quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

De Lula para Dilma (Marcos Coimbra)

Nos balanços sobre o governo Lula que nestes dias pululam, o tom, na maior parte das vezes, é uma mistura elogios e críticas. Há os que unicamente encontram motivos para desmerecê-lo, mas são raros. Salvo um ou outro dinossauro da antiga direita e os cômicos personagens da “nova direita” da mídia, quem tem um mínimo de bom senso sabe que avaliá-lo desse modo é bobagem.

Também existem os que acham que tudo foi uma maravilha, que Lula não pode ser cobrado por nada, pela simples razão de que só acertou. São ainda menos frequentes, mas, vez por outra, ainda aparecem, especialmente entre lulistas da velha guarda.

Quase sempre, os balanços procuram ser equilibrados, ressaltando acertos e erros, sucessos e fracassos. Como, no entanto, a verdadeira imparcialidade não existe, mesmo esses revelam de que lado estão os autores, se são mais ou menos favoráveis ao governo.

Do lado positivo, o grande consenso é a política social, capitaneada pelos programas de transferência de renda e cujo carro-chefe o Bolsa-Família. Só os preconceituosos não veem sua importância e insistem no discurso de que ele perpetua a pobreza e aumenta a dependência dos beneficiários. A evidência de que isso não é verdade é tão ampla que somente a desinformação explica a sobrevivência do estereótipo.

Do lado negativo, até quem simpatiza com Lula costuma arrolar o mensalão e os escândalos de corrupção como as “manchas” de seu governo, seu pecado capital. Quando o assunto chega aí, mesmo o mais ardoroso petista fica intimidado e prefere desconversar.

No meio, entre o Bolsa-Família e o mensalão, temos o vasto território de tudo mais que o governo fez: política econômica, relações internacionais, políticas setoriais, relações com os Poderes, ação política. A respeito desse conjunto, prevalece a visão de que Lula acertou mais que errou, quando se põem na balança as iniciativas de seus dois mandatos.

Para quem não gosta de Lula, o saldo é positivo mais pelo que ele deixou de fazer, quando manteve as linhas mestras da herança de Fernando Henrique, a começar pela política econômica e o princípio da responsabilidade fiscal. Quem o admira ressalta o oposto, as mudanças realizadas na gestão da economia e o caráter inovador das medidas que criaram o ambiente de desenvolvimento que levou o país aos resultados a que chegamos.

Enquanto os analistas fazem sua contabilidade, as pesquisas de opinião revelam uma opinião pública muito mais favorável a Lula. Se as pessoas comuns pensassem como os entendidos, o presidente não estaria encerrando seu período com 87% de aprovação e Dilma talvez não tivesse sido eleita ao assumir o compromisso de continuar seu trabalho.

Sempre se pode dizer que o povo está errado, que foi e continua a ser enganado por Lula, que, com sua habilidade e seu “poder de comunicação”, manipula os sentimentos dos cidadãos “mais simples” (nunca os da classe média “mais lúcida” e de seus intelectuais, que se mantêm “vigilantes”). Ou seja, que Lula “não merece” a boa avaliação que recebe, e que Dilma ganhou a eleição em consequência da combinação de esperteza e falta de escrúpulos de seu mentor.

Mas podemos olhar a aprovação de Lula e a vitória de Dilma de outra premissa, reconhecendo que o povo é perfeitamente capaz de fazer julgamentos racionais. Em outras palavras, procurando entender o que quer dizer um presidente que termina um governo tão longo com tamanha popularidade.

O Lula de antigamente virou o Lula deste final de 2010 em função de duas comparações e como resultado de uma aposta bem sucedida. Ele foi melhor como presidente que todos que a população conheceu e superou a expectativa que as pessoas tinham do que seria. E fez com que aqueles que votaram nele achassem que acertaram quando confiaram em alguém como ele, apesar de tudo que tinham ouvido (e continuaram a ouvir) em contrário.

É claro que foi por isso que Dilma ganhou e que vai começar a governar com a torcida quase unânime da população. A esperança de que ela será uma presidente tão boa ou melhor que Lula é mais uma prova da admiração que o povo tem pelo trabalho feito nos últimos anos, no qual ela foi peça fundamental.

Tomara que estejamos (quase) todos certos!



Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

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