministério foi ocupado pelo deputado federal
Saraiva Felipe (PMDB-MG). Ele ficou apenas oito meses e foi sucedido
por Agenor Álvares, que permaneceu um ano no cargo. O atual ministro,
José Gomes Temporão, é o mais longevo deles. Se sair junto com Lula,
Temporão terá permanecido três anos e nove meses frente à pasta. Ele
foi uma indicação do PMDB do Rio.
Temporão considera que houve muitos e significativos avanços e
destaca o fortalecimento do serviço de atenção básica, com a ampliação
da cobertura do Saúde da Família. O ministro cita a redução da
mortalidade infantil, que teria caído de 23,6 para 19 óbitos para cada
grupo de mil crianças nascidas vivas.
Na área de promoção da saúde, o Temporão afirma que foi um dos
articuladores da Lei Seca, que diminui casos de morte no trânsito.
O ministro afirmou que, apesar dos avanços que citou, é preciso
melhorar muito. Ele apontou a falta de recursos como o problema que
enfrentou.
— O subfinanciamento é o principal problema do SUS. Hoje gastamos
3,5% do PIB em saúde. Temos que dobrar esse percentual, para começo de
conversa.
Esse entrave dificulta a melhoria da qualidade dos serviços e uma
ampliação maior do acesso — disse.
Temporão atribuiu à reação das corporações a não implementação do
projeto de fundação estatal, que permitiria aos serviços públicos de
saúde, por exemplo, demitir incompetentes. A bancada do PT,
principalmente os parlamentares sindicalistas, foi a maior opositora
do projeto.
— As corporações defendem um modelo anacrônico totalmente superado,
de manter a estabilidade rígida do funcionalismo público — afirmou
Temporão.
A médica e professora Ligia Bahia, do Laboratório de Economia da
Saúde da UFRJ, diz que a homogeneidade na escolha dos ministros da
Saúde de Lula, todos sanitaristas, é distinto do perfil anterior,
quando o escolhido era médico prestigiado, um cientista, um
parlamentar ou um economista.
— Mas a preferência pela escolha de profissionais com trajetória de
militância ativa na saúde pública não necessariamente correspondeu à
priorização do tema na agenda do governo — analisa ela.
Para o pesquisador Mário Scheffer, da Faculdade de Medicina da USP, o
governo Lula foi um retrocesso na política de fiscalizar os planos de
saúde, ao lotear a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) com
profissionais oriundos do setor privado.
— A ANS é a agência com maior número de conflitos de interesse. O
setor regulado ocupa cargos estratégicos na fiscalização. Essa foi uma
marca desse governo — afirmou Mário Scheffer.
Para o pesquisador, aumentou a desigualdade no acesso à saúde no país.
— O financiamento privado responde por 55% do investimento na saúde.
Isso é muito ruim. Em todos os sistemas universais, como o SUS,
prevalece o recurso público. Estamos na contramão do planeta.
Neste governo, segundo Temporão, 24 medicamentos que antes eram
importados passaram a ser fabricados no Brasil. São remédios para
Alzheimer, hemofilia, osteoporose, Aids, asma e tuberculose. O Brasil
decretou neste período o licenciamento compulsório de um medicamento,
o Efavirenz, do coquetel para o tratamento da aids.
— Lembro de muita gente dizendo que isso iria desestimular o
investimento estrangeiro no Brasil. O que aconteceu foi exatamente o
contrário.
Nunca se viu tanto investimento e fábricas abrindo no setor — disse Temporão
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